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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.74  Rio de Janeiro  2022  Epub 09-Set-2024

https://doi.org/10.36482/1809-5267.arbp-2022v74.20244 

Artigo original

PRAZER COM O SOFRIMENTO ALHEIO: ADAPTAÇÃO DA ESCALA REDUZIDA DE IMPULSO SÁDICO (ERIS)

PLEASURE WITH OTHERS’ SUFFERING: ADAPTATION OF THE SHORT SADISTIC IMPULSE SCALE (SSIS)

PLACER CON EL SUFRIMIENTO AJENO: ADAPTACIÓN DE LA ESCALA DE IMPULSO SÁDICO REDUCIDO (ERIS)

IUniversidade de Brasília, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Brasília, DF, Brasil.

II Universidade São Francisco, Faculdade de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia (ênfase em Avaliação Psicológica). Campinas, SP, Brasil.


RESUMO

O sadismo retrata comportamentos de agressão, indiferença e prazer ao causar sofrimento em outros indivíduos. Ainda não existe consenso na literatura psiquiátrica sobre se deve ser considerado um transtorno ou apenas um aspecto subclínico. O objetivo deste estudo foi adaptar para o português brasileiro a Short Sadistic Impulse Scale (SSIS), bem como buscar evidências de validade baseadas na estrutura interna. Compuseram a amostra 478 participantes, de 18 a 63 anos (M = 23,05; DP = 6,22), que responderam a um questionário demográfico e à escala traduzida. Na primeira etapa, realizou-se o processo de adaptação cultural e, na segunda, buscou-se evidências de validade. Modelagens por equações estruturais exploratórias indicaram que a Escala Reduzida de Impulso Sádico (ERIS) manteve a unidimensionalidade original. Mulheres apresentaram maior sadismo. A ERIS se mostra adequada para aplicações na população geral e capaz de captar as especificidades do sadismo.

Palavras-Chave: Sadismo; Testes psicológicos; Lado sombrio da personalidade; Adaptação transcultural

ABSTRACT

Sadism portrays behaviors of aggression, indifference, and pleasure in causing suffering to others. There is still no consensus in the psychiatric literature as to whether it should be considered a disorder or just as a subclinical aspect. The aim of this study was to adapt the Short Sadistic Impulse Scale (SSIS) to Brazilian Portuguese, as well as to look for validity evidence based on the internal structure. The sample consisted of 478 participants, aged 18 to 63 years (M = 23.05; SD = 6.22), who answered a demographic questionnaire and the translated scale. The first stage aimed to perform the cultural adaptation process and the second to sought evidence for validity. Exploratory structural equation modeling indicated that the Escala Reduzida de Impulso Sádico (ERIS) kept the original, one-dimensional structure. Women showed higher scores of sadism. ERIS is suitable for applications in the general population, as well as able to capture the specifics of sadism.

Key words: Sadism; Psychological tests; Dark side of personality; Cross-cultural adaptation

RESUMEN

El sadismo retrata comportamientos de agresión, indiferencia y placer en causar sufrimiento a otros individuos. Todavía no hay consenso en la literatura psiquiátrica sobre si debe considerarse un trastorno o solo un aspecto subclínico. El objetivo de este estudio fue adaptar la Short Sadistic Impulse Scale (SSIS) al portugués brasileño, así como buscar evidencias de validez a partir de la estructura interna. La muestra estuvo compuesta por 478 participantes, con edades entre 18 y 63 años (M = 23,05; SD = 6,22), que respondieron un cuestionario demográfico y una escala traducida. En la primera etapa se realizó el proceso de adaptación cultural y en la segunda etapa se buscaron evidencias de validez. El modelo de ecuaciones estructurales exploratorias indicó que la Escala Reducida de Impulso Sádico (ERIS) mantuvo la unidimensionalidad original. Las mujeres mostraron mayor sadismo. ERIS demuestra ser adecuado para aplicaciones en la población general y capaz de capturar las especificidades del sadismo.

Palabras-clave: Sadismo; Pruebas psicológicas; Lado oscuro de la personalidad; Adaptación transcultural

INTRODUÇÃO

As perspectivas contemporâneas sobre personalidade revelam que ela não é fixa ou imutável, podendo ser adaptável e influenciada por contextos culturais e experiências individuais (Piekkola, 2011). Assim, conceitos fundamentais sobre personalidade e psicologia social interagem de diversas maneiras. Estudar e avaliar a personalidade demanda modelos multivariados, sustentados em conceitos teóricos consistentes que contemplem as variáveis envolvidas, além de evidências empíricas que possibilitem, em última instância, intervenções e prevenção de comportamentos violentos e cruéis. Muitas das causas, influências e efeitos dos fenômenos observáveis ou não no campo de conhecimento da psicologia podem ser, grande parte das vezes, verificados por meio de técnicas estatísticas, cuja busca de evidências de validade é um esforço contínuo (Boyle, Saklofske & Matthews, 2015).

