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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.62 no.2 Rio de Janeiro  2010

 

RELATOS DE PESQUISA

 

Amor, Casamento e Sexo: Opinião de Adultos Jovens Solteiros

 

Love, Marriage and Sex: The Opinions of Young Single Adults

 

 

Denise FalckeI; Eliana ZordanII

IDocente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil
IIDoutoranda em Psicologia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Porto Alegre. Rio Grande do Sul. Brasil. Bolsista CAPES

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As intensas transformações nos papéis feminino e masculino, identificadas nos âmbitos profissional, familiar e social, têm reverberado, na atualidade, em questionamentos sobre as relações amorosas e sexuais, assim como sobre sua oficialização através do casamento. Esse estudo buscou investigar a opinião de adultos jovens sobre romantismo, família, papéis conjugais e permissividade sexual, comparando as opiniões de homens e mulheres. Para tal, aplicou-se um questionário em 197 sujeitos com idade entre 20 e 31 anos, residentes no Rio Grande do Sul. O instrumento era composto pelos dados sócio-demográficos e cinco escalas que avaliavam a atitude em relação ao romantismo, à permissividade sexual, à família tradicional e ao feminismo. Os resultados indicaram que o casamento continua desejado pelos adultos jovens, apesar de não estar entre seus principais projetos de vida. O amor é importante, mas não é mais percebido como eterno e exclusivo. A avaliação dos papéis conjugais reflete a transição entre velhos e novos modelos. As conclusões nos levam a pensar que é mais adequado pensarmos em amores, sexos e casamentos para entender a diversidade de formas de viver essas dimensões..

Palavras-chave: Amor; Casamento; Sexo; Adultos jovem.


ABSTRACT

The intense changes in the men and women roles, identified at the professional, family and social environment have, in actuality, generated questions about love and sexual relations, and about the traditional marriage. The objective of this study was to investigate the opinion of young adults regarding romanticism, family, conjugal roles, and sexual permissiveness, comparing opinions of men and women. 197 participants between the ages of 20 and 31, all residents of Rio Grande do Sul, completed a questionnaire. The instrument contained socio-demographic data and five scales that evaluated attitudes in relation to romanticism, sexual permissiveness, traditional family and feminism. The results indicated that marriage continues to be desired by young adults, in spite of not being among their principal life projects. Love is important, but is not perceived as eternal and exclusive. The partners roles reflect the transition between old and new models. The conclusions lead us to think that it is more adequate to think in terms of loves, sexes, and marriages in order to understand the diversity of forms of living these dimensions.

Keywords: Love; Marriage; Sex; Young Adults.


 

 

A evolução social, a emancipação feminina, a revolução sexual, o aperfeiçoamento dos métodos anticoncepcionais e das técnicas de reprodução, entre muitos outros fatores, têm modificado a concepção sobre os relacionamentos amorosos em nosso contexto. O casamento, que era o principal meio de exercitar a conjugalidade, tem sido questionado e vem perdendo espaço para outros modelos de relacionamento.

No Brasil, até os anos setenta, a constituição da família parecia orientar-se por um modelo único e o casamento tradicional servia para os jovens se instalarem na vida, assim como para satisfazer as necessidades de sobrevivência, sexuais e econômicas. Atualmente, homens e mulheres têm autonomia no trabalho, na sexualidade e na reprodução. Além disso, as mulheres estão optando por casar e ter filhos mais tarde, de modo a garantirem o seu futuro profissional (Wendling, 2002).

O que caracteriza o casamento no início do século XXI é a pluralidade de modelos de conjugalidade, que vão desde os casais com vínculo matrimonial legal até os coabitantes temporários ou definitivos; dos casais hetero aos homossexuais; dos casais que optam por não ter filhos aos que fazem inúmeras tentativas de inseminação artificial; daqueles que dividem as tarefas domésticas e profissionais até os que mantêm funções complementares ou optaram pela mulher trabalhar fora enquanto o marido cuida da casa e das crianças; dos casais de dupla carreira, em que ambos investem num projeto profissional e competitivo, aos que optam “por um amor e uma cabana” (Araújo, 2002; Fleck & Wagner, 2003; Rocha-Coutinho, 2004). Assim, na sociedade brasileira, nas últimas décadas, constata-se a modernização dos costumes, principalmente nas camadas médias e altas dos grandes centros metropolitanos. Tais mudanças se expressam através da liberdade do exercício da sexualidade para ambos os sexos fora de uma relação estável, do aumento de arranjos conjugais, da ampla aceitação do divórcio e da maternidade voluntária (Goldenberg, 2004; Féres-Carneiro & Magalhães, 2005; Jablonski, 2005).

