Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.63 no.3 Rio de Janeiro 2011
ARTIGOS
Associações entre impulsividade, compulsão alimentar e obesidade em adolescentes
Associations between impulsivity, binge eating and obesity in adolescent
Las asociaciones entre atracones, impulsividad, y la obesidad en adolescentes
Cibele PereiraI; Ethel Zimberg ChehterII
IMestre pela Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Santo André. São Paulo. Brasil
IIDocente. Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Santo André. São Paulo. Brasil
Endereços para correspondência
RESUMO
A impulsividade pode ser importante componente no âmbito da compulsão alimentar e obesidade.
OBJETIVO: Apresentação de um protocolo com a utilização do Teste Palográfico para medida da impulsividade.
MÉTODOS: 60 adolescentes (10-20 anos; Md: 13,97 anos; DP 2,17) de ambos os sexos foram avaliados quanto ao IMC, compulsão alimentar e impulsividade.
RESULTADOS: A compulsão alimentar foi prevalente em meninas e a impulsividade em meninos; 38% da amostra estava acima do peso saudável, dos quais 13% simultaneamente com obesidade/obesidade grave, compulsão alimentar e altos escores para impulsividade. A associação entre IMC e impulsividade pontuou valores próximos do nível de significância estabelecido no estudo (chi square = 14.85, DF = 8, p = . 062).
CONCLUSÃO: O Teste Palográfico mostrou boa sensibilidade e especificidade justificando a aplicação do presente protocolo em desenhos de estudos que comportem amostras maiores e que preconizem as diferenças sexuais.
Palavras-chave: Impulsividade; Compulsão alimentar; Obesidade; Adolescente; TDHA.
ABSTRACT
Impulsivity may be an important component on context of binge eating and obesity.
OBJECTIVE: Presentation of a protocol with the use of Palográfico test to measure impulsivity.
METHODS: 60 adolescents (10 - 20 years; Md: 13.97 years, SD 2.17) of both sexes were assessed for BMI, binge eating and impulsivity.
RESULTS: Binge eating was prevalent in girls and impulsivity in boys. 38% of the sample was above the healthy weight and of these, 13% simultaneously with obesity / morbid obesity, binge eating and higher scores for impulsiveness. The association between BMI and impulsivity scored values near the significance level of the study (chi square = 14.85, DF = 8, p =. 062).
CONCLUSION: The Palográfico test showed good sensitivity and specificity justifying the application this protocol in study designs involving larger samples and focused that focus on sexual differences.
Keywords: Impulsivity; Binge eating; Obesity; Adolescent; ADHD.
RESUMEN
La impulsividad puede ser un componente importante en el contexto de atracones y la obesidad.
OBJETIVO: Presentación de un protocolo con el uso de prueba Palográfico para medir la impulsividad.
MÉTODOS: 60 adolescentes (10 - 20 años, Md: 13,97 años, SD 2.17) de ambos sexos se evaluaron el IMC, los atracones y la impulsividad.
RESULTADOS: Los atracones eran frecuentes en las niñas y la impulsividad en los niños. 38% de la muestra estaban por encima del peso saludable y de estos, el 13% de forma simultánea con la obesidad la obesidad / mórbida, los atracones y las puntuaciones más altas de la impulsividad. La asociación entre el IMC y la impulsividad anotó valores próximos al nivel de significación en el estudio (chi cuadrado = 14,85, gl = 8, p =. 062).
CONCLUSIÓN: La prueba Palográfico mostró buena sensibilidad y especificidad justifica la aplicación de este protocolo en los diseños de estudio con muestras más grandes y centrados in las diferencias sexuales.
Palabras clave: Impulsividad; Trastorno por atracón; La obesidad; Los adolescentes; El TDAH.
Indivíduos obesos não constituem um grupo homogêneo baseado no critério peso. Quanto aos aspectos psicológicos, o que se observa é que, face à diversidade, a busca de um único perfil psicológico para identificar a personalidade da pessoa obesa parece fadada ao fracasso. As formas de classificação da obesidade são diversas, daí não fazer sentido que um perfil se aplique a todos os obesos. No entanto, em nossa revisão sobre o tema (Pereira & Chehter, 2011), verificamos que a impulsividade, um traço de temperamento, é foco importante de estudos sobre a obesidade e transtornos alimentares, especialmente compulsão alimentar.
A impulsividade como traço de personalidade nos dota de espontaneidade e iniciativa, mas quando exacerbada afeta nossa capacidade de fazer boas escolhas. Observa-se isso, geralmente, nos atos impensados, na dependência química, na personalidade tipo borderline (instabilidade afetiva), no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (instabilidade cognitiva), transtorno de personalidade antissocial, sexo compulsivo, transtornos alimentares e transtornos de controle dos impulsos (American Psychiatric Association, 2003).
Embora exista consenso para uma associação positiva entre obesidade e impulsividade, há disparidade de resultados nos estudos devido à diversidade de metodologias e instrumentos. As pesquisas a abordam como construto uni ou multidimensional, pois há comportamentos impulsivos específicos relacionados a determinados transtornos. Agir sem muita cautela, temperamento explosivo, busca de novidades ou impulso para experimentação, não resistir a alimentos hipercalóricos sabendo que isso pode levar à obesidade são exemplos de expressões do traço impulsivo mais exacerbado.
Um consenso sobre o número de dimensões e como conceituá-las não está claro. As dimensões propostas nos diversos instrumentos variam de duas a quinze segundo análise de 95 itens componentes de instrumentos de auto relato (Kirby & Finch, 2010).
A compulsão alimentar (CAP) apresenta forte componente impulsivo e ocorre em indivíduos com peso normal ou obesos e é definida pelos seguintes critérios: ingestão de grande quantidade de comida em um período de tempo delimitado (até duas horas), acompanhado da sensação de perda de controle sobre o que ou o quanto se come (American Psychological(Association, 2003). A ocorrência desses episódios duas vezes por semana caracteriza o transtorno de compulsão alimentar periódica (TCAP).
Como se observa, a perda de controle é a principal característica do episódio de compulsão alimentar em detrimento de outros aspectos como a quantidade de alimento ingerido, a velocidade e o tempo. Estes são critérios um tanto inconsistentes, dado que não existem informações sobre os valores ideais para a velocidade e a quantidade de alimentos ingeridos. Por definição, a falta de controle sobre um ato está ligada à impulsividade, tanto que há a proposta de uma nova terminologia: "Transtorno do comer impulsivo" (Borges & Jorge, 2000). Cinquenta por cento dos obesos que procuram tratamento para emagrecimento apresenta compulsão alimentar de maior ou menor gravidade (Coutinho, 1998). Mesmo na ausência de compulsão alimentar, o obeso pode apresentar hiperfagia como principal componente fisiopatológico do quadro metabólico.
Embora a literatura se refira à obesidade na infância e adolescência como importante preditor de obesidade na idade adulta e a impulsividade como preditor da obesidade, há uma grande variedade de instrumentos e metodologias para medida da impulsividade e poucos instrumentos para uso em crianças e adolescentes. Em nossa revisão (Pereira & Chehter, 2011) nos últimos nove anos constam 28% dos artigos para a infância e 7% para adolescência, sendo que para esta última não foram usados instrumentos específicos, somente algumas adaptações. Os instrumentos mais usados na medida da impulsividade são os de auto relato que, como dito anteriormente, medem o mesmo construto sob dimensões diferentes. Isso, por um lado, traz esclarecimentos quando focamos transtornos específicos, mas, por outro lado, impede o consenso sobre associações positivas ou negativas entre impulsividade, compulsão alimentar e obesidade.
Nosso objetivo foi compor um protocolo para avaliação das associações entre impulsividade, compulsão alimentar e obesidade utilizando o Teste Palográfico, através do qual o testando não precisa inferir sobre seu comportamento, evitando vieses comuns associados ao constrangimento ou mesmo pela falta de insight. Para medida da impulsividade foram usados o Teste Palográfico e a Barrat Impulsiveness Scale (BIS 11) para comparação, pois esta é uma das ferramentas mais citadas na literatura dos países de língua inglesa e está em estudos no Brasil.
Pretendeu-se um pequeno ensaio para avaliar o desempenho do teste palográfico quanto ao seu valor preditivo e sensibilidade na medida da impulsividade para posterior uso em amostras maiores, pois o teste é de fácil aplicação e correção e pode ser aplicado em crianças a partir de oito anos até adultos, além de não produzir o viés da desejabilidade social. Sensibilidade é a capacidade de um procedimento efetuar diagnósticos corretos da doença, ou seja, quando esta está presente (verdadeiros positivos). Já a especificidade é a capacidade de um procedimento diagnosticar corretamente a ausência da doença, quando esta não está presente.
