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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.70 no.1 Rio de Janeiro jan./abr. 2018
ARTIGOS
A experiência de ser empático para o psicoterapeuta humanista-fenomenológico iniciante
The experience of being empathic to the beginner humanistic-phenomenological psychotherapist
La experiencia de ser empático para el psicoterapeuta humanista-fenomenológico principiante
Rebeca Cavalcante FontgallandI; Virginia MoreiraII; Cynthia de Freitas MeloIII
IDocente. UniFanor Wyden. Fortaleza. Estado do Ceará. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade de Fortaleza (Unifor). Fortaleza. Estado do Ceará. Brasil
IIIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade de Fortaleza (Unifor). Fortaleza. Estado do Ceará. Brasil
RESUMO
A compreensão empática é um conceito fundamental na psicoterapia humanista-fenomenológica, e que representa um desafio para os psicólogos iniciantes. Esta pesquisa objetiva compreender a experiência de ser empático para o psicoterapeuta humanista-fenomenológico iniciante. Foi realizada uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, na qual 25 estagiários de clínica-escola em Fortaleza participaram de uma entrevista aberta, cujos dados foram submetidos à análise fenomenológica mundana. Os resultados mostram que a experiência de ser empático se apresenta como algo a ser construído em cada sessão, permitindo que o terapeuta se aproxime de seu cliente e acolha o seu sofrimento. Isso ocorre através da redução fenomenológica que, como ferramenta metodológica, tem muito a contribuir para a realização da compreensão empática. Conclui-se que a empatia se confirma como figura central na psicoterapia, podendo ser facilitada pela redução fenomenológica.
Palavras-chave: Empatia; Rogers; Psicoterapeuta Humanista-Fenomenológico.
ABSTRACT
Empathic understanding is a fundamental concept in humanistic-phenomenological psychotherapy, and it poses a challenge for beginning psychologists. This research aims to comprehend the experience of being empathic to the novice humanist-phenomenological psychotherapist. An exploratory, qualitative approach was carried out in which 25 trainees from clinic-school in Fortaleza participated in an open interview, whose data were submitted to mundane phenomenological analysis. Results show that the experience of being empathic presents itself as something to be constructed in each session, allowing the therapist to approach his client, accepting his suffering. This occurs through phenomenological reduction that, as a methodological tool, has much to contribute to the realization of empathic understanding. It was concluded that empathy is confirmed as a central figure in psychotherapy and can be facilitated by the phenomenological reduction.
Keywords: Empathy; Rogers; Humanistic-Phenomenological Psychotherapist.
RESUMEN
La comprensión empática es un concepto fundamental en la psicoterapia humanista-fenomenológica, y que representa un desafío para los psicólogos principiantes. Esta investigación objetiva comprender la experiencia de ser empático para el psicoterapeuta humanista-fenomenológico principiante. Se realizó una investigación exploratoria, de abordaje cualitativo, en la cual 25 pasantes de clínica-escuela en Fortaleza participaron de una entrevista abierta, cuyos datos fueron sometidos al análisis fenomenológico mundano. Los resultados demuestran que la experiencia de ser empático se presenta como algo a ser construido en cada sesión, permitiendo que el terapeuta se acerque a su cliente, acogiendo su sufrimiento. Esto ocurre a través de la reducción fenomenológica que, como herramienta metodológica, tiene mucho que contribuir a la realización de la comprensión empática. Se concluye que la empatía se confirma como figura central en psicoterapia, pudiendo ser facilitada por la reducción fenomenológica.
Palabras clave: Empatía; Rogers; Psicoterapeuta Humanista-Fenomenológico.
Introdução
A contribuição do pensamento de Carl Rogers para a psicologia humanista foi fundamental, tanto para sua época como para os dias de hoje, quando o seu legado continua a ser divulgado e praticado, desenvolvendo-se através de novos paradigmas epistemológicos e filosóficos. Como parte destas contribuições, as condições facilitadoras, propostas por ele, mantêm-se como fundamentais dentro da Abordagem Centrada na Pessoa e das vertentes contemporâneas humanistas dos percussores de Rogers (Moreira, 2010). Essas condições foram propostas em oposição a técnicas que seriam mais diretivas, a fim de facilitar a promoção de uma atmosfera desprovida de ameaça, por meio da qual o terapeuta deve facilitar o desenvolvimento e as mudanças na personalidade do cliente, e é por meio delas que se torna possível o crescimento proporcionado pela tendência atualizante. Devido a sua importância, tais condições facilitadoras merecem ser pensadas como requisito fundamental no processo psicoterapêutico, e não apenas como meras formas de agir, nem tampouco como simples técnicas, para proporcionar o crescimento da pessoa (Araújo, & Freire, 2014; Souza, Callou, & Moreira, 2013; Tassinari, & Durange, 2014).
As seis condições, estipuladas como facilitadoras por Rogers (1957/2008), foram ressaltadas em seu artigo "As condições necessárias e suficientes para a mudança terapêutica na personalidade":
1.Que duas pessoas estejam em contato psicológico;
2.Que a primeira pessoa (o cliente) esteja num estado de incongruência, estando vulnerável ou ansiosa;
3.Que a segunda pessoa (o terapeuta) esteja congruente ou integrada na relação;
4.Que o terapeuta experiencie consideração positiva incondicional pelo cliente;
5.Que o terapeuta experiencie uma compreensão empática do esquema de referência interno do cliente e se esforce por comunicar esta experiência ao cliente;
6.Que a comunicação ao cliente da compreensão empática do terapeuta e da consideração positiva incondicional seja efetivada, pelo menos num grau mínimo.