O casamento parece ter mudado de posição na ordem simbólica: nem legitima o início da convivência, nem intervém depois do nascimento de filhos. Mais parece assumir o significado de uma sanção ou reconhecimento a posteriori. De rito de passagem, parece tornar-se cada vez mais um rito de confirmação. A coabitação vai assumindo características de instituição social, também com reconhecimento legal quanto ao acesso aos bens, aos direitos recíprocos, entre outros). No Brasil, a união estável entre o homem e a mulher passou a ser reconhecida como entidade familiar a partir da Constituição Federal de 1988, equiparando-a ao casamento (Souza, 2000; Venosa, 2002).

Sendo assim, na contemporaneidade, há menos exigências sociais para o casamento do que em outras épocas. A escolha pelo casamento e o que caracteriza essa relação é, cada vez mais, uma opção e uma determinação de cada um dos membros do casal. Nesse momento, encontramos novos conceitos de casamento. Por exemplo, Severino em meados dos anos 90 (1996) descreve “casamento” como uma opção de dois indivíduos por conviverem numa relação estável e que implica assumirem compromissos mútuos, oferecendo reciprocamente suporte para as necessidades sociais, afetivas e sexuais.

Alguns fatores são apontados como influenciadores na formação de atitudes liberais ou conservadoras nas relações conjugais. Entre eles, pesquisas brasileiras destacam o sexo, a raça, a idade dos cônjuges ao casarem e o status sócio-econômico dos respectivos empregos (Jablonski, 1996, 2003, 2005). Além disso, Thorn e Gilbert (1998) num contexto norte-americano salientam que o desenvolvimento de ideologias sobre o papel de gênero é complexo, sendo necessários estudos complementares no que se refere à aprendizagem social.

Uma pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos, comparando dados de 1967 e 1994 a respeito das atitudes em relação ao casamento, concluiu que as atitudes sobre o romance fortaleceram-se significativamente, a experiência sexual antes do casamento com o parceiro tornou-se mais amplamente aceita, as crenças nos conceitos de família tradicional diminuíram notadamente, indicando uma anulação da visão do casamento em que o marido é o provedor e a esposa, exclusivamente, dona-de-casa e mãe. Concluiu-se, também, que as mudanças sociais e culturais desses 27 anos afetaram homens e mulheres diferentemente. Por exemplo, as mulheres cresceram muito mais do que os homens em sua concordância sobre o sexo pré-conjugal com envolvimento emocional e também evitam mais fortemente a imagem do marido como provedor e da esposa como dona-de-casa (Barich & Bielby, 1996).

Também evidenciando a relevância da variável sexo, uma investigação com universitárias de classe média urbana brasileira, desenvolvida por Rocha-Coutinho (2004), constatou que o casamento oficial parece ter perdido a importância, mas ressaltou o quanto o ritual e o aspecto simbólico da união continuam sendo relevantes para as mulheres. Todas as entrevistadas casadas tinham passado pelo ritual do casamento religioso, seguido de festa, e a maioria das solteiras afirmou querer casar na igreja com véu e grinalda. Esse pode ser ainda um reflexo do ideal romântico que foi colocado sobre o ritual do casamento.

A concepção do amor romântico, valor cultural e base ideal para o casamento no século XVIII, é ainda, muitas vezes, enfatizada. Homens e mulheres veêm o relacionamento como fonte de realização afetiva e o cônjuge como responsável pela sua felicidade (Schames, 2000; Falcke, Diehl & Wagner, 2002). Também no direito brasileiro, fica evidente a idéia de que o “fundamento básico do casamento e da vida conjugal é a afeição entre os cônjuges e a necessidade de que se perdure completa comunhão de vida” (Diniz, 2000). Observa-se neste postulado a associação entre o casamento e o amor, também evidenciada por diversos outros pesquisadores brasileiros (Machado, 2001; Rocha-Coutinho, 2004; Roudinesco, 2003; Zagury, 2003; Zeglio & Rodrigues Jr., 2007).

Pesquisas sobre as famílias brasileiras apontam a coexistência de valores tradicionais (associados à hierarquia de poder e à divisão de funções baseadas nos papéis masculino e feminino), paralelo aos aspectos modernos (voltados para a ideologia individualista), o que provoca, muitas vezes, conflitos na dinâmica familiar (Féres-Carneiro & Wagner, 1998; Araújo, 2002, 2005). Observa-se a existência simultânea de diferentes valores pessoais, a predominância de interesses individuais e a valorização da conjugalidade de tipo relacional, ou seja, aquela que valoriza a autonomia, a independência, a individualidade e a liberdade como valores centrais para cada cônjuge (Coelho, 2000; Heilborn, 2004; Pais, Cairns & Pappámikail, 2005).