A violência e a crueldade são manifestações comportamentais que despertam o interesse da humanidade há séculos e suas causas são diversas (Baumeister & Campbell, 1999). Ao analisar as especificidades do “bem e do mal”, Jonason, Zeigler-Hill e Okan (2017) admitem que o tema gira em torno de questões clássicas a respeito do universo e da natureza humana. As abordagens podem variar desde visões teológicas, que envolvem a moralidade enquanto sinônimo de pecado, até abordagens psicológicas em que os traços de personalidade e as condições socioecológicas, aparentemente, possuem maior poder explicativo.

Toda violência é uma forma de agressão e pode ser identificada por três características: comportamento real observável (não uma mera emoção ou pensamento); intencionalidade (o desejo de agredir outros); e danos à vítima (O’Brien & Bushman, 2012). Algumas pessoas são mais agressivas do que outras e grande parte disso se deve aos traços de personalidade. Um traço de personalidade, segundo Ashton (2013), é uma tendência típica de um indivíduo de se comportar, pensar e sentir, mediante variadas situações e durante algum período razoavelmente longo. Assim, pode-se dizer que a personalidade varia e que é possível observar diferenças ao se comparar uns indivíduos aos outros. Além disso, o quesito tendência se refere à inclinação ou predisposição, em termos de grau, para externalizar comportamentos, pensamentos e sentimentos (Ashton, 2013).

A TRÍADE E A TÉTRADE SOMBRIAS

Evidências apontam que os traços sombrios de personalidade são importantes preditores da violência e se relacionam com diversos comportamentos antissociais (Jakobwitz & Egan, 2006; Jonason & Webster, 2010; Paulhus & Dutton, 2016; Paulhus & Williams, 2002). Em especial, três traços de personalidade têm recebido atenção de pesquisadores, por serem considerados socialmente prejudiciais e por terem sinais de mal adaptação, e são denominados na literatura como tríade sombria (Paulhus & Williams, 2002). A tríade sombria é composta por três características de personalidade: psicopatia (ou seja, insensibilidade, deficiência de afetividade e empatia); narcisismo (ou seja, grandiosidade própria em relação aos outros, visão distorcida de si mesmo; Campbell & Miller, 2011); e maquiavelismo (ou seja, manipulação e estratégias visando a prejudicar terceiros; Paulhus & Williams, 2002).

Estudos vêm demonstrando que a tríade sombria deve compreender, dentre os traços que já a compõem, um quarto, nomeado como sadismo – passando, portanto, a uma tétrade sombria (Buckels, Jones & Paulhus, 2013; Chabrol, Van Leeuwen, Rodgers & Séjourné, 2009; Foulkes, 2019). Indivíduos com traços de personalidade que compõem a tétrade sombria podem se comportar de forma prejudicial e, de acordo com cada característica constante na Tabela 1, são capazes de manifestar agressividade e até violência contra outras pessoas na vida cotidiana (Paulhus, 2014). Como argumentaram Chester, DeWall e Enjaian (2019), ainda não se conhece suficientemente sua relação causal com a agressão em diferentes contextos. Mas a literatura mais recente tem mostrado que o sadismo é também preditor de comportamentos negativos online, como trolling em redes sociais (Sest & March, 2017), comportamento antissocial em aplicativos de paquera (Duncan & March, 2019) e jogos problemáticos (Kircaburun, Jonason & Griffiths, 2018).

Tabela 1 Características-chave da tétrade sombria 

Característica Narcisismo Maquiavelismo Psicopatia Sadismo
Insensibilidade ++ ++ ++ ++
Impulsividade + ++
Manipulação + ++ ++
Criminalidade Apenas ‘colarinho-branco’ ++
Grandiosidade ++ +
Prazer na crueldade ++

Fonte: Adaptada pelos autores com base em Paulhus (2014, p. 422).

Nota. (−) Característica média da população; (+) Níveis ligeiramente elevados da característica (tercil superior) em relação ao nível médio da população; (++) Altos níveis da característica (quintil superior) em relação ao nível médio da população.

