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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.69 no.3 Rio de Janeiro  2017

 

ARTIGOS

 

Epistemologia e prática da mediação: por uma cultura de paz

 

Epistemology and practice of mediation: a culture of peace

 

Epistemología y la práctica de la mediación: una cultura de paz

 

 

Pedro CunhaI; Ana Paula MonteiroII

IDocente. Universidade Fernando Pessoa. Porto. Portugal
IIDocente. Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Procuramos analisar a estreita relação estabelecida entre a existência de conflito, a procura da paz e a mediação, entendida esta hoje, em Portugal, como uma atividade socioprofissional com múltiplas formas de abordagem, aplicável em distintos campos de atuação e passível de integrar diferentes modelos de intervenção. De fato, a mediação pode inscrever-se num amplo contexto de pacificação social, que pode tomar formas tão díspares como uma simples via alternativa de resolução de conflitos, um meio autêntico, eficaz e construtivo de resolução de conflitos, um importante modo de regulação social ou um verdadeiro modelo de intervenção social. Independentemente dessas circunstâncias que delimitam, simultaneamente, sua epistemologia e sua pragmática, a mediação preconiza, sem exceção, o empoderamento dos indivíduos que a procuram e a alteração das suas premissas conflituais iniciais para um acordo que se pretende "co-construído" pelos intervenientes. Muitas e pertinentes questões podem, assim, ser colocadas e isso é o que nos propomos debater.

Palavras-chave: Mediação; Conflito; Relação conflito-mediação; Paz.


ABSTRACT

We try to analyze, the close relationship established between the existence of conflict, the search for peace and mediation, understood in Portugal today, as a socio-professional activity with multiple forms of approach, applicable in different fields of activity and which can integrate different intervention models. Indeed, mediation can be part of a larger context of social peace, which may take such diverse forms as a simple alternative route to conflict resolution; an authentic environment, effective and constructive conflict management; an important mode of social regulation; or a real model of social intervention. Regardless of the circumstances that define, simultaneously, its epistemology and its pragmatic, mediation promotes, without exception, the empowerment of individuals who seek it and changing its initial conflicting premises for an agreement that is to be "co-built" by individuals. Many relevant questions can thus be asked and this is what we propose to discuss.

Keywords: Mediation; Conflict; Relationship conflict-mediation; Peace.


RESUMEN

Se buscó analizar, en detalle, la estrecha relación que se establece entre la existencia de conflicto, la búsqueda de la paz y la mediación, entendida hoy en día, en Portugal, como una actividad socio-profesional con múltiples formas de acercamiento, aplicable en diferentes campos de actividad y que pueda integrar diferentes modelos de intervención. De hecho, la mediación puede ser parte de un contexto más amplio de pacificación social, que puede tomar formas tan diversas como una simple vía alternativa para la resolución de conflictos, un medio auténtico, eficaz y constructiva de gestión de conflictos, un importante modo de regulación social o un modelo de intervención social. Independientemente de las circunstancias que definen, a la vez, su epistemología y su pragmática, la mediación promueve, sin excepción, el empoderamiento de las personas que la buscan y el cambio de sus premisas contradictorias iniciales para un acuerdo que debe ser "co-construido" por los mediados. Muchas preguntas pertinentes pueden, por lo tanto, plantearse y esto es lo que nos proponemos discutir.

Palabras Clave: Mediación; Conflicto; Relación conflicto-mediación; Paz.


 

 

A estreita relação entre conflito, paz e mediação

Hoje em dia, é indiscutível o reconhecimento científico e social das potencialidades que a medição apresenta como forma privilegiada e adequada de gestão de conflitos nos mais dissemelhantes campos da vida humana, particularmente quando as pessoas em confronto devem ou pretendem manter uma relação entre si.

De fato, tendo por base uma cultura própria, a mediação, embora possa inicialmente contar com resistências dos que procuram a sua intervenção e dos que refletem sobre as suas práticas, impõe-se cada vez com maior vitalidade, mormente a partir dos anos 1970 no mundo ocidental, como uma via não adversarial que contraria a postura binária tão clássica de ganhador-perdedor.