Essas condições facilitadoras devem estar presentes no "contato psicológico" e, somada à qualidade da relação terapeuta-cliente, podem promover a mudança psicoterapêutica e garantir o sucesso da terapia (Silberschatz, 2007). Neste sentido, para que essas condições e atitudes sejam postas em prática, faz-se necessário que o terapeuta vivencie o relacionamento terapêutico de forma mais completa e autêntica (Cury, 1993).
Ao propor as condições facilitadoras, a intenção de Rogers era fornecer subsídios para proporcionar ao cliente segurança para que seu mundo vivido pudesse ser trabalhado. A tranquilidade para falar sobre suas experiências só ocorrerá se o cliente estiver em um ambiente facilitador, que possibilite que ele entenda a dinâmica de sua personalidade e, compreendendo a si mesmo, tenha a possibilidade de se desenvolver e se transformar (Fontgalland, & Moreira, 2012).
Entre as seis condições facilitadoras, a empatia, posteriormente denominada de compreensão empática, apresenta-se como parte essencial do trabalho do psicoterapeuta para promoção desse ambiente seguro e relação de qualidade (Grant, 2010). Essa compreensão empática não se resume a apenas uma atitude. Fundamenta-se em um processo que se estabelece dentro da relação terapêutica (Fontgalland, & Moreira, 2012; Moreira, & Torres, 2013). Se cumpre quando o psicoterapeuta consegue ser sensível em relação ao cliente, compreendendo seus sentimentos e suas reações na perspectiva dele, e comunicando sua compreensão desses sentimentos e reações ao cliente (Rogers, 1961/1987).
Nessa perspectiva, a compreensão empática é condição fundamental para o processo terapêutico, pois este flui quando o terapeuta é capaz de captar e formular com clareza o que experimentou do cliente. Essa compreensão que se dá de forma empática pode ser transmitida ao cliente (Rogers, 1961/1987). Para ele, a compreensão empática
consiste na percepção correta do ponto de referência de outra pessoa com as nuances subjetivas e os valores pessoais que lhe são inerentes. Perceber de maneira empática é perceber o mundo subjetivo do outro "como se" fôssemos essa pessoa − sem, contudo, jamais perder de vista que se trata de uma situação análoga, "como se". A capacidade empática implica, pois, em que, por exemplo, se sinta a dor ou o prazer do outro como ele os sente, em que se perceba sua causa como ele a percebe (isto é, em se explicar os sentimentos ou as percepções do outro como ele os explica a si mesmo), sem jamais se esquecer de que estão relacionados às experiências e percepções de outra pessoa. Se esta última condição está ausente, ou deixa de atuar, não se tratará mais de empatia, mas de identificação (Rogers, 1965/1977a, p. 179, grifo do autor).
Devido à importância que possui para o processo da psicoterapia de base humanista, a concepção de compreensão empática, proposta por Rogers, mantém-se presente nas várias vertentes contemporâneas de seu pensamento, entre as quais a humanista-fenomenológica, oriunda da fase experiencial do autor (quando ele foi influenciado pelo conceito de experienciação de Gendlin, focalizando-se na experiência vivida tanto do cliente, quanto do psicoterapeuta e de ambos) e fundamenta-se nas contribuições da psicopatologia fenomenológica e da análise existencial (Moreira, 2010), com inspiração filosófica na fenomenologia mundana de Merleau-Ponty (1945/1994), para se desenvolver como método fenomenológico crítico (Fontgalland, & Moreira, 2012; Moreira, 2009; 2013; Moreira, & Torres, 2013; Tatossian, & Moreira, 2012).
A inspiração na fenomenologia filosófica de Merleau-Ponty se dá numa nova vertente, propondo uma fenomenologia clínica de caráter antropológico, que entende o homem como ser mundano (Moreira, 2007). A concepção humanista-fenomenológica propõe compreender esse homem em mútua constituição com o mundo, ou seja, entrelaçado com o mundo, sendo que um constitui o outro. Procura-se construir um modelo teórico "no qual o homem seja mundo e o mundo seja homem, abolindo uma visão de homem dicotomizada, que o divide em interioridade e exterioridade, em individual e social" (Moreira, 2009, p. 38). A ideia desta concepção merleau-pontyana, como inspiração para uma clínica humanista-fenomenológica, parte da compreensão do mundo vivido (Lebenswelt), da compreensão da experiência vivida tanto do cliente mundano, como no caso desta pesquisa, do sujeito colaborador mundano.
A clínica humanista-fenomenológica desenvolve uma teoria e uma metodologia para uma clínica mundana de caráter eminentemente crítico (Moreira, 2007; 2009; 2010; 2013; Tatossian, & Moreira, 2012). Também desenvolve o conceito de compreensão empática em uma direção fenomenológica, entendendo que o psicoterapeuta não apenas busca penetrar no mundo do cliente, tal como colocado por Rogers (1965/1977a), mas, por meio da redução fenomenológica, põe de lado todas as concepções teóricas, experiências e conceitos pessoais pré-concebidos, atendo-se apenas à fala do cliente. O psicoterapeuta busca se mover de mãos dadas com o cliente em seu mundo, procurando compreender o significado da sua experiência vivida, de seu Lebenswelt (Moreira, 2009; 2014).
