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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.66 no.1 Rio de Janeiro 2014
ARTIGOS
Instrumentos de sobre-excitabilidade: uma revisão sistemática*
Overexcitability instruments: a systematic review
Los instrumentos de sobre excitabilidad: una revisión sistemática
Juliana Célia de OliveiraI; Altemir José Gonçalves BarbosaII
IDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora. Estado de Minas Gerais. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora. Estado de Minas Gerais. Brasil
RESUMO
Estudos demonstram que a sobre-excitabilidade (SE) é uma forte preditora de dotação. Com a finalidade de efetuar uma revisão sistemática da literatura sobre instrumentos que medem SE, artigos que contêm os termos overexcitability ou overexcitabilities e assessment, measure ou evaluation foram recuperados nas bases de dados do Portal CAPES e no Google Acadêmico. A produção científica sobre esse tema parece estar crescendo e é composta predominantemente por estudos empíricos efetuadas com amostras que têm participantes com dotação. Foram identificadas apenas cinco medidas de SE: Overexcitability Questionnaire, Overexcitability Questionnaire Two, Me Scale, ElemenOE e Adult Questionnaire. Validade de critério e consistência interna constituem as propriedades psicométricas mais descritas na literatura. Potencialidades, limitações e usos mais adequados desses instrumentos são apresentados. O uso deles na identificação de dotação é enfatizado.
Palavras-chave: Superdotação; Avaliação Psicológica; Identificação.
ABSTRACT
Studies demonstrated that overexcitability (OE) is a strong predictor of giftedness. In order to perform a systematic review about OE instruments, articles containing terms overexcitability or overexcitabilities and assessment, measure or evaluation were retrieved in the databases CAPES Portal and Google Scholar. The scientific production about this issue seems to be increasing and it is predominantly composed of research reports conducted with samples of participants with giftedness. Only five measures of SE were identified: Overexcitability Questionnaire, Overexcitability Questionnaire Two, Me Scale, ElemenOE, and Adult Questionnaire. Criterion validity and internal consistency are the psychometric properties more described in the literature. Strengths, limitations, and the more appropriate uses of these tools are emphasized. The use of them to identify giftedness is emphasized.
Keywords: Giftedness; Psychological evaluation; Identification.
RESUMEN
Los estudios demuestran que la sobre excitabilidad (SE) es fuerte predictora de la superdotación. Con el fin de hacer una revisión sistemática de la literatura sobre los instrumentos que miden la SE, artículos que contienen los términos overexcitability o overexcitabilities y assessment, measure o evaluation fueron recuperados en las bases de datos Portal CAPES y Google Académico. La producción científica sobre este tema parece estar creciendo y se compone principalmente de los estudios empíricos realizados con muestras de participantes con superdotación. Sólo se identificaron cinco medidas de SE: Overexcitability Questionnaire, Overexcitability Questionnaire Two, Me Scale, ElemenOE y Adult Questionnaire. La validez de criterio y consistencia interna son las propiedades psicométricas más descritas en la literatura. Fortalezas, limitaciones, y los usos más adecuados de estos instrumentos son enfatizados. Se destaca su uso en la identificación de la superdotación.
Palabras clave: Superdotación; Evaluación psicológica; Identificación.
Introdução
As investigações sobre dotação ou, como denominado pelo Ministério da Educação do Brasil (Brasil, 2008), altas habilidades/superdotação, têm, tradicionalmente, enfatizado as características cognitivas e acadêmicas, em detrimento dos aspectos sociais e emocionais (Alencar, 2007; Alencar & Fleith, 2001; Colangelo, 2002; Tieso, 2007a). Os motivos para privilegiar tais componentes podem estar relacionados à própria conceituação do que é dotação e, consequentemente, aos instrumentos e métodos de identificação utilizados.
As primeiras tentativas de se definir dotação estavam associadas ao conceito de inteligência (Galton, 1892; Terman, 1916) e, consequentemente, faziam uso de testes para identificar indivíduos com altos níveis de capacidades cognitivas (Kaufman & Sternberg, 2008). Os termos utilizados, o conceito de inteligência e a própria concepção de dotação foram revistos e ampliados desde então por diversos autores (Feldhusen, 1998; Gagné, 2004; Guenther, 2006, 2008; Renzulli, 1978). No entanto, apesar de esses e outros autores-chave da área fazerem menção à importância dos aspectos sociais e emocionais, seja na identificação de dotação ou no desenvolvimento de talentos, observam-se, ainda, lacunas na literatura no que diz respeito à compreensão e à avaliação dos aspectos socioemocionais de indivíduos com essas características.