Nesse sentido, na contemporaneidade, no contexto brasileiro, observam-se expectativas sociais mais baixas quanto ao casamento, bem como mudanças nas relações de poder entre homem e mulher, desestabilização do modelo masculino tradicional e relações de gênero mais democráticas, baseadas na busca pelo direito à igualdade e respeito à diferença, com a conseqüente flexibilização dos domínios femininos e masculinos (Araújo, 2005; Goldenberg, 2001; Jablonski, 2003, 2005; Aun, Vasconcellos & Coelho, 2006). Na vida conjugal, mesclam-se os papéis de homem e de mulher. Atribuir à mulher o papel de cuidar do lar e ao homem o de prover o sustento é um modelo arcaico e estereotipado (Osório, 1996).

Apesar disso, na maioria dos países ocidentais, constata-se que, mesmo depois do movimento feminista e da revolução sexual, persiste a educação diferenciada entre os sexos, sendo que os homens geralmente são ensinados a serem fortes, corajosos, competitivos e, as mulheres, a serem passivas, afetivas e compreensivas (Siegal, 1987; Hite, 1995; Hyde, 1995). Essa educação contribui para que homens e mulheres tenham opiniões diferentes e experimentem diferentemente as relações de intimidade (Severino, 1996). Nesse sentido, Babo e Jablonski (2002) ao investigarem os relacionamentos amorosos na pós-modernidade, através dos meios de comunicação de massa, constataram que as revistas femininas e masculinas brasileiras veiculam mensagens contraditórias. Para o público feminino, enfatizam a construção de uma relação unindo sexo ao amor e, para o público masculino, destacam a variedade e a excitação em detrimento do compromisso. Dessa forma, reforçam a antiga estereotipia de papéis que associa a mulher à busca pelo casamento e pelo sexo com amor, ao mesmo tempo em que atribui ao homem o desejo do sexo sem compromisso.

Além da influência da mídia, verifica-se que as opiniões e atitudes dos filhos quanto a um relacionamento com papéis sexuais mais tradicionais ou mais igualitários é diretamente influenciada pelo comportamento dos pais. Quando os homens dividem o trabalho doméstico com suas esposas, há uma associação com crescente expectativa igualitária em seus filhos adultos jovens (Thorn e Gilbert, 1998).

Nesta perspectiva, um inquérito realizado pelo IRP (Instituto di Reserch sulla Populazione – Palomba Itália) identificou que 46% dos participantes eram favoráveis a papéis totalmente simétricos/iguais, em que ambos cônjuges tivessem responsabilidades profissionais e de cuidados com filhos e casa, 30% optava pelas relações assimétricas em que a mulher tivesse uma atividade profissional, mas mantivesse como prioritária a responsabilidade para com as tarefas familiares, e 23,5% foi favorável a uma situação tradicional, de clara divisão de deveres e esferas de responsabilidade. Aparentemente, foram as mulheres, mais do que os homens, a insistirem na dimensão da relação de amor no casamento, na paridade na atribuição de poderes e responsabilidades, e na divisão dos deveres (Saraceno, 2003).

Outras pesquisas também têm encontrado diferenças nas visões de homens e de mulheres quanto à concepção, à construção, à manutenção ou à interrupção dos casamentos (Jablonski, 2001). Por exemplo, investigações realizadas no Rio de Janeiro têm demonstrado que as atitudes dos homens, no discurso, são igualitárias, porém, na prática, não (Jablonski, 1995, 1998, 2005). Esse dado corrobora o achado de Santos (1996), que demonstra como alguns homens ora depositam expectativas antigas com base na mulher cuidadora e ora esperam que a mesma seja provedora tanto quanto eles, estando divididos entre novas concepções, que aparecem prioritariamente no discurso, e atitudes mais conservadoras, se manifestando na prática.

Um outro aspecto em relação às atitudes que deve ser considerado é o que se refere à permissividade sexual. Nesse sentido, uma pesquisa realizada com 2,5 mil jovens de nove cidades brasileiras, entre elas seis capitais, sendo uma delas Porto Alegre, constatou que os jovens porto-alegrenses diferem dos demais por serem mais liberais. Os porto-alegrenses ficaram acima da média das demais cidades em questões tais como: as mulheres não devem casar virgens, os homens não devem casar virgens. Também 35% dos jovens da capital gaúcha afirmaram já ter levado namorado(a) para dormir em casa, quando a média nacional foi de 23% (Zero Hora, 2000).

