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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.64 no.1 Rio de Janeiro abr. 2012
ARTIGOS
Concepções sobre maternidade, parto e amamentação em grupo de gestantesi
Conceptions about motherhood, childbirth and breastfeeding in group of pregnancies
Concepciones sobre la maternidad, el parto y la lactancia materna en el grupo de embarazadas
Ana Cristina Barros da CunhaI; Carmelita SantosII; Raquel Menezes GonçalvesIII
IDocente. Departamento de Psicologia Clínica. Instituto de Psicologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Brasil
IIGraduada em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Brasil
IIIGraduada em Psicologia pelo Instituto de Psicologia. Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher pelo Hospital Escola São Francisco de Assis (HESFA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro. Brasil
Endereços para correspondência
RESUMO
Considerando a importância do vínculo mãe-bebê para o desenvolvimento socioafetivo infantil e a função cumprida pela amamentação e pelo parto na promoção deste vínculo, o presente trabalho tem como objetivo investigar as concepções sobre parto e amamentação de um grupo de gestantes de uma empresa estatal, composto por mulheres, gestantes ou puérperas, e coordenado por uma equipe multidisciplinar; além de levar a uma reflexão acerca da prática de intervenção psicológica nessa área específica da saúde materno-infantil. Os dados obtidos na pesquisa sugerem que, para esse grupo, existe grande importância atribuída ao ato de amamentar e aos cuidados com o bebê no período de pós-parto e que a intervenção em saúde permitiria que as mulheres discutissem sobre suas escolhas e decisões relacionadas ao processo de maternidade.
Palavras-chave: Maternidade; Parto; Amamentação; Díade Mãe-bebê.
ABSTRACT
Considering the importance of mother-infant development and infant socio-affective function fulfilled by delivery and through breastfeeding in promoting this relationship, this study aims to investigate perceptions about childbirth and breastfeeding from a group of pregnant women from a state enterprise. Composed of women, pregnant or lactating women, and coordinated by a multidisciplinary team as well as lead to a reflection on the contribution of the psychological practice intervention on this specific area of maternal and child health. The data obtained in this research suggest that, for this group, there is great importance attached to the act of breastfeeding and baby care in the post partum period and the intervention allowed to discuss about the women choices and decisions regarding the process of motherhood.
Keywords: Maternity; Birth; Breastfeeding; Mother-baby dyad.
RESUMEN
Teniendo en cuenta la importancia de la función que cumple la lactancia materna y el parto en la promoción de este enlace madre-hijo para el desarrollo socio-afectivo del bebé, este estudio pretende investigar las concepciones sobre el parto y la lactancia de un grupo de mujeres embarazadas de una empresa del Estado compuesto por mujeres, mujeres embarazadas o que han dado a luz recientemente, y coordinado por un equipo multidisciplinario, además de conducir a una reflexión sobre la práctica de intervención psicológica en esa área específica de la salud materno-infantil. Los datos obtenidos en la encuesta sugieren que, para este grupo, se concede una gran importancia al acto de la lactancia materna y cuidado del bebé en el período posparto y que la intervención en la salud les permitiría a las mujeres embarazadas discutir sus opciones y decisiones sobre el proceso de la maternidad.
Palabras-clave: Maternidad; Parto; Lactancia materna; Madre-bebé.
Introdução
A importância do vínculo mãe-bebê para o desenvolvimento infantil é objeto de estudo de diversas abordagens teóricas sobre o desenvolvimento humano. Em todas essas perspectivas, considera-se que a presença da mãe ou de uma figura que cumpra as funções maternas constitui um fator que impulsiona o desenvolvimento infantil. Dessa forma, um vínculo mãe-bebê desfavorável facilitaria a ocorrência de desordens ou perturbações no desenvolvimento psicológico infantil.
O processo de construção da maternidade inicia-se em etapas anteriores à gestação e prolonga-se após o nascimento. Durante esse processo, o momento da concepção propriamente dita inaugura a vivência de uma maternidade ativa, quando o bebê passa de fato a existir. A gestação não pode ser entendida como um período menor, somente de preparação para o exercício da maternidade, mas sim como etapa importante de constituição de novos vínculos entre a mãe e o filho, cujo ápice será alcançado após o parto, momento do nascimento da criança (Piccinini, Lopes, & Nardi, 2008).
De acordo com Maldonado (1991), o parto pode ser considerado marco de uma situação irreversível e imprevista. A impossibilidade de controlar e saber como será esse evento tão importante pode gerar grande ansiedade para a gestante. O parto marca o nascimento da criança e o início de uma série de mudanças significativas e intensas para a mulher, que variam desde as transformações no corpo feminino até as mudanças de rotina e do ritmo familiar. Com efeito, o parto pode ser considerado como:
um momento no qual as expectativas e as ansiedades que acompanharam a gestante ao longo de meses acabam por tomar uma dimensão real, confirmadora ou não das esperanças e medos que o cercam. Fica claro que ele já é antecipado na gravidez sob a forma de expectativas, e continua sendo referido após sua conclusão, na forma de lembranças e sentimentos que acompanham a mãe, fazendo parte de sua história (Piccinini, Marin, Donelli, & Lopes, 2009, p.65).
A interação mãe-bebê, compreendida como alicerce para o desenvolvimento infantil como um todo, e marcada desde o início pelas concepções sobre o parto, deve ser considerada como um processo que se estabelece de forma dual e gradual, no qual a mãe e bebê participam ativamente (Figueiredo, 2003). O vínculo mãe-bebê proporcionará à criança experimentar sentimentos de confiança e sensação de segurança e bem-estar, sendo de importância vital para o desenvolvimento infantil. Logo, esse laço afetivo deve, sempre que possível, ser estável e harmônico a fim de se previnam possíveis ameaças à construção do vínculo de apego entre mãe e bebê (Bowlby, 1969/1988). Nessa relação, o bebê precisa se sentir desejado e amado para que seu desenvolvimento possa ocorrer de forma protegida, preservando-se os riscos acarretados por situações de vulnerabilidade na gravidez que podem gerar consequentes atrasos no desenvolvimento e dificuldade na relação da díade mãe-bebê.