Por enfatizar o papel das emoções no potencial de desenvolvimento humano, a Teoria da Desintegração Positiva (TDP), proposta por Dabrowski (1964, 1967), psiquiatra e psicólogo polonês, representa uma abordagem alternativa para se compreender dotação. Trata-se de uma concepção de desenvolvimento da personalidade para a qual o ser humano evolui de níveis mais básicos a níveis superiores (Dabrowski, 1970, 1996). As estruturas de personalidade inferiores, mais coesas e integradas, são caracterizadas pelo egocentrismo e tendem a se desfazer, sofrendo desintegrações. Paulatinamente, vão dando lugar a estruturas de níveis superiores, baseadas no altruísmo, compaixão e empatia. Esses processos desintegrativos são positivos, uma vez que contribuem para o desenvolvimento do indivíduo.
Apesar de a TDP não ser uma teoria específica sobre dotação, ela tem fornecido uma excelente estrutura para a caracterização desse grupo de indivíduos e para o desenvolvimento de métodos de identificação (Ackerman, 2009; Falk & Miller, 2009; Mendaglio & Tillier, 2006; Silverman, 2008). Dos diversos conceitos atrelados a essa teoria, a sobre-excitabilidade psíquica (SE) é o que mais tem beneficiado o campo de estudos de dotação e pode ser definida como tendências de o indivíduo reagir com extrema intensidade e sensibilidade a diversos estímulos, sejam eles externos ou internos (Dabrowski, 1972).
Para Dabrowski (1967, 1972), quanto maior a força dos padrões de SE, maior o potencial de desenvolvimento individual. Nos estudos desse (Dabrowski, 1972, 1996) e de outros pesquisadores (Falk, Lind, Miller, Piechowski, & Silverman, 1999; Piechowski, 1975), são propostas cinco formas de SE: a) Psicomotora - expressa por indivíduos com níveis mais altos de energia para atividades físicas, com elevado interesse por movimentos corporais e que sentem muito prazer decorrente dessas experiências; b) Sensorial - diz respeito à elevada e enriquecida experiência sensorial, manifestada, por exemplo, por meio da percepção apurada de aromas, cores, formas e texturas; c) Intelectual - refere-se à intensa busca por conhecimento e "verdade", por meio de processos cognitivos complexos, como raciocínio, reflexão, questionamento, análise e síntese; d) Imaginativa - expressa no gosto pelo inusitado e pela facilidade em fantasiar, dramatizar, inventar etc.; e e) Emocional - diz respeito à intensidade de sensações e experiências afetivas, tais como apegos, paixões, empatia etc.
A primeira tentativa de analisar os padrões de SE em estudantes com características de dotação foi realizada por Dabrowski, em 1962 (Dabrowski, 1967, 1972). Uma série de exames e testes psicológicos, psiquiátricos e neurológicos, além de entrevistas, questionários, observações e estudos de caso, foram utilizados em crianças e jovens previamente identificados com dotação. O autor percebeu que cada um dos indivíduos identificados demonstrou, pelo menos, um tipo de SE.
Transcendendo isso, Piechowski (1986) afirmou que as SEs são componentes básicos de dotação, compartilhadas por muitos indivíduos com essas características, sendo consideradas como o real potencial psicológico dessas pessoas. Desde então, diversos pesquisadores têm explorado a relação entre dotação e SE e confirmado a hipótese de Piechowski (Ackerman, 1997; Carman, 2011; Falk, Manzanero, & Miller, 1997; Gallagher, 1986; Miller, Silverman, & Falk, 1994; Piechowski, Silverman, & Falk, 1985; Schiever, 1985; Siu, 2010). Com base nos resultados promissores dessas e de outras pesquisas que demonstraram que as SE podem ser indicadores de dotação e nas hipóteses propostas por Dabrowiski e Piechowski, alguns instrumentos foram criados com a finalidade de medir a força desses padrões. Recentemente, Mendaglio (2012) assinalou que tem crescido o número de pesquisas quantitativas que associam SE e dotação. Todavia, parece não existir um exame sistemático das medidas de SE utilizadas até o momento.
Assim, este texto apresenta um estudo que teve como objetivo efetuar uma análise sistemática da literatura sobre instrumentos desenvolvidos para avaliar SE. São enfatizadas as potencialidades, as limitações, os usos e as propriedades psicométricas dessas medidas. São apresentadas, ademais, informações sobre os tipos de artigos que publicaram essas informações, a população-alvo das pesquisas empíricas e a distribuição temporal das publicações.