Esse método opcional, dado ser extrajudicial ou distinto dos canais legais ou convencionais da simples resolução de conflitos, tem, na negociação cooperativa (todos os intervenientes cooperam para obterem benefícios ou ganhos), na solução mutuamente construída (que satisfaz necessidades, exige determinada criatividade e não se restringe apenas aos ditames da lei) e no cariz voluntário dos intervenientes (que, entre outros aspectos, se traduz na vontade de cooperar com o mediador, no respeito mútuo durante e após o processo e no compromisso em cumprir o acordo alcançado pelos interessados) alguns dos pilares essenciais da sua teoria, cultura, história e prática que nos apraz aqui salientar.

Qual é, então, a grande singularidade deste tão apregoado paradigma? Não nos esqueçamos que, no tocante à resolução de conflitos, existem outros procedimentos que têm vindo ao longo dos tempos, de igual modo, a marcar seus pontos. Como há alguns anos Pruitt e Carnevale (2003) nos ensinaram, na sua obra incontornável Negotiation in Social Conflict, podemos falar também da negociação, da arbitragem, da conciliação e ainda da ação independente das partes (ou decisão unilateral) quando pensamos em gerir um conflito de natureza interpessoal.

Uma dimensão aqui relevante é dada pelo facto de todos os interessados na cultura de paz terem dado um verdadeiro estímulo a este procedimento. Na realidade, muitos dos movimentos direcionados para a paz (e bastará termos presente o século passado), recorreram ao paradigma da mediação para desenvolverem habilitações sociais, culturais e instrumentais que lhes permitissem gerir conflitos de modo produtivo e, assim, gerar uma cultura de paz (Torrego Seijo, 2003).

A este respeito, Suares (2001) salienta que a mediação é um processo social no qual a condição humana é, sobretudo, valorizada e a forte individualidade e especificidade de cada interveniente é tida em conta, evidenciando-se, desse modo, o quanto a mediação se focaliza no ser humano e nas relações que este estabelece com o outro (González-Capitel, 2001). Este relevo no humano e na paz, nesta variante específica da negociação, é manifesto ainda no facto do acordo ser o resultado de um processo de "co-construção" entre os envolvidos e, consequentemente, da responsabilidade das decisões tomadas ser desses mesmos.

Nesse pano de fundo holístico de elaboração da paz e dos litigantes serem os verdadeiros protagonistas da própria construção da sua paz e da sua estruturação relacional, a mediação aposta fortemente no presente, apartando os mediados do passado (muitas vezes ainda demasiado ou muito recente, noutras um passado quase perpétuo que mantém a desestruturação e a disfuncionalidade entre os mesmos) e, por conseguinte, do conflito, ou seja, essa "ficção da separatividade", como lhe chamou Weil (2005), um círculo vicioso real de reprodução compulsiva em que com facilidade, por vezes, as pessoas entram.

E somos, assim, chegados à chave que alavanca a mediação. Nesse sentido, prestemos atenção redobrada a alguns dos procedimentos principais desse tipo de intervenção. Como nos diz Torrego Seijo (2003), para se obter um acordo que represente uma solução ou um conjunto de soluções que satisfaça as partes envolvidas, o mais importante, em termos operacionais, é descortinar quais os interesses, necessidades e afetos e/ou valores que subjazem aos problemas que, por sua vez, fundam o conflito.

Ora, só mediante uma cuidadosa análise de interesses, necessidades e/ou afetos e valores é que o mediador, na tarefa que em conjunto desenvolve com os mediados, consegue substituir a perspetiva adversarial rotineira (baseada na infelizmente célebre premissa enviesada do ganho de um ser efetuado às custas da perda do outro) pela visão do ganho conjunto e da instância de autodeterminação que se gere a si própria (Boqué Torremorell, 2008).

Assumir isso é dizer que a mediação implica uma mudança social que se irá traduzir não apenas nos resultados finais, mas também em tudo aquilo que, genuinamente, vai sucedendo ao longo do processo e que permitirá ultrapassar os conflitos reais (e/ou ainda potenciais) que, de fato, a sustentam.

Por aqui se confirmam dois aspectos inultrapassáveis, a saber: a estreita relação existente entre conflito e mediação, assim como a utilidade da mediação na superação desse e na construção da paz.

De forma mais profunda, o que se quer afirmar é que não negando o conflito, mas, como na dialéctica, constituindo uma filosofia que permite tratar o conflito sem preconceitos negativos e enquanto lugar privilegiado de transformação social, a mediação assenta e, simultaneamente, promove a ideia-chave de que deveremos ser capazes de reconduzir de uma forma sã e pacífica os conflitos em que nos vemos envolvidos.