No que pese a psicopatia ser o traço de personalidade cujos comportamentos podem ser os mais prejudiciais e violentos dentre os demais. Para Paulhus (2014), existem dificuldades operacionais para refinar e definir a exata fronteira em que se distinguem e em que se sobrepõem. Algumas pesquisas se detiveram, por exemplo, sobre as vantagens relativas de uma tétrade sombria sobre a tríade sombria, conferindo ao sadismo um papel relevante para a identificação de perfis (Dinić, Sadiković & Wertag, 2021). De fato, os traços sombrios compartilham semelhanças conceituais e há indícios de que as medidas se sobrepõem empiricamente (Furnham, Richards & Paulhus, 2013). Como se vê na Tabela 1, pelo menos uma característica é comum aos traços sombrios da personalidade: a insensibilidade (Paulhus, 2014).

Em estudo sobre delinquência entre adolescentes, Chabrol et al. (2009) concluíram que os traços psicopáticos, narcisistas, maquiavélicos e sádicos são moderadamente correlacionados, mas tratando-se de construtos distintos. Na amostra masculina do estudo, os autores reportaram que traços psicopáticos e sádicos são preditores independentes de comportamentos transgressivos e que níveis elevados de impulsividade facilitam a expressão de traços sádicos em comportamentos agressivos. Essas constatações já haviam sido identificadas por Meloy (1997), quando afirmou que grande parte da literatura teórica e clínica da psiquiatria já relacionava os construtos.

Ancorados na noção teórica de que psicopatas tendem a se relacionar com outras pessoas com base na imposição do domínio e poder, Holt, Meloy e Strack (1999) também reportaram relação significativa e positiva entre sadismo e psicopatia. Eles concluíram que traços sádicos e psicopáticos de personalidade se manifestam concomitantemente, evidenciados por comportamentos que podem variar desde palavras grosseiras, até maus-tratos e homicídio. Os autores refutaram, porém, a relação do sadismo na modalidade sexual com a psicopatia, atribuindo tal resultado, em um primeiro momento, à insuficiência de dados. Por outro lado, não houve diferenças nas medidas do sadismo quando os indivíduos eram enquadrados como violentos ou agressores sexuais (Holt et al., 1999).

O TRAÇO SÁDICO DE PERSONALIDADE

A expressão “sadismo” costuma ser usada para se referir a comportamentos sexuais, ignorando-se, muitas vezes, os fatores de personalidade que os originam. Isso possivelmente ocorre porque as pesquisas que se dedicaram ao sadismo tiveram como amostras participantes indivíduos declaradamente praticantes de atividades sexuais sadomasoquistas (Davies & O’Meara, 2007). Na perpetração da crueldade, entretanto, o sadismo é o recurso intrínseco mais gravoso identificável (American Psychiatric Association [APA], 2014). Na busca do próprio prazer, um indivíduo se torna indiferente ao sofrimento que causa a outro e o que interessa são as sensações de euforia e satisfação que sobrepõem o remorso ou arrependimento. Em essência, são comportamentos perturbadores (Baumeister & Campbell, 1999). Indivíduos com personalidade sádica sentem prazer com o sofrimento ou desconforto de outros e tendem a apresentar agressividade recorrente e comportamento cruel (Chabrol et al., 2009). Mas, como mostraram Moshagen, Zettler, Horsten e Hilbig (2020), não se trata apenas de pessoas com baixos escores em agradabilidade no modelo dos cinco grandes fatores, justificando que se desenvolvam medidas específicas sobre o sadismo.

Min, Pavisic, Howald, Highhouse e Zickar (2019) analisaram o sadismo como antecedente de maus-tratos no trabalho. Concluíram que o sadismo, isoladamente, era capaz de prever a tendência de desvios interpessoais, incivilidades e a prática de bullying, mais do que a tríade sombria em conjunto. Segundo os autores, o sadismo foi, consistentemente, o preditor mais importante dos maus-tratos no local de trabalho, em comparação com outros preditores da tríade sombria. Há, no entanto, diferenças entre traços sádicos de personalidade, enquanto objeto de análise, em nível subclínico e o sadismo enquanto transtorno – um desafio para o diagnóstico psicológico e psiquiátrico. O sadismo é uma manifestação complexa, podendo ser compreendido desde sua forma mais extrema, como em contextos criminais e sexuais, até formas menos intensas que se manifestam mais discretamente no cotidiano e que são aceitáveis em algumas culturas (Paulhus & Dutton, 2016). Para alguns autores, o sadismo é uma tendência disposicional, em que os indivíduos se inclinam a comportamentos cruéis, humilhantes ou prejudiciais, em busca de prazer (Plouffe, Saklofske & Smith, 2017). Muito embora psicopatas possam ser instrumentalmente agressivos e hostis ao ponto de cometer um assassinato, somente se poderia dizer que se trata de um comportamento sádico quando há uma relação de prazer. Por outro, apenas quando infringir dor física ou psicológica se torna o princípio norteador da vida de um indivíduo é que se pode dizê-lo com personalidade sádica (Millon, Grossman, Millon, Meagher & Ramnath, 2004).