Método
Para atingir o objetivo estabelecido, foram realizadas buscas no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (http://www.periodicos.capes.gov.br/) - Portal CAPES - e na ferramenta de busca Google Acadêmico (http://scholar.google.com.br), em fevereiro de 2014. Mantida pelo Governo Federal do Brasil, a primeira é uma das maiores bibliotecas virtuais do mundo e reúne as principais coleções e bases de dados da literatura científica psicológica e educacional, tais como as mantidas pela American Psychological Association e pelo Education Resources Information Center. A segunda fonte de informação é uma ferramenta comercial de busca abrangente e bastante simples, que permite acessar não só publicações de revistas indexadas nas principais bases de dados.
A consulta se deu por meio da utilização dos termos overexcitability ou overexcitabilities, combinados com assessment, measure ou evaluation. Não houve limitação do ano de publicação, e foram incluídos somente artigos na amostra. Destaca-se que a eleição desse suporte foi decorrente de se tratar da forma de comunicação científica mais valorizada pela comunidade acadêmica, sendo que a opção pela língua inglesa se deve ao fato de, atualmente, esse ser o idioma franco na ciência.
Após recuperar as publicações, eliminaram-se as duplicidades, ou seja, publicações que foram recuperadas tanto no Portal CAPES quanto no Google Acadêmico. Em seguida, procedeu-se à leitura dos títulos e resumos, sendo aplicados os seguintes critérios de exclusão: textos que abordavam a SE de um ponto de vista médico sem estabelecer relação com a teoria de Dabrowski; e artigos que não tratavam de instrumentos de avaliação das SEs.
Uma vez definida a produção científica alvo, efetuou-se uma leitura dos textos completos, não ocorrendo mais exclusões nessa etapa, e foi realizada uma análise de conteúdo que teve como foco identificar: o tipo de artigo; a população-alvo das pesquisas empíricas; os instrumentos que medem SE e suas propriedades psicométricas. Destaca-se que um autor efetuou esse procedimento qualitativo e o outro atuou como juiz, sendo obtidas concordâncias superiores a 80%, índices considerados satisfatórios pela literatura da área (Pasquali, 2006).
Uma vez identificada a adequação da análise de conteúdo, os dados foram tratados quantitativamente com estatística descritiva. Além disso, realizaram-se uma descrição dos usos dessas medidas e análises de suas potencialidades e limitações, mas sem recorrer a procedimentos sistemáticos.
Resultados
Após empregar o método descrito, foram recuperados 37 artigos cujos conteúdos dizem respeito a instrumentos de SE e que têm a teoria de Dabrowski como referencial. A Tabela 1 apresenta uma caracterização geral dos resultados obtidos.
Observou-se um considerável aumento de estudos publicados na última década, em relação às anteriores. Na década atual, que, de fato, é um pouco mais de um triênio, o número de artigos é superior ao de 2000-2009.
A maioria dos artigos relata pesquisas empíricas. Observam-se, também, textos que apresentam ensaios teóricos/revisão de literatura ou meta-análise. Foram identificados cinco instrumentos que medem SE: a) Overexcitability Questionnaire (OEQ), b) Overexcitability Questionnaire Two (OEQ-II), c) Aldult Questionnaire, d) ElemenOE e e) Me Scale. Destaca-se que a última medida foi citada somente nos estudos de revisão de literatura.
No que diz respeito aos estudos empíricos, observa-se uma predominância de investigações que utilizaram o OEQ-II (Tabela 1). A segunda medida mais utilizada é o OEQ. Apenas um artigo apresentou o ElemenOE como principal instrumento de investigação. O mesmo ocorreu para o Adult Questionnaire.
A Tabela 1 também exibe o tipo de amostra utilizada nos estudos, no que se refere à presença de características de dotação, e os tipos de evidências de validade e fidedignidade que são apresentados. A maioria das pesquisas optou por utilizar participantes com características de dotação ou por compará-los com indivíduos sem essa condição. Tanto o OEQ (Ackerman, 1997; Gallagher, 1986; Miller, Falk, & Huang, 2009; Piechowski et al., 1985; Piirto & Frass, 2012; Yakmaci-Guzel & Akarsu, 2006) quanto o OEQ-II (Al-Onizat, 2013; Bouchet & Falk, 2001; Broeck, Hofmans, Cooremans, & Staels, 2013; Carman, 2011; Harrison & Haneghan, 2011; Siu, 2010; Tieso, 2007a; Wirthwein, Becker, Loehr, & Rost, 2011) demonstraram ser capazes de diferenciar esses dois grupos. O ElmenOE também conseguiu discriminar níveis mais altos de SE em pessoas com dotação (Bouchard, 2004). Destaca-se que o estudo que utilizou o Adult Questionnaire (Lewis & Kitano, 1992) não contou com amostras de indivíduos com essa necessidade educacional especial.
Análises das propriedades psicométricas das medidas foram apresentadas na maioria das pesquisas empíricas (n = 25; 78,12%). A validade de critério, uma das evidências de validade baseadas nas relações com variáveis externas, se sobressai tanto nas investigações que utilizaram o OEQ quanto nas que optaram pelo OEQ-II, uma vez que grande parte delas contou com a participação de grupos de indivíduos previamente identificados com dotação, ou seja, que passaram por um processo de identificação e possuíam, portanto, critérios pré-estabelecidos, caracterizando-os como grupo-critério. É preciso ressaltar que a identificação de dotação utilizada nos 19 estudos que obtiveram evidências de validade de critério se deu, como esperado, de modo diversificado, incluindo desde métodos tradicionais - p. ex., uso de testes de inteligência nos estudos de Broeck et al. (2013), Miller et al. (1994), Piechowski et al. (1985), Siu (2010), Wirthwein et al. (2011), Wirthwein e Rost (2011) e Yakmaci-Guzel e Akarsu (2006) - até estratégias multidimensionais - p. ex., combinação de testes de inteligência ou desempenho com outras formas de avaliação, tais como nomeação por professores e medidas de criatividade, nas investigações de Gallagher (1986), Harrison e Haneghan (2011), Rinn, Mendaglio, Rudasill e McQueen (2010) e Tieso (2007a). Alguns estudos não se basearam em processos sistemáticos de identificação, utilizando apenas informações obtidas com pais ou com os próprios participantes sobre a frequência a programas de enriquecimento ou desenvolvimento para pessoas com dotação (p. ex., Bouchet & Falk, 2001; Carman, 2011; Sanz, 2006).
A análise da consistência interna e as evidências de validade de construto se destacam nas investigações que utilizaram o OEQ-II. Em uma meta-análise, Warne (2011b) corroborou a confiabilidade desse instrumento ao combinar e sintetizar os coeficientes encontrados em diferentes estudos - grande parte deles recuperados nessa investigação. O autor observou que, apesar de haver oscilações entre os valores de Cronbach (0,57 e 0,91), o questionário, de modo geral, é fidedigno, com grande parte das investigações obtendo valores superiores a 0,80. Índices de ajustamento variando de bons a moderados foram observados em análises fatoriais exploratórias e confirmatórias (Al-Onizat, 2013; Siu, 2010; Tieso, 2007a, 2007b, Warne, 2011a). Destaca-se que as associações positivas entre o Sensory Profile (Dunn, 1997) - uma medida de análise do processamento sensorial no desempenho funcional - e os padrões Sensorial e Psicomotor, observadas no estudo de Carman (2011), constituem indicadores da validade convergente-discriminante desses padrões de SE.
Correlações com outras medidas, buscando evidências de validade convergente/discriminante, constituem uma das principais formas de análise das propriedades psicométricas do OEQ. Foram obtidas correlações que variam entre moderada e forte entre padrões desse instrumento e testes de desempenho acadêmico (Gallagher, 1986), inteligência, motivação, liderança (Yakmaci-Guzel & Akarsu, 2006), níveis de desenvolvimento (Lysy & Piechowski, 1983) e criatividade (Gallagher, 1986; Schiever, 1985; Yakmaci-Guzel & Akarsu, 2006).
Evidências de validade baseadas na análise do conteúdo e precisão entre avaliadores constituem as propriedades psicométricas menos investigadas. A última, uma das formas de análise da fidedignidade de instrumentos, foi mencionada em apenas quatro estudos (Bouchard, 2004; Gallager, 1986; Piechowski & Cunningham, 1985; Piechowski et al., 1985), sendo que três deles utilizaram o OEQ. Quanto à primeira, somente duas pesquisas apresentam-na: uma utilizou o ElmenOE (Bouchard, 2004) e a outra descreve a versão adaptada para a Jordânia do OEQ-II (Al-Onizat, 2013).
A seguir, é feita uma breve análise dos instrumentos de SE encontrados. Destaca-se que, para tanto, foram utilizados outros recursos, como os manuais dos instrumentos e livros sobre o assunto, além, evidentemente, dos artigos. Deve-se mencionar, também, que a quantidade desigual de estudos relacionados às medidas de SE encontradas contribuiu para a descrição desproporcional das mesmas. Esses resultados são resumidos na Tabela 2, que exibe algumas características dessas medidas de SE, no que se refere ao uso, às potencialidades e às limitações.