Em consonância, um estudo sobre sexualidade realizado em várias regiões do Rio Grande do Sul com 626 homens e mulheres indicou que os residentes nas cidades do interior apresentavam maiores dificuldades na área sexual do que os residentes na capital. O que sugere que ainda existe uma influência cultural repressiva sobre a sexualidade, tanto feminina como masculina, e que talvez, nas cidades menores, haja maior controle social, levando a padrões mais rígidos de comportamento sexual (Diehl, 2002).

Com base nesses achados, essa investigação teve como objetivo conhecer a opinião de adultos jovens sobre as características dos relacionamentos amorosos na atualidade, no que se refere às atitudes em relação ao romantismo, à família tradicional, aos papéis conjugais e à permissividade sexual, além de comparar as opiniões masculinas e femininas com relação a essas dimensões.

 

Método

Amostra

A amostra deste estudo foi constituída por 197 participantes, sendo 120 mulheres e 77 homens, com idade entre 20 e 31 anos, por esse período ser definido pelos estudiosos do ciclo vital como adultez jovem (Bee, 1997, Papalia, Olds & Feldman, 2006), residentes em duas cidades do Rio Grande do Sul (Porto Alegre e Erechim). Os participantes eram estudantes de instituições de ensino de nível superior particulares ou trabalhavam em estabelecimentos comerciais e repartições públicas da cidade em que residiam.

Com a relação à escolaridade, 57,9% possuíam ensino médio completo e 42,1% possuíam ensino superior completo. Quanto à variável trabalho, que caracteriza a adultez jovem, 77,2% estavam trabalhando. Ainda assim, a ocupação mais freqüente foi a de estudante (27,4%), o que sugere que mais de um quarto desses adultos jovens ainda estão se preparando para carreira profissional. A maioria possuía renda entre 1 e 3 salários (47,2%), enquanto 23,4% referiram não ter renda própria. A religião católica predominou significativamente (80,2%). Quanto a se considerarem praticantes ou não da religião, 51% afirmam ser praticantes e 49% não praticantes. Em relação à condição amorosa, 60,7% tinham namorado(a) e 39,3% não tinham namorado(a), o que indica que a maioria tinha um relacionamento estabelecido. Quanto ao tempo de namoro daqueles que tinham um(a) namorado(a) no momento da pesquisa (123 sujeitos), observou-se um mínimo de 1 mês e um tempo máximo de 10 anos e 4 meses. Do total, 69,1% dessa amostra declararam estarem namorando entre 1 e 4 anos, o que caracterizaria uma relação duradoura.

 

Instrumento

O instrumento auto-aplicável utilizado neste estudo é composto por uma primeira parte que investiga os dados sócio-demográficos (sexo, idade, escolaridade, profissão, entre outros). A segunda parte contém questões das escalas de atitude descritas no estudo de Barich e Bielby (1996): ROMS (Romanticism Scale), SEXAS (Sexual Permissiveness with Attachment Scale), SEXNS (Sexual Permissiveness with No Attachment Scale), TFCS (Traditional Family Concepts Scale) e FEMS (Feminism Scale). Foram usadas estas escalas porque elas medem atitudes em relação ao amor, à sexualidade, à família tradicional e ao feminismo. Atitudes estas vinculadas a uma idéia de casamento tradicional ou contemporâneo. As escalas são compostas por afirmações, às quais os participantes devem manifestar seu nível de concordância, a partir de uma escala likert de cinco pontos (concordo totalmente, concordo, indeciso, discordo e discordo totalmente).

A ROMS (Romanticism Scale) propõe um questionamento sobre o conceito de amor romântico no qual estão presentes a idealização, a busca da plenitude afetiva, a valorização do outro, a confiança no outro, ajuda e apoio mútuos, vinculação ao sentimento, associação à felicidade eterna, correlação entre sexo e amor, desejo de intimidade física e sexual, descrito como único, exclusivo e excludente (Branden, 2000; Costa, 2003; Giddens, 1993; Goldenberg, 2000, 2001; Muller, 1999; Rocha-Coutinho, 2004; Rougemont, 2003). A TFCS (Traditional Family Concepts Scale) avalia a opinião sobre os conceitos de família tradicional na qual os papéis apresentam-se bem definidos: a mulher é submissa ao homem e os direitos dela são limitados e tutelados por ele, que é provedor econômico, sendo que os cuidados da casa e dos filhos são domínio exclusivo da mulher (Assmar, Ferreira, Novaes & Tomaz, 2000). A FEMS (Feminism Scale) é baseada no conceito de feminismo como movimento histórico-político e filosófico-epistemológico, o qual admite que mulheres e homens vivenciem diferentes experiências nos diversos contextos e defende que sejam tratados não como iguais, mas como equivalentes (Fraisse, 1995, Jones, 1994). Questiona a opinião dos participantes sobre o papel feminino, utilizando como critério de análise essencialmente a inserção feminina no mercado de trabalho e, consequentemente, sua emancipação financeira. Por fim, as escalas de permissividade sexual - SEXAS (Sexual Permissiveness with Attachment Scale) e SEXNS (Sexual Permissiveness with No Attachment Scale) -compreendem o consentimento para a vivência da sexualidade relacionada ao envolvimento afetivo ou independente dele. Conceitos esses associados às mudanças de costumes decorrentes da Revolução Sexual e do Feminismo, que promoveram uma maior liberdade sexual (Diehl, 2002).

O questionário inicial foi submetido a uma validação semântica, de fidedignidade e de consistência. As escalas de atitudes frente ao casamento, usadas por Barich e Bielby (1996), obtiveram neste estudo um consistência interna média (alpha=0,65), o que se considerou válido em vista da natureza subjetiva do fenômeno pesquisado.

 

Procedimentos para a coleta de dados

Para a coleta de dados foram distribuídos 400 questionários em universidades e empresas eleitas pelo critério de conveniência. Os questionários foram entregues em envelopes selados e endereçados à equipe de pesquisa. Retornaram 213 dos questionários (53,25% dos distribuídos), sendo que destes, 16 (4%) foram excluídos do levantamento por virem incompletos ou em branco, ou pelo participante não se enquadrar efetivamente no perfil da amostra (não ser solteiro, por exemplo).

 

Procedimentos de análise dos dados

Fez-se, inicialmente, uma análise descritiva dos dados a fim de conhecer a distribuição das variáveis em estudo, através do programa estatístico SPSS (17.0). Posteriormente, utilizou-se o Teste t de Student, considerando um nível de significância de 0,05, para a comparação entre os sexos.

 

Apresentação e discussão de resultados

Para averiguar as opiniões dos adultos jovens que participaram deste estudo foram apresentadas cinco escalas, as quais avaliavam o romantismo, a permissividade sexual com vínculo, a permissividade sexual sem vínculo, os conceitos de família tradicional e o feminismo.

O quadro, a seguir, apresenta os resultados da avaliação sobre o romantismo:

Quadro 1: Escala de Romantismo (porcentagem de respostas)

Atitudes

 

CT

C

I

D

DT

Estar verdadeiramente apaixonado é estar apaixonado para sempre.

Homens

5,3

15,8

15,8

44,7

18,4

Mulheres

4,2

11,8

5,9

57,1

21,0

Amar é um sentimento de "tudo ou nada", não há meio termo.

Homens

16,0

24,0

9,3

34,7

16,0

Mulheres

14,2

27,5

8,3

38,3

11,7

Quando a pessoa está apaixonada, a pessoa que ela ama se torna o único objetivo de sua vida. A pessoa vive quase que exclusivamente para o outro.

Homens

14,5

17,1

17,1

36,8

14,5

Mulheres

6,7

25,0

6,7

38,3

23,3

Há somente um amor real (verdadeiro) para uma pessoa.

Homens

10,5

17,1

13,2

42,1

17,1

Mulheres

5,9

17,6

14,3

51,3

10,9

O verdadeiro amor é conhecido de imediato pela pessoa envolvida.

Homens

2,7

25,3

17,3

36,0

8,7

Mulheres

3,4

20,3

16,1

46,6

13,6

 

Os dados acima mostram que uma grande parte dos adultos jovens discorda das idéias do amor romântico: de que a paixão é para sempre (72,3%, considerando o número total de participantes), de que há somente um amor real (verdadeiro) para uma pessoa (61,0%), de que o verdadeiro amor é conhecido de imediato pela pessoa (58,0%), de que quando a pessoa está apaixonada a pessoa amada é o único objetivo da sua vida (57,7%) e de que o amor é um sentimento de tudo ou nada (50,2%). Essas posições podem complementar a visão de que, no casamento contemporâneo, os ideais de amor romântico tendem a se fragmentar, pois no líquido cenário da vida moderna espera-se que as “possibilidades românticas” apareçam e desapareçam numa velocidade crescente (Bauman, 2004, p.13).

A partir das respostas dos adultos jovens que participaram deste estudo, pode-se perceber que eles provavelmente entrarão em um casamento com uma visão bem mais realista dos relacionamentos afetivo-sexuais. Aquele relacionamento ideal, que era imaginado como a continuação dos contos de fadas, já não parece fazer parte de um desejo que as pessoas acreditam ser possível concretizar no casamento.

Na Escala de Romantismo não foram encontradas diferenças estatísticas significativas entre os sexos, sugerindo que na contemporaneidade há muito mais semelhanças do que diferenças no pensamento de homens e mulheres a esse respeito. As respostas relacionadas ao conceito de família tradicional ficaram assim distribuídas:

Quadro 2. Escala de Conceitos de Família Tradicional (porcentagem de respostas)

Atitudes

 

CT

C

I

D

DT

No meu casamento, eu quero que a esposa seja, primeiro de tudo, uma mãe e uma dona-de-casa.

Homens

3,9

17,1,

22,4

34,2

22,4

Mulheres

0,9

6,3

4,5

42,3

45,9

No meu casamento, eu quero que o marido seja o principal mantenedor da família.

Homens

10,0

22,9

15,7

35,7

15,7

Mulheres

3,4

10,9

2,5

45,4

37,8

 

Esses resultados indicam que os participantes discordam das atitudes de família tradicional, não concordando que a esposa seja, primeiro de tudo, uma mãe e dona-de-casa (75,4% da amostra total) e nem que o marido seja o principal mantenedor da família (71,4%). O que confirma que atribuir à mulher o papel de cuidadora do lar e ao homem o de provedor do sustento é um modelo já ultrapassado.

A tabela seguinte indica os resultados da comparação entre os sexos das atitudes de família tradicional.

Tabela 1. Escala de Conceitos de Família Tradicional - comparação entre os sexos

 

Atitudes

Média

p

 

 

Feminino

Masculino

 

No meu casamento, eu quero que a esposa seja, primeiro de tudo, uma mãe e uma dona-de-casa.

4,26

3,54

0,001*

No meu casamento, eu quero que o meu marido seja o principal mantenedor da família.

4,03

3,24

0,001*

 

Em relação aos conceitos de família tradicional constatou-se uma diferença estatística significativa entre os sexos nos dois subitens. A média feminina mais alta indica maior discordância com as sentenças apresentadas. Sendo assim, constata-se que os homens se mostraram mais favoráveis aos papéis tradicionais no casamento desejando que a esposa seja, primeiro de tudo, uma mãe e dona-de-casa e que o marido seja o principal mantenedor da família. Esse dado confirma os achados da literatura que demonstram como os homens ainda manifestam atitudes mais conservadoras em relação aos papéis conjugais (Barich & Bielby, 1996; Jablonski, 2001, 2005; Saraceno, 2003; Santos, 1996).

Para complementar a avaliação dos papéis no casamento, a subescala de Feminismo apresentou os seguintes resultados:

Quadro 3. Escala de Feminismo (porcentagem de respostas)

Atitudes

 

CT

C

I

D

DT

No meu casamento, eu quero que a esposa seja principalmente uma profissional.

Homens

10,7

40,0

21,3

24,0

4,0

Mulheres

10,5

33,3

10,5

33,3

12,3

No meu casamento, eu quero que a esposa seja responsável pelo orçamento e supervisione os gastos da renda familiar.

Homens

2,7

17,6

17,6

48,6

13,5

Mulheres

5,5

10,0

15,5

50,0

19,1

Quanto à esposa ser principalmente uma profissional, a distribuição de respostas entre concordo (46,6%), indeciso (14,8%) e discordo (38,6%) ficou bem equilibrada, ao considerarmos as respostas de todos os participantes. Provavelmente, a palavra “principalmente” influenciou na resposta, pois as relações exigem, cada vez mais, que as pessoas ocupem várias posições exercendo diferentes papéis com igual grau de importância. Em relação à esposa ser responsável pelo orçamento e supervisão dos gastos familiares houve maior discordância (66,3% dentre todos os participantes). A análise desses dois dados sugere uma coexistência de papéis tradicionais e novos padrões de negociação das atribuições masculinas e femininas na relação de casal. Não foram observadas diferenças na opinião de homens e mulheres em relação a esse item.

Buscando identificar as opiniões dos jovens adultos sobre atitudes relacionadas à sexualidade, investigou-se o grau de permissividade sexual, inicialmente, considerando a existência de vínculo afetivo entre os parceiros. Os resultados estão apresentados no próximo quadro:

Quadro 4. Escala de Permissividade Sexual Com Vínculo (porcentagem de respostas)

Atitudes

 

CT

C

I

D

DT

Relações sexuais completas são aceitáveis para o homem antes do casamento se ele sente uma forte afeição por sua parceira.

Homens

30,3

48,7

9,2

11,8

0,0

Mulheres

20,8

46,7

6,7

17,5

8,3

Relações sexuais completas são aceitáveis para a mulher antes do casamento se ela está comprometida com o homem.

Homens

17,1

48,7

13,2

15,8

5,3

Mulheres

19,2

45,0

10,0

18,3

7,5

Relações sexuais completas são aceitáveis para o homem antes do casamento se ele está comprometido com a mulher.

Homens

17,1

42,1

10,5

23,7

6,6

Mulheres

18,5

35,3

11,8

24,4

10,1

Relações sexuais completas são aceitáveis para a mulher antes do casamento se ele sente uma forte afeição por seu parceiro.

Homens

19,7

53,9

9,2

14,5

2,6

Mulheres

24,6

50,0

6,8

15,3

3,4

Observa-se que os sujeitos pesquisados são, em sua maioria, permissivos ao relacionamento sexual, antes do casamento, quando há vínculo afetivo e/ou compromisso com o/a parceiro/a.

Considerando as atitudes de permissividade sexual com vínculo, foi encontrada diferença estatística significativa apenas no item relações sexuais completas são aceitáveis para o homem antes do casamento se ele sente uma forte afeição por sua parceira (p=0,023), sendo que os homens foram mais favoráveis a esse item do que as mulheres, confirmando a maior liberdade sexual tradicional desfrutada por eles.

Já em relação à permissividade sexual sem vínculo, os resultados são apresentados no quadro a seguir:

Quadro 5. Escala de Permissividade Sexual Sem Vínculo (porcentagem de respostas)

Atitudes

 

CT

C

I

D

DT

Jogos sexuais são aceitáveis para o homem antes do casamento mesmo que ele não sinta afeição pela parceira.

Homens

15,6

44,2

18,2

18,2

3,9

Mulheres

18,5

42,9

10,1

20,2

8,4

Relações sexuais completas são aceitáveis para a mulher antes do casamento mesmo que ela não sinta afeição pelo parceiro.

Homens

2,6

33,8

23,4

33,8

6,5

Mulheres

5,1

25,4

21,2

36,4

11,9

Relações sexuais completas são aceitáveis para o homem antes do casamento mesmo que ele não sinta afeição pela parceira.

Homens

6,5

55,8

14,3

19,5

3,9

Mulheres

15,3

50,0

10,2

13,6

11,0

Jogos sexuais são aceitáveis para a mulher antes do casamento mesmo que ela não sinta afeição pelo parceiro.

Homens

5,2

33,8

15,6

37,7

7,8

Mulheres

4,2

24,4

21,8

32,8

16,8

Na tabela, pode-se observar que é bem mais clara a concordância da aceitação da sexualidade sem afeição antes do casamento para os homens (questões 1 e 3) do que para as mulheres (questões 2 e 4). Quanto às manifestações da sexualidade de mulheres sem afeição pelo parceiro, observa-se uma maior distribuição das respostas entre concordo (28,7% e 28,1%), indeciso (22,1% e 19,4%) e discordo (35,4% e 34,7%). Esses dados sugerem que permanecem as diferenças quanto ao que se espera do comportamento sexual masculino e feminino. Apesar da crescente liberdade sexual da mulher, ela continua vinculada à relação amorosa. Quanto ao homem, ao contrário, permanece a idéia de que tenham relações sexuais com outras mulheres para "ensinar suas castas esposas" (Diehl, 2002).

Não foram encontradas diferenças estatísticas significativas entre os sexos quanto às atitudes de permissividade sexual sem vínculo, ou seja, tanto homens como mulheres consideram mais aceitável que um homem dissocie sexo de amor do que uma mulher. Tal resultado evidencia os vestígios da tradição que ainda se fazem presentes na visão que as pessoas têm sobre a sexualidade feminina e masculina.