Em 1987, a American Psychiatric Association fez constar no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders III – DSM-III-R (APA, 1987) o transtorno da personalidade sádica. Tratava-se, à época, da previsão provisória de um distúrbio de personalidade que requeria mais estudos, visto que era descrito muito genericamente com um padrão recorrente de comportamentos cruéis, humilhantes e agressivos, geralmente visto em contextos forenses e distinto de outros transtornos de personalidade (Fiester & Gay, 1991), particularmente o antissocial. Já o DSM-III-R (APA, 1987) não diferenciava os fenômenos patológicos e dos não patológicos, o que levava à compreensão de que a personalidade sádica e o sadismo sexual eram parte de um mesmo continuum. Na forma extrema, o transtorno da personalidade sádica era caracterizado por um padrão de crueldade gratuita, de agressividade e comportamentos degradantes com profundo desprezo por outras pessoas, uma falta total de empatia. Devido à escassez de pesquisas nessa área até então, não se podia, segundo Reich (1993), ter conclusões claras sobre a validade ou mesmo sobre a utilidade da personalidade sádica como característica ou desordem.

De fato, tratava-se de objeto de pesquisa impreciso, cujas características se fundiam com as de outros transtornos. Alguns pesquisadores afirmavam que as 18 dimensões associadas aos transtornos de personalidade (ansiedade, insensibilidade, distorção cognitiva, compulsividade, problemas de identidade, oposição, rejeição, expressão restrita, evitação social, busca por estímulos e desconfiança) eram facetas comuns de um ou mais transtornos (Livesley, Jang, Jackson & Vernon, 1993). Assim, o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders IV – DSM-IV (APA, 1994), ao definir os transtornos antissociais, não mais mencionava o sadismo, apenas o sadismo sexual era descrito como um tipo de parafilia. No entanto, permaneceram críticas como as de Primi (2010), apontando que no DSM-IV indivíduos com transtornos antissociais eram apenas, genericamente, descritos como hostis, abrasivos, cruéis, dogmáticos e suscetíveis a explosões de raiva. O Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - V (DSM-V), por sua vez, trouxe um modelo híbrido em que tanto uma abordagem diagnóstica (ou categórica) quanto dimensional foram contempladas (Oliveira, 2019). O traço sádico, entretanto, permaneceu ausente.

O sadismo envolve sentir prazer com o sofrimento alheio. Na busca de sensações de autoagrado, a ausência de culpa é uma característica moderadora marcante do transtorno da personalidade sádica. Os sádicos podem desprender significativos esforços para obtenção do prazer próprio: imposição de medo, mentira e intimidação fazem parte do seu repertório (Baumeister & Campbell, 1999). O sadismo varia de atitudes sádicas brandas a manifestações comportamentais severas (O’Meara, Davies & Hammond, 2011). Já uma outra concepção mais branda do sadismo foi defendida por Fromm (1973), que o caracteriza como um aspecto natural e próprio da natureza humana. Baseando-se em evidências da história militar e da psicologia evolutiva, psicometristas como Paulhus e Dutton (2016) também encaram o sadismo como manifestação inerente à condição humana que se manifesta sob formas não sexuais e bastante sutis como predileção por entretenimentos violentos, esportes de contato, jogos violentos de videogame, práticas de bulliyng, entre outras.

Pinker (2013) também examinou a psicologia do sadismo, tratando-o como prazer em causar danos a outro. A humanidade sempre refletiu um tipo de prazer coletivo quanto à imposição pública de punições violentas, assim como uma admiração macabra por eventos que envolvem dor, morte e sofrimento. Segundo Pinker (2013), o sadismo envolve a sensação de prazer ante o sofrimento alheio com a ausência de inibidores mentais, uma espécie de anomalia na capacidade de sentir empatia ou dificuldade de se colocar no lugar de outra pessoa e de sentir seu sofrimento. Indiferença e ausência de culpa são as principais características do traço de personalidade sádica (Pinker, 2013). Portanto, o traço sádico de personalidade descreve indivíduos que possuem um padrão continuado de comportamento cruel ou degradante para os outros. Envolve infligir intencionalmente dores ou sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos não consensuais para afirmar o domínio, assim como sentir algum tipo de prazer com isso (O’Meara, Davies & Barnes-Holmes, 2004).