Medidas de SE
Overexcitability Questionnaire
O OEQ foi criado por Lysy e Piechowski (1983) com o objetivo de avaliar as cinco formas de SE. O instrumento é composto por 21 questões abertas, sendo atribuídos escores às respostas de acordo com a intensidade das SEs manifestadas. Os respondentes podem utilizar o espaço e o tempo que julgarem necessários para suas anotações. São necessários examinadores treinados para realizar a pontuação das respostas com máxima confiabilidade possível. Cada questão é pontuada em uma escala que vai de zero (nenhuma evidência) a três pontos (alta intensidade) em todos os cinco padrões.
Destaca-se que, desde sua criação, algumas modificações foram conduzidas na estrutura do questionário. Uma adaptação, realizada por Ackerman e Miller (2009), deu origem à versão reduzida do instrumento - Overexcitability Questionnaire Short Form - , que passou a conter 12 questões, e, posteriormente, uma versão revisada - Overexcitability Questionnaire Revised - , mais completa, com 24 questões, foi criada por Piechowski (2009). Versões em diferentes idiomas e países também foram elaboradas, como na Venezuela (Falk et al., 1997) e Turquia (Yakmaci-Guzel & Azarsu, 2006).
Também foram feitas comparações entre diferentes formas de investigação dos padrões de SE, utilizando o OEQ. Piechowski e Miller (1995) procuraram investigar se os resultados de entrevistas produziriam materiais mais ricos a respeito dos padrões de SE que o autopreenchimento (questionário). Resultados semelhantes foram obtidos para quatro das cinco formas de SE, exceto para o padrão emocional, cujas respostas ao questionário foram mais altas do que as da entrevista. Observou-se, além disso, que as crianças mais novas, com idades entre nove e 11 anos, tinham dificuldades para escrever suas respostas, sendo, portanto, recomendada a entrevista para pessoas com idade inferior a 12 anos.
Apesar de muitos estudos utilizarem o questionário, ele tem sido bastante criticado pela sua dificuldade e complexidade. Seu manuseio exige um treinamento intenso e demorado dos avaliadores, e o tempo para sua administração é bastante longo (Ackerman, 1997). Além disso, a forma de correção do instrumento também requer maior critério dos avaliadores. No estudo feito por Ackerman (1997), percebeu-se que a contagem de palavras nas respostas dos participantes foi significativamente correlacionada com todas as cinco formas de SE, de modo que os sujeitos que escreveram respostas maiores pontuaram mais do que aqueles que escreveram respostas mais curtas. Isso parece indicar que o instrumento tende a não ser preciso em função de ser afetado pelo tamanho da resposta.
Adult Questionnaire
Lewis e Kitano (1992), para investigar as características afetivas de adultos que demonstravam alto desempenho, elaboraram o Adult Questionnaire. Os 102 itens contidos no questionário foram construídos a partir de dois embasamentos teóricos: a noção de Problemas Concomitantes de Clark; e o conceito de SE advindo da teoria de Dabrowski. Para preencher o instrumento, os participantes têm como base uma escala Likert de cinco pontos, distribuída em duas formas - A e B. Na forma A, devem indicar o quanto a afirmação lida os descreve, e, na outra forma, deve ser respondido o quanto a mesma afirmação descreve as pessoas típicas de sua idade, gênero e cultura.
No estudo, os autores utilizaram métodos qualitativos (grupos focais) e quantitativos (aplicação do questionário) para determinar se e em que medida os adultos de alto desempenho são caracterizados pelas intensidades psicológicas. A análise do grupo focal demonstrou altos indicadores de SE Intelectual e Emocional, porém pouco suporte para a SE Imaginativa e Sensorial e quase nenhum para a SE Psicomotora. A análise fatorial das respostas ao questionário produziu cinco fatores não correspondentes a todos os cinco padrões de SE, como propostos em outros instrumentos. Mendaglio e Tillier (2006) mencionam que a medida parece apresentar mais suporte teórico advindo do Modelo de Problemas Concomitantes de Clark do que do modelo de Dabrowski.
Overexcitability Questionnaire Two
Falk et al. (1999) elaboraram uma versão de questões fechadas do OEQ - o OEQ-II - , com o objetivo de medir a presença e o nível dos cinco padrões de SE. Trata-se de um questionário composto por 50 itens (sendo dez itens para cada padrão), respondidos em uma escala Likert de cinco pontos, cuja descrição vai de um - não se parece nada comigo - a cinco - se parece totalmente comigo. Para computar os escores de cada padrão, é preciso somar os pontos obtidos em cada item e dividir por dez.
Até o momento, foram efetuadas traduções/adaptações do instrumento para, pelo menos, nove países: Turquia, México (Falk, Yakmaci-Guzel, Chang, Sanz, & Chavez-Eakle, 2008), Espanha (Sanz, 2006), Coreia do Sul (Piirto, Montgomery, & May, 2008), Hong Kong (Siu, 2010), Kuwait - Península Arábica (Almutairi, 2010), Alemanha (Wirthwein & Rost, 2011; Wirthwein et al., 2011), Jordânia (Al-Onizat, 2013) e Malásia (Alias, Rahman, Majid, & Yassin, 2013). Muitos desses estudos têm obtido evidências de validade de conteúdo (Piirto et al., 2008), de construto (Siu, 2010) e de critério (Falk et al., 2008; Sanz, 2006; Siu, 2010). Além disso, bons indicadores da consistência interna têm sido observados (alfas de Cronbach entre 0,57 e 0,91), sendo que grande parte das investigações obtiveram alfas superiores a 0,75).
Apesar de muito utilizado e de ser de fácil aplicação, o OEQ-II apresenta algumas limitações para o seu uso. Uma delas se refere ao fato de ele não ser útil para fornecer informações diagnósticas sobre um indivíduo, sendo somente destinado a pesquisas com grupos (Falk et al., 1999). Problemas referentes à dificuldade de compreensão de alguns itens também têm sido mencionados por pesquisadores da área, sendo recomendada a retirada dos itens negativos (Tieso, 2007a, 2007b) ou de itens considerados inapropriados para adultos (Wirthwein & Rost, 2011). Além dessas limitações, Carman (2011) acrescenta, como aspecto negativo, o fato de o OEQ-II não apresentar um ponto de corte e de não possuir evidências de validade convergente com testes importantes.
Outra problemática se refere à idade necessária para o preenchimento do instrumento. Os autores do questionário salientam que os itens do OEQ-II demandam um nível de leitura equivalente ao do 9º ano do Ensino Fundamental (Falk et al., 1999). Assim, grande parte de sua aplicação foi feita com estudantes universitários (Bouchet & Falk, 2001; Carman, 2011; Miller et al., 2009), adultos (Wirthwein & Rost, 2011) e adolescentes (Gross, Rinn, & Jamieson, 2007; Rinn et al., 2010). Porém, há estudos que contaram com participantes com idades inferiores a 11 anos (Tieso, 2007a, 2007b).
A fim de superar as limitações a respeito da idade necessária para o preenchimento do instrumento, uma versão do OEQ-II para crianças - o OEQ-2C - , destinada a pessoas entre seis e 14 anos, está sendo desenvolvida (Falk & Miller, 2009; Falk et al., 2008). Ainda não foram encontradas publicações sobre as evidências empíricas dessa medida; entretanto, Falk e Miller (2009) mencionam que os primeiros resultados de sua aplicação indicaram que o instrumento é altamente confiável e coerente com a teoria dabrowskiana.
Versões do OEQ-II para pais e professores avaliarem, respectivamente, seus filhos e alunos também estão em desenvolvimento. O Overexcitability Inventory for Parents (OIP), adaptado por Helen Dudeney (Institute for the Study of Advanced Development, 2007), exibe o mesmo número de itens e a mesma estrutura de preenchimento do OEQ-II. No entanto, essa nova versão apresenta, além dos cinco pontos base para preenchimento do questionário, um espaço para que os pais possam marcar a opção não se aplica aos itens que julgarem necessários. O inventário destinado aos professores está sendo desenvolvido por Linda Silverman, como mencionam Falk e Miller (2009).
Me Scale
A Me Scale foi criada em 2001 por Hsin Chang para ser usada em Taiwan (Chang & Kuo, 2013). A versão original do instrumento, destinada a indivíduos que cursam a partir do 5º ano do Ensino Fundamental, apresenta 60 itens com cinco subescalas, cada uma contendo 12 questões, em uma escala tipo Likert de sete pontos. Posteriormente, outras versões mais reduzidas desse instrumento foram criadas (Chang & Kuo, 2009).