De fato, o conflito pode gerar uma energia criativa e, inclusive, melhorar situações de interação social. Como referiu Deutsch (1973), de modo já referencial para todos os interessados na área, o conflito constitui uma experiência pessoal inevitável e é uma particularidade própria de qualquer indivíduo, grupo ou sociedade.

Desse modo, concordamos inteiramente com Giró París (1997) quando o autor afirma que o conflito é uma realidade proveitosa e que é necessário aprender a gerir adequadamente. E, nesse seguimento de raciocínio, reforçamos aqui nossa preferência pela expressão gestão de conflitos (processo de gestão positiva de conflitos, de caráter preventivo, baseado na cooperação, autonomia e responsabilidade das pessoas implicadas em situações de tensão ou conflito) em lugar da mais redutora perspectiva de resolução de conflitos.

No debate que aqui trazemos sobre alguns dos fundamentos da mediação não podemos deixar de sublinhar que os mediadores não são propriamente pessoas que ajudam os outros a encontrarem soluções inovadoras e criativas sobre os problemas que lhes trazem e que não conseguiram negociar diretamente, com a simples e fútil intenção de restabelecer uma ordem (supostamente) perdida na relação.

Na realidade, e para demonstrar o autêntico espírito que deverá presidir à sua formação pessoal e profissional, os mediadores são facilitadores e gestores cuidadosos que respeitam a dinâmica interna dos conflitos existentes e da sua transformação, através das técnicas comunicacionais e relacionais a que recorrem.

Numa palavra, e parafraseando novamente Giró París (1997), para a mediação as situações de ruptura e tensão como os conflitos são mais um ponto de crescimento e desenvolvimento que pode proporcionar compreensão e insight sobre o próprio, o outro e a relação, ou seja, as situações conflituais são processos de formação de uma ordem e estruturação interpessoal que não se circunscrevem apenas a formas destrutivas, degenerativas e violentas. O pano de fundo da mediação aponta na direção de que pessoas e organizações onde se movem devem aprender a viver com os conflitos, encarando-os por vários motivos como um momento para aprender (Cascón Soriano, 2001).

É fundamental, isso sim, que os mediadores detenham as habilidades necessárias para que os conflitos não se alterem para situações de violência e para transmitirem aos mediados a necessidade de manterem a conflitualidade dentro de limites que não a pervertam. Numa palavra, que saibam realizar, mais direta ou indiretamente, uma pedagogia para a paz.

 

Epistemologia e cultura de mediação: a sobriedade de uma abordagem singular e única na gestão de conflitos

Por tudo o que afirmamos até aqui, podemos sumariar que a mediação constitui um processo social que se insere numa longa tradição humana de valorar o que é humano e possui profundas raízes históricas, sociológicas e culturais (Cunha & Leitão, 2012; Griggs, Munduate Jaca, Barón, & Medina, 2005; Parkinson, 2008).

A mediação parece ser, assim, universal, e tem provado funcionar nas diferentes dimensões relacionais dos indivíduos - ao nível intra e interpessoal, intra e intergrupal, intra e intercultural, em organizações e estados-nação (Bercovitch & Rubin, 1992; Boqué Torremorell, 2008).

A mediação permite que se descortinem formas pacíficas que ajudem os indivíduos a resolverem os conflitos com base na cooperação e na flexibilidade, eliminando ou diminuindo a desconfiança e a animosidade entre eles. À medida que os indivíduos experienciam um processo de desenvolvimento pessoal e social, os conflitos podem se multiplicar, mas com eles também se pode incrementar a oferta de formas de decisão que evitem o confronto aberto e os custos a este inerentes (Cunha & Lopes, 2012).