Como visto, a literatura é inconsistente em sua definição de sadismo e não transmite uma compreensão clara e universalmente aceita. Os oito critérios que descreviam a primeira aparição do sadismo na DSM-III (APA, 1987) levavam a problemas de diagnóstico. Eles também não diferenciavam claramente entre o que era ou não uma manifestação patológica, acrescido da não distinção entre o que era um transtorno de personalidade sádica e o sadismo sexual (O’Meara & Hammond, 2016). É fato que o sadismo pode ser entendido como uma característica que se manifesta não apenas por comportamentos extremos, como estilo interpessoal excessivamente dominante, agressão física, psicológica ou abuso sexual. Ele também se manifesta cognitivamente, a personalidade sádica não implica, necessariamente, no comportamento de causar dor ou sofrimento físico, psicológico ou emocional alheio. Com frequência, obtém-se tão somente a sensação de prazer pela apreciação desses eventos, como expectador passivo.

A SHORT SADISTIC IMPULSE SCALE – SSIS

A Short Sadistic Impulse Scale (SSIS), desenvolvida por O’Meara et al. (2011), é uma variante reduzida da Sadistic Attitudes and Behaviors Scale (SABS) proposta por Davies e Hand (2003). Ambas foram adequadas para a mensuração de traços de personalidade sádica, sendo promissoras adaptações e aplicações em amostras brasileiras. De acordo com seus autores, os itens das escalas foram gerados por meio de técnica padrão, ancorada na literatura disponível, com base ainda em consultores psicólogos que trabalhavam com infratores cujo traço sádico havia sido identificado. Esses consultores foram demandados a apontar indicadores que julgavam serem característicos de infratores sádicos. A SABS tem a desvantagem de apresentar muitos itens homogêneos, com alto grau de consistência interna que ignoram as estruturas subjacentes e, também, de focar nos critérios do DSM-III, com as controvérsias e inconsistências já mencionadas (O’Meara et al., 2011).

Movidos por aquelas lacunas, O’Meara et al. (2011) submeteram os 49 itens da SABS a uma análise fatorial exploratória (AFE) e usaram a análise de componentes principais (ACP) para verificar a estrutura subjacente. Constataram que um componente explicava 17,69% da variância, enquanto os demais alcançaram apenas 5% de explicação. Usando uma análise da matriz de componentes, concluiu-se que o fator de maior explicação se referia a “causar dor”. Por outro lado, os demais itens se referiam, de alguma forma, a comportamentos prejudiciais, mas com foco na causação de dor. Os autores apresentaram um dispositivo de triagem simples para explorar a orientação sádica, que sustentava a manifestação do sadismo em uma variedade de modalidades, mantendo o fator principal medido pela SABS.

O resultado preliminar dessas análises psicométricas foi a elaboração da SSIS ou Escala Reduzida de Impulso Sádico (ERIS), com consistência interna estimada de 0,86. A SSIS foi aplicada a 564 participantes, compostos por estudantes universitários (87%) e por pessoas da população em geral (13%). A estatística descritiva usada na aplicação da SSIS foi a mesma do SABS. O escore médio foi 1,0, com desvio-padrão (DP) de 1,48; a faixa de pontuação foi 0-9, com 95,7% dos participantes marcando quatro ou menos; não houve diferenças de gênero ou idade, entre homens e mulheres mantendo-se médias similares e não significativas em todas as faixas etárias. Verificou-se apenas um fator subjacente, cujo primeiro componente extraiu 45,86% da variância, enquanto o segundo apresentou um autovalor de 0,98 (este último sem significância psicológica).

Na SSIS os autores verificaram que muitos itens do SABS eram redundantes e que mesmo após a eliminação de muitos dos seus itens, o agora SSIS era capaz de apresentar correlações relacionadas à empatia, relação interpessoal e vínculo parental. Mostrou-se, por exemplo, uma relação negativa clara entre respostas empáticas e sádicas. Além disso, foram encontradas três subescalas com aspectos substancialmente diferentes: emocional, insensibilidade e habilidade social. Como consequência analítica, demonstraram que há relação negativa entre a subescala de insensibilidade e o impulso sádico, além da habilidade social também correlacionada negativamente com a SSIS, embora em menor grau.