Diferentemente das investigações no contexto ocidental, foram elaboradas normas com um percentil nacional para a Me Scale, incluindo tabelas para distintos níveis de ensino (Chang & Kuo, 2009). Nos estudos de revisão, Chang e Kuo (2009, 2013) mencionam mais de uma dezena de investigações que têm procurado obter evidências de validade (construto, critério, convergente-discriminante etc.) e fidedignidade dessa medida. Entretanto, em algumas investigações que utilizaram a medida, foram encontrados índices de consistência interna baixos ou próximos de satisfatórios. Os autores alertam que mais estudos sobre as propriedades psicométricas da escala devem ser realizados.
ElemenOE
O ElemenOE foi elaborado por Bouchard (2004), também com o objetivo de analisar os cinco padrões de SE. Ele contém uma lista de observação com 30 itens destinada a ser utilizada por professores para investigar o índice e a frequência de padrões de SE em crianças do Ensino Fundamental.
Em um estudo de validação, professores responderam ao instrumento para descrever crianças com e sem características de dotação. O autor reforça que o instrumento pode ser útil na identificação de alunos com dotação que não são reconhecidos por métodos tradicionais, pois a análise discriminante rendeu uma função capaz de diferenciar significativamente os dois grupos participantes nos padrões de SE Intelectual e Psicomotora (Bouchard, 2004). No entanto, o ElemenOE apresentou consistência interna insatisfatória para alguns padrões de SE (alfas de Cronbach inferiores a 0,68) (Bouchard, 2004).
Discussão
Os resultados obtidos devem ser considerados com cautela, devido às limitações do método adotado neste estudo. Ainda que os artigos constituam a principal modalidade de comunicação científica de muitas áreas e a língua inglesa seja atualmente o idioma franco da ciência, a adoção desses critérios, apesar de inevitável até certo ponto, gerou circunscrições, como não contemplar dissertações e teses.
É preciso mencionar que o fato de os termos overexcitability e overexcitabilities não constarem em Thesaurus poderia ter limitado a recuperação dos artigos nas bases de dados. Para evitar esse problema, ao processar a busca, optou-se por tentar encontrá-los em qualquer parte do texto, o que gerou uma quantidade alta de artigos que foram descartados na primeira leitura. Assim, é importante para a área que eles sejam incorporados aos descritores de diferentes bases de dados. Contudo, é fato que isso só ocorrerá com o crescimento da produção científica.
Os resultados obtidos no presente estudo denotam que está ocorrendo um considerável aumento de publicações sobre medidas de SE no decorrer dos anos. Quando comparado ao que ocorreu nos anos 1980 e 1990, o número de artigos duplicou na primeira década deste milênio. Esse crescimento parece que se manterá, visto que nos últimos três anos o número de estudos se equipara ao total de publicações da década anterior.
Outro resultado que sugere um futuro promissor para o campo das medidas de SE diz respeito ao fato de a maior parte dos artigos encontrados relatar pesquisa empírica. Esse tipo de produção é indispensável para o avanço científico, pois são essas investigações que geralmente produzem conhecimentos novos e confiáveis, que podem ter implicações para, por exemplo, políticas públicas em educação.
Apesar do avanço da produção científica, ainda é limitado o número de instrumentos que medem as SEs. Somente cinco foram encontrados. É preciso, contudo, mencionar que a SE pode ser avaliada de outras formas, com, por exemplo, o uso de estratégias qualitativas - entrevistas, observações etc. - (Ogburn-Colangelo, 1989; Tucker & Hafenstein, 1997) ou do Método Q (Bang & Montgomery, 2010). Essas duas estratégias não são, necessariamente, incongruentes, com o uso de instrumentos padronizados, pois, no primeiro caso, podem ser combinados e, no segundo, é preciso, pelo menos, ter itens confiáveis que representem SE para serem ordenados. Cumpre mencionar, ademais, que o avanço de uma área de pesquisa e de atuação profissional em Psicologia depende em grande parte da disponibilidade de instrumentos válidos e confiáveis, uma vez que eles são fundamentais para proporcionar confiabilidade à avaliação psicológica.
Mesmo em número restrito, as medidas de SE encontradas permitem que a identificação de dotação conte com múltiplos informantes, uma vez que há instrumentos destinados a pais (OIP), professores (ElemenOE) e aos próprios sujeitos-alvo (OEQ, OEQ-II, ME Scale e Adult Questionnaire). Dentre eles, o OEQ-II deve ser enfatizado, pois sua versão original, destinada em grande parte das pesquisas a adultos, serviu como base para a criação de outras versões para crianças, pais e professores.
Observa-se, porém, que alguns ainda carecem de evidências de validade. Isso é mais evidente para o ElmenOE e o Adult Questionnaire, que possuem, até o momento, apenas um estudo publicado cada. Ainda que Chang & Kuo (2009, 2013) mencionem monografias não publicadas, escritas em mandarim, que obtiveram boas evidências de validade para a Me Scale, é preciso cautela ao considerar essa medida, pois não foram encontrados artigos ou, pelo menos, resumos de artigos em língua inglesa indexados pelas principais bases de dados do Ocidente.
Não obstante as limitações, é possível considerar que três instrumentos - Me Scale, OEQ e OEQ-II - possuem evidências de validade e suporte empírico suficientes para serem utilizados com alguma segurança no processo de identificação de dotação. No Oriente, destaca-se a Me Scale (Chang & Kuo, 2009). O OEQ e o OEQ-II são os mais utilizados no Ocidente. Ambos têm sido recomendados para identificar dotação, já que, em várias investigações, eles conseguiram discriminar indivíduos com e sem essas características (Carman, 2011; Miller et al., 1994; Piechowski et al., 1985; Siu, 2010 etc.).
Há que se ressaltar, também, que os estudos de tradução e adaptação do OEQ-II para outras línguas evidenciam não somente a validade intercultural do questionário, como também indicam que o construto SE se mostra independente da língua e da cultura. Além disso, outras evidências de validade do instrumento puderam ser percebidas, dentro e fora do país de origem do OEQ-II, como, por exemplo, a consistência interna e a estrutura fatorial. Ademais, os estudos que compararam as SE de indivíduos com e sem características de dotação com essa medida acabaram por investigar a validade concorrente e preditiva dela, por contarem, geralmente, com a participação de indivíduos que passaram por um processo de identificação de dotação baseado em outros instrumentos e estratégias.
Não obstante a relevância da Me Scale, do OEQ e do OEQ-II e o volume da produção científica acumulada a respeito de suas evidências de validade, eles devem continuar sendo alvo de pesquisas que atestem suas propriedades psicométricas. O estudo da validade e da confiabilidade de qualquer medida psicológica, focada ou não na SE, deve ser um processo contínuo.
Desse modo, reitera-se que é preocupante o fato de algumas das medidas aqui descritas possuírem pouco suporte empírico e poucas evidências de validade, notadamente o ElemenOE e o Adult Questionnaire. Além disso, outros instrumentos demonstram limitações relacionadas à faixa etária, como é o caso do OEQ-II, ou problemas relativos ao tempo de aplicação e dificuldade na forma de correção, como observado no caso do OEQ.
Causam preocupação, também, as limitações referentes às normas e aos pontos de corte para diferentes grupos (etários, de escolaridade, de sexo etc.) das medidas de SE. Além disso, estudos que obtenham evidências de validade convergente/divergente, validade preditiva e de estabilidade das medidas ainda são necessários para todas elas. Nos casos do OEQ-2C, do OIP e do ElemenOE, o processo de obtenção de evidências de validade ainda está só no início.
Se muito há para progredir no âmbito das medidas de SE em geral, a situação é incomparavelmente pior quando se considera o desenvolvimento desses instrumentos para o contexto brasileiro. Por aqui, praticamente tudo ainda está por fazer. Não existe, até o momento, sequer um texto em língua portuguesa do Brasil que tenha como tema principal a SE. Assim, assevera-se a necessidade de que sejam realizadas pesquisas que tenham como objetivo construir e obter evidências de validade para uma medida brasileira de SE. Além disso, recomenda-se que, do mesmo modo que Oliveira (2013) - em uma iniciativa de tradução/adaptação do OEQ-II para o contexto brasileiro - , sejam analisadas as propriedades psicométricas do OEQ-II para amostras nacionais, especialmente no que diz respeito à investigação de sua estrutura interna por meio de análise fatorial confirmatória.
Ressalta-se por fim que, apesar de existirem muitas evidências empíricas de que algumas medidas de SE são extremamente úteis para a identificação de dotação, elas não representam uma panaceia para a área. De modo geral, identificar dotação é uma tarefa extremamente complexa, que geralmente requer múltiplos informantes e o uso de várias medidas. Assim, ainda que muito importantes, as medidas de SE constituem apenas um dos diversos instrumentos que podem ser usados no processo de identificação de dotação.
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Endereço para correspondência:
Juliana Célia de Oliveira
julianaoliveirapsi@gmail.com
Altemir José Gonçalves Barbosa
altgonc@gmail.com
Submetido em: 07/08/2013
Revisto em: 06/03/2014
Aceito em: 08/03/2014
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