 

Conclusões

O casamento na contemporaneidade continua desejado, embora não esteja entre os principais projetos de vida dos adultos jovens solteiros. Atualmente, é compreendido mais como algo que pode acontecer a qualquer momento, do que como um objetivo que as pessoas estejam buscando e pelo qual estejam dispostas a lutar para alcançar. Observa-se, no cotidiano, que o casamento está ocorrendo mais tarde no ciclo evolutivo vital, sendo prioritários os investimentos na formação profissional, tanto para homens como para as mulheres, também porque, com a maior liberdade sexual, não é necessário casar para ter uma vida sexual ativa. As pesquisas referem, inclusive, que as pessoas estão iniciando sua vida sexual mais cedo e casando mais tarde.

Quanto às opiniões em relação ao romantismo, constata-se que o amor é valorizado, é importante, porém não é mais percebido como eterno, total, exclusivo, único e reconhecido de imediato. As pessoas têm uma visão mais real e menos fantasiosa e idealizada do amor. Por exemplo, não acreditam que o casamento pode realizar todos os seus sonhos, nem que os que amam adivinham pensamentos e sentimentos do outro. Esses dados questionam os pressupostos do amor romântico que, neste estudo, não apareceram enfatizados, diferentemente de outras pesquisas (Schames, 2000; Rocha-Coutinho, 2004).

Contudo, no que se refere à sexualidade, entre adultos jovens, fica evidente que, tanto na opinião de homens como de mulheres, a sexualidade ainda é vista como vinculada à relação afetiva para ambos os sexos. O exercício desta sem vínculo afetivo é mais aceito para os homens do que para as mulheres, na opinião de ambos os sexos. A sexualidade feminina ainda está estritamente vinculada a afetividade, enquanto que aos homens é permitida maior liberdade em sua expressão. Tais resultados evidenciam o quanto os valores tradicionais, especialmente vinculados às questões sexuais, ainda estão presentes (Diehl, 2000).

Quanto aos papéis que os cônjuges desempenharão no casamento, observa-se a coexistência de atitudes modernas e tradicionais, tal como descrito em outros estudos (Feres-Carneiro & Wagner, 1998; Araújo, 2002, 2005). Quando considerado o conjunto da amostra, constata-se que a maioria não concorda em que a mulher seja apenas mãe e dona-de-casa e que o marido seja o principal mantenedor da casa. Quando consideradas as respostas somente dos homens, eles expressam uma concordância um pouco maior com os conceitos de família tradicional. Essa maior concordância dos homens pode decorrer do fato de a posição ser mais confortável e vantajosa para eles, considerando que as mulheres têm assumido tantas responsabilidades profissionais quanto os homens e, ao mesmo tempo, mantido, na família, as responsabilidades que já tinham. No conjunto da amostra, as opiniões também estão divididas quanto aos valores referentes ao feminismo, entre eles, aqueles que pregam que a atividade da esposa seja, principalmente, de uma profissional.

Comparando os dados obtidos com os resultados do estudo realizado por Barich e Bielby (1996), no contexto norte-americano, através de duas coletas (1967 e 1994) utilizando as mesmas escalas desta pesquisa, pode-se perceber que a valorização do romance, acentuada em 1994, apareceu desvalorizada em nosso contexto. Assim como também, não se confirmou a maior concordância feminina com o sexo pré-conjugal. Ao contrário, elas discordaram significativamente mais do que os homens sobre esse aspecto. Em contrapartida, foram na mesma direção os achados com relação a pouca valorização das crenças sobre os conceitos de família tradicional e a evitação mais forte das mulheres com relação à imagem do marido como o principal mantenedor da família.

Os resultados deste estudo provavelmente reflitem um período ainda de transição entre velhos e novos modelos. Novos modelos que refletem o quanto, na contemporaneidade, fica difícil falar em amor, sexo e casamento. Como já não existe um modelo único, ou prioritário, parece mais adequado pensarmos em “amores”, “sexos” e “casamentos”, ou seja, em uma visão mais plural e complexa para o entendimento das diferentes formas de viver esses aspectos das relações amorosas. Os resultados dessa pesquisa apontam não só as transformações na visão sobre o romantismo, os papéis conjugais e a sexualidade, mas como elas estão sendo incorporadas em ritmos diferentes por homens e mulheres.

Torna-se necessário assim, aos estudiosos do tema e profissionais que lidam com os conflitos amorosos, sempre questionar de que amor, de que sexo e de que casamento se fala. Entendendo que cada pessoa pode atribuir diferentes significados a essas concepções e exercitar suas relações com muito mais liberdade de escolha.

 

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Endereço para correspondência
Denise Falcke
E-mail:dfalcke@unisinos.br

Eliana Zordan
E-mail:epzordan@uri.com.br

Submetido em: 11/12/2008
Revisto em: 12/07/2009
Aceito em: 22/10/2009

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