A SSIS é um instrumento cujo foco é a mensuração da personalidade sádica em amostras da população geral para medir unidimensionalmente atitudes e comportamentos com inclinação sádica, com estudos de evidências de validade (O’Meara et al., 2011). De acordo com os autores, a escala encara o sadismo como uma variável comum da personalidade, constatação corroborada por Buckels et al. (2013) que, por sua vez, denominaram-na como sadismo cotidiano. Considerando esses elementos e a importância de medir o sadismo como um traço de personalidade, o objetivo desse estudo foi adaptar a SSIS para o idioma português brasileiro, além de analisar evidências de validade para seu uso na psicologia. Após adaptação buscou-se evidências de validade baseadas na estrutura interna por meio da modelagem de equações estruturais exploratória (ESEM).

PROCESSO DE ADAPTAÇÃO: CRITÉRIOS E CUIDADOS

Na adaptação de um instrumento psicológico, a preservação do seu conteúdo é o principal cuidado a ser observado. A mera tradução não assegura a manutenção das características psicométricas, exigindo-se a equivalência semântica dos itens, considerando quesitos culturais e idiomáticos do público-alvo. Portanto, os sete passos propostos por Borsa, Damásio e Bandeira (2012) – e as orientações da International Test Commission (2017) – asseguram procedimentos adequados na adaptação de instrumentos psicológicos: (1) tradução para o idioma-alvo; (2) síntese das versões já traduzidas; (3) avaliação por juízes; (4) avaliação pelo público-alvo; (5) tradução reversa; (6) estudo-piloto; e (7) análises fatoriais. Traduções literais não eliminam vieses linguísticos. Então o percurso sugerido por aqueles autores envolve a comparação entre versões já traduzidas (caso existam), a apreciação de juízes (especialistas em instrumentação psicológica ou no tema), a aplicação em amostras do público-alvo em que se verificam a pertinência, a compreensão e a adequabilidade dos termos; uma retrotradução do instrumento para o idioma original; a aplicação no público-alvo; e, finalmente, a avaliação estatística em busca de evidências de validade do instrumento. De igual forma, Coster e Mancini (2015) estabeleceram cinco passos: obtenção expressa de permissão dos autores do instrumento; tradução; tradução-reversa; desenvolvimento da versão final; e avaliação do instrumento traduzido.

MÉTODO

O estudo foi dividido em duas etapas. Na etapa A, buscou-se adaptar os itens do SISS para o contexto de amostras brasileiras. Na etapa B, após aplicação do instrumento, examinaram-se as evidências de validade.

PARTICIPANTES

No processo de adaptação participaram dez estudantes de mestrado e doutorado na área de psicologia, proficientes no idioma inglês. Responderam ao instrumento 478 participantes, com idades entre 18 e 63 anos (M = 23,05; DP = 6,22), sendo 76,4% do sexo masculino. Destes, 82,2% declararam possuir uma renda mensal entre um e três salários mínimos ao mês, enquanto 69,9% possuíam o ensino superior incompleto ou estavam cursando-o durante a coleta de dados e 93,3% declararam-se solteiros(as).

INSTRUMENTOS

ERIS (O’Meara et al., 2011), instrumento que tem como objetivo mensurar características subclínicas do sadismo e é composto por 10 itens em uma escala dicotômica (1 = Não tem a ver comigo e 2 = Tem a ver comigo). O estudo original indicou uma estrutura unidimensional e alpha de Cronbach de 0,86. Alguns exemplos de itens são “1. Eu sinto prazer em ver pessoas machucadas” e “9. Eu humilhei outros para mantê-los na linha”.

PROCEDIMENTOS

A SSIS foi submetida, em seu idioma original, aos dez estudantes que julgaram, traduziram, retrotraduziram e julgaram as frases do instrumento em inglês e português. Os itens em inglês foram aleatoriamente distribuídos, assim como as traduções e retrotraduções, entre os mesmos estudantes. Foram realizadas comparações entre as frases resultantes e consolidadas numa versão final. O instrumento já em língua portuguesa foi alocado na plataforma Google Forms para coleta online. Os participantes deveriam aceitar as informações contidas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e indicar terem mais de 18 anos de idade. A partir de então eram disponibilizados: um questionário sociodemográfico que visava a caracterização da amostra e por último a ERIS já adaptada para o português brasileiro. A pesquisa foi submetida e aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 03442818.0.0000.5514).

ANÁLISE DE DADOS

Os dados da Etapa B foram inicialmente transferidos para uma planilha específica e examinados de acordo com estatísticas descritivas. Em seguida, utilizou-se a modelagem de ESEM, com o objetivo de identificar a estrutura fatorial do modelo, sendo considerados o qui-quadrado (c2), os índices de ajuste Comparative Fit Index (CFI ≥ 0,90), Tucker-Lewis Index (TLI ≥ 0,90), Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA ≤ 0,08) e os índices de consistência interna alpha de Cronbach e ômega de McDonald. Finalmente, testou-se a diferença de médias para a variável sexo por meio de testes t de Student, fazendo uso do d de Cohen (Cohen, 1988) para cálculo do tamanho do efeito.

