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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.62 no.1 Rio de Janeiro abr. 2010

 

ARTIGOS

 

Psicopatia em homens e mulheres

 

Psychopathy in men and women

 

 

Cema Cardona GomesI; Rosa Maria Martins de AlmeidaII

I Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Rio Grande do Sul, Brasil
II Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A psicopatia é um transtorno de personalidade: apresenta, como característica principal, uma alteração de caráter. Essa alteração faz com que indivíduos utilizem ações comportamentais patológicas para controlar e manipular pessoas com mais facilidade, o que pode resultar em danos à sociedade em geral. Existem evidências de que anormalidades cerebrais podem estar relacionadas com o aparecimento de comportamentos semelhantes aos de psicopatas. Esse transtorno ocorre tanto em homens quanto em mulheres, mas cada sexo apresenta peculiaridades, principalmente em relação à forma do comportamento manifesto. O presente artigo, por meio de revisão teórica nas bases de dados, tem por objetivo discutir as características da psicopatia e, de forma específica, buscar identificar as diferenças existentes entre os sexos.

Palavras-chave: Comportamento; Personalidade; Conduta; Patologia; Transtorno.


ABSTRACT

Psychopathy is a personality disorder that has as its main characteristic a change of character, which causes the individuals to use behavioral pathological actions to control and manipulate people more easily, which can result in damage to society in general. There is evidence that brain abnormalities may be related to the emergence of behaviors similar to those of psychopaths. This disorder occurs both in men and women, but each sex presents peculiarities, especially in relation to the way behavior is manifested. Then, this article, through theoretical review in data bases, aimed at discussing the characteristics of psychopathy and more specifically sought to identify the differences between the sexes.

Keywords: Behavior; Personality; Conduct; Pathology; Disturb.


 

 

PSICOPATIA EM HOMENS E MULHERES

Este artigo de revisão sobre psicopatia está baseado em artigos científicos das bases de dados Web of Science, Scielo, Medline e Bireme. No total, foram encontrados 100 artigos com este tema, dos quais 46 foram utilizados neste trabalho.  Na busca desses artigos foram utilizados tanto descritores de língua portuguesa, quanto da língua americana, sendo estes: psicopatia, mulheres, antissocial, psychopathy, women.

Psicopatia

A psicopatia é um estado mental patológico caracterizado por desvios, principalmente, de caráter, que desencadeiam comportamentos antissociais. Esse desvio de caráter costuma ir se estruturando desde a infância. Por isso, na maioria das vezes, alguns dos seus sintomas podem ser observados nesta fase e/ou na adolescência, por meio de comportamentos agressivos que, durante estes períodos, são denominados de transtornos de conduta (APA, 2002; KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2003). A psicopatia é um transtorno que tende a se cronificar e causar prejuízos na vida do próprio indivíduo e de quem com ele convive e, até mesmo, na sociedade (APA, 2002; KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2003; OMS, 1993).

Por fazer parte dos transtornos de personalidade, a psicopatia só pode ser diagnosticada a partir dos dezoito anos de idade. É importante ressaltar que os transtornos de personalidade não são propriamente doenças, mas anormalidades do desenvolvimento psicológico que perturbam a integração psíquica de forma persistente e ocasionam no indivíduo padrões profundamente entranhados, inflexíveis e mal-ajustados, tanto em relação a seus relacionamentos, quanto à percepção do ambiente e de si mesmos (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2003; LARANJEIRA, 2007). Após se concretizar, a psicopatia se torna um fator de risco: podem ocorrer atos infracionais, pois os indivíduos acometidos por este transtorno têm maior facilidade em utilizar charme, manipulação, mentira, violência e intimidação para controlar as pessoas e alcançar seus objetivos (APA, 2002; RICHELL ET AL., 2003; VALMIR, 1998).

Existem outros transtornos, com características bastante semelhantes as da psicopatia, que também são conhecidos, tais como o transtorno de personalidade antissocial (TPAS) e a sociopatia. Embora compartilhem da maioria dos sintomas, a psicopatia apresenta, segundo Hare (1991), características que não estão presentes nos antissociais e sociopatas. Em contrapartida, a APA (2002) classifica o transtorno de personalidade antissocial como sendo igual à psicopatia e a sociopatia. Deste modo, o TPAS, a psicopatia e a sociopatia não são categorias distintas, mas sim categorias sobrepostas e complementares (SHINE, 2000). Portanto, é possível inferir que todos os psicopatas devem ser considerados antissociais e sociopatas, mas destes nem todos podem ser considerados psicopatas (BLAIR, 2003; MORANA, 2004).