Atendendo a várias e diferentes perspectivas, as principais características da mediação apontam para seguinte sistematização (Parkinson, 2008; Ribeiro, 2008; Wilde & Gaibrois, 2003):

a) Voluntariedade e liberdade das partes - as pessoas devem ter a liberdade de escolher esse método como forma de lidar com seu conflito;

b) Confidencialidade e privacidade - as pessoas em conflito e o mediador devem fazer um acordo de confidencialidade, criando um clima de confiança necessário a um diálogo franco para ajudar as negociações;

c) Participação de terceiro imparcial - há que destacar que cabe ao mediador manter uma equidistância face aos mediados;

d) Informalidade/oralidade - a mediação comparada com o processo judicial possui um procedimento informal, simples, no qual é valorizada a oralidade;

e) Reaproximação das partes;

f) Autonomia das decisões/Autocomposição - o acordo é obtido pelas próprias pessoas em conflito, auxiliadas pelo mediador (o qual apenas estimula o diálogo, mas não tem poder decisório);

g) Não competitividade - estímulo do espírito integrativo entre as partes envolvidas (evitar lógicas de vencedores e vencidos), possibilitando, desse modo, que as partes cheguem a resultados viáveis no contexto de um tribunal judicial ou de um tribunal arbitral.

Se essas características nos permitem situar em que contexto nos encontramos, ir ao encontro da filosofia subjacente à mediação é integrar um dos seus fundamentos capitais que destacam o fato primordial da mediação instaurar uma cultura própria, a qual nem sempre é bem entendida ou apressadamente entendida por todos os que à mediação dedicam algum tempo de reflexão ou até mesmo pelos profissionais da prática.

Na realidade, e como amplamente vimos defendendo, a mediação é muito mais que um conjunto de habilidades e ferramentas destinadas a retirar processos dos tribunais. É, igualmente, um marcante e muito credível serviço público de justiça colocado ao serviço dos cidadãos (Farinho, 2010), que possui pilares epistemológicos próprios que guiam uma abordagem única na gestão construtiva de conflitos.

Reflitamos, pois, aqui sobre esses pilares singulares fortemente inspirados nos pressupostos humanistas.

Nesse sentido, Munné, Munné i Tomás e Mac-Cragh (2006) destacam os princípios basilares em que assenta a cultura de mediação, essa nova forma, como diriam Folberg e Taylor (1992), de promoção da convergência ou, como afirma Giró París (1997), que a sociedade necessita conhecer para obter a compreensão de si mesma.

São os seguintes:

- Humildade de admitir que se precisa de ajuda externa;

- Responsabilidade dos próprios atos e das suas consequências;

- Procura em satisfazer os próprios desejos, necessidades e valores;

- Necessidade de privacidade nos momentos difíceis;

- Reconhecimento de momentos de dificuldade e dos conflitos como algo inerente ao ser humano;

- Capacidade para aprender nos momentos críticos;

- Compreensão de desejos, necessidades e valores do outro;

- Compreensão do sofrimento que produz o conflito;

- Importância de potenciar a criatividade com uma base realista;

- Crença nas próprias possibilidades e nas da outra parte.

Atentemos para uma outra dimensão em que a cultura de mediação se fundamenta. Diz a articulação entre teoria da mediação e prática dos mediadores que ela não é indicada quando há grandes desníveis de poder entre os mediados, onde não existe interesse por parte de um ou de ambos os lados em resolver o conflito, quando existe um desrespeito por parte dos mediados face aos princípios e regras da mediação, enfim, em situações nas quais existem problemas graves e/ou crónicos de saúde mental em um ou ambos os mediados que impedem a comunicação e a tomada de decisões (Muszkat, 2003, 2005; Ribeiro, 2008; Suares, 2001).

Um dos aspectos nos quais se espelha mais esta cultura de mediação é, precisamente, no acordo alcançado no final do processo (que vai dos primeiros contatos, passa pela pré-mediação, atravessa as sessões individuais e as sessões conjuntas para se chegar à formulação do acordo). Este acordo convencionado entre as partes é fruto de sua própria consciência, pois o mediador apenas auxilia na discussão, não decidindo nada (Cunha & Lopes, 2012).

Independentemente do modelo seguido pelo mediador (modelo clássico de resolução de problemas ou orientado para acordos, modelo transformativo ou modelo circular-narrativo), a disseminação desta prática exige uma reformulação substancial do modo como o mediador (e os mediados também) encara o seu cotidiano, ou seja, sua cultura (no sentido de como pretende estabelecer suas relações nos principais contextos de vida).

É que estamos perante uma cultura que presume o deslocamento da relação competitiva para a de cooperação, colaboração e comprometimento e que vai de encontro ao respeito e inclusão do diferente, que descarta a força do poder hierárquico e coloca no seu lugar a força da soberania pessoal enquanto valor em si mesmo (Cunha & Lopes, 2012).