Essa redução fenomenológica, que serve como uma das ferramentas de intervenção na vertente humanista-fenomenológica (Moreira, 2009; Moreira, & Torres, 2013), consiste em um artifício a ser usado para se colocar em suspenso seus conteúdos pessoais e teóricos, incluindo todas as suas teorias, concepções, pré-julgamentos e experiências, para conseguir penetrar no mundo vivido do cliente, acessando o fenômeno tal como emerge na fala do cliente, compreendendo-o empaticamente. Utilizar a redução fenomenológica como artifício metodológico se justifica, uma vez que o psicoterapeuta está inserido no mundo, assim como seu cliente, e precisa desse artifício para tentar se distanciar desse mundo e compreender seu cliente tal como este é e se apresenta, mesmo que essa redução jamais se dê de forma completa, pois o psicoterapeuta também é um sujeito mundano, imerso no mundo (Merleau-Ponty, 1945/1994; Moreira, 2009; 2014).
Tal tarefa representa um desafio para o psicoterapeuta, especialmente os iniciantes, pois pôr em prática a redução fenomenológica na experiência de ser empático no contexto clínico exige, de antemão, que o psicoterapeuta tenha certo nível de contato consigo mesmo, um funcionamento congruente e um autoconhecimento suficiente sobre seu jeito de funcionar no mundo, com seus limites e potencialidades (Moreira, & Torres, 2013).
É por meio da compreensão empática que o psicoterapeuta compreende os significados do sofrimento do cliente, e isso somente é possível quando o cliente recebe o psicoterapeuta em seu mundo vivido. Esse sofrimento pode ser compartilhado com o psicoterapeuta que o compreende como um facilitador empático. Dessa forma, ocorre uma possibilidade de ressignificação do sofrimento pelo cliente, que facilitará a mudança na psicoterapia.
Além da redução fenomenológica, outras fundamentações servem ao psicoterapeuta, as quais se baseiam as intervenções em clínica humanista-fenomenológica, são elas: intuição eidética, descrição, fala autêntica e ver e ouvir fenomenológicos. A Intuição Eidética refere-se ao apreender o significado da experiência vivida, permitindo ao cliente compreender o significado de sua experiência. Através da Descrição o cliente conta como vive sua experiência, descreve o que está sentindo, repetidamente, quantas vezes for necessário. Essa descrição, por mais que não seja simples para o cliente, mesmo assim deve ser solicitada de diferentes formas ao cliente. Isso possibilita alcançar e aprofundar os conteúdos mais importantes, e consequentemente, ter um maior autoconhecimento e a mudança pode acontecer. A Fala Autêntica consiste na fala espontânea, falada pela primeira vez; é a fala congruente. Quando a fala autêntica se apresenta, existe a possibilidade de novos descobrimentos. Ver e Ouvir fenomenológicos dizem respeito ao que é escutado e visto, muito além do que está presente, é escutar o não dito, ver nas entrelinhas. É por meio do ver e ouvir atentos que podemos ter acesso ao invisível (Moreira, 2009).
A partir do disposto, reconhece-se, todavia, que, se por um lado a compreensão empática é condição sine qua non para a clínica humanista-fenomenológica, por outro lado reconhece-se também que essa é uma tarefa difícil, que exige técnica, sensibilidade e experiência, podendo representar um desafio para o psicoterapeuta, pois "mesmo os terapeutas experimentados, muitas vezes, não conseguem ser empáticos" (Bozarth, 2001, p. 95). Além disso, como se constitui em algo que precisa ser desenvolvido pelo psicoterapeuta, surge a necessidade de lançar o olhar de pesquisas sobre esse público de profissionais iniciantes, com a finalidade de compreender como esta atitude é entendida e vivenciada por eles em sua iniciação como psicoterapeutas. Acredita-se que tal feedback pode ser útil para subsidiar supervisores de estágio na elaboração de estratégias de intervenção e capacitação. Diante dessa discussão, o presente artigo objetiva compreender a experiência de ser empático para o psicoterapeuta humanista-fenomenológico iniciante.
Método
Tipo de estudo
Foi realizada uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, de cunho fenomenológico.
Participantes
Contou-se com a participação de 25 graduandos de Psicologia de uma universidade privada em Fortaleza (CE), que atuavam como psicoterapeutas iniciantes em estágio I, II e III (8º ao 10º semestre) em psicologia clínica de abordagem humanista-fenomenológica. Esses participantes foram três homens e 22 mulheres; 17 de estágio I (8º semestre), seis de estágio II (9º semestre) e dois de estágio III (10º semestre). Contempla-se que os nomes dos sujeitos colaboradores desta pesquisa são fictícios.
Instrumento
Foi realizada uma entrevista fenomenológica aberta, iniciada com uma pergunta disparadora: "Como é para você ser empático com seus clientes no momento da psicoterapia?".
Procedimentos éticos e de Coleta de Dados
De acordo com os aspectos éticos referentes a pesquisas envolvendo seres humanos, o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza (Unifor). Posteriormente, foram contatados os professores supervisores dos estágios de psicologia clínica da universidade e, na sequência, foram feitos convites aos estagiários. Foi solicitado para que estes lessem e assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, cujo modelo foi elaborado de acordo com a Resolução nº 466/2012, informando ao participante que se trata de um estudo científico e que todas as informações serão mantidas em sigilo, bem como o anonimato de sua participação. As entrevistas foram realizadas pessoalmente, de forma individual e com auxílio de gravador, com duração de 17 a 45 minutos, em local escolhido pelos participantes.
Análises dos dados
A análise das entrevistas seguiu o modelo fenomenológico "mundano" de acordo com os passos adaptados e propostos por Moreira (2004; 2009). Assim, foram realizadas: 1) a "transcrição literal de cada entrevista", da qual todas as falas foram transcritas, juntamente com todos os aspectos não verbais; 2) a "divisão desse texto em movimentos, de acordo com o tom da entrevista", seguindo as mudanças que ocorreram durante a entrevista, como, por exemplo, quando os entrevistados mudavam de tema, de tom de voz ou faziam pausas por causa de dúvidas, ou porque estavam pensando sobre o assunto, levantando categorias; 3) a "análise descritiva dos sentidos que emergiram de cada movimento", procurando identificar e compreender os significados da experiência de ser empático. O último passo dessa análise foi "sair dos parênteses", retomando os aspectos teóricos que anteriormente haviam sido colocados de lado a fim de escutar e ouvir o participante da pesquisa, que consistiu em compreender a experiência de ser empático para os psicoterapeutas iniciantes entrevistados buscando articulações com a revisão da literatura realizada.
Resultados e discussão
Na análise fenomenológica das entrevistas emergiram seis categorias: 1) Compreensão do conceito de empatia; 2) Sentimento de ser empático; 3) Construindo uma atitude empática na relação terapêutica; 4) Suspensão dos a priori; 5) Limites de ser empático - o "como se" e o "voltar para si"; e 6) Feedback do cliente (ver Tabela 1).
Compreensão do conceito de empatia
Pode-se compreender, a partir das falas dos psicoterapeutas iniciantes, que a compreensão sobre o conceito de empatia respalda-se em múltiplos fatores descritos a seguir, a destacar: base para facilitar o processo terapêutico, instrumento para facilitar a relação cliente-terapeuta, sinônimo de ver e ouvir verdadeiramente, ambiente propício e acolhimento, sintonia e reciprocidade, condições facilitadoras interligadas e identificação e necessidade de trabalhar problemas pessoais pelo psicoterapeuta em psicoterapia.
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Base para facilitar o processo terapêutico
Ser empática para mim é [...] tudo. Eu acho que começa daí. O crescimento, o desenvolvimento do paciente, começa daí, da questão da empatia. Se você conseguir ser empático com o seu cliente, é… acho que é o primeiro passo para tudo ocorrer. Depois daí para o vínculo acontecer, para ele ter confiança de estar falando as questões dele para você, saber que tem aquela pessoa que ele sabe que quer o bem dele, que quer que ele se desenvolva (Sandra).
Nesse relato, Sandra ressalta que a empatia é fundamental no processo psicoterapêutico, pois proporciona confiança ao cliente para que ele possa compreender que quem está a sua frente não o julgará e se sentir seguro para expressar seus sentimentos e suas dificuldades. Rogers (1961/1987) afirma que a empatia surge como condição essencial no processo terapêutico, ao possibilitar que o terapeuta seja capaz de captar o mundo do cliente. Grant (2010) sublinha essa colocação de Rogers lembrando que, enquanto condição facilitadora, ela é parte essencial do trabalho dos terapeutas. Deste modo, a compreensão empática é tida como um fator primordial na promoção de mudanças e de aprendizagem (Rogers, 1965/1977a).
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Instrumento para facilitar a relação cliente-terapeuta
Acho que eu tenho sempre usado a empatia como um instrumento, como instrumento que facilite dentro dos processos, até porque tem clientes que não são tão fáceis de construir essa relação empática (Paulo).
Conforme o entrevistado, a empatia é entendida como um instrumento facilitador da construção da relação cliente-terapeuta, principalmente em relação aos clientes com os quais há uma certa dificuldade de exercer a função empática. Equivocadamente ele se refere à empatia como uma espécie de "fórmula" que facilita a construção da relação; enquanto que, para Rogers, a empatia seria buscar experienciar os sentimentos do outro como se fosse esse outro sem esquecer que isto nunca será possível, e não uma fórmula de construção de relação. A empatia, por mais que seja uma maneira de ser complexa, exigente e intensa, é sutil e suave. É algo que o terapeuta oferece e não alguma coisa apenas eliciada por um tipo particular de cliente (Rogers, 1965/1977a). A utilização da empatia como instrumento tem que ser vivida e não pode ser confundida com uma técnica. Por isso, Grant (2010) reforça essa preocupação ao ensinar o que é empatia sem correr o risco de ser entendida como uma mera técnica.
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Ver e ouvir verdadeiramente
Eu acho que quando o cliente, ele traz [sic] as questões dele, de certa forma se você está com uma escuta atenta, você entra no mundo do cliente e você imagina que você está junto com ele lá… e mais, com cuidado para saber como sair, em que momento sair, então é mais ou menos isso (Roberta).
É justamente esse olhar que você tem diante da situação do cliente, diante do que ele está vivendo, diante do que ele está experimentando, tentar compreender aquilo como se você fosse ele, tentar é… enxergar aquela situação usando os olhos dele, digamos assim, através de uma lente comum (Diana).
Tal como Rogers (1975/1977b; 1980/2007) já colocava a importância de um ouvir atento e verdadeiro, os participantes apontaram que é fundamental ouvir atentamente o que o cliente está trazendo sem criticá-lo, e olhá-lo com atenção, enxergando o não visto e também olhando a situação pelos olhos do cliente, experimentando seu mundo. Deste modo, ver e ouvir precisam ser estabelecidos de tal forma que proporcione o encontro entre terapeuta e cliente.
Esse ver e ouvir estão para além do aparente, atravessam o que o outro diz ou expressa não verbalmente (por meio do olhar, da postura, dos movimentos, gestos), tornando possível que juntos, psicoterapeuta e cliente, percebam o invisível que faz parte do visível (Moreira, 2011). Isso possibilita que o cliente possa ouvir melhor o fluxo de suas experiências. "Para o terapeuta ver o paciente é, simultaneamente, sair de si mesmo e trazê-lo ao mundo dentro de si. A partir disso, ser-lhe-á possível falar autenticamente" (Moreira, 2009, p. 69).
Por isso, esses contatos verbais e não verbais apresentam-se como fundamentais para que o processo se desenvolva em direção ao crescimento do cliente, e isso está claro para os entrevistados, na medida em que ouvem e veem, para além do que está aparente, nas entrelinhas, a situação do cliente. Segundo Amatuzzi (1990), o ouvir o que está por trás da mensagem é para Rogers o ouvir mesmo, e não o deduzir o que o cliente diz.
Para Merleau-Ponty (1945/1994, p. 262) "o sentido do gesto não está contido no gesto enquanto fenômeno físico ou fisiológico. O sentido da palavra não está contido na palavra enquanto som". "O sentido está enraizado na fala, e a fala é a existência exterior do sentido" (Merleau-Ponty, 1945/1994, p. 247). Nessa perspectiva, os relatos de Roberta e Diana ilustram a experiência de ver e ouvir como produtoras de sentido na relação entre cliente e psicoterapeuta, sentido facilitado pela compreensão empática na situação clínica.
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Ambiente propício e acolhimento
Então, acredito que empatia é isso. É dar esse ambiente para o seu cliente, esse ambiente propício para que ele possa se colocar, e você também, respeitando os limites dele. Acho que é mais ou menos isso (Roberta).
Eu acho que ser empático é tentar me aproximar o máximo do que eu puder do que eles estão me trazendo como questão naquela sessão…, porque não dá para me colocar exatamente na posição que eles estão, mas é tentar acolher da melhor forma possível, que eles sintam que aquilo que eles estão dizendo, está sendo validado, está sendo levado em consideração (Patrícia).
Para Roberta e Patrícia, um ambiente propício e não ameaçador configura-se como sendo primordial para que o cliente se sinta à vontade para expressar seus sentimentos e suas dificuldades, permitindo que o fluxo de suas experiências internas seja reestruturado de acordo com o tempo de seu cliente. Esse ambiente facilitador é fundamental para que o processo se desenvolva, de forma que o cliente perceba esse acolhimento e se sinta seguro para trabalhar suas questões. O acolhimento apresenta-se como forma de validar o que o cliente está trazendo, mostrando que ele está sendo levado em consideração. É se aproximar dele, acolher seu sofrimento e prestar atenção no que está trazendo, tornando-o parte do processo (Melo, Lima, & Moreira, 2015).
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Sintonia e reciprocidade
Eu entendo por compreensão empática quando é… como se tivesse uma sintonia. É uma sintonia mútua, digamos assim, não sei se posso chamar de mútua, mas como se estivesse numa compreensão, como se as duas pessoas no mesmo ritmo juntas [sic] [...] Eu entendo assim (Bruna).
Ser empático, para Bruna, consiste em estar em sintonia com seus clientes, permitindo uma compreensão do mundo vivido deles. Nesse momento deve ocorrer uma profunda compreensão, onde tanto o terapeuta compreende o cliente, como o cliente se sente compreendido. Parece que, ao estar em uníssono com o cliente, Bruna está captando "os significados da experiência vivida em sua totalidade, que não é puramente objetiva ou subjetiva" (Moreira, 2009, p. 51). Ela é, simplesmente, experiência.
É por meio da empatia que o terapeuta se aproxima da experiência de seu cliente. É desse veículo de partida, que o terapeuta "realiza as travessias experienciais com o cliente". Sem ela, o trabalho do terapeuta direciona-se "para outros resultados que não o funcionamento pleno do organismo" (Sousa, 2008, p. 116).
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Condições facilitadoras interligadas
As atitudes facilitadoras do Rogers... Eu não consigo, assim, pensar uma delas, sem pensar nas outras duas. No caso, não consigo pensar empatia sem pensar um pouco em autenticidade e na aceitação positiva incondicional, que para mim são atitudes que estão sempre andando de mãos dadas, digamos assim, mas ser empático para mim é uma das atitudes mais importantes, sim (Diana).
Para Diana, as atitudes facilitadoras são fundamentais. São inegáveis a ligação e a contribuição que cada atitude tem de facilitar o crescimento do cliente e, nesse sentido, a experiência de ser empático envolve, necessariamente, as outras atitudes facilitadoras postuladas por Rogers. De acordo com Bozarth (2001), todas estas atitudes estão integralmente relacionadas, pois a compreensão empática é a aceitação incondicional do quadro de referências do indivíduo. E para compreender empaticamente e aceitar o cliente, o terapeuta tem que estar congruente consigo mesmo.
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Identificação e necessidade de trabalhar problemas pessoais pelo psicoterapeuta em psicoterapia
Por mais que a gente não queira sentir aquilo na gente, parece que é… A gente se sente naquela situação, ou seja, quando ela traz uma questão que é dela, tem momentos que eu vejo aquela questão como sendo minha… É muito difícil porque a gente quer colocar… quer trazer à tona como se a gente estivesse vivendo aquilo na situação real da gente. Isso é uma coisa que eu ainda preciso aprender a separar. A gente se identifica um pouco com isso, e às vezes é complicado a gente ver a situação dela, a gente fica naquela situação querendo resolver a dela e a da gente também (Carla).
Eu tenho minhas experiências, vou ouvir experiências, aquelas experiências vão de alguma forma em algum momento tocar as minhas experiências, e se minhas experiências estiverem sido… mesmo que bem resolvidas, mesmo que bem estabilizadas, mas elas estão paradas, mas elas vão ser tocadas novamente… Elas podem entrar em ação e se eu não estiver com elas bem resolvidas ou se elas entrarem em ação e eu não conseguir resolvê-las bem. Eu jamais vou conseguir ser neutro, jamais vou conseguir, até mesmo a questão da empatia (Pedro).
Percebe-se claramente o entendimento que os entrevistados possuem acerca da não identificação emocional com os clientes, trazendo à tona que existe uma necessidade de cuidado com este processo. Os psicoterapeutas iniciantes mostram que há o cuidado em não misturar os seus sentimentos e emoções com as do cliente, embora reconheçam que essa é uma tarefa difícil e que nunca conseguem ser completamente neutro às situações apresentadas em terapia.
Para Bozarth (2001, p. 87), "Rogers parecia especialmente preocupado com o fato de o terapeuta não se dever identificar com o cliente, mas sim manter a dimensão de 'como se'". Rogers (1951/1992), ao falar em identificação, refere-se a uma identificação empática que é diferente de uma identificação emocional. Na identificação empática o terapeuta "percebe os ódios, as esperanças e os medos do cliente através da imersão num processo empático, sem, contudo, experimentar ele próprio esses ódios, esperanças e medos" (Rogers, 1951/1992, p. 39).
Mas, às vezes, a demanda do cliente reflete diretamente questões pessoais do psicoterapeuta. Como Pedro relata, existe a necessidade de trabalhar questões que surgem ao se deparar com o problema do outro. Tal necessidade manifesta-se para que seus problemas e suas identificações emocionais não interfiram nos atendimentos ao cliente ou afetem, de alguma forma, o seu processo de crescimento. Ou seja, esses entrevistados lembram a necessidade de o próprio psicoterapeuta fazer psicoterapia visando o seu autoconhecimento, o que evitaria a confusão entre ser empático e se identificar. Cuidado que para um terapeuta iniciante talvez seja mais difícil, uma vez que ele, geralmente, ainda está iniciando esse processo de autoconhecimento.
Sobre isso, Rogers (1965/1977a, pp. 77-78) reforça que "quanto mais equilibrado internamente seja o terapeuta, maior o grau de empatia que ele demonstra [...] quanto mais psicologicamente maduro e integrado seja o terapeuta como pessoa, mais proveitosa a relação que ele proporciona".
O ser empático
Eu me sinto muito bem quando eu estou conseguindo fazer, é… quando eu estou conseguindo participar do problema... Então, eu me sinto bem, eu gosto, e quando eu percebo, às vezes a gente não percebe que está acontecendo, mas às vezes a gente "olha, está acontecendo", e… É uma coisa que é fundamental acontecer para que o processo terapêutico se desenrole, mas às vezes isso está acontecendo de uma forma tão legal, tão natural, tão prática, que a gente mesmo não percebe. É uma coisa que flui (Pedro).
O ser empático se apresenta como sendo algo bastante satisfatório para Pedro, pois, nesse momento, ele sente que isso possibilita que a relação terapêutica flua. É um momento de entrar de fato na relação, validando o papel do psicoterapeuta, sentindo-se mais seguro neste papel. Neste contexto, a empatia pode ser entendida como uma relação entre terapeuta e cliente, conforme Rogers a entendia, num processo que acontece entre ambos (Moreira, & Torres, 2013).
O ser empático parece, para o entrevistado, emergir naturalmente, tanto que, como relata, por vezes, nem se percebe no mundo do cliente. Tal conquista contribui para uma relação fluida, causando um sentimento de felicidade, um sentimento de satisfação pessoal para o terapeuta.
Construindo uma atitude empática na relação terapêutica
Essa empatia ela nasce quando eu paro de julgar, se eu não faço nenhum juízo então eu permito que essa empatia se instale (Natália).
Natália afirma que a empatia, dentro de uma relação terapêutica, nasce quando não há julgamentos da parte dela em direção ao cliente. Para Rogers (1965/1977a), ser empático não equivale a atribuir características avaliativas e diagnósticas a respeito do cliente. Essa atitude de não julgamento na relação, que permite uma construção da compreensão empática por parte do terapeuta, parte da concepção de que o terapeuta é uma parte importante na relação, fazendo com que sua atitude desempenhe um papel fundamental dentro da terapia.
Reconhece-se, todavia, que a construção de uma atitude empática, independentemente de ser um terapeuta experiente ou iniciante, nem sempre é fácil. A exemplo, Sandy reconhece que essa construção para ela é bem mais difícil:
Você tenta se aproximar cada vez mais de uma compreensão empática, de uma posição mais empática, que assim a princípio para mim isso não é algo tão simples assim, não é uma coisa que eu chegue e já consiga de cara estar numa posição, postura completamente empática isso e aquilo. Eu acho que é um exercício (Sandy).