RESULTADOS

Após as análises e as traduções dos juízes, verificaram-se as necessidades de implementação descritas na Tabela 2. Uma análise prévia dos itens traduzidos permitiu esperar diferenças de traduções nos itens 1, 2, 3 e 8 na retrotradução do idioma português para o inglês. Na etapa A foi possível verificar que alguns itens apresentavam óbices linguísticos, mas era preciso verificar a manutenção do conteúdo dos itens.

Tabela 2 Tradução dos Itens da SSIS da Língua Inglesa para a Portuguesa 

Itens em língua inglesa Itens em língua portuguesa Retrotradução
1. People would enjoy hurting others if they gave it a go As pessoas gostariam de machucar os outros se eles derem uma chance People can hurt other people if they have a chance
Pessoas se divertiriam machucando outros se tivessem chance People would like to hurt others if they could
1. People would enjoy hurting others if they gave it a go Pessoas podem gostar de ferir os outros se lhe derem oportunidade People would hurt others if they could
Pessoas gostariam de machucar outras se pudessem
Pessoas gostaria de machucar os outros se lhe dessem motivos
Pessoas teriam prazer em ferir os outros se elas experimentassem
2. Hurting people would be exciting Ferir pessoas seria emocionante Hurting people could be exciting
Machucar alguém seria excitante Hurt someone would be exciting
Poderia ser empolgante feriar pessoas
Seria divertido ferir alguém
3. I have hurt people because I could Eu machuquei as pessoas porque eu poderia I have hurting people to my own pleasure
Eu já feri alguém quando tive oportunidade I have hurt other people when I had opportunity
Feri pessoas porque pude
Tenho ferido pessoas porque tive oportunidade
4. I wouldn’t intentionally hurt anyone Eu não feriria intencionalmente ninguém I wouldn’t intentionally hurt anyone
5. I have hurt people for my own enjoyment Eu machuquei as pessoas para minha própria diversão I have hurt people for my own enjoyment
6. I have humiliated others to keep them in line Eu humilhei outros para mantê-los em linha I have humiliated others to keep them in line
7. I would enjoy hurting someone physically, sexually, or emotionally Eu gostaria de machucar alguém fisicamente, sexualmente ou emocionalmente I would enjoy hurting someone physically, sexually, or emotionally
8. I enjoy seeing people hurt Eu gosto de ver pessoas feridas I feel pleasure to see injured people
Eu gosto de ver pessoas sendo machucadas I’m glad to see injured people
Me satisfaz ver pessoas feridas I like to see people get hurt
8. I enjoy seeing people hurt Me divirto vendo pessoas se machucarem I have pleasure seeing people hurt
Sinto prazer vendo pessoas feridas
9. I have fantasies which involve hurting people Tenho fantasias que envolvem ferir as pessoas I have fantasies which involve hurting people
10. Sometimes I get so angry I want to hurt people Às vezes eu fico com tanta raiva que quero ferir as pessoas Sometimes I get so angry I want to hurt people

Nota. Itens em negrito indicam a retrotradução indicada pelo autor Aisling O’Meara como aquela que mantém o conteúdo proposto.

Após consulta, a Aisling O’Meara, um dos autores da escala original, decidiu-se que: o item 1 estava melhor representado pela frase “People would like to hurt others if they could”; o item 2 pela frase “Hurt someone would be exciting”; o item 3 por “I have hurt other people when I had opportunity”; e, finalmente, o item 8 pela frase “I have pleasure seeing people hurt”. Seu relato sobre trabalhos em andamento e ainda não publicados, de adaptação da SSIS para amostras alemãs, sérvias e italianas, também fundamentou essas decisões. Os itens da Etapa A foram explorados fatoralmente, tendo sido realizada uma modelagem de ESEM. O modelo apresentou um ajuste satisfatório, χ2 (35) = 54,428; χ2/gl = 1,55; CFI = 0,98; TLI = 0,97; RMSEA = 0,03 [I.C. 0,01 até 0,05], indicando que a estrutura proposta é reprodutível na realidade brasileira. As cargas fatoriais são indicadas na Tabela 3.