Daí que, à medida que a mediação se difunde, seja nosso dever (dos acadêmicos, dos mediados, dos profissionais, da sociedade em geral) estar cada vez mais atentos às questões éticas e deontológicas do exercício da atividade do mediador, já que incontornáveis e fulcrais elas se tornam na compreensão dos limites, erros e mal-entendidos da mediação e do próprio mediador.

Arriscamos aqui referir que é essencial que existam formações em mediação que permitam, para lá da parafernália de técnicas, habilidades e instrumentos, desenvolver o autoconhecimento e a autorreflexão do mediador. Na nossa perspetiva, tal constitui uma condição central para que este, ao conhecer e compreender o saudável debate conflitual que existe em si e na sua vida, entenda e compreenda isso naqueles que o procuram para obter paz, através do reconhecimento e legitimação das suas diferenças, nas suas vidas em mudança.

 

Mediação: um longo caminho de debate entre conhecimento, pesquisa e prática

No dealbar desta segunda década do século XXI, todas as reflexões enraizadas num pensamento holístico, integral e multidimensional que permitam estabelecer diálogos e conhecimentos cruzados e em rede nos parecem essenciais e constituem autênticos processos desafiantes de longo prazo para as sociedades contemporâneas.

O caminho da plenitude de aceitação e reconhecimento da diversidade de formas de agir, pensar e sentir (propiciadoras de tensão e conflito) e da necessidade de viver em conjunto (condição basilar humana) é ainda extenso e passa pelo desenvolvimento de uma cidadania responsável que assente na paz - consigo mesmo, com o outro e com o mundo que o rodeia.

Trata-se de um processo de transformação de consciência no qual se esculpe uma nova forma de ver e agir nos conflitos e nos problemas existentes entre as pessoas que hábitos arraigados, enviesamentos perceptivos, falta de informação e preconceitos podem questionar, como acontece ainda e, apesar dos excelentes avanços dos últimos tempos, frequentemente com a mediação.

Daí que nos pareça muito importante, em qualquer consideração que se faça sobre a mediação, que se una a reflexão, o conhecimento e a prática da mesma.

Diz a teoria, e a prática dos mediadores o valida, que o mediador tem como principal aspiração - e, em simultâneo, incitação - a mudança de um paradigma cultural inverso ao vigente no que respeita a lidar com o conflito e a resultante criação de hábitos de gestão de conflitos (na qual a diferença é entendida enquanto tal como um direito e não como uma ameaça).

Assim, na prática da sua atividade socioprofissional (e sublinhamos este conceito dado que a mediação não constitui uma profissão devidamente instituída em vários países), compete ao mediador - esse terceiro facilitador - operacionalizar a comunicação entre as partes, não sendo uma parte envolvida (diversamente do que sucede na negociação), nem propondo soluções às partes (como acontece com a conciliação) e, ainda ao contrário de um juiz ou de um árbitro, não decidindo sobre o resultado da contenda (Moore, 1998). Assim, ser um terceiro facilitador significa ser capaz, na essência, de expandir as possibilidades de tomada de decisão para resolver o conflito.

O mediador estrutura, assim, o processo em função dos movimentos e reações de cada participante, destacando a influência conjunta, ou melhor, a "co-construção" em que todas as partes envolvidas estão a enquadrar e a reenquadrar imagens uns para os outros, de forma contínua.

Os objetivos deste modelo passam por fomentar a reflexão, mudar o significado da relação e transformar a história, chegando à narrativa alternativa. Ainda que passível de críticas, é considerado como um novo quadro analítico para o entendimento das intervenções em mediação.

A interculturalidade cada vez mais experienciada, as instigações que as transformações decorrentes das novas tecnologias nos trazem, as mudanças operadas na estrutura familiar, as múltiplas expressões de contínua violência que diariamente nos continuam a surpreender, entre outros traços da contemporaneidade, fazem parte da colossal complexidade das sociedades de hoje.

Consequentemente, a mediação espelha essa complexidade e almeja conseguir superá-la para o bem comum dos que a procuram. A tarefa do mediador não pode, portanto, deixar, sob todos os prismas, de ser muito complexa em si mesma.

 

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Endereço para correspondência:
Pedro Cunha
pcunha@ufp.edu.pt

Ana Paula Monteiro
apmonteiro@utad.pt

Submetido em: 26/11/2015
Revisto em: 12/07/2017
Aceito em: 13/07/2017

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