Definido como uma relação afetiva singular e duradoura entre duas pessoas, o vínculo representa uma base importante para o desenvolvimento na infância. Os adultos com quem a criança interage serão agentes privilegiados de construção desse vínculo através das suas condutas de solicitação, contato íntimo, vigilância e acompanhamento do desenvolvimento infantil. Tomando como referência a abordagem bioecológica do desenvolvimento de Bronfenbrenner (1996), que propõe uma visão sistêmica de compreensão do desenvolvimento humano, o ser humano está em constante crescimento psicológico a partir das relações que se estabelecem entre as pessoas e com seu contexto. Para esse autor, o desenvolvimento psicológico sadio ocorre a partir das interações estabelecidas entre um ou mais adultos que queiram o bem incondicional das crianças que estão sob seus cuidados, ou seja, favoreçam um vínculo afetivo de interação recíproca saudável e harmoniosa. De acordo com essa abordagem, o desenvolvimento humano é "o conjunto de processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas características da pessoa no curso de sua vida" (Bronfenbrenner, 1989, p.191). O desenvolvimento do indivíduo, com suas características singulares, está inserido em vários níveis de contextos ecológicos: o microssistema, o mesossistema, o exosistema e o macrossitema, extremamente importantes para a compreensão e para a promoção do desenvolvimento.
O microssistema é definido como sendo o ambiente no qual a pessoa estabelece relações face-a-face estáveis e significativas. Nesse sistema, compreende-se que as relações estabelecidas entre mãe e bebê tenham como características a reciprocidade (o que um indivíduo faz dentro do contexto de relação influencia o outro, e vice-versa); o equilíbrio de poder (quem tem o domínio da relação passa gradualmente esse poder para a pessoa em desenvolvimento, dentro de suas capacidades e necessidades) e o afeto (que pontua o estabelecimento e a perpetuação de sentimentos - de preferência positivos - no decorrer do processo), permitindo em conjunto a vivência efetiva dessas relações também em um sentido fenomenológico (internalizado).
A participação da criança em mais de um ambiente com as características descritas acima a introduz outro nível de contexto ecológico de desenvolvimento: o mesossistema, que é definido como um conjunto de microssistemas. Em um sentido geral, esse processo, chamado por Bronfenbrenner de transição ecológica, promove o desenvolvimento do indivíduo (Bronfenbrenner, 1989). Como um processo dinâmico, o desenvolvimento ocorre pela influência de um nível de contexto ecológico a outro e é mais efetivo e saudável na medida em que a criança se sente apoiada e tem a participação de suas relações significativas neste processo.
Ao tratar de exossistema, Bronfenbrenner considera os ambientes onde a pessoa em desenvolvimento não se encontra presente, mas cujas relações neles existentes afetam seu desenvolvimento. No caso do presente estudo, a maternidade, ou seja, os locais do parto e de acompanhamento pré-natal e pós-parto apresentam-se como exossistemas para o bebê. As decisões tomadas pela mãe e suas possibilidades de escolha durante o seu acompanhamento pré e perinatal, mediadas pela política pública de saúde vigente na maternidade em que está sendo atendida, são exemplos da influência no desenvolvimento da díade mãe-bebê em um nível de exossistema. Igualmente, a prática e a postura profissional apresentadas pela equipe de saúde ou trabalhadas ao longo do período gestacional, assim como a participação da família durante esse período, também são exemplos do funcionamento desse nível de sistema ou contexto ecológico de desenvolvimento. Além do exossistema, Bronfenbrenner descreve o macrossistema, que abrange os sistemas de valores e crenças que permeiam a existência das diversas culturas e são vivenciados e assimilados no decorrer do processo de desenvolvimento.
Vimos, então, que a abordagem ecológica compreende o desenvolvimento humano como uma relação dinâmica de interações entre o indivíduo e o seu meio ambiente influenciada, mutuamente, pelos diversos contextos ecológicos de desenvolvimento nos quais se inserem. Sendo assim, os processos intrafamiliares estão sob a influência de outros ambientes externos a seu núcleo, pois os contextos ecológicos de desenvolvimento em um nível de mesossistema, exossistema e macrossistema podem servir como fonte de influência externa na família (Bronfenbrenner, 1996; 1986).
Nessa perspectiva, Bronfenbrenner (1996) introduz o conceito de díade, entendida como uma das unidades básicas do microssistema estabelecida na relação entre duas pessoas. A díade é formada quando duas pessoas participam juntas de uma atividade ou prestam atenção nas atividades uma da outra, sendo essencial para o desenvolvimento humano pela facilidade ou dificuldade que pode propiciar para o desenvolvimento. No caso do presente estudo, será considerada a díade mãe-bebê. Dessa forma, se o vínculo estabelecido na díade for sólido, o bebê sentir-se-á mais seguro e propenso a responder de forma positiva às iniciativas da mãe e do seu contexto de desenvolvimento. Logo, para que seja possível uma troca afetiva favorável entre a díade mãe-bebê, a mãe necessita sentir-se motivada e capaz de estabelecer esse vínculo, o que só será possível se vivenciar de forma plena e satisfatória as experiências relacionadas à maternidade (Borsa & Dias, 2004). No entanto, tais experiências podem sofrer influência de diversas variáveis psicoafetivas, como a ansiedade presente no final do terceiro trimestre gestacional, decorrentes da proximidade do parto e da expectativa das mudanças da rotina de vida após o nascimento do bebê.
Como já explicitado, o parto representa um marco importante no processo de maternidade para a mãe (Maldonado 1991; Piccinini et al., 2008, Piccinini et al., 2009). A mulher teme o parto como algo desconhecido e doloroso, o que é reforçado pelo fato de, em nossa sociedade, o parto estar relacionado geralmente com a dor. Isso pode gerar angústia na mulher, o que refletiria sobre o bebê, prejudicando o vínculo (Sarmento & Setubal, 2003). Assim, a forma como o parto é vivido apresentase de suma importância para o modo como se constituirão as primeiras relações entre a díade mãe-bebê e para construção do vínculo entre ambos.
Acrescenta-se, ainda, a importância do parto como um evento que, marcando a história das mães, tem influência direta sobre a relação que a mãe desenvolverá com o seu filho (Piccinini et al, 2008). A mulher teme o papel de mãe por este ser mitificado e cercado de expectativas que envolvem a representação da mãe como um modelo de perfeição e de amor incondicional. Com todas essas exigências, a gestante chega ao parto, muitas vezes, sem refletir sobre seus desejos, suas possibilidades e suas limitações.
Considerando a importância atribuída aos papéis sociais no contexto de desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1996; 1986; 1989), é fundamental compreender como o parto é percebido, desejado, temido, pensado ou entendido pela mãe, uma vez que tais percepções e crenças podem mudar em função da exposição e da interação dessa mulher às influências do contexto especifico em que está inserida. De acordo com Bronfenbrenner (1996), o curso do desenvolvimento pode ser influenciado pela inclusão de pessoas em distintos papéis no mesmo contexto. Dessa forma, o papel social deve ser percebido como um conjunto de atividades e relações que se esperam da pessoa que ocupa uma determinada posição na sociedade, o que equivale dizer que o modo como a pessoa se comporta pode estar diretamente relacionado às expectativas e atitudes das pessoas em relação a ela.
Nessa perspectiva, as expectativas da mulher em relação ao exercício da maternidade podem influenciar sua atitude. Igualmente, a família possui um padrão de papéis, atividades e relacionamentos interfamiliares associados a determinadas expectativas, de acordo com a sociedade em que está inserida.
Considerando a relevância dos diferentes aspectos que cercam a vivência da maternidade, a gestação, o parto ou o puerpério, para a saúde psíquica da díade mãebebê, cabe questionar a forma como a experiência do parto e do pós-parto tem sido considerada nos hospitais brasileiros e de que forma a ansiedade materna tem sido acolhida nos serviços de atenção às gestantes durante o pré-natal. As ações voltadas para a gestante e puérperas se tornam importantes estratégias de intervenção e de promoção de saúde, cujo objetivo deve ser possibilitar uma vivência mais equilibrada de todas as emoções e manifestações que ocorrem durante o ciclo gravídico-puerperal, incluindo o respeito e o acompanhamento às mulheres na sua tomada de decisão.
Nesse contexto, cabe destacar também outro aspecto importante da maternidade, expressão de cuidado materno após o nascimento do bebê, que é a amamentação. Acompanhada por atos como acariciar, beijar, tocar e olhar, com a finalidade de manter contato e demonstrar afeto da mãe para seu bebê, a amamentação pode ser considerada um marco importante para a formação do vínculo mãe-bebê e para a manutenção de uma interação afetiva e saudável entre os membros da díade. Quando ocorre de forma bem sucedida, a amamentação pode ser considerada fator facilitador da função materna de se vincular ao bebê, atendendo suas necessidades fundamentais e possibilitando o desenvolvimento da capacidade deste para se relacionar com outros objetos de afeto (Locatelli & Costa, 2008).
Devido à importante contribuição da amamentação para a saúde física e psíquica infantil, o Ministério da Saúde do Brasil (MS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em consonância com a Organização Mundial de Saúde (OMS), enfatizam a contribuição do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida da criança, sendo complementado com outros alimentos até os dois anos de idade (Brasil, 2002; OPAS, 2003). Há indícios de benefícios no aleitamento materno para promoção e proteção da saúde infantil, reduzindo a mortalidade e protegendo contra infecções (Santos, Soler, & Azoubel, 2005; Spyrides, Struchiner, Barbosa, & Kac, 2005), para o desenvolvimento global e saudável do bebê (Escobar et al., 2002; OPAS, 2003) e para o desenvolvimento psicomotor, cognitivo e afetivo infantil (Carrascoza, Costa Junior, Ambrosano, & Moraes, 2005).
A amamentação não pode ser reduzida ao ato exclusivo de alimentar o bebê, mas vista como uma possibilidade de comunicação psicossocial entre a mãe e seu filho, que, através dos movimentos rítmicos do corpo do bebê, em um contato pele-a-pele, possibilita uma "transmissão recíproca do afeto por meio do olhar" (Maldonado, 1991, p. 81). No entanto, o convencimento ou imposição do ato de amamentar pode fazer com que essa ação seja vista como uma obrigação, trazendo mais prejuízos do que benefícios para a díade mãe-bebê (Winnicot, 1967/1994). Esse cenário acaba por trazer sentimentos de angústia e de frustração àquelas mulheres que, por diferentes motivos internos ou externos, encontram-se impossibilitadas de amamentar, corroborados pelo mito e crença de que amamentar faz parte da responsabilidade materna sobre a saúde do bebê (Rocha, Leal, & Maroco, 2008).
De tal modo, a amamentação pode deixar de ser uma prática prazerosa e passar a trazer dificuldades para a relação mãe-bebê e para a construção do vínculo afetivo entre a díade. Por isso é necessário legitimar a mulher como sujeito da experiência da maternidade e considerar o que significa o ato de amamentar para cada uma, deixando de utilizar de forma alienada o discurso dos benefícios e aspectos positivos da amamentação. É preciso estar atento para a realidade da experiência vivida por cada mulher, no que constitui um momento significativo para ela, de modo que a mesma, em consonância com o seu real desejo, expresse sua opção, independente das pressões sociais a que está sujeita.
A promoção da saúde materno-infantil deve então considerar a importância do vínculo mãe-bebê para o desenvolvimento humano e a função cumprida pela amamentação e pelo parto na promoção do vínculo afetivo entre a díade. Nessa perspectiva, a partir dos questionamentos e reflexões acerca da importância do parto e da amamentação para prevenção dos riscos e promoção do desenvolvimento e da saúde maternoinfantil, o presente trabalho discute como tais eventos podem influenciar o processo de maternidade e a construção do vínculo mãe-bebê. Para tanto, foram investigadas as concepções sobre parto e amamentação de um grupo de gestantes composto por mulheres, gestantes e/ou puérperas e coordenado por uma equipe multidisciplinar.
Método
Local e Participantes
Participaram do estudo 17 mulheres, sendo 16 puérperas e uma ainda gestante, integrantes de um Grupo de Gestantes de uma empresa estatal. A idade das mulheres variou entre 26 e 36 anos (M=32,3), das quais 14 eram casadas, 2 separadas e 1 solteira. Entre as participantes, 14 eram mães pela primeira vez (primíparas) e apenas 3 mulheres declararam não terem planejado a última gravidez.
O Grupo de Gestantes era formado por funcionários da empresa e de empreiteiras prestadoras de serviço e era conduzido por uma equipe multiprofissional composta por profissionais das especialidades de Psicologia, Serviço Social, Enfermagem, Medicina, Odontologia, Nutrição e Educação Física. O objetivo principal do Grupo era discutir temas relacionados à qualidade de vida dos servidores da empresa, no que se refere às mudanças físicas, psíquicas e sociais, decorrentes do período gestacional e de puerpério, que possam gerar ansiedade e medo durante o processo de maternidade e que afetam a dinâmica do casal e da família, exigindo adaptação a um novo contexto de vida, no âmbito pessoal, familiar e sociocultural. Os encontros do Grupo eram semanais, com a duração aproximada de 4 horas em doze encontros no período total de três meses.
O Grupo era conduzido com base na discussão de assuntos relativos aos temas da gravidez, parto e puerpério, pré-definidos pela coordenação. Em cada encontro, eram convidados especialistas para comentar e discutir sobre assuntos variados, como a preparação para amamentação, para o parto e para o pós-parto, as formas de prevenir doenças e complicações no período pré-natal, os cuidados com os recém-nascidos, tais como vacinas e alimentação, além de orientação sobre licença-maternidade. Vale ressaltar que, apesar da pré-definição dos temas, o enfoque dos encontros era voltado para assuntos que emergiam do próprio Grupo, seguindo a metodologia de grupooperativo (Pichon-Rivière, 1977): um grupo centrado em uma tarefa com o objetivo de mobilizar um processo de mudança que passe fundamentalmente pela adaptação ativa a uma realidade, no caso a vivência da maternidade.
Cabe esclarecer que o estudo foi planejado de acordo com as diretrizes teóricas e metodológicas do projeto integrado Vulnerabilidade, Prevenção e Promoção do Desenvolvimento Infantil: uma proposta de pesquisa-intervenção em Psicologia Pediátrica coordenado pela primeira autora e conduzido na Maternidade-Escola da UFRJ, aprovado por Comitê de Ética.
Instrumento de coleta de dados
A coleta de dados foi realizada através de entrevistas semiestruturadas com base em um roteiro elaborado pelas autoras. O roteiro era composto por 17 questões, sendo cinco questões fechadas e referentes a dados pessoais como idade, estado civil, ocorrência de gravidez anterior, planejamento da última gravidez e o tipo de parto realizado. As questões abertas versavam sobre a experiência da gravidez. As entrevistas tinham como objetivo identificar e analisar as concepções das participantes sobre o vínculo mãe-bebê, o parto e a amamentação, além dos sentimentos relacionados à vivência da maternidade. Cabe acrescentar que, além da entrevista, foram realizadas observações de forma não sistemática do Grupo de Gestantes a fim de subsidiar a reflexão acerca das questões relacionadas à temática do estudo: maternidade, parto e amamentação.
Procedimento e processamento dos dados
Após a apresentação do objetivo da pesquisa e autorização prévia da empresa, as participantes do Grupo de Gestantes foram convidadas a colaborar no estudo e esclarecido a cada uma o objetivo e a metodologia a serem utilizados, solicitando, a seguir, a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado de acordo com aprovação por Comitê de Ética.
As entrevistas foram realizadas individualmente na sala em que ocorria o Grupo e foram respondidas de forma escrita e discursiva pelas entrevistadas, durante horário previamente combinado entre as autoras e a participante. Cada uma das entrevistas ocorreu em um intervalo médio de uma semana e o estudo teve duração total de um ano (2010).
Os dados das questões fechadas foram processados e analisados através de método quantitativo de registro de frequência simples, com o objetivo de compor o perfil da amostra. Para processamento e análise das questões abertas foi utilizada a metodologia de Análise de conteúdo categorial, conforme formulado por Bardin (1977). As categorias de análise foram criadas a partir da frequência e da semelhança de alguns assuntos presentes nos relatos das entrevistadas, em que foram identificadas duas amplas temáticas, agrupadas nas seguintes categorias de análise: a) concepções maternas sobre parto e amamentação; e b) sentimentos maternos em relação a aspectos diversos da maternidade. Como serão apresentadas e discutidas a seguir, na primeira categoria temática contempla-se a análise das percepções e crenças das mães sobre o parto e a amamentação; enquanto que na segunda categoria são analisados os sentimentos experimentados por elas relacionados a diferentes aspectos relativos à vivência da maternidade, incluindo o parto, a amamentação e o pós-parto.
Resultados e Discussão
Concepções maternas sobre parto e amamentação
Dentre as 17 mulheres entrevistadas, 12 tiveram partos do tipo cesárea, 04 tiveram parto normal e uma, que ainda era gestante, não havia decidido o tipo de parto a ser realizado. As 17 participantes declaram ter acompanhamento obstétrico durante o pré-natal e suas informações a respeito dos diferentes tipos de parto restringiam-se ao conhecimento relativo aos partos vaginal e cirúrgico (cesariana) obtido através de leituras, por exemplo. Apenas uma participante declarou ter tido acompanhamento psicológico, de caráter voluntário, não relatando informações a respeito de discussões sobre as temáticas específicas do estudo, a saber, parto e amamentação.
Segundo as recomendações da OMS (Brasil, 2001), deve-se, prioritariamente, respeitar a escolha da mãe sobre o local do parto, após a mesma ter recebido informações sobre o assunto, o que não ocorreu com as participantes do presente estudo. 1gualmente, a OMS preconiza que o parto cirúrgico (cesariana) deve ser uma das condutas menos frequentemente utilizadas (Agência de Cooperação 1nternacional do Japão/Secretaria de Saúde do Estado do Ceará, 2000). No entanto, o que foi observado é que do total de 17 mulheres, 12 tiveram parto cirúrgico, o que significa 70% da amostra do estudo.
Dentre as entrevistadas, a opção pela cesariana apareceu na maioria das vezes como um método tranquilizador e "seguro" para lidar com a angústia do parto, minimizando a sensação de imprevisibilidade do momento e das circunstâncias nas quais o parto ocorreria: "... foi tranquilo, eu já sabia que seria cesárea... foi como eu esperava, um parto tranquilo, rápido, correu tudo bem" (M3). Nesse contexto, pode-se discutir se a opção daquelas mulheres pela cesariana pode estar relacionada à falta de informação acerca dos tipos de partos existentes, assim como a vinculação do parto normal com a concepção de sentir dor, já que em nossa sociedade o parto em geral pode estar relacionado a uma experiência de dor, como afirmam Sarmento e Setubal (2003).
Não se pode esquecer que o parto cirúrgico deve ter indicações clínicas claras, ou seja, basicamente situações que apresentam risco de vida para a mãe ou para o bebê. No entanto, tem sido utilizado excessivamente e em alguns casos mesmo sem necessidade real, somente pelo fato de poder ser programado com antecedência e pelo tempo de espera para o nascimento do bebê ser menor, pois enquanto um parto normal pode durar até 10 horas, uma cesariana dura, em média, 40 minutos.
De acordo com estudos publicados pelo Ministério da Saúde, em 2006, a cesariana já representava 43% dos partos realizados no Brasil, tanto no setor público quanto privado. Enquanto no setor privado, particularmente planos de saúde, esse percentual é ainda maior, chegando a 80%, no Sistema Único de Saúde (SUS), as cesáreas somavam cerca de 26% do total de partos. Entretanto, esse baixo índice do SUS ainda está longe de ser o ideal preconizado pela OMS, que recomenda que as cirurgias devem corresponder, no máximo, a 15% dos partos (Brasil, 2008).
O parto vaginal apareceu no estudo sempre em associação mais estreita com uma escolha consciente da mulher, como, por exemplo, "foi como eu desejava, pois preferi aguardar o momento certo para o nascimento do bebê e tudo correu muito bem" (M4) e "queria muito o parto normal, tudo ocorreu como eu esperava e a recuperação foi muito boa" (M7). Atualmente um novo termo tem sido utilizado, o "Parto Humanizado", que para o Ministério da Saúde significa o direito que toda gestante tem de passar por pelo menos 6 consultas de pré-natal e ter sua vaga garantida em um hospital na hora do parto (Brasil, 2000). No entanto, para alguns profissionais a humanização do parto pode simplesmente significar permitir que o bebê fique sobre a barriga da mãe por alguns minutos após o parto, antes de ser conduzido ao berçário, prática adotada comumente pelo SUS (Spíndola, Sysman, & Cruz, 2007).
Em alguns hospitais públicos o que está sendo discutindo em relação ao parto humanizado, é "o atendimento centrado na mulher", ou seja, a possibilidade da mulher escolher dar à luz de cócoras ou na água, quanto tempo ela vai querer ficar com o bebê no colo após seu nascimento, quem vai estar em sua companhia ou se ela vai querer se alimentar e beber líquidos durante o trabalho de parto. Assim, nessa perspectiva, a mulher se torna a protagonista do seu parto e personagem principal da construção de sua maternidade.
É essencial para a saúde mental e desenvolvimento da personalidade do bebê a vivência de uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe desde o nascimento. Caso contrário, ocorre o que se chama "privação materna" (Bowlby, 1976/2002), situação na qual o bebê não vivencia esse tipo de relação e que pode também ocorrer quando a mãe se sente incapaz de proporcionar ao bebê os cuidados amorosos necessários. Isto pode ocorrer quando a mulher vivencia o parto como um momento de angústia, gerado muitas vezes por falta de conhecimento, quer seja em relação à escolha do tipo de parto, quer seja em relação aos procedimentos do parto. Tal afirmativa pode ser ilustrada pelos relatos de algumas participantes do estudo, como: "o período de preparação para o parto foi de ansiedade e agonia, porque o parto foi decidido no mesmo dia da consulta. Estava esperando que fosse normal, e isso me deixou desapontada, mas ao mesmo tempo com medo do que iria acontecer em poucas horas" (M14) e "eu achava que estava preparada para o parto, mas quando realmente chegou a hora eu vi que não estava, o nervosismo vai tomando conta da situação" (M05). Nesse contexto de sentimentos negativos relativos ao parto, é possível compreender a possível dificuldade de se estabelecer um vínculo afetivo favorável, à medida que a mãe pode não se encontrar disponível para dedicar-se ao recém-nascido, podendo este ficar privado do seu cuidado e interação, podendo, inclusive, trazer reflexos no pós-parto, sobretudo, no ato de amamentar.
Com relação à amamentação, 15 gestantes do estudo amamentaram ou estavam amamentando no período de realização da pesquisa, sendo que este período variou entre 2 e 15 meses. Para pelo menos 04 participantes, suas concepções acerca da amamentação representavam o ato de amamentar como positivo e quase sempre vinculado à promoção da saúde da criança, como ressaltam Santos et al. (2005), Spyrides, Struchiner, Barbosa e Kae (2005), Escobar et al. (2002) e OPAS (2003). Alguns relatos ilustram tal afirmativa, em que as mães reafirmam suas concepções sobre a amamentação pautadas na ideia da promoção da saúde infantil, já que amamentar seria "importante para a saúde da minha filha" (M8) ou ainda pode "assegurar a saúde plena da criança" (M9); além de ser "muito importante para o desenvolvimento do bebê" (M13).
Estes dados são consonantes com o que afirma Rocha, Leal e Maroco (2008) a respeito da adesão materna à prática da amamentação estar intimamente ligada à força da crença da mãe na eficácia do leite materno para a promoção da saúde e do bem-estar de seus filhos. Por outro lado, a impossibilidade de concretização do ato de amamentar, "contrariando o que é esperado do ponto de vista social e cultural" (Rocha et. al., 2008, p.67), pode gerar na mãe mecanismos de culpabilização, o que também foi observado no presente estudo. Pelo menos, duas mães que não puderam amamentar seus filhos relataram "meu filho não foi amamentado e hoje ele sofre com alergias muito fortes e sua convivência na creche é impossível, já que ele pega pelo menos um resfriado ou uma alergia por semana, tendo que tomar antibióticos e até ficando internado" (M5) ou "amamentei até os 2 meses somente, mesmo assim com amamentação mista. Fiquei muito triste, mas não tive leite suficiente" (M7).
A amamentação pode constituir um momento de vivência significativa, tanto para a mãe quanto para o bebê, possibilitado pela intimidade do contato entre a boca e o seio materno (Winnicott, 1967/1994). No entanto, tal momento só pode ser experienciado dessa forma quando desejado pela mulher, ou seja, quando ela possui uma disponibilidade interna para amamentar independente das pressões sociais ou das crenças e mitos culturalmente instituídos, como afirmam Rocha et al. (2008).
Como já mencionado, o sentimento de obrigação de amamentar, o convencimento ou a imposição dessa prática às mães podem trazer mais prejuízos do que benefícios, em função de, assim, se instituir um espaço de conflito e sofrimento que gera angústia e ansiedade, principalmente para aquelas mães que se sintam impossibilitadas de amamentar, por inúmeras razões internas e/ou externas, conscientes ou não. Nesses casos, isso poderia funcionar como um elemento que dificultaria a prática de uma amamentação prazerosa, gerando condições desfavoráveis ao estabelecimento do tipo de vínculo necessário entre a mãe e o seu bebê e a experiência negativa de sentimentos durante a vivência da maternidade.
Sentimentos maternos em relação aos aspectos diversos da maternidade
Com objetivo de refletir sobre os sentimentos maternos relativos aos diferentes aspectos que cercaram a vivência da maternidade, sobretudo as condições emocionais e os afetos relacionados à experiência do parto, da amamentação e do pós-parto, as participantes foram questionadas sobre o momento de preparação delas para a vivência desse processo. Em relação ao parto, as entrevistadas relataram experimentar ansiedade e nervosismo de diversas formas: "surgem muitas inseguranças nesta fase" (M6), "foi tranquilo, mas a ansiedade é grande" (M10), ou, ainda, "foi de ansiedade e agonia, porque o parto foi decidido no mesmo dia da consulta" (M15).
A significação dada ao parto derivou, em maior parte, da conformidade com que este atendeu ou não a expectativa e o desejo da mulher, como anteriormente citado quando a participante declarou não ter tido dilatação suficiente para que o parto fosse vaginal. Nessa situação, a participante (M1) definiu, ainda, a recuperação do pós-parto como "horrível" e apontou para o desejo de ter tido um acompanhamento psicológico. Ao contrário, no relato da participante (M15), que não teve o parto normal como desejava, mas atribuiu a esse momento um significado afetivo positivo, observou-se um aspecto interessante, o sentimento de confiança no médico: "não foi como desejava/esperava porque gostaria que tivesse sido normal, mas o obstetra achou melhor fazer cesariana" (M15).
O parto inaugura o momento em que a mulher entra efetivamente em contato com seu bebê, evento que por si já é capaz de gerar grandes expectativas. Soma-se a isso o fato de o parto em nossa cultura ser associado à dor, o que torna essa experiência um momento crítico (Cardoso, Albert, & Petronaiu, 2010). Nesse estudo, somente duas mulheres do total de 17 participantes atribuíram ao parto significados com conotação afetiva negativa, como "apreensão" e "horrível", enquanto que as demais atribuíram aspectos positivos, como "amor", "vida" e "concretização", por exemplo. No entanto, o que se constatou foi que, mesmo para aquelas entrevistadas que atribuíram significações positivas ao parto, este foi vivenciado como um momento de ansiedade, sem uma preparação prévia e adequada para o nascimento do seu bebê.
Certamente, o desenvolvimento saudável da díade mãe-bebê é influenciado por esses sentimentos e concepções maternas, na medida em que ansiedade e angustia fazem com que os momentos do parto e do pós-parto sejam experienciados como "desagradáveis". As informações referentes ao parto e ao período do pós-parto contribuiriam, segundo relatos das entrevistadas, para oferecer um suporte de segurança e amparo nesse e em todos os momentos da maternidade (M14).
Com relação aos sentimentos maternos relacionados à amamentação, alguns relatos ilustrativos concebem a amamentação como um "amoroso vínculo entre mãe e filho, os dois numa só sintonia" (M9) e "um ato de amor e dedicação à criança; "Por meio da amamentação, além dos benefícios nutritivos sabidos, passamos a confiança, amor e carinho ao filho" (M11). Eles confirmam a ideia de que o aleitamento materno traz benefícios para a saúde física e psíquica do bebê (Carrascoza et al. 2005; Escobar et al., 2002; Santos et al., 2005; Spyrides et. al., 2005). Ainda, no estudo, os sentimentos maternos relativos à amamentação significavam esse ato com uma conotação afetiva positiva, ou seja, uma verdadeira atitude de amor materno, como se observa nos seguintes relatos: "um gesto de amor incondicional" (M12) e "é o meu amor descendo em forma de leite. Sei que é mais saudável e nós duas criamos um vínculo nos momentos de amamentação que nunca mais vamos esquecer" (M10).
A amamentação possui importante papel nos diferentes estágios de desenvolvimento emocional da criança, pois proporciona um encontro fusional nos momentos de dependência absoluta (Winnicott, 1963/1983). Nele, a mãe encontra-se tão plenamente identificada com a criança que é capaz de atender prontamente às suas necessidades e atuar como facilitadora nos momentos de passagem à independência, conforme vai regulando a frequência das mamadas, por exemplo. Dessa forma, a atitude materna de amamentar pode ser considerada um aspecto importante desse microssistema, representado como um contexto ecológico favorável à promoção do desenvolvimento humano (Brofenbrenner, 1979/1996).
Nos resultados do presente estudo foi identificado que, embora 8 participantes tenham descrito como positiva a experiência da amamentação e afirmaram ser esse ato uma possibilidade de criação e fortalecimento dos vínculos com seus filhos, 3 mulheres relataram que amamentaram apenas por um período, em média, de 2 meses e meio, devido à interrupção na produção do leite. Considerando que 2 meses é um período abaixo do recomendado pela OMS, pode-se questionar quais sentimentos essas mulheres teriam experimentado diante da grande veiculação de informações na mídia a respeito da importância da amamentação para o bebê por, no mínimo, seis meses. Dessa forma, ainda que não tenha sido investigado no estudo, possivelmente mulheres impedidas de amamentar, de acordo com o padrão estabelecido pela OMS, poderiam ocultar sentimentos negativos de inadequação, desconforto e insegurança.
De um modo geral, as mulheres relataram sentimentos relativos ao suporte familiar durante e após a gestação, principalmente da família e do companheiro ("A participação da família foi intensa", M1, e "Ambiente de satisfação familiar com a chegada do bebê", M3). Interessante observar que essa participação referiu-se aos auxílios materiais e físicos, tais como o acompanhamento nas consultas e em ultrassonografias ou o auxilio em alguns afazeres domésticos, como pode ser referido nos seguintes relatos: "contei com a participação do pai, me apoiando, me levando a todas as consultas e ultras e me ajudando nas tarefas que eu não conseguia mais fazer sozinha" (M7); "...ele (referindo-se ao marido) sempre me acompanhava nas consultas e exames." (M8); "acompanhamento em algumas consultas, em todas as ultrassonografias, ajudando em alguns afazeres" (M10); "participação bastante positiva, participando de todas as ultras e dos demais exames" (M12).Nenhuma entrevistada se referiu a algum tipo de ansiedade paterna e aos cuidados do futuro pai com as demandas subjetivas da gestante.
A preocupação com os cuidados com o bebê eleva-se no período do pós-parto e é acompanhada por sentimento de angústia decorrente da dificuldade em conciliar a rotina no pós-parto com os interesses da mulher, tornando especialmente difícil esse momento de adaptação familiar, o que foi relatado por, pelo menos, 4 participantes: "umas das mudanças que eu mais senti, foi ter que ficar em casa direto... Falta de tempo para fazer minhas coisas, como fazer unha, ir ao salão, ir ao shopping" (M7); "a dificuldade em conciliar trabalho, cuidados com a criança e lazer pessoal, como ir ao cinema" (M9); "... mesmo com muita saúde, os bebês acordam de madrugada e querem nossa atenção" (M2); e "...sinceramente, nunca pensei que fosse tão difícil voltar à vida sexual com meu marido. Saber que ele entende é ótimo, mas e os outros homens que não entendem? Ou as mulheres que não sabem que vão passar por isso? Eu tomei um susto com tanta dificuldade que apareceu" (M15).
As mudanças na rotina, incluindo as dificuldades de adaptação ao novo papel social foram pontos importantes. Inclusive, as expectativas em relação a essas mudanças foram observadas como temas discutidos pelo Grupo de Gestantes, além das preocupações referentes ao retorno à sua rotina pessoal e profissional. Quando questionadas sobre quais mudanças eram mais significativas após o nascimento do bebê, 6 participantes citaram dificuldades diversas em relação a essa etapa, relacionadas a questões mais específicas como o sono ("o tempo pessoal ficou quase inexistente, a rotina de sono também", M15), ou questões mais gerais ("mudou radicalmente minha rotina em todos os aspectos", M08). Isto pode ser compreendido de acordo com Lo Bianco (1985), que afirma que a partir da década de 80, com as mudanças nas estruturas familiares e no papel da mulher na sociedade, o gênero feminino deixou de ser vinculado estritamente à função materna. A mulher ganhou um novo espaço social, com a ampliação de seus direitos e uma inserção maior no mercado de trabalho. No entanto, a função de mãe permanece como central, trazendo uma experiência contraditória e ambivalente ao papel materno.
Por fim, o presente estudo pretende provocar reflexão acerca da maternidade no contexto atual, particularmente em seus aspectos centrais como o parto e a amamentação. A concepção de maternidade vem tomando novo significado desde as últimas décadas, com as dificuldades da mulher em conciliar o atendimento às demandas do bebê e aos seus próprios interesses. Em consequência, as mães necessitam de maior suporte, quer seja dos pais ou de outros familiares, quer seja da sociedade e seus grupos de referência, para auxiliá-las na compreensão das mudanças decorrentes do processo de maternidade. Assim, para melhor compreender esse processo deve-se levar em conta o papel que a mulher ocupa na sociedade contemporânea, pois isto se refletiu na insatisfação das entrevistadas, preocupadas em atender as suas necessidades particulares e as de seu bebê. Caso contrário, tais vivências, sobretudo em relação ao parto e à amamentação, podem se tornar esvaziadas do sentido que esses atos de fato precisam representar para a constituição do vínculo afetivo saudável entre a mãe e seu filho.
Quando é proporcionado à mulher um ambiente acolhedor e de segurança, um contexto ecológico de desenvolvimento em que os momentos do parto e da amamentação encontram-se protegidos e que a mulher adquiriu conhecimento através de informações, a natureza do material psicológico que ela produz pode resultar em uma significação mais positiva passível de mudar sua atitude de interação com o bebê e sua vivência da maternidade (Bronfenbrenner 1996). Logo, os sentimentos relativos aos diferentes aspectos da maternidade, no contexto de desenvolvimento que a mãe e a família vivenciam, representam uma experiência de desenvolvimento favorável ou não para todos os envolvidos nos diversos períodos da gestação da díade mãe-bebê, desde o pré-natal.
Dessa forma, a mulher poderá se sentir mais preparada para vivenciar plenamente sua maternidade e repassar tais cuidados a seu filho, auxiliando o desenvolvimento de um apego seguro com o bebê e a formação de um vínculo afetivo saudável. Ao contrário, uma mãe assustada, desamparada e insegura diante do nascimento e dos cuidados com o filho e que, além disso, não encontra o apoio que necessita em quaisquer contextos (família, maternidade, sociedade) certamente se sentirá inadequada e terá maior dificuldade de se vincular positivamente com seu filho (Borsa & Dias, 2004).
Considerações finais
A consolidação do vínculo afetivo mãe-bebê se dá desde o nascimento e tem por objetivo servir como suporte para o desenvolvimento de crianças saudáveis, vivas e inteligentes (Bonomi, 2001; Maldonado, 1991). Dessa forma, a maneira como o bebê nasce, seja com suavidade, sofrimento, violência, tranquilidade ou paciência, terá implicações diretas na efetividade do vínculo com sua mãe (Zveiter & Pongianti, 2006). Para o Ministério da Saúde (2001), o início de todo o processo do nascer saudável está na assistência ao pré-natal, ocasião em que os profissionais de saúde devem esclarecer à gestante e sua família o processo de gestar e parir, numa concepção humanizada de assistência. Ressalta-se, assim, a importância da mulher e do seu acompanhante serem preparados para o momento do parto a fim de vivenciar esse momento com maior tranquilidade e participação.
Quando esse momento torna-se estressante para a mãe, a formação do vínculo com seu bebê fica ameaçada e, de acordo com os resultados de nosso estudo, percebe-se que a autonomia da mulher é atingida quando não são oferecidas a ela informações relativas ao processo de maternidade, particularmente referentes ao parto e à amamentação. Ademais, é importante considerar um contexto de desenvolvimento que ofereça base para uma vivência harmoniosa da maternidade, além do suporte de profissionais de saúde que auxiliem a mulher a compreender os diversos aspectos relacionados a esse momento. Entre esses profissionais destaca-se o psicólogo.
Entende-se que um trabalho de intervenção psicológica visando a preparação para o parto e a amamentação é fundamental como estratégia para possibilitar o encontro da mulher com o exercício da sua maternidade. Nesse contexto, é importante permitir à mulher exercer o poder decisório sobre como deseja viver esse momento, conferindo a ela a autonomia necessária para minimizar sua ansiedade.
Nesse sentido, é importante discutir mais detalhadamente os diferentes aspectos relacionados à escolha da mulher quanto ao tipo de parto. No entanto, no presente estudo não foi possível realizar tal discussão, posto que as entrevistas não foram planejadas para tanto. Isto é, para obter informações que possibilitassem questionar até que ponto as intervenções médicas, incluindo os procedimentos pré e pós-parto, como uso de anestesias e fórceps, por exemplo, foram realmente necessários. Igualmente, outra limitação desse estudo deve ser considerada, já que, ainda que a grande maioria das participantes (n=15) tenha amamentado, na entrevista não foi possível identificar se as participantes aderiram à amamentação por desejo e escolha autêntica, por imposição familiar ou cedendo à pressões sociais e culturais.
Por outro lado, a adesão materna à prática da amamentação pode dever-se em grande parte à crença no papel cumprido pelo aleitamento na saúde e bem-estar de seu filho. Assim, quando a amamentação não é possível ou mesmo desejada, contrariando-se o que é esperado do ponto de vista social e cultural, a mulher pode experimentar sentimentos de culpa, outra questão para a qual o profissional de psicologia detém conhecimento técnico-científico, podendo ajudar a mulher a manejar esse conflito.
Nessa perspectiva, os profissionais de saúde, dentre estes os psicólogos, devem estar atentos para o fato de que os momentos do parto e da amamentação são de fundamental importância para a construção da maternidade e que caberia a eles promover a confiança da mulher na sua capacidade de ser mãe e de cuidar de outro ser humano, priorizando diferentes aspectos subjacentes a formação de um vínculo mãe-bebê saudável.
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Endereços para correspondência:
Ana Cristina Barros da Cunha
acbcunha@yahoo.com.br
Carmelita Santos
carmelitafs25@gmail.com
Submetido em: 17/11/2011
Revisto em: 05/05/2012
Aceito em: 06/05/2012
i Apoios recebidos: CNPq (PQ: Bolsa de Produtividade em Pesquisa); FAPERJ (Auxilio à Pesquisa: APQ1).