As características que definem detalhadamente o perfil psicopata foram descritas por Cleckley (1988) em sua obra clássica The mask of sanity. Dentre estas, estão: charme superficial, boa inteligência, ausência de delírios e de outros sinais de pensamento irracional, ausência de nervosismo e de manifestações psiconeuróticas, falta de confiabilidade, deslealdade ou falta de sinceridade, falta de remorso ou pudor e tentativas de suicídio. Comportamento antissocial inadequadamente motivado, capacidades de insight, julgamento fraco, incapacidade de aprender com a experiência, egocentrismo patológico, incapacidade de sentir amor ou afeição, vida sexual impessoal ou pobremente integrada e incapacidade de seguir algum plano de vida também fazem parte dessas características. E ainda: escassez de relações afetivas importantes, comportamento inconveniente ou extravagante após a ingestão de bebidas alcoólicas, ou mesmo sem o uso destas, e insensibilidade geral a relacionamentos.

A impulsividade, uma característica importante também presente nos psicopatas, é uma tendência à não inibição de comportamentos de risco, mal adaptados, mal planejados e que são precocemente executados. Ela pode ser hereditária, um traço da personalidade ou, até mesmo, pode ser adquirida por lesão no sistema nervoso central (SNC). Os comportamentos mais comuns, nestes casos, vão desde a incapacidade de planejar o futuro até a ocorrência de atos violentos ou agressivos (DEL-BEN, 2005).

Existem vários tipos de impulsividade e de comportamentos impulsivos, que podem ser classificados como não patológicos e patológicos. Exemplos de impulsividade não patológica podem ser encontrados em praticantes de esportes radicais. Essas pessoas, assim como os psicopatas, não se sentem desconfortáveis na presença de uma situação de risco e têm prazer em praticar atividades perigosas. No caso destes esportistas, porém, a baixa ansiedade é compensada por um espírito crítico e habilidades cognitivas. (ABREU; TAVARES; CORDÁS, 2008).

Já os psicopatas, como possuem uma deficiência empática e são desprovidos de emoção, não conseguem perceber a emoção no outro, o que faz com que não ponderem sobre os efeitos de suas atitudes. São indivíduos frios, com afetividade pouco elaborada. Como os praticantes de esportes radicais, não se sentem ansiosos em situações de risco, mas a diferença é que suas atitudes podem prejudicar outras pessoas, além de não existir uma recompensa positiva em seus comportamentos. Se os seus interesses forem contra os da sociedade, poderão infringir leis e regras para obter o desejado, o que acaba associando fortemente tal transtorno ao sistema penitenciário e torna importante a precisa identificação do mesmo (SUECKER, 2005; LEWIS, 2005).

Embora estas características descrevam o perfil psicopata, nem sempre elas são suficientes para sua correta identificação no momento de um diagnóstico, pois os sintomas deste transtorno não são tão evidentes como no caso das psicoses, em que a pessoa se mostra claramente transtornada. Aparentemente, estes indivíduos têm um comportamento normal, demonstrando serem pessoas agradáveis e de bom convívio social, o que dificulta a sua identificação e facilita o acesso a suas vítimas. Os psicopatas são atores da vida real, pois tem o dom de fazer com que as pessoas acreditem neles e se sintam responsáveis por ajudá-los; por isso, ao se aproveitarem das fraquezas humanas, torna-se fácil para eles enganar outras pessoas.  Por outro lado, em certos momentos, podem tomar atitudes extravagantes e em desacordo com as normas estabelecidas, o que permite que aqueles com quem convivem duvidem de sua sanidade mental, pois são as pessoas mais próximas que têm mais facilidade de perceber este tipo de alteração comportamental (DEL-BEN, 2005; SCARPA; RAINE, 1997).

Outro fator que contribui para dificultar o diagnóstico dos transtornos de personalidade em geral, mas principalmente o da psicopatia, é o fato de existirem várias graduações dentro desta, fazendo com que nem todos os psicopatas apresentem níveis de agressividade e intensidade de comportamentos iguais. Dentre essas graduações, estão os que cometem pequenos delitos, mentem compulsivamente e ignoram regras, características que podem facilmente ser confundidas com as de criminosos comuns (MORANA; CÂMARA; FLÓREZ, 2006; NOUVION ET AL., 2007). Existem também os que cometem os mais variados tipos de crime, tais como os serial killers (assassinos em série), considerados os psicopatas mais violentos que, neste caso, são identificados com maior facilidade (MORANA; STONE; FILHO, 2006). Além disso, ocorre também o desinteresse de muitos profissionais da área de saúde em relação ao transtorno: por entenderem que essa patologia é permanente, ou seja, não tem cura, acabam por desacreditar no atendimento especializado (MORANA, 1999).

Em 2002, Nadis, Steve e Omni realizaram pesquisas, sobre psicopatia, por aproximadamente 25 anos, em uma universidade britânica. Eles retrataram as reações emocionais de indivíduos considerados psicopatas e não psicopatas, enfocando suas diferenças. Assim, puderam observar que existem discrepâncias entre os dois tipos de mentes, verificando que os psicopatas parecem ser incapazes de possuir sentimentos em relação a outras pessoas e a eles mesmos. Para chegar a esta conclusão, os dois grupos foram submetidos a testes contendo os mesmos estímulos. Um dos testes executados foi a aplicação de choques de pequena intensidade nos dois grupos e a análise das reações de cada um. Desta forma, verificaram os autores que, antes da aplicação dos choques, os psicopatas não expressaram qualquer tipo de ansiedade, diferente dos não psicopatas, que se mostraram fortemente ansiosos por intermédio do suor nas mãos. Estímulos de outras espécies também foram aplicados como, por exemplo, a exposição aos dois grupos de fotos contendo cenas neutras e fotos contendo estímulos aversivos. Os psicopatas continuaram não apresentando nenhum tipo de sentimento; já o outro grupo se mostrou bastante incomodado ao ver as fotos com conteúdos mais fortes (NADIS, 2002; WILSON; DEMETRIOFF; PORTER, 2008; EISENBARTH ET AL., 2008).

Até o presente momento, pouco se conhece sobre as causas da psicopatia. Existem evidências de que aspectos biológicos (fatores genéticos, hereditários e lesões cerebrais), psicológicos e sociais estão associados ao transtorno (MORANA; STONE; FILHO, 2006). Esses fatores biopsicossociais contribuem para a formação da nossa personalidade desde a infância e podem ou não exercer influência sobre o desenvolvimento de uma psicopatia na vida adulta.

Psicopatia e a Sua Relação Com as Funções Cerebrais

Além das questões psicológicas e sociais envolvidas nas características dos psicopatas, existem indícios de que prejuízos emocionais também podem estar associados com algum tipo de dano no córtex pré-frontal. Algumas evidências obtidas em pesquisas nesta área sugerem que anormalidades cerebrais podem ser responsáveis por inúmeros aspectos clínicos da psicopatia (YANG; RAINE, 2008; GLENN ET AL. 2009). Nos seres humanos, o córtex é altamente desenvolvido e é responsável pelas características que nos distinguem de outros animais. A autoconsciência, a capacidade de resolução de problemas e a capacidade de planejamento são algumas dessas características. Portanto, danos nesta parte cerebral podem comprometer muito a vida dos indivíduos afetados.

Vários estudos mostram a associação entre lesões pré-frontais e comportamentos impulsivos, agressividade e inadequação social (BRENAN; RAINE, 1997; YANG ET AL., 2005). A sociopatia adquirida é um exemplo da mudança de comportamento que pode ocorrer após uma lesão nesta área. Ou seja, um indivíduo apresenta comportamentos dentro dos padrões normais e, após sofrer um acidente em que o córtex é atingido, passa a apresentar comportamentos antissociais (DEL-BEN, 2005). Estes dados confirmam o fato de que possa existir um componente cerebral envolvido no comportamento dos psicopatas (RAINE ET AL., 1994; SOUZA ET AL., 2008).

Em uma pesquisa utilizando neuroimagem, os autores buscaram compreender quais seriam exatamente os fatores cerebrais que estariam associados à psicopatia. Nessa pesquisa, encontraram uma diminuição da matéria cinzenta na região pré-frontal, uma diminuição do volume do hipocampo posterior e um aumento da matéria branca do corpo caloso, diferenças estas que, segundo eles, contribuiriam para o aparecimento de comportamentos mais agressivos (MOLL; ESLINGER; SOUZA, 2001; PRIDMORE; CHAMBERS; MC ARTHUR, 2005).

Por outro lado, um estudo feito no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, com 29 homicidas, investigou a correlação entre disfunção cerebral e psicopatia (JOZEF ET AL., 2000). A pesquisa revelou que, dentre os 29 participantes, 15 foram classificados como psicopatas e 14 foram classificados como não psicopatas. Para obter estes resultados eles utilizaram o teste HARE PCL-R (escala de avaliação de psicopatia) e testagem neuropsicológica por meio de testes voltados para atividade em lobo frontal (Trail Making Test A e B, e subtestes do WAIS {Mosaico, Semelhanças e Símbolos Numéricos}).

Os pesquisadores observaram também que as idades dos participantes ficavam em torno dos 26 anos para os psicopatas e de 36 para os não psicopatas, o que pode ter sido um fator propiciador de uma maior pontuação no HARE PCL-R, já que a psicopatia costuma se manifestar em populações mais jovens. Em relação aos resultados neuropsicológicos, os pesquisadores constataram que existia uma relação entre disfunção cerebral e comportamento homicida em não psicopatas. Nesta amostra, não foram encontrados prejuízos em lobos frontais nos psicopatas. Quanto às características dos crimes cometidos, os não psicopatas tenderam a cometer mais homicídios do tipo reativo, ou seja, manifestado em resposta a eventos ou situações que provocam algum tipo de sentimento no indivíduo, resultando em um comportamento agressivo. Já os psicopatas tenderam a cometer mais homicídios predatórios, ou seja, que ocorreram sem nenhuma razão específica: são situações em que o indivíduo age simplesmente por não conseguir conter sua impulsividade, que é uma das características principais da psicopatia (JOZEF ET AL., 2000; CIMA; RAINE, 2009).

Ainda são necessários estudos mais aprofundados em relação ao funcionamento cerebral, pois existem indicativos de que possa haver associação entre disfunção cerebral e comportamento agressivo ligado à psicopatia, mas ainda não existem dados definitivos a respeito.

A Psicopatia em Relação ao Gênero

Em relação ao gênero, a psicopatia apresenta algumas peculiaridades, pois existem diferenças na prevalência, incidência, curso, comportamentos e idade de manifestação entre os sexos. Os primeiros sintomas costumam aparecer, no sexo feminino, durante o período da pré-puberdade e, no sexo masculino, antes desta fase (KAPLAN; SADOCK; GREBB, 2003). A prevalência e a incidência de mulheres psicopatas são menores que a dos homens, chegando a menos da metade de mulheres com este diagnóstico (DOLAN; VOLLM, 2009). Existem, porém, poucos estudos relacionando o sexo feminino a este transtorno. Acredita-se até que, muitas vezes, a psicopatia possa estar sendo não diagnosticada no sexo feminino (APA, 2002; KAPLAN, SADOCK; GREBB, 2003).

Grann (2000), em um de seus estudos, confirmou a diferença existente entre homens e mulheres em relação à prevalência, mas também mostrou que em termos de grau de intensidade do transtorno não existe diferença significativa entre os sexos. Esse estudo foi feito na Suécia, em um hospital forense, e verificou que, de 36 homens e 36 mulheres que passaram pela testagem da escala HARE PCL-R para verificar a existência de psicopatia, 31% dos homens e 11% das mulheres apresentaram o transtorno. No entanto, apesar desta diferença de porcentagem, o grau de psicopatia apresentou pouca diferença entre os sexos, tendo os homens média de 19,42 e as mulheres média de 17,78.

Neste mesmo estudo, Grann (2000) verificou também que, dentre os 20 itens presentes no PCL-R, a insensibilidade, a falta de empatia e a delinquência juvenil discriminaram o gênero masculino, enquanto o comportamento sexual promíscuo discriminou o gênero feminino. Estes dados vêm ao encontro dos achados de Shine (2000), que também apontou o fato de o sexo feminino estar relacionado com comportamentos de promiscuidade e abuso de substâncias alcoólicas.

Em outro estudo feito com 528 mulheres presidiárias, Vitale et al. (2002) aplicaram a escala HARE PCL-R e correlacionaram com a avaliação da ansiedade, depressão, existência de algum tipo de abuso, dependência de álcool, avaliação do tipo de personalidade do indivíduo, grau de inteligência e outros sintomas psiquiátricos. Foi verificado, então, que a pontuação obtida no PCL-R estava associada com a ansiedade e o afeto negativo nas mulheres caucasianas, já a ansiedade e a baixa inteligência estavam associadas às mulheres afro-americanas. Além disto, constatou-se que pontuações contínuas no PCL-R estão associadas com a proporção de criminalidade, incluindo tipos de crimes, número de crimes violentos e número de crimes não violentos.

Segundo Warren et.al. (2003) a diferença em relação ao gênero aparece na forma e na severidade da violência cometida por homens e mulheres, sendo que estas apresentam menores índices de crimes violentos. Essa diferença pode estar ligada ao fato de os homens apresentarem maior insensibilidade emocional em relação às mulheres. Atos violentos por elas cometidos aparecem, antes, associados ao uso de drogas, como álcool e maconha (DEMBO ET AL., 2007; DOLAN; DOYLE, 2007).

Os traumas precoces aparecem como uma influência negativa no desenvolvimento de habilidades para regular a raiva e o afeto. A negligência, como uma das formas de trauma infantil, resultou em pontuações elevadas no PCL-R quando aplicado em jovens e, quando aplicado em adultos, resultou em sadismo e traços antissociais. Quando as mulheres sofrem traumas na infância têm maiores chances de apresentar comportamentos agressivos quando adultas. Foi encontrada também uma forte associação entre traumas de outros tipos e agressividade e entre psicopatia e agressividade. Além disto, nas mulheres a negligência emocional é fator bastante influente no comportamento antissocial (KRISCHER; SEVECKE, 2008).

Das, Ruiter e Doreleijers (2008) apontam que o perfil de mulheres com o transtorno psicopático apresenta, durante o período da infância, negligência por parte de seus cuidadores, profundo sentimento de isolamento e introversão. Na adolescência, começa a intensificação de comportamentos antissociais, adição de várias substâncias como álcool e outras drogas, podendo até mesmo ocorrer comportamentos sexuais promíscuos e perversos. Quando adultas, são mulheres que não gostam de ser contrariadas, são bastante persuasivas, sedutoras e carismáticas, têm contato volúvel com a realidade e dificilmente possuem relacionamentos emocionais intensos.

A impulsividade não costuma ser um traço comum nas mulheres com este transtorno, como nos homens, mas existem algumas características comuns aos dois, como a insensibilidade, a violência, as emoções superficiais e a ausência de culpa (DEL-BEN, 2005). Alguns consideram que as mulheres psicopatas tendem a ser mais paranóicas e histéricas e, em geral, estão entre aquelas que assumem papéis importantes nos cuidados com os outros, como no caso de enfermeiras e parteiras, pois, em princípio, gostam de cuidar das pessoas à sua volta. Nestas profissões surgiram as grandes psicopatas femininas, que se acabaram se tornando serial killers (MORANA; STONE; FILHO, 2006).

Discussão

Este estudo, de caráter teórico, realizado por meio de revisão nas bases de dados, buscou informações a respeito da psicopatia, apresentando suas características, questões de anormalidades cerebrais responsáveis pela exteriorização de comportamentos antissociais e algumas diferenças existentes entre homens e mulheres psicopatas. Os principais fatores norteadores desta pesquisa foram a violência e a criminalidade, que sempre estiveram presentes nas mais diferentes sociedades, mas que, atualmente, vem apresentando ocorrências progressivamente mais numerosas. Suas repercussões atingem cada vez mais o convívio social.

Outro fator que chama a atenção é o do número crescente de mulheres responsáveis pelos mais variados tipos de delitos o que ressalta a importância de se pesquisar como a psicopatia está ocorrendo em ambos os sexos, uma vez que, atualmente, há mais pesquisas sobre o sexo masculino. Os dados aqui levantados buscaram identificar que fatores podem estar levando a ocorrência de comportamentos patológicos em homens e mulheres. Sabe-se que comportamentos antissociais geram grande preocupação, pois, geralmente, têm consequências extremas, como homicídios, suicídios, abusos sexuais e perversões de todos os tipos (DE SÁ, 1999; FILHO, 2004).

Um dos fatores responsáveis pela formação da psicopatia é o ambiental. Acredita-se que esse fator, somado a condições econômicas precárias, possa estar superando fatores genéticos na formação dos psicopatas atuais. A maioria dos psicopatas faz parte das populações carcerárias. Estes indivíduos vivenciaram, geralmente, situações de pobreza, desamparo e desamor nas quais seus familiares, por vezes, se tornaram seus maiores “inimigos”. Isto pode estar facilitando o desvio de conduta e, consequentemente, favorecendo a instalação deste transtorno.

Desde cedo, tais indivíduos têm de aprender a lidar com os mais diversos tipos de problemas e, na maioria das vezes, precisam se tornar indiferentes aos sentimentos. Os fatores psicológicos, também responsáveis pelo desenvolvimento da psicopatia envolvem as vivências infantis e juvenis desses indivíduos. Essas vivências são, muitas vezes, repletas de maus tratos, humilhações, abusos e mais uma série de fatores que, somados, podem levar ao enrijecimento do indivíduo.

As predisposições constitucionais, a etapa do ciclo vital em que o indivíduo se encontra, a sua situação de doença ou saúde, bem como das suas circunstâncias de vida familiar e social são também fatores importantes. Tudo isso, associado a fatores biológicos, congênitos ou não, pode levar o indivíduo a se tornar uma pessoa fria, ou seja, um psicopata (KERNBERG; WEINER; BARDENSTEIN, 2003; O’CONNELL, 1998).

Quando a psicopatia ocorre em mulheres, a sua identificação parece ser mais difícil, pois existem diferenças na apresentação clínica dos comportamentos antissociais, principalmente quando se trata da agressividade, característica mais visível e mais presente nos homens que nas mulheres. Menos da metade das mulheres apresentam o diagnóstico de psicopatia, o que é um dado bastante relevante frente ao número crescente de crimes e outros tipos de delitos cometidos por elas. Acredita-se, então, que essas mulheres podem estar sendo pouco investigadas e até mesmo não diagnosticadas.

Diante disso, é muito importante dar mais atenção ao sexo feminino: quando mulheres apresentam traços antissociais, há sérios riscos de consequências prejudiciais ao longo do tempo, como: dificuldades de aprendizagem, problemas emocionais, dificuldades no casamento, relações violentas com homens e pobre experiência materna (DAS; RUITER; DORELEIJERS, 2008). Estas são questões de alta relevância social. Se não forem trabalhadas, podem favorecer também a formação de futuros psicopatas, pois crianças que crescem em ambientes assim têm maiores chances de ter desvios de conduta.

É importante conhecer as características da psicopatia para intervir junto a este tipo de população, encontrada, em maior número, nas instituições prisionais. Desta forma, talvez seja possível diminuir as reincidências criminais, pois já está comprovado que indivíduos diagnosticados como psicopatas têm maiores chances de reincidir em crimes, em relação aos que não possuem o diagnóstico deste transtorno de personalidade. No Brasil, o índice de reincidência fica em torno de 70%, o que destaca a necessidade de mais estudos e de novas intervenções (MORANA, 2004; AMBIEL, 2006).

Conhecer melhor as manifestações da psicopatia poderá propiciar novos procedimentos, voltados para a recuperação desta população, assim como a geração de ações sociais preventivas, visando a minimizar a incidência desse transtorno.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
Cema Cardona Gomes
E-mail:cema.cgomes@yahoo.com.br

Rosa Maria Martins de Almeida
E-mail:rosa.almeida@ufrgs.br

 

Recebido em: 23/12/2009
Revisto em: 15/02/2010
Aceito em: 17/02/2010

 

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