Tabela 3 Modelagem de Equações Estruturais Exploratória dos itens da ERIS 

Item Carga fatorial
1. As pessoas gostariam de machucar outras se pudessem 0,90
2. Poder machucar alguém seria emocionante 0,90
3. Eu já machuquei outras pessoas quando tive oportunidade 0,77
4. Eu não feriria intencionalmente ninguém -0,33
5. Eu já machuquei alguém para minha própria diversão 0,89
6. Eu humilhei outros para mantê-los na linha 0,70
7. Eu gostaria de machucar alguém fisicamente, sexualmente ou emocionalmente 0,90
8. Eu sinto prazer em ver pessoas machucadas 0,90
9. Tenho fantasias que envolvem ferir outras pessoas 0,89
10. Às vezes eu fico com tanta raiva que quero ferir alguém 0,66
Alfa (α) 0,75
Ômega (ω) 0,84

Em seguida, comparou-se a média dos respondentes com base no sexo dos participantes. O teste de comparação de médias indicou que as mulheres (M = 4,91; DP = 1,67) apresentaram uma média maior em sadismo do que homens (M = 4,14; DP = 2,48), t(278,179) = 3,74; p < 0,001; d = 0,36. Esse achado difere daquele encontrado por O’Meara et al. (2011) e, sabendo-se que na literatura mulheres tendem a manifestar aspectos sádicos de uma maneira diferente de homens, investigações mais pormenorizadas podem trazer melhores explicações.

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo realizar a adaptação para o português brasileiro da SSIS. Para tanto, na primeira etapa realizou-se processo de tradução e adaptação dos itens, enquanto na segunda buscaram-se evidências de validade baseadas na estrutura interna. O avanço nos fundamentos psicométricos de construção e avaliação da eficácia de testes psicológicos levaram a uma maior sofisticação dos instrumentos atuais, trazendo consideráveis e importantes mudanças em modelos e métodos de avaliação das evidências de validade. Na busca de evidências de validade, deve ser observado se um teste psicológico realmente mede o que se propôs medir (Pacico & Hutz, 2015), mas o mais importante é que a interpretação dos resultados esteja coerente com as evidências e com as teorias que orientam suas suposições empíricas (American Education Research Association [AERA], 2014). Parte dessa busca consiste em verificar o quão bem o teste mede o que se propôs medir, verificando as inferências resultantes dos seus escores (Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014). Todos esses atributos devem ser encontrados no instrumento adaptado que deve, de maneira inconteste, medir exatamente o mesmo que o seu original (Damásio, 2012).

Cuidados com a equivalência semântica, isto é, a busca do mesmo significado, equivalência idiomática ou replicação de coloquialismo e expressões culturais locais, além da equivalência experiencial e equivalência conceitual, são preocupações indispensáveis em adaptações. Instrumentos traduzidos sem parâmetros adequados, sem normatização e sem verificação das qualidades psicométricas em relação aos originais, constituem apenas pseudoadaptações, pois não se deve assumir que uma versão meramente traduzida possua as mesmas propriedades psicométricas da versão padronizada original. Se a compreensão de um item se torna tarefa mais difícil, isso muda a validade do item, devendo-se verificar se as propriedades se mantêm estáveis, pois as evidências devem corroborar com as interpretações pretendidas pelos escores.

A primeira etapa do estudo se mostrou adequada, tanto para os juízes quanto para o autor do instrumento, considerando que os itens mantiveram o conteúdo proposto por O’Meara et al. (2011). Nesta etapa, deve-se destacar que a consulta direta a um dos autores do instrumento contribuiu sobremaneira para o refinamento e a manutenção do significado dos itens, o que permite melhor comparabilidade com os resultados do instrumento original e com as adaptações para outras culturas. Em seguida, a Etapa B, que visou a buscar evidências de validade baseadas na estrutura interna, indicou um resultado adequado no que tange ao contexto cultural brasileiro, tendo em vista ter sido mantida a característica de unidimensionalidade do instrumento. Os itens apresentaram cargas fatoriais que variaram de 0,66 até 0,90 para itens positivos e −0,33 para o item com conteúdo invertido. Tais características indicam que a proposta realizada por O’Meara et al. (2011) é reprodutível na cultura brasileira, sendo o instrumento capaz de mensurar as especificidades do sadismo. Encontrou-se uma média maior para o grupo feminino, contudo, esse achado ainda não é um consenso na literatura como visto na revisão de Foulkes (2019).

O impulso sádico está associado à relação interpessoal disfuncional e os itens da SSIS representam conteúdos de fantasia e autogratificação. Eles são consistentes com traços de personalidade sádica, em nível subclínico, apesar de os autores afirmarem que podem indