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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. v.60 n.2 Rio de Janeiro jun. 2008
ARTIGO
A violência do preconceito: a desagregação dos vínculos coletivos e das subjetividades
The violence of prejudice: the desaggregation of collective bonds and of subjectivities
Angela Maria Pires Caniato
Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil.
Endereço para correspondência
RESUMO
O preconceito é uma das mais perversas estratégias de opressão que rege o processo discriminatório entre os homens na contemporaneidade. Isto porque a violência nele embutida é, na maioria das situações, dissimulada sob a guarida de vivermos em uma sociedade “democrática”, que oferece “segurança” aos indivíduos e que é composta por gente “civilizada”. O preconceito é difundido por meio de representações ideológicas que atuam sobre os indivíduos nos moldes da Indústria Cultural, isto é, são internalizadas de maneira mais ou menos inconsciente. Nestas contingências, os indivíduos são jogados na regressão psíquica, perdendo a capacidade de pensar criticamente para poder agir de forma protetora de suas vidas, enfim, saber defender-se da hostilidade social. A violência do preconceito, além de produzir o isolamento entre os indivíduos, introduz a desconfiança entre os pares e funciona nos moldes de uma severa autopunição do sentimento de culpabilidade. Sob o preconceito, os indivíduos tornam-se cúmplices do processo social que os engana e violenta.
Palavras-chave: Preconceito; Violência; Autopunição; Regressão psíquica.
ABSTRACT
Prejudice is one of the most perverse oppression strategies that governs the discriminatory process among peoples. Violence in bias is frequently camouflaged under the guise of a “democratic” society, made up of “civilized” people, that offers “security” to all. These terms are spread through ideological representations that act over individuals very much in the manner as the Cultural Industry, or rather, they are somewhat internalized in a unconscious mode. Individuals are thus thrown into a psychic regression by which they lose their ability to think critically and act according to a protecting stance. In other words, they lose their capacity to defend themselves against social hostility. Besides isolating individuals, the violence of prejudice introduces distrust among colleagues and functions within the context of a severe self-punishment of blame complex. Individuals affected by bias become accomplices of the social process that deceives and violates them.
Keywords: Prejudice; Violence; Self-punishment; Psychic regression.
Um Caminhar pelas Imbricações Relacionais do Preconceito
O preconceito é uma atribuição social de malignidade a determinados indivíduos e grupos, correspondente a uma categorização de classe social que, muitas vezes, veicula uma atitude política e étnica aversiva. Constitui-se de “um conjunto de opiniões, crenças e atitudes negativas contra grupos socialmente discriminados e se fundamenta no medo irracional que desenvolvemos em relação a eles. A falta de contato e convívio mais próximo com os grupos socialmente discriminados contribui, sem dúvida, para aumentar esse medo” (CARONE, 2005).
Um grau significativo de rejeição e intolerância sociais é dirigido a esses supostos “portadores do mal” e é alimentado pela inconsciência do medo que se tem desses indivíduos, propagando-se no tecido social sem passar pelo crivo de um exame crítico. Embora categorizações excludentes existam em todos os agrupamentos humanos, no contexto classista da sociedade capitalista, o preconceito preenche, mais ou menos intencionalmente, uma função ideológica encobridora da primazia de oportunidades para os grupos hegemônicos.
As representações preconceituosas, uma das expressões da violência social, manifestam-se por meio de signos de periculosidade distintos e com atribuição de perversidades a indivíduos e grupos diferentes. Isso porque a escolha de quem deve ser hostilizado atende a interesses político-econômicos hegemônicos de cada época. Esse processo de “dividir para reinar”, portanto, sofre as conseqüências de determinações históricas e, na contemporaneidade, exprime-se de forma cada vez mais encoberta e sutil. Conseqüências destrutivas permeiam a vida dos estigmatizados pelo preconceito, em especial quando tais representações são internalizadas inconscientemente pelos indivíduos destinatários do preconceito, que se tornam “portadores” de tais atribuições de malignidade.
O preconceito é, possivelmente, uma das mais eficientes e perversas estratégias de controle e de exclusão sociais, pois a violência das representações preconceituosas (violência simbólica) perfura/ilude as estruturas psíquicas conscientes e, como em um susto-traumático (FREUD, 2006), instala-se na irracionalidade da vida psíquica e reverbera continuamente (repetição compulsiva do sofrimento recalcado) seus efeitos deletérios. Sem o saber, os indivíduos desarmados de qualquer possibilidade de defesa assumem, como suas, as “perversidades” que são difundidas pelas “idéias” preconceituosas. Aderem mais ou menos conscientes aos atributos de malignidade que lhes são impingidos. A labilidade psíquica cede espaço para a implantação na vida mental dessa atribuição, e o indivíduo acaba por tomá-la como se fosse originária de si próprio. É nesse processo de identificação inconsciente com tais atribuições que o indivíduo se torna cúmplice deste processo social que o violenta e rejeita. Por outro lado, é com sua adesão a essas “idéias” que o preconceito ganha força de verdade. Os indivíduos, internalizando tais representações violentadoras e tomando-as como se fossem próprias, acabam por exibir atitudes condizentes com tais malignidades e, assim, ratificam o que lhes é socialmente atribuído.
A perversidade embutida na internalização dessas atribuições sociais de malignidade (violência social internalizada) é difusa e antagônica. Em especial, quando se tornam inoperantes as funções egóicas de discriminação do real inimigo/opressor. Revertidas e deslocadas para o mundo interno e inconsciente dos indivíduos, tais representações, ideologicamente pervertidas, embebem a vida psíquica dos sujeitos e passam a administrar seus desejos, seus sentimentos, seus pensamentos e suas ações de forma a torná-los cooperadores/cúmplices da crueldade social que os atormenta. As estratégias de encobrimento da violência social do preconceito potencializam a aceitação dessas idéias por ampla camada da população que não só dá crédito de confiabilidade a certas formas de fazer ciência como também agrega veracidade aos discursos de determinados governantes. O preconceito vai se alastrando na sociedade, perpetuando e justificando até ações bélicas contra os grupos malignizados. Tais violências corrosivas não terminam no âmbito da intimidade subjetiva – nessa espécie de prazer em “lamber as feridas” – e, sim, nas atrocidades que penetram sorrateiramente os vínculos interpessoais nos moldes do que Theodor Adorno examina em “A educação após Auschwitz” (ADORNO, 1986b, p. 39-40):
Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar, que precisou reprimir. Esse mecanismo deve ser conscientizado, da mesma forma como deve ser fomentada uma educação que não mais premie a dor e a capacidade de suportá-la. [...] não devemos reprimir o medo. Quando o medo não for reprimido, quando nos permitirmos ter tanto medo real quanto essa realidade merecer, então possivelmente muito do efeito destrutivo do medo inconsciente e reprimido desaparecerá.
O potencial destrutivo dessa violência, se mantido sob repressão, esparrama-se nas relações entre os indivíduos. Pode assumir diferentes formas e até voltar-se contra os próprios pares, esmagando toda e qualquer intenção de laços coletivos. Um desses descaminhos é a externalização em atos catárticos de vandalismo individual e/ou de pequenos grupos que, apenas, exprimem o ressentimento e uma malfadada vingança diante das violências sofridas. Trazem um alívio temporário e uma ilusão de vitória contra o opressor porque apenas vêm confirmar e legitimar também as atribuições de periculosidade anteriormente imputadas a tais indivíduos. A represália social não tarda. Pior ainda: ficam confirmadas socialmente as atribuições sociais de periculosidade desses indivíduos e grupos. Justifica-se, pois, a aplicação de diferentes formas de coerção social, mais ou menos ostensivas e violentas contra eles. O ciclo da autopunição desemboca no cerco policial e na represália armada conducente ao extermínio coletivo (CANIATO, 2003).
Este processo, de fato, em especial porque escamoteado por expressões ideologizadas, expõe os indivíduos e os grupos a um violento e doloroso processo de idiotização regressiva. Esta sedimenta a impotência individual e a apatia dos grupos sob a culpabilização por suas mazelas e fracassos psicossociais. Restam os “pobres renitentes” para os quais está reservada a pseudoproteção do enredamento nas malhas dos rendosos e lucrativos “negócios” do crime organizado e do tráfico de drogas. Embora eles não admitam, estes “paraísos fiscais” se restringem ao se digladiarem entre si, ferrenhamente, até a morte e/ou até virem sucumbir sob as armas das forças de “segurança” estatais. O que dizer do que vem ocorrendo com os designados, oficialmente, como “adolescentes em conflito com a lei”, que devem receber “medidas socioeducativas” em abrigos/prisões cheios de celas com grades de ferro, algemas para a locomoção interna e guardas em guaritas blindadas para coibir rebeliões e fugas? O que ocorre com os jovens pobres, sob a proteção estatal, que denunciam a violência que sofrem nos enfrentamentos desesperados das rebeliões “camicases” nas instituições educativas da ex-Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM)? Para muitos, inclusive para psicólogos influentes neste setor, a juventude é violenta (JUVENTUDE..., 2005), o que é dito, de forma explícita, em entrevista para uma revista da categoria profissional. Enquanto isso, em universidades famosas de Porto Alegre – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) –, médicos que se dizem cientistas estão buscando novas máscaras para velhas práticas de extermínio e exclusão, que são exibidas e alardeadas no programa Fantástico da Rede Globo de Televisão, para obter adesão da população desavisada. Estes profissionais estão procurando provar, por pesquisas genéticas e exames neurológicos, que a destrutividade de jovens das classes pobres é herdada; portanto, de natureza biológica e hereditária (CIESPI, 2007). Felizmente, a comunidade científica vem protestando contra estas arbitrariedades.
O filme Tropa de elite1, porém, mostra claramente o destino social destes adolescentes favelados: a tortura e a carnificina efetuada pela polícia. Mesmo com toda a arbitrariedade exibida, muitos brasileiros saudaram a bravura do capitão Nascimento. Cada vez mais, aumenta o número daqueles, bem intencionados ou não, que estão pedindo a presença da polícia nas ruas para acabar com os folguedos de vestibulandos “barulhentos e baderneiros”, ávidos por entrar em uma universidade pública. É de espantar o ocorrido no período do último vestibular de verão da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná. A parafernália publicitária opressiva começou, pelo menos, uma semana antes do vestibular. Foi realizada uma entrevista com um policial militar que nomeou as tarefas dos policiais sob seu comando, para fazer valer a “lei do silêncio” nos “dias festivos” do vestibular. No dia 27 de novembro de 2007, foram publicados, em um jornal da cidade, o artigo “Abaixo-assinado contra ‘badernas’ no Jardim Universitário” (ABAIXO-ASSINADO..., 2007) e a reportagem sobre o plano de ação da Polícia Militar sob o título “Força tarefa vai coibir som alto com a aplicação da lei” (FORÇA..., 2007). As notícias de pancadarias e do conflito entre os estudantes e a polícia continuaram sendo manchete no período do vestibular (de 2 a 4 de dezembro de 2007): são as prisões de vestibulandos, as apreensões de carros. Um balanço da violência policial contra os estudantes foi publicado no dia 4 de dezembro de 2007 (EMPRESÁRIO..., 2007; PRISÕES..., 2007). Isto, sim, dá medo, pois estamos diante de um perigo real! Muito pior: essas ações de violência têm o apelo e a adesão da população, isto é, ela é exercida com a permissão social de alguns. O homem comum fica totalmente rendido e vulnerável a uma bala perdida e/ou a um massacre coletivo sob o jugo e arbítrio das armas do poder de polícia do aparato repressivo do Estado. É possível que os familiares desses vestibulandos, que, em sua maioria, moram em outras cidades, tenham ficado muito apreensivos e preocupados com a perspectiva de seus filhos virem a cursar a universidade em Maringá.
A Violência e a Produção de Preconceitos na/pela Sociedade Contemporânea
É interessante situar o contexto social da contemporaneidade para melhor vislumbrar a extensão que o preconceito vem assumindo em uma sociedade que cada vez mais está uniformizada pela apologia da lógica do dinheiro, que glamouriza e deifica a mercadoria em oposição ao flagrante esvaziamento do humano dos homens. Exige-se o consumo compulsivo e voraz para acumular e/ou esbanjar luxo, precisando-se até roubar para não faltar um tênis Nike. Poucos ascendem à riqueza e se exibem como poderosos diante de uma maioria sem condições financeiras, trancando-se em casas cheias de câmeras e cercas elétricas para se protegerem da pobreza criminosa que passa fome nos bairros “perigosos” da periferia das cidades. Como?! Tem valor quem tem dinheiro! A riqueza chega a alguns, e quem não a tem – a pobreza dissemina-se entre a maioria dos homens – é tratado como portador de uma incapacidade individual: é vagabundo e não quer trabalhar. Esse contexto, por si só, forja relações altamente persecutórias porque estão carregadas de atribuições preconceituosas nas quais os privilegiados por riquezas são enaltecidos como portadores do bem e aqueles poucos que conseguem trabalho são os que carregam a sociedade com seu esforço – os pobres são perseguidos como os portadores do mal. A ética transmuta-se para a lógica do dinheiro; não ter dinheiro passa a ser uma incompetência individual, “digna de condenação”. Vejam a violência do cinismo encoberto por essas afirmativas que ignoram a redução dos postos de trabalho que vem sendo produzida pelo capitalismo contemporâneo (MARTIN; SCHUMANN, 1999).
Na era da avareza (MARIOTTI, 2000), a dicotomização dos homens entre aqueles que são portadores do bem (ricos) e os outros que atemorizam por serem detentores do mal – perigosos (pobres) – ganha dimensões mundiais e encobre a ganância pelo dinheiro tornado fetiche. Por outro lado, a complacência coletiva e a indiferença de indivíduos e grupos diante desta perversa crueldade atravessam as relações entre os homens. A apatia social reafirma o status quo discriminatório, expresso no silêncio fúnebre de vozes sufocadas pela violência do controle e vigilância sociais (CANIATO; NASCIMENTO, 2007; CANIATO, 2008). Ambas são animadas pelo serpentear venenoso de relações de poder, embebidas em ódio fratricida. Essas relações de desconfiança transmitem aos indivíduos e grupos a exigência de, a priori, desconfiar de todos. A irracionalidade da existência de um “inimigo fatal invencível” contamina as relações entre os homens e aciona a onipotência regressiva da presença constante de um “homem-monstro-perigoso” muito poderoso. Mas quem, de fato, seria esse deus draconiano que injeta estas hostilidades na sociedade?
O imperativo da ganância, do consumismo e da mercadoria ganha dimensão universal e, uma vez tornado fetiche, eleva-se ao patamar de dogmas e mitos que atravessam as relações entre os homens. Potencializa a lei do “salve-se quem puder”, elevando a competição à condição de doutrina-mor na administração da carnificina antropofágica entre os iguais. Porém, as questões concretas e materiais ligadas à sobrevivência dos indivíduos – apesar da contribuição coletiva neste processo – são relegadas para o foro íntimo de cada indivíduo, acuado e intimidado. Este, no entanto, alça-se à condição de único gestor e responsável pela própria vida. Amargo engodo é ser o indivíduo portador de autonomia, quando já está transformado em “máscara mortuária” (ADORNO, 1986a) e o outro se lhe apresenta como inimigo a ser destruído e, portanto, incapaz de fortalecer-lhe no aconchego do enlace de alteridade! Os homens derrubados derrubam-se entre si, são facilmente manipulados, seja pela captura de seus reais desejos, seja pela oferta de substitutos não humanos (mercadoria) para trazer-lhes “respeitabilidade e felicidades”. Passam a ocupar a posição que a sociedade deles espera quando se transformam em indivíduos amalgamados e sucumbidos, sem reclamar, na padronização de consumidores, como demonstra o poeta Carlos Drummond de Andrade no poema “Eu etiqueta”.2 Aqui não há separação entre ricos e pobres, todos estão acoplados à mercadoria.
Nesse ligeiro acompanhamento da fetichização da ganância e do caráter violento da mercadoria, evidencia-se a construção de um rastro de expressões psicossociais irracionais e manipuladoras que estão sustentadas pela eficiência dos truques e estratégias ideológicas da Indústria Cultural (ADORNO; HORKHEIMER, 1985). Não há dúvida quanto à eficiência da falácia do ser-indivíduo na contemporaneidade. A doutrina individualista propaga essa supremacia e este engodo se agrega ao esfacelamento dos vínculos entre os indivíduos gerados na/pela cultura atual – “É obsceno falar de amor” (STENGEL, 2003). A culpabilização do indivíduo torna-se inevitável. Ao ser deslocado para o indivíduo solitário – considerado como autônomo –, o locus pleno da responsabilização pela sua performance e pelo sucesso de seus empreendimentos mostra que o resultado não poderia ser outro senão o do seu enclausuramento na destrutividade psíquica. A desresponsabilização social com a vida humana segue, sem nenhum pudor, o labirinto sutil e camuflado da eliminação de vínculos afetivos entre os indivíduos. Ao se enrolarem sofregamente no sofrimento da mais-repressão social e na violência da autopunição (sentimento de culpabilidade (FREUD, 1981)), os indivíduos tombados pela dor só podem aguardar do outro mais sadismo. A violência social retorna para o interior da vida subjetiva (é reintrojetada) sob a forma da corrosão de uma “culpa autopunitiva”, conducente ao enfraquecimento de toda a estrutura desejante, afetiva e cognitiva dos sujeitos. O indivíduo arquejante ainda tem de se haver com as acusações e responsabilizações que recaem sobre ele por todos os descaminhos na cultura. Sob o sentimento de culpabilização (FREUD, 1981), escondem-se a origem social da violência contra o humano dos homens (CANIATO; CASTRO, 2004) e a matriz econômica da ordenação ético-política da sociedade contemporânea. Necessariamente, é o aparato psíquico sadomasoquista que é estimulado e aceito: dedique-se a e acate tudo daquele que o ofende e é cruel com você! Pior: não se processando a efetiva identificação do verdadeiro inimigo – agressor –, a cidadania sucumbe sob estas perversões autoritárias. Esse processo relacional nos faz lembrar do conceito de identificação com o agressor (FREUD, 1978), estratégia de sobrevivência bastante freqüente em pessoas sob tortura em que a ameaça à vida é sempre iminente. É sob esse processo de identificação projetiva e introjetiva que se torna possível a difusão do preconceito entre os indivíduos – alvos, dessa forma, de violência social.
O espetáculo da perversidade no qual fica aprisionado o sofrimento da subjetividade (ABECHE et al., 2002) há de ser analisado na inversão ideológica que banaliza a violência e torna sagrado o consumo. Para tanto, instala a vigilância e o confinamento de todos e entre todos, indiscriminadamente, controlados e punidos. A lógica amigo-inimigo instaura-se sob a desconfiança que todos são forçados a viver para estratégica e sedutoramente entrar no “palco” e exibir-se, sob a máscara do glamour, deixando-se esvaziar de tudo o que é seu, a priori contaminado pela suspeição. Esta perversa inversão ideológica destrói a vida coletiva solidária, substituindo-a pela complacência à malignidade, atribuída a certos indivíduos, grupos e/ou povos. Parece não haver mais um oásis de refúgio a não ser o voltar-se para o foro íntimo que já é morada desta brutal violência internalizada (tirania da intimidade (SENNETT, 1993)).
É impressionante como diferentes arranjos destas atribuições sociais de periculosidade, carregadas de opressão e violência sociais, são incorporados pelos indivíduos (COIMBRA, 2001), destruindo suas identidades originais e, assim, impossibilitando-os de terem reações defensivas de si e de seus pares. Os sujeitos sob o comando do medo irracional perdem a capacidade de identificar as reais fontes de perigo, de ameaça e violência sociais e começam a se digladiar entre si. Conseqüentemente, não conseguem sustentar certa indignação que os pudessem conduzir a repudiar e rechaçar tais atribuições, para não se deixarem abater pelas maledicências e para poderem se liberar, unindo-se aos iguais em ações coletivas de preservação psicossocial. Não conseguem colocar as suas agressividades a serviço da proteção de suas vidas e sucumbem na apatia e conformismo na/pela violência social internalizada (FREUD, 1981). A agressividade passível de ser colocada a serviço do fortalecimento egóico e para a preservação da vida individual e coletiva “desaparece” sob a mais-repressão-social.
Não param aí os desdobramentos das relações sociais sob o preconceito. Talvez o viver do homem contemporâneo se limite, apenas, ao afã “enlouquecedor” de ludibriar o terrível e insuportável vazio em que se transformou a vida em sociedade, mas que vem se tornando insustentável sob a exacerbação atual do individualismo. Sob as exigências do ser-herói, na competição desenfreada da ideologia do individualismo, há muito o indivíduo não vem administrando sua condição de dependência e exigência de amparo. Sob a ilusão de “ser-auto-suficiente”, afasta-se do outro porque o sente como possível “ladrão” do que seria seu. Solitário, debate-se sofregamente com seu orgulho ferido quando tem de deparar-se com a sua real impotência de ser-humano. E não seria a redução narcísica perversa – narcisismo de morte (GREEN, 1988) – a expressão possível do ser-homem na contemporaneidade e o seu destino atávico e cruel na sociedade da ganância? Cinicamente: o melhor é deixar cada indivíduo de per si se destruir em seus espelhos sem aço para que o dinheiro volatizado reine em seu movimento soberano, este sim, o sujeito real, o “Senhor Capital” (CARONE, 1991).
Sob esta culpabilização individual e a competição acirrada do “salve-se quem puder”, emerge na relação entre os indivíduos uma outra ilusão regressiva: um apelo inebriante à virilidade que se configura no “culto do herói”. Uma coragem exacerbada é chamada para impor desafios cada vez mais difíceis e romper todos os obstáculos para atingir os resultados propostos e impostos. Uma exigência de superação de todo e qualquer limite que se interponha às “exigências de realização pessoal” é posta em ação em todos os níveis da vida dos indivíduos; e uma onipotência desenfreada, embora tida como um valor-força, aponta para o mundo nirvanesco da morte e não para o da cautela no cuidado e preservação da vida. É uma irracionalidade em sua pureza supimpa que revela, sob o manto da virilidade, a mais tosca covardia do não poder dizer “não agüento mais”! As chagas da tolerância ao sofrimento padecido e infligido, que procuram, em vão, escamotear e encobrir, expõem os sacrifícios impostos socialmente, mas que os tolos heróis têm medo e vergonha de admitir. Embevecidos e vaidosos, deixam-se destruir no sadomasoquismo do “salve-se quem puder”, não lhes sobrando forças para a indignação de um “basta!”. Pobres heróis da atualidade: não querendo ser identificados como fracos, sustentam a tolerância ao sofrimento, legitimam e reforçam a supercompetitividade que acelera o processo de injustiça e da exclusão sociais do qual querem escapar (DEJOURS, 1999). Há um amargo e perigoso estoicismo nesta aceitação glorificada do sofrimento, já que a apologia do agüentar a dor fomenta a frieza, a insensibilidade e a indiferença que permitem a proliferação da barbárie na sociedade. Essas diferentes imbricações dos preconceitos vão se espraiando e fortalecendo os vínculos sociais excludentes. Esses vínculos não são explícitos como estão evidenciados nesta análise. Eles são encobertos, mesmo porque permanecem durante muito tempo, tranqüilamente, por detrás das telas dos computadores, até que as brigas de gangs pela internet desemboquem nos espaços urbanos e se tornem não virtuais (de brincadeirinha), isto é, até que espoquem conflitos diretos entre agressores e agredidos, entre os portadores do bem e os portadores do mal.
Amplia-se esse clima de violência contra grupos sob preconceito quando, em espaços geográficos selecionados pelos países hegemônicos, são detonados artefatos bélicos, com poderosas tecnologias que prescindem da presença humana no campo de batalha. Com uma simples compressão de uma tecla que, com perfeita precisão e acuidade, aciona miríades de mísseis e bombas, que aparecem na mídia como um espetáculo esplendoroso de luzes – “como se fossem fogos de artifício” –, mas que matam milhões de homens solitários, as mortes dos inimigos ocorrem aos milhares fora dos olhares do resto do mundo. Mas são apenas “bombardeios pacificadores” (ALBA RICO, 2007), sinestesia perversa, que encobre, para muitos desavisados, a truculência bárbara do conquistador sobre os povos que têm sua cultura diferente. São os “rebeldes terroristas”, pois talvez tenham alguma riqueza para ser pilhada. O resto do mundo fica em silêncio, cúmplice e sem nenhuma atitude de indignação ou de condenação. Acrescente-se a essa forma de negação social da violência a permissão para destruir, sem culpa, facilitada e ampliada pela distância permitida pela tecnologia (BAUMAN, 1998). Os atores sociais ficam isentos da responsabilidade por atos de violência e até mortais cometidos porque eles não participam diretamente de seus efeitos. A cínica responsabilização da tecnologia permite que os tratados internacionais para proteção de civis (quando determinado Estado entra em guerra) sejam desrespeitados em nome de “erro técnico”: mata-se, sem culpa, milhões de indivíduos. À facilitação técnica para ampliar ou difundir a violência e a barbárie sem a culpa individual e/ou social, Bauman (1998) chama de moralidade técnica. Não há dúvidas, a vida em sociedade cada vez mais está administrada pelas regras abstratas e hierárquicas do dinheiro. Nela, dissolve-se e esvazia-se a atribuição de autoridade/responsabilidade, que, tornada impalpável e não individualizada, constrói a impunidade como alicerce distributivo de privilégios e sanções (BAUMAN, 1998; CANIATO, 1999). Esse processo relacional, que se expande e atravessa todo o tecido social, só se vem tornando possível porque sustentado na/pela banalização do mal (ARENDT, 2000). Ele torna o homem contemporâneo insensível aos estragos humanos da violência social e deixa todos indiferentes ao sofrimento dos outros indivíduos (CANIATO, 2008). Sorrateiramente, grande parte da humanidade está sendo empurrada para a exclusão e para a miséria. São milhares e milhões de “vidas desperdiçadas” (BAUMAN, 2005), em que a presença da violência social ultrapassa os umbrais do puro preconceito: estamos vivendo outras manifestações do holocausto (BAUMAN, 1998; AGAMBEN, 2007). São as novas estratégias de extermínio que estão sendo, sorrateiramente, utilizadas para diminuir a população do planeta?
Sob esse pano de fundo, não tem existido qualquer pudor no uso da ciência psicológica colocada a serviço da culpabilização e criminalização de indivíduos, de grupos e até de povos (DEJOURS, 2000; CANIATO, 2000). A postura intimista de muitas teorizações na psicanálise, por exemplo, ignora a heteronomia na constituição dos indivíduos e desconsidera as implicações da cultura na vida subjetiva. As práticas efetivadas sob esta “visão de avestruz” reproduzem as ideologias que sustentam os preconceitos e impingem dolorosos processos de culpabilização aos indivíduos que são verdadeiras carnificinas. Tais teorizações, permeadas de ideologia, passam a embasar as formas preconceituosas de categorização e atendimento a determinadas populações, como é o caso das “medidas socioeducativas” para os “adolescentes em conflito com a lei”.
Para que servem as pesquisas que pretendem demonstrar a inferioridade genética da “raça” pobre, à semelhança das idéias que sustentaram o holocausto nazista (CIESPI, 2007), que vêm sendo desenvolvidas no Rio Grande do Sul por duas universidades brasileiras famosas? Fica a indagação por responder: a serviço do que, de quem e com que objetivos? Como se não bastasse a produção teórica, o governo dos Estados Unidos conseguiu a adesão da Associação Americana de Psicologia (APA) (SOLDZ, 2007; OROPEZA, [s.d.]) e obteve autorização para práticas de psicólogos em torturas que a executam, protegidos por medidas “legais e éticas”, contra os presos sem processo de Guantánamo e no programa de rendição “extraordinária” em que os indivíduos são seqüestrados e levados para “prisões secretas” da CIA espalhadas pelo território norte-americano ou jogados a bordo de aviões e conduzidos para países nos quais a tortura e os tratamentos cruéis são rotina (GOODMAN, 2007). Quando será que essa moda chegará ao Brasil?
Mais algumas Expressões atuais de Preconceito
Essa separação da humanidade em portadores do bem e portadores do mal está alicerçada, portanto, em diferentes matizes preconceituosos desde a aversão estigmatizante e oportunista a movimentos sociais, culturais e políticos temporários (hippies, adeptos do hip hop, por exemplo), passando pela discriminação e segregação sociais de grupos sociais, étnicos e religiosos (população favelada, negros, muçulmanos) até a ostensiva propaganda criminalizante e ações coercitivas dos atuais Estados de exceção contra os grupos políticos divergentes e/ou que lutam contra o status quo autoritário econômico-político-militar que sustenta a hegemonia destes Estados (AGAMBEN, 2007).
É evidente que o nascedouro dos preconceitos se localiza em sociedades autoritárias e excludentes e sua difusão denuncia tal forma de organização social. É nesses contextos que emerge, mais explicitamente, a distinção entre as “pessoas de bem” e aquelas que devem ser, quiçá, exterminadas, demonstrando com clareza a opressão e a exclusão sociais com que o autoritarismo se introduz na vida em sociedade. Os preconceitos, então, revelam-se tanto de forma explícita e facilmente evidenciável quanto ideológica e veladamente expressos, tal como ocorre na manutenção do preconceito racial nas sociedades chamadas democráticas. Sigamos a reflexão de Iray Carone (2005), acompanhando as transformações da compreensão biológica do conceito de raça em seu texto Preconceito e discriminação racial:
O conceito biológico de raça, no entanto se tornou, por um lado, muito impreciso e por outro, foi adquirindo um sentido ideológico. Em primeiro lugar, por causa da miscigenação, que eliminou o isolamento dos grupos raciais e movimentou os genes de lá para cá na população humana. Em segundo lugar, por causa das teorias racistas pseudocientíficas que para justificar a dominação política e a exploração econômica, começaram a inventar o mito da “raça pura” e superior às outras, ou seja, o mito de uma hierarquia racial. Exemplo disso são as palavras de Hitler: “A raça germânica é superior a todas as outras e a luta contra o estrangeiro, contra o judeu, contra os eslavos, contra as raças inferiores, é uma luta sagrada” (CARONE, 2005, p. 3).
Para maior compreensão do processo psicossocial em que foram gestados alguns preconceitos, ampliemos algumas destas categorizações para também ficarem desvelados os objetivos sociais que conseguiram atingir e situar quais os indivíduos que deveriam ser segregados e/ou punidos socialmente.
A malfadada catástrofe do 11 de setembro de 2001 em Manhattan permanece sem explicação consistente até hoje e envolta em nebulosas interpretações, cheias de interditos e generalizações inconseqüentes. O “intempestivo” ataque e destruição das torres gêmeas geraram um clima de perplexidade e paranóia mundiais. O governo Bush capturou e cunhou a categoria de “terrorista” (CHOMSKY, 2002), desencadeando sob essa bandeira a invasão e ocupação criminosa do Afeganistão e a matança covarde da população indefesa daquele país. Grande justificativa para ampliar a ocupação norte-americana no Oriente Médio? Como o resto dos homens não se indigna e reage contra a matança disseminada que se avoluma nas guerras atuais contra os países árabes? São ataques a povos indefesos justificados como necessários no combate aos perigosos “terroristas que ameaçam todo o planeta”. Essa é uma estratégia que vem cegando a maioria dos homens que se deixam enganar por essa afirmativa e permitem, com esta sua aquiescência, que ações bélicas dizimem milhões de indivíduos indefesos. Que povo é este terrorista?
No seu livro A ditadura do grande capital, Octavio Ianni (1981) dedica um capítulo para demonstrar como a ditadura militar de 1964 no Brasil conseguiu silenciar toda a sociedade, que passou a viver sob o pânico, podendo ser, a qualquer momento, julgada, condenada, presa e punida. Por meio do conceito de “criminalização da sociedade civil”, o autor explica o clima social de suspeição generalizada que atingiu cada um e todos os indivíduos naquele período. Entre as muitas reações xenofóbicas, os indivíduos assustados passaram a evitar o contato com cada um e todos, mesmo os até então amigos, pois poderiam ser identificados e/ou confundidos como suposto “inimigo da pátria”, isto é, do sistema autoritário implantado. Os grupos de toda e qualquer natureza esfacelaram-se e os indivíduos entraram em um clima de alucinações generalizadas em que toda e qualquer reação subjetiva poderia expressar algum motivo de qualquer cidadão ser preso: todos se sentiam potenciais criminosos. É fácil entender como os indivíduos, isolados por essa poderosa estratégia de domínio social, tornaram-se vulneráveis e muito mais facilmente domesticáveis. A “cultura do silêncio” que se instituiu não só teve efeitos perversos na despolitização da sociedade como também trouxe severas restrições ao desenvolvimento da capacidade crítica dos indivíduos, cujos efeitos ainda hoje são visíveis, em especial na chamada “geração AI-5” (COSTA, 1986) e, quiçá, de forma ainda mais severa, nas despolitizadas gerações que a ela se seguiram.
Outra forma de os preconceitos se expressarem é identificada pelo antropólogo Gilberto Velho (1997) com a expressão “categoria de acusação”, alcunha que sustentou a difamação pública dos militantes políticos durante a ditadura militar de 1964 no Brasil e gerou fortes reações sociais de aversão contra tais indivíduos. Sua categorização como “comunistas inimigos da pátria” foi difundida como aquela em que perversos criminosos “comiam até criancinhas”. Suas oposições políticas ao sistema vigente ganharam certa força mística demoníaca que atemorizava os mais desavisados. Muitos deles foram perseguidos, presos, torturados e “desaparecidos”, quer dizer, mortos pelas tropas militares a serviço da repressão de Estado (BRASIL, 2007). Esses atributos, erigidos à condição de mitos, introduziram a irreversibilidade nessas “idéias”; a força da periculosidade potencializada passou a gerir atitudes generalizadas de delação. A “evitação” (evitar ter amizade ou impedir que outras pessoas se aproximem) ganha a conotação de “segregação” (à semelhança do regime de apartheid nos Estados Unidos contra os negros) ou de “ataque físico” – eliminação de uma pessoa por suas idéias políticas discordantes, o que, nos porões da ditadura militar, transformou-se em verdadeiros “genocídios ou extermínios por purificação política”. Naquele período, ainda obscuro na política oficial brasileira, e que se instalou neste período na vida cotidiana, muitos que eram apenas diferentes do modo padronizado de ser e agir foram torturados, mortos e “desaparecidos” – isto é, assassinados pelo Estado.
Cecília Coimbra (2001), em seu livro Operação Rio – o mito das classes perigosas: um estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança pública, constata a presença da violência social, mesmo nos chamados “tempos de paz” – sob a democracia –, que agora se manifesta contra as classes pobres. Ela aponta que a ocupação das favelas cariocas pelas Forças Armadas, realizada sob a justificativa de combate ao narcotráfico e da disseminação da violência urbana, nada mais é do que um subterfúgio para a repressão e imposição das medidas de exceção contra a população pobre. A qualificação de periculosidade, outrora atribuída aos “subversivos”, recai hoje sobre a crescente pobreza que se amontoa nos morros e nas periferias das grandes cidades.
Para além do caráter excludente e de classe social dos preconceitos, o poder deletério da atribuição de malignidade a certos indivíduos e grupos sociais sustenta-se na irracionalidade de seus pressupostos, que são, conseqüentemente, geridos pelas leis da onipotência, onisciência, onipresença e ubiqüidade do inconsciente psíquico. Daí sua força de atuação, à semelhança do poder irracional de penetração dos mitos na mente dos indivíduos. A violência embutida nos preconceitos, quando internalizada pelos indivíduos, reproduz e mantém no corpo social, em geral, a hostilidade da sociedade. A violência do preconceito transforma-se em autopunição dos vitimados e em rejeição agressiva a esse grupo estigmatizado pelos que não são atingidos socialmente pelo preconceito.
Não podemos ser inocentes para nos deixar guiar pelos discursos oficiais de segurança como proteção social (CANIATO; NASCIMENTO, 2007) ou pela lógica da banalização da violência (ARENDT, 2000), que sustentam o controle dos indivíduos pelos arbítrios da sociedade da ganância e do lucro. Como profissionais da psicologia, devemos denunciar essas formas veladas de violência social que hoje tem, na mídia, seu principal aliado. Não há dúvida de que há uma insistência em manter nossas cabeças alienadas, atadas a falsas compreensões da violência e da injustiça sociais (DEJOURS, 2000), o que já é por si mesmo discriminação preconceituosa. Tal violência e injustiça vêm deteriorando, regressivamente, o pensamento reflexivo dos indivíduos e entulham as mentes com falsas verdades ou mentiras manifestas (CANIATO, 2007). Não podemos sustentá-las, principalmente as falsas cizânias, nem nos tornarmos cúmplices da necessidade da sociedade atual de “separar para reinar”, de alimentar as supercompetições que afastam os indivíduos entre si e lhes retiram o amparo do coletivo em nome do controle individualista das mentalidades. O ser humano, familiarizado com a hostilidade desse caos, torna-se um pervertido social ou descarrega contra si toda a hostilidade internalizada, caindo na autopunição da culpabilidade (FREUD, 1981), tão a gosto das elites dominantes.
Não há dúvidas de que a violência dos preconceitos na sociedade contemporânea destrói as capacidades discriminadoras, questionadoras e de julgamento da consciência psíquica dos indivíduos, para mantê-los violentados/padronizados sob o comando de uma inconsciência regressiva: as subjetividades mantêm-se acorrentadas aos ditames ideológicos/irracionais de diferentes preconceitos. Somente com uma educação que permita desenvolver o pensamento reflexivo e que libere as amarras do princípio de realidade é que os indivíduos poderão emergir do arbítrio que os acorrenta às “idéias” preconceituosas amplamente difundidas pela Indústria Cultural (ADORNO, 1986a).
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Angela Maria Pires Caniato
E-mail:ampicani@onda.com.br
Recebido em: 25/01/2008
Aprovado em: 18/05/2008
Revisado em: 20/08/2008
1Dirigido por José Padilha. Para mais informações, ver o site oficial, disponível em: <http://tropadeeliteofilme.com.br/>. Acesso em: 19 ago. 2008.
2Disponível em: <http://www.fafich.ufmg.br/~subcom/textos/introducao.doc>. Acesso em: 19 ago. 2008.