Para Sandy, a compreensão empática ainda era algo que vinha sendo desenvolvido nela mesma, enquanto atitude. Um processo que é construído aos poucos, por meio de um exercício contínuo no decorrer das sessões. O envolvimento na relação diz respeito à construção da relação empática, permitindo-se conhecer o outro diferente dele, permitindo-se entrar na história de vida dos clientes. Para que a empatia aconteça é necessário que o psicoterapeuta, seja ele iniciante ou experiente, esteja atento aos sentimentos do cliente (Moreira, & Torres, 2013). Essa construção de uma atitude empática é facilitada pela tentativa do exercício da redução fenomenológica, que consistiu em um dos pontos fundamentais de compreensão empática por parte dos psicoterapeutas iniciantes, como veremos no tópico posterior.
Suspensão dos a priori
Um dos pontos principais para você ser empático com seu paciente, para você ter essa compreensão, é você não olhar para o seu paciente já com alguma coisa pré-estabelecida, com algum julgamento, você olha para o paciente e diz "ah, não gostei dele, porque ele é assim, assim". Então, eu acho… quando você suspende tudo isso, a relação acontece de fato e é tudo mais rico (Cláudia).
Segundo Cláudia, "a suspensão" dos preconceitos é fundamental para que a relação entre terapeuta e cliente aconteça de fato. Ela se refere a uma ferramenta muito útil ao psicoterapeuta humanista-fenomenológico, que é a redução fenomenológica. Esta permite que o psicoterapeuta ponha "entre parênteses" seus a priori, seus valores, pensamentos e teorias, com a finalidade de apreender a realidade existencial de seu cliente. Isso não significa, porém, que o psicoterapeuta tenha que se posicionar de forma neutra na relação, uma vez que para praticar a redução é necessário ter o que pôr entre parênteses (Moreira, 2009; Moreira, & Torres, 2013), ou seja, não se trata de negar conhecimentos e conteúdos pessoais, mas de buscar colocá-los como plano de fundo, tendo como figura os conteúdos do Lebenswelt do cliente.
Nesta pesquisa, as falas dos psicoterapeutas iniciantes entrevistados mostram o quanto a redução é importante para o desenvolvimento do processo psicoterapêutico, facilitando a compreensão do mundo vivido do cliente, por meio da compreensão empática. "É por isso que voltar à pessoa do paciente e não a uma teorização ou reflexão sobre ele será fundamental para o desenvolvimento do processo psicoterapêutico" (Moreira, 2009, p. 65).
A suspensão dos a priori, no momento do processo psicoterápico, é algo que, aos psicoterapeutas iniciantes colaboradores nessa pesquisa, deve acontecer primordialmente, por mais que saibam que essa suspensão não se dê completamente, como enfatizam Merleau-Ponty (1945/1994), Moreira (2009) e Moreira e Torres (2013). Há o entendimento, por parte dos participantes da pesquisa, de que a suspensão dos a priori, através da redução fenomenológica, é um dos pontos principais para ser empático, pois ao suspendê-los a relação acontece de fato. É interessante observar que para alguns dos entrevistados esse processo de suspensão dos a priori parece ser uma coisa mais fácil de ser atingida, enquanto para outros psicoterapeutas iniciantes é mais complicado, como podemos verificar no relato a seguir:
A gente não tem noção do quanto é difícil, a gente fazer essa suspensão, eu particularmente achei muito complicado fazer essa suspensão total assim, no sentido de estar ali na relação (Luana).
Limites de ser empático: o "como se" e o "voltar para si"
Compreensão empática você não pode perder a condição de como se, o que Rogers bate muito (Fernando).
Um dos limites importantes de ser empático durante o processo é não se perder dentro dessa condição, dentro dessa forma de compreensão (Diana).
Você também tem que ter cuidado com esse limite para você não se perder dentro desse mundo da outra pessoa, porque senão fica os dois meio [sic] que perdidos, você não vai… Você sabe o seu papel de terapeuta. Então assim, por mais que a empatia seja importante, é importante também saber esse limite, e é um limite que nem sempre às vezes você consegue ter tão claramente na clínica (Diana).
Rogers (1961/1987) estabeleceu que dentro do processo psicoterapêutico as atitudes facilitadoras seriam fundamentais para o crescimento da personalidade do cliente. A empatia, como uma atitude facilitadora, encontra seu limite quando o terapeuta ao adentrar no mundo do cliente o faz numa condição de "como se", não podendo identificar-se emocionalmente com o que o cliente está trazendo. Além do que, quando o psicoterapeuta está no mundo vivido do cliente, ele em alguns momentos retorna ao seu, do qual ele nunca consegue se separar totalmente. Então, adentrar no mundo do cliente numa condição de "como se" e retornar desse mundo, voltando ao próprio mundo, consiste em um movimento que o psicoterapeuta necessariamente tem no processo de compreender empaticamente seus clientes. Seja para não se identificar, por isso a condição de "como se", seja para não se perder no mundo do cliente, voltando para si (Fontgalland, & Moreira, 2012; Moreira, 2009; Moreira, & Torres, 2013).
Feedback do cliente
Eu acho que para mim é muito natural, coisa natural ser empática, é não sei te explicar, é muito bom saber que está acolhendo bem seu cliente, me faz bem saber que ele está se sentindo bem também comigo ali. E… e… ele me retorna, já algumas vezes ele me retornou isso, então foi muito gostoso ouvir da parte dele, de que questões que ele nunca levou nem para conversar com a mãe dele ou com amigos, ele hoje tem essa liberdade para estar trazendo para conversar comigo, para estar colocando e para a gente estar trabalhando junto (Roberta).