Para o rastreamento e gravidade da compulsão alimentar foi usada a Escala de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP). Observou-se também a frequência de participantes diagnosticados com transtorno de hiperatividade e déficit de atenção (TDHA) ou mesmo aqueles que apresentaram sintomatologia sem preencherem todos os critérios, pois a literatura tem reportado frequência considerável de pessoas com sobrepeso e obesidade na população com TDHA e vice-versa (Altfas, 2002; Strimas et al., 2008; Davis et al., 2009; Pagoto et al., 2009).
Método
Trata-se de um estudo aberto, prospectivo, não randomizado, que usou como instrumentos uma entrevista semidirigida, o Teste Palográfico, a Escala de Impulsividade de Barrat (BIS) e a Escala de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP). Os instrumentos foram aplicados na ordem de citação por psicólogas treinadas.
Amostra
Foi utilizada uma amostra não probabilística por conveniência (N=60). Os participantes foram 26 adolescentes do sexo masculino e 34 do sexo feminino com idades entre 10 e 19,9 anos (Md: 13,97 anos; DP 2,17) atendidos no ambulatório de hebiatria da Faculdade de Medicina do ABC que aceitaram o convite para participação no estudo. Os critérios de exclusão foram síndromes endócrinas e incapacidade para compreensão e realização dos testes propostos.
Aspectos éticos
Os adolescentes tiveram o consentimento dos pais, oficializado através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para a participação no estudo e, ao final do mesmo, tiveram acesso à entrevista devolutiva para tomarem ciência sobre os principais aspectos levantados pelo estudo e informações sobre as medidas interventivas que propiciem melhor resposta aos tratamentos. O estudo está protocolado no CEP da Faculdade de Medicina do ABC sob o número 137/2008.
Procedimentos
Estratificação da amostra segundo o índice de massa corporal (IMC). O IMC é o índice mais usado para medidas antropométricas em adultos e pouco recomendado para crianças e adolescentes. Seu cálculo é simples e rápido e estabelece uma boa correlação com a adiposidade corporal, embora não estabeleça a diferenciação entre tecido muscular e adiposo, assim como gordura central de periférica, que devem ser detectados pelo exame físico do paciente.
Instrumentos
Entrevista semidirigida para coleta de dados sobre motivo da ida ao ambulatório, hábitos alimentares, aspectos socioculturais, comportamentos adictos, dados antropométricos e verificação dos critérios de exclusão. Os dados antropométricos atualizados foram obtidos através dos dados dos respectivos prontuários.
A Escala de Impulsividade de Barratt (Pantton, Stanford, & Barratt, 1995) ou BIS 11 em sua décima primeira versão é uma das ferramentas mais utilizadas para medir impulsividade nos países de língua inglesa. O modelo de Barratt propõe a impulsividade concebida sob três fatores: motor (capacidade de conter o ato), atencional e falta de planejamento (orientação para o presente). É uma escala do tipo Likert com 30 itens na qual o participante julga seu comportamento e classifica-o em uma das quatro alternativas possíveis: Raramente (1), Às vezes (2), Frequentemente (3), Sempre (4).
Escores variam de 30 a 120 e não há ponto de corte, mas estudos com grupos normativos (Fisher & Corcoram, 2007). A BIS-11 foi traduzida e adaptada para o português (Diemen, Szobot, Kessler, & Pechansky, 2007) em estudo com adolescentes do sexo masculino. Apesar de um satisfatório índice de consistência interna (0,62), os três fatores foram identificados na análise fatorial, mas a solução diferiu da versão original, portanto, os autores afirmam a não validação dos três fatores e recomendam para estudos com adolescentes brasileiros o uso da escala apenas para escore total.
Um estudo mais recente (Malloy-Diniz et al., 2010) com adultos tratou da adaptação cultural da escala. Foram feitas análise quantitativa das equivalências literal, idiomática e conceitual dos itens das versões americana e brasileira. O escore total da versão americana foi correlacionado ao escore total da versão brasileira a partir dos dados obtidos nas amostras bilíngues. Encontrou-se um escore significativo equivalente: r = 0,93 e r = 0,91 (p< 0,001). Os índices de correlação entre os escores parciais das duas versões variaram entre 0,80 e 0,91 (p < 0, 001).
O Teste Palográfico foi criado por Salvador Escala Milá do Instituto Politécnico de Barcelona na Espanha e desenvolvido e divulgado no Brasil por Minicucci (Minicucci, 2002). É considerado um teste expressivo para avaliação da personalidade e neste estudo foi utilizado para avaliar a impulsividade, e não para um delineamento completo. Está teoricamente fundamentado na teoria motriz da consciência, a qual postula que para toda intenção ou propósito de reação há modificação do tônus postural que tende a favorecer os movimentos à obtenção dos objetivos e a inibir os movimentos contrários (Mira, 1987). Os estudos de padronização e validade constam em manual de forma atualizada e detalhada (Alves & Esteves, 2004).
Para a realização do teste pede-se ao participante para reproduzir em uma folha de aplicação padronizada palos como ele vê no modelo (três palos de 7 mm de altura separados por intervalos de 2,5 mm). Os palos devem ser feitos de cima para baixo, da esquerda para a direita, o mais rápido e melhor possível. Numa primeira etapa há um treino para adaptação à tarefa em cinco tempos de 30 segundos. Na segunda etapa prossegue-se com a tarefa em cinco tempos de 1 minuto. O tempo para realização é de dez minutos. O escore para impulsividade corresponde à diferença entre as medidas do menor e do maior palo e a classificação se dá pelos seguintes pontos de corte:
- Acima de 10,8 mm: impulsividade muito aumentada.
- Entre 8,4 mm e 10,8mm: impulsividade aumentada.
- Entre 3,4 mm e 3,3 mm: impulsividade moderada.
- Entre 0,9 mm e 3,3 mm: impulsividade diminuída.
- Abaixo de 0,9 mm: muito diminuída.
Não encontramos na literatura o uso desse teste para uso clínico, tampouco na forma como foi usado aqui, na avaliação de um único traço de personalidade ao invés da avaliação global da personalidade. Ele é mais usado no Brasil nas baterias de exames psicotécnicos aplicados em seleção de pessoal e também para obtenção da carteira nacional de habilitação (CNH).
A Escala de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP) é um instrumento autoaplicável amplamente utilizado, desenvolvido para rastreamento e avaliação da gravidade da compulsão alimentar em obesos (Gormally, Black, Daston, & Rardin, 1982). É uma escala Likert, composta por 16 itens e 62 afirmativas que pontuam de zero a três pontos por segundo a gravidade da frequência dos episódios, a quantidade de alimento ingerido e o grau de emoção envolvidos num episódio de compulsão alimentar (CAP). Foi traduzida e adaptada para o idioma português (Freitas, Lopes, Coutinho, & Appolinario, 2001). Escores abaixo de 17 indicam ausência de compulsão, entre 18 e 26, compulsão moderada e acima de 27, compulsão grave.
Tratamento estatístico dos dados
Foram realizadas análises de todas as variáveis do estudo através do programa IBM SPSS Statistics 18. Para verificar a associação entre grupos e variáveis qualitativas foi utilizado o teste de Qui-quadrado de independência. Para variáveis quantitativas foram utilizados os testes de Kolmogorov-Smirnov e Levine para verificar a aderência à curva normal e a homogeneidade das variâncias, respectivamente. O teste U de Mann-Whitney e o teste de Kruscal-Wallis foram usados na verificação de semelhança ou discrepância entre grupos. As correlações foram feitas pelo coeficiente de Pearson (Callegari-Jacques, 2006). O nível de significância foi estipulado em 5%.
Resultados
Aderência à curva normal:
A impulsividade medida pelo Teste Palográfico não atendeu os parâmetros para curva normal: p = .001.
Dados obtidos da entrevista:
Distúrbios psicológicos: 58% dos participantes estavam sob tratamento ou avaliação psicológica. Meninas apresentaram escores mais altos para transtornos do humor e meninos para transtornos associados ao impulso como o transtorno de conduta e TDHA (Figura 1).
Comportamentos aditivos:
Tabagismo foi o único comportamento aditivo reportado e apenas por 5% dos participantes, todas mulheres e com peso normal.
Obesidade:
O excesso de peso foi observado em 38,4% da amostra (Figura 2) e configurou-se uma correlação positiva moderada entre IMC e idade: r= .300 (p <.05).
Os grupos feminino e masculino mostraram a mesma proporção de sobrepeso, e não se configurou associação entre IMC e sexo (qui-quadrado = 7,43, df = 4, p = 0,11). O grupo feminino apresentou maior proporção de participantes com peso saudável, 44% versus 31% nos homens, e não houve ocorrência de obesidade grave.
O grupo masculino apresentou maior frequência de magros (31%) e ocorrência de obesidade grave (11%). A idade média para a categoria magra foi de 12,6 para o sexo masculino e 13 para o feminino.
Compulsão alimentar:
Formas moderadas e graves de compulsão alimentar foram mais frequentes no sexo feminino (35,2%), ocorrendo também no estrato peso normal (Figura 3).
No grupo masculino (Figura 4) a frequência foi de 11,6% e apenas nas categorias de sobrepeso.
Os dados apontam para uma associação positiva entre escores da ECAP e IMC (H = 12.66, df = 4, p =.013). A categoria 'magros´ diferiu de outros estratos de peso com relação à compulsão alimentar, com exceção do estrato eutrófico: (U = 128, p = 0,313), Magros X sobrepeso (U = 28, p = 0,001), Magros X Obesos (U= 18, p = 0,051), Magros X Obesos graves (U = 107, p = 0,012).
Diferenças significativas entre as outras categorias não foram identificadas. Correlações moderadas foram estabelecidas entre os escores IMC e ECAP (r = 0,456 [p<0,01]) e entre BIS e BES 11 (r = 0,418 [p<0,01]).
Impulsividade
As figuras 5 e 6 foram construídas a partir de dados obtidos pelo Teste Palográfico pelo qual é possível observar diferenças significativas entre grupos feminino e masculino.
A impulsividade aumentada e muito aumentada foi prevalente no sexo masculino (Figura 6) e a forma moderada no sexo feminino (Figura 5). Impulsividade aumentada e muito aumentada ocorreu em 36% dos participantes obesos e em 66,7% daqueles com obesidade grave, mas também estão presentes em todas as categorias de IMC e são mais frequentes no sexo masculino.
Houve ocorrência simultânea entre compulsão alimentar e impulsividade aumentada ou impulsividade muito aumentada em 13% dos participantes com sobrepeso/obesidade, destacando o alvo do estudo. A associação entre IMC e impulsividade não atingiu o nível de significância adotado, mas os valores foram próximos (qui-quadrado = 14,85, DF = 8, p =. 062).
Uma fraca correlação entre BIS 11 e Teste Palográfico configurou-se (r = 0,22 [p<0,05]) (Figura 7 mostra a dispersão da variável em ambos os instrumentos).
Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
Cinco por cento dos participantes apresentaram diagnóstico TDHA e outros 5% apresentaram sintomatologia parcial. No grupo masculino a ocorrência teve lugar nas categorias de sobrepeso. No grupo feminino a ocorrência se deu em 33% da categoria obesos e 66,6% em categorias de peso magro e normal.
Discussão
Sobre os resultados do estudo, consideramos:
1. A magreza foi mais frequente no grupo masculino, a obesidade prevalente no grupo feminino, e observamos maiores escores no grupo masculino. Esses dados estão de acordo com a literatura brasileira recente (Vanzelli, Castro, Pinto, & Passos, 2008). Após a puberdade, em geral, a diminuição na atividade física favorece o ganho de peso. Nas mulheres existe maior ocorrência entre as idades de 15 e 19 anos; nos homens pode ocorrer mais tardiamente, até cerca dos 30 anos (Wing, 1995). É nessa fase que surge a obesidade hipertrófica (aumento do tamanho dos adipócitos).
2. Impulsividade prevalente e com escores mais elevados no sexo masculino. Nesse estrato também ocorreu maior frequência de transtornos psicológicos associados à impulsividade (transtorno de conduta e o de hiperatividade e déficit de atenção). As taxas de frequência das formas aumentada / muito aumentada e moderada entre os dois grupos são praticamente inversas. Esses dados indicam a necessidade de estudos focados nas possíveis diferenças relacionadas aos sexos como, por exemplo, a influência da testosterona na expressão da impulsividade.
Resultados semelhantes foram obtidos com questionários e medidas comportamentais (Braet, Claus, Verbeken, & Van Vlierberghe, 2007). Nas medidas comportamentais crianças obesas responderam mais impulsivamente do que as com peso normal. Os meninos apresentaram escores mais altos para a impulsividade, a hiperatividade e nas dificuldades em focar e sustentar a atenção. Os autores perceberam a configuração de um subgrupo de adolescentes obesos propensos aos transtornos de controle do impulso e sublinham a importância do enfoque sobre mecanismos subjacentes à co-morbidade obesidade e TDHA na infância e adolescência.
3. Compulsão alimentar prevalente no sexo feminino, 31% contra 11% no grupo masculino, e apresentando correlações positivas com a idade e IMC. Os dados concordam com estudo brasileiro recente feito com adolescentes (Pivetta & Gonçalves-Silva, 2010) que detectou prevalência de 31% para meninas contra 16% para meninos, além de associação positiva entre compulsão alimentar e idade. É um ponto de partida importante para estudos futuros, especialmente na adolescência, fase de ouro para o início dos transtornos alimentares. Como a ECAP é uma escala do tipo Likert que requer inferências do testando sobre o próprio comportamento, seria proveitoso um estudo contrapondo tais escores com medidas comportamentais.
4. Correlação entre IMC e impulsividade com valores próximos do nível de significância (qui-quadrado = 14,85, DF = 8, p = 0,062). Outros estudos que trataram a impulsividade multidimensionalmente e via medida comportamental sustentam esses dados. Crianças com sobrepeso e obesidade apresentaram inibição de resposta menos eficiente (uma das dimensões ou expressões da impulsividade) que crianças com peso normal quando expostas a variedade de alimentos (Guerrieri, Nederkoorn, & Jansen, 2008; Nederkoorn, Braet, Van Eijs, Tanghe & Jansen, 2006). Outro estudo com 22 anos de seguimento (Brook, Zhang, Saar, & Brook, 2009) sugere a impulsividade como um dos preditores para obesidade.
5. Fraca correlação entre BIS 11 e Teste Palográfico (r =0,22; p< 0,05), mas com maior compatibilidade entre escores mais elevados, especialmente em transtornos dos quais a impulsividade é critério ou está frequentemente associada (TDHA, transtorno de conduta, transtornos alimentares, transtornos ansiosos).
A BIS 11 ainda passa por estudos e fraca correlação entre instrumentos para mensuração da impulsividade, especialmente entre os de auto relato e medidas comportamentais, tendo sido verificada em diversos estudos (Braet et al., 2007; Nederkoorn et al., 2006; Pereira & Chehter, 2011).
Mesmo entre instrumentos semelhantes observa-se esse fenômeno. A baixa correlação entre as escalas do tipo Likert, como a BIS 11, foi constatada em alguns estudos (Guerrieri et al., 2007; Lyke & Spinella, 2004; Nederkoorn, Smulders, Havermans, Roefs, & Jansen, 2006) talvez porque meçam o mesmo traço sob dimensões diferentes.
6. Com relação ao TDHA, 66,7% dos participantes com o transtorno ou sintomatologia estavam obesos ou gravemente obesos e, embora o pequeno tamanho da amostra não tenha permitido cálculos estatísticos, os dados concordam com estudos recentes.
A literatura reporta prevalência de 27% de TDHA em obesos em tratamento para perda de peso (Altfas, 2002), taxas de 29,4% de obesidade e 33% de sobrepeso na população adulta com TDHA em estudo populacional nos Estados Unidos (Pagoto et al., 2009). Outros estudos sugerem que sintomas do TDHA podem ser preditores do aumento de consumo alimentar, sobrepeso e obesidade (Davis et al., 2009; Strimas et al., 2008).
7. Limitações do estudo: Um protocolo extenso aplicado em uma única vez pode ter sido um obstáculo ao bom vínculo entre pacientes e pesquisadores e aumentar os vieses de resposta.
A pequena proporção de fumantes (5%) em comparação com dados de estudo nacional feito em 2003 pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Nacional do Câncer (Costa, Silva-Júnior, Solla, & Temporão, 2003) com taxa de 14,4% entre adolescentes de São Paulo talvez se deva a isso.
As pressões socioculturais levam aos vieses de resposta nos instrumentos de auto relato. O testando deve tecer considerações imparciais sobre seu próprio comportamento, mas o faz no contexto que recrimina tanto a obesidade como a hiperfagia, as quais remetem aos padrões de comportamento e beleza que ele não atende.
A utilização de apenas um instrumento para cada parâmetro avaliado deve-se ao fato de ser o protocolo já bastante extenso para aplicação única e também à impossibilidade de contato com alguns dos usuários do ambulatório por motivos como mudança de endereço, falta em retornos, etc. A utilização de mais de um instrumento também poderia gerar resultados ambíguos.