Pontos cruciais que surgiram nas entrevistas dizem respeito ao feedback dos clientes e a como o psicoterapeuta compreende a situação atual deles. Os entrevistados relataram a importância que atribuem a esse retorno que os clientes dão acerca de suas atitudes enquanto terapeutas. Nesses feedbacks os clientes demonstram a sensação de confiança que têm em relação ao psicoterapeuta, com os quais podem falar coisas que fora dali não poderiam, senão seriam julgados.
Rogers (1975/1977b) já apontava a capacidade de o cliente perceber essas atitudes no psicoterapeuta, para ele "os clientes são os melhores juízes do grau de empatia do que os terapeutas" (p. 78). Essa confiança no psicoterapeuta fornece ao cliente a possibilidade de expressar sua condição naquele momento.
Conclusão
A compreensão empática é compreendida por psicoterapeutas iniciantes como uma atitude que vai além da simples compreensão do senso comum; é algo mais acurado, mais profundo, uma escuta verdadeira e que pode ser aprendida a partir do treino e da experiência. Ser empático não é apenas chegar à sessão e dizer que entende o cliente, sem sequer ter se entregado de fato àquela relação. Entregar-se quer dizer estar genuinamente na relação, estar congruente consigo mesmo e aceitar o cliente e seus problemas tais como eles se apresentam, compreendendo verdadeiramente sua experiência vivida.
Por ser um dos pilares fundamentais das psicoterapias de base humanista, a experiência de ser empático é algo extremamente importante, pois permite ao psicoterapeuta uma maior compreensão dos sentimentos do cliente que emergem no momento dos atendimentos. Para tanto, o estabelecimento de uma profunda confiança contribui para que o cliente, ao percebê-la, se aprofunde em seu mundo vivido, seu Lebenswelt, permita que o psicoterapeuta passeie com ele no seu Lebenswelt, e ambos busquem juntos aprender sobre os diferentes e ambíguos significados dessa experiência do cliente. Essa apreensão se dá a partir da compreensão do que está sendo dito e vivido pelo cliente, não pela suposição do psicoterapeuta.
A importância das condições facilitadoras, propostas por Rogers, e, entre elas, a compreensão empática, se mantém na prática clínica de psicoterapeutas humanista-fenomenológicos iniciantes. Mas aqui elas estão acrescidas, ou densificadas, pelas técnicas fenomenológicas de intervenção (a intuição eidética, a redução fenomenológica, a descrição, a fala autêntica e ver e ouvir fenomenologicamente), tais como propostas por Moreira (2009; 2012), inspiradas na fenomenologia filosófica de Merleau-Ponty, propiciando a tentativa de acesso ao mundo vivido do outro. Dentre estas, os resultados desta pesquisa mostram que a redução fenomenológica é um elemento presente na prática clínica dos psicoterapeutas iniciantes participantes deste estudo.
Rogers não falava de redução fenomenológica ao propor seu conceito de compreensão empática. Mas, na medida em que os entrevistados foram formados em uma vertente humanista-fenomenológica que se propõe a desenvolver o pensamento rogeriano numa direção fenomenológica, a empatia aparece em suas experiências associada à redução fenomenológica. Mais ainda, essa associação surgiu nas entrevistas como sendo um dos pontos principais para que a compreensão empática acontecesse na relação cliente-terapeuta e fluísse verdadeiramente, embora os entrevistados tenham bastante claro que essa redução nunca pode ser completa, tal como lembra Merleau-Ponty (1945/1994).
A partir dos resultados da presente pesquisa, pode-se concluir que a experiência de ser empático para os psicoterapeutas iniciantes é algo que vai se construindo paulatinamente, pois, embora alguns tenham mais facilidade, outros ainda estão em processo de construção dessa atitude empática. Reforça-se ainda que a utilização da proposta de redução fenomenológica se constitui como sendo uma importante contribuição metodológica para a experiência de ser empático na prática clínica da psicoterapia, facilitando a experiência do psicoterapeuta iniciante (e não apenas do iniciante, é possível pensar), de compreender empaticamente.
Reconhece-se a relevância da presente pesquisa ao compreender como a atitude empática é entendida e vivenciada por psicoterapeutas iniciantes, trazendo para a literatura as barreiras e limitações desse grupo sobre aspectos fundamentais da psicoterapia humanista-fenomenológica, que não podem resignar-se apenas a aspectos teóricos da clínica. Como feedback aos supervisores de estágio, sugere-se a necessidade de oferecer maior base teórica aos estagiários e maior contato com a prática, para que, por meio da teoria, treino e experiência, eles possam aprimorar sua atitude empática.
Como limitação da presente pesquisa reconhece-se ainda a restrição dos participantes, todos alunos concluintes de graduação de uma mesma universidade, abordados de forma transversal. Por esse motivo, para maior profundidade sobre o tema, sugere-se pesquisas com recém-graduados, de outras regiões do país, abordados por meio de outros métodos de pesquisa, inclusive em estudo longitudinal. Acredita-se, pois, que assim seja possível conhecer e aprimorar a qualidade da formação de psicólogos que possuam uma prática clínica em sintonia com as diretrizes teóricas da psicoterapia humanista-fenomenológica.
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Endereço para correspondência:
Rebeca Cavalcante Fontgalland
rebecavalcante@gmail.com
Virginia Moreira
virginiamoreira@unifor.br
Cynthia de Freitas Melo
cf.melo@yahoo.com.br
Submetido em: 09/10/2014
Revisto em: 13/02/2018
Aceito em: 03/03/2018