Percebemos menor motivação para realização dos testes, especialmente as escalas, nos jovens com idades entre 10 e 12 anos em relação aos outros participantes mais velhos. Há que se considerar aqui as diferenças de desenvolvimento psicossocial entre a adolescência inicial (10-14 anos) e adolescência média (14-17/18 anos) (Azevedo, 2004) para o aperfeiçoamento do protocolo e desenvolvimento de instrumentos adequados às faixas etárias.
Assim, concluímos que, a despeito da maior frequência de compulsão alimentar no grupo feminino e impulsividade aumentada no grupo masculino, 13% dos participantes com sobrepeso ou obesidade apresentou compulsão alimentar e impulsividade aumentadas. Destacou-se um subgrupo de obesos que merece atenção especial, da psicologia, psiquiatria e todas as áreas envolvidas, para o diagnóstico e tratamento da compulsão. Horcajadas e colaboradores (Horcajadas et al., 2006) encontraram maior frequência de fenômenos psicopatológicos, especialmente distimia e escores mais altos para impulsividade em obesos mórbidos com compulsão alimentar do que em obesos sem compulsão.
Por fim, o Teste Palográfico mostrou boa sensibilidade, pois apontou escores altos em participantes com diagnóstico ou sintomatologia para transtornos nos quais a impulsividade está presente. Quanto à especificidade, vale dizer que o traço impulsivo é comum a todos como componente da personalidade, e o teste não apontou níveis diminuídos nesta amostra.
Consideramos que a replicação do presente protocolo em estudos com adolescentes (adolescência média) em amostras mais expressivas em número e em estudos que contemplem as diferenças de gênero pode ser feita e trazer contribuições para o estudo da compulsão alimentar, outros erros alimentares e obesidade.
Referências
Altfas, J. F. (2002). Prevalence of attention deficit/hyperactivity disorder among adults inobesity treatment. BMC Psychiatry, 2. [ Links ]
Alves, I. C. B. & Esteves, C. (2004). O Teste Palográfico na avaliação da personalidade (1ª ed.). São Paulo: Vetor. [ Links ]
APA. American Psychiatric Association (2002). Manual Diagnostico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM IV - TR - TM. (4 ed.). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Azevedo, M. R. (2004). Desenvolvimento psico-social Adolescência e Saúde. São Paulo: Imprensa Oficial. [ Links ]
Borges, M. B. & Jorge, M. R. (2000). Evolução histórica do conceito de compulsão alimentar. [Original]. Psiquiatria na Prática Médica, 4(33), 113 -118. [ Links ]
Braet, C., Claus, L., Verbeken, S. & Van Vlierberghe, L. (2007). Impulsivity in overweight children. Eur Child Adolesc Psychiatry, 16(8), 473-483. [ Links ]
Brook, J. S., Zhang, C., Saar, N. S., & Brook, D. W. (2009). Psychosocial predictors, higher body mass index, and aspects of neurocognitive dysfunction. Percept Mot Skills, 108(1), 181-195. [ Links ]
Callegari-Jacques, S. M. (2006). Bioestatística: Princípios e Aplicações (3ª ed.). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Costa, H., Silva-Júnior, J. B., Solla, J. & Temporão, J. G. (2003). Inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis. [S. l.]: Ministério da Saúde. [ Links ]
Coutinho, W. (1998). Conceitos e classificação Transtornos alimentares e obesidade. (1ª ed., pp. 197 -202). Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Davis, C., Patte, K., Levitan, R. D., Carter, J., Kaplan, A. S., Zai, C., Reid, C., Curtis, C. & Kennedy, J. L. (2009). A psycho-genetic study of associations between the symptoms of binge eating disorder and those of attention deficit (hyperactivity) disorder. J Psychiatr Res, 43(7), 687-696. [ Links ]
Diemen, L. V., Szobot, C. M., Kessler, F. & Pechansky, F. (2007). Adaptation and construct validation of the Barratt Impulsiveness Scale (BIS 11) to Brazilian Portuguese for use in adolescents. Revista Brasileira de Psiquiatria, 29, 153-156. [ Links ]
Fisher, J .& Corcoram, K. (2007). Measures for clinical practice and research: a sourcebook. (4ª ed.). New York: Oxford University Press. [ Links ]
Freitas, S., Lopes, C. S., Coutinho, W. & Appolinario, J. C. (2001). Tradução e adaptação para o português da Escala de Compulsão Alimentar Periódica. Revista Brasileira de Psiquiatria, 23, 215-220. [ Links ]
Gormally, J., Black, S., Daston, S. & Rardin, D. (1982). The assessment of binge eating severity among obese persons. Addictive Behaviors, 7(1), 47-55. [ Links ]
Guerrieri, R., Nederkoorn, C., & Jansen, A. (2008). The Effect of an Impulsive Personality on Overeating and Obesity: Current State of Affairs. Psychological Topics, 17(2), 265 -286. [ Links ]
Guerrieri, R., Nederkoorn, C., Stankiewicz, K., Alberts, H., Geschwind, N., Martijn, C., & Jansen, A. (2007). The influence of trait and induced state impulsivity on food intake in normal-weight healthy women. Appetite, 49(1), 66-73. [ Links ]
Horcajadas, A. F., Sanchez Romero, S., Gorgojo Martinez, J. J., Almodovar Ruiz, F., Fernandez Rojo, S. & Llorente Martin, F. (2006). Clinical differences between morbid obese patients with and without binge eating. Actas Esp Psiquiatr, 34(6), 362-370. [ Links ]
Kirby, K. N. & Finch, J. C. (2010). The hierarchical structure of self-reported impulsivity. Personality and Individual Differences, 48(6), 704-713. [ Links ]
Lyke, J. A. & Spinella, M. (2004). Associations among aspects of impulsivity and eating factors in a nonclinical sample. [Original]. International Journal of Eating Disorders, 2(36), 229-233. [ Links ]
Malloy-Diniz, L. F., Mattos, P., Leite, W. B., Abreu, N., Coutinho, G., Paula, J. J. D., Tavares, H., Vasconcelos, A. G., & Fuentes, D. (2010). Tradução e adaptação cultural da Barratt Impulsiveness Scale (BIS-11) para aplicação em adultos brasileiros. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 59, 99-105. [ Links ]
Minicucci, A. (2002). Teste Palográfico (3ª ed.). São Paulo: Vetor. [ Links ]
Mira, A. M. G. D. (1987). PMK: Psicodiagnóstico Miocinético (1ª ed.). São Paulo: Vetor. [ Links ]
Nederkoorn, C., Braet, C., Van Eijs, Y., Tanghe, A., & Jansen, A. (2006). Why obese children cannot resist food: the role of impulsivity. Eat Behav, 7(4), 315-322. [ Links ]
Nederkoorn, C., Smulders, F. T., Havermans, R. C., Roefs, A., & Jansen, A. (2006). Impulsivity in obese women. Appetite, 47(2), 253-256. [ Links ]
Pagoto, S. L., Curtin, C., Lemon, S. C., Bandini, L. G., Schneider, K. L., Bodenlos, J. S., & Ma, Y. (2009). Association Between Adult Attention Deficit/Hyperactivity Disorder and Obesity in the US Population. Obesity, 17(3), 539-544. [ Links ]
Pantton, J. H., Stanford, M. S., & Barratt, E. S. (1995). Factor structure of the Barratt Impulsiveness Scale. [original]. Journal of Clinical Psychology, 51(6), 768-774. [ Links ]
Pereira, C. & Chehter, E. Z. (2011). Impulsividade na obesidade: questões conceituais e metodológicas. Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, 63(1). Disponível em //146.164.3.26/seer/lab19/ojs2/index.php/ojs2/article/view/692/492 [ Links ]
Pivetta, L. A. & Gonçalves-Silva, R. M. V. (2010). Compulsão alimentar e fatores associados em adolescentes de Cuiabá, Mato Grosso, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, 26, 337-346. [ Links ]
Strimas, R., Caroline, D., Patte, K., Curtis, C., Reid, C. & McCool, C. (2008). Symptoms of attention-deficit/hyperactivity disorder, overeating, and body mass index in men. Eating Behaviors, 9, 516 -518. [ Links ]
Vanzelli, A. S., Castro, C. T. d., Pinto, M. d. S., & Passos, S. D. (2008). Prevalência de sobrepeso e obesidade em escolares da rede pública do município de Jundiaí, São Paulo. Rev. paul. pediatr, 26(1). [ Links ]
Wing, R. R. (1995). Changing diet and exercise behaviors in individuals at risk for weight gain. Obes Res, 3(Suppl 2), 277s-282s. [ Links ]
Endereços para correspondência:
Cibele Pereira
cibele.colpi@gmail.com
Ethel ZimbergChehter
chehter.ops@terra.com.br
Submetido em: 23/08/2011
Revisto em: 01/01/2012
Aceito em: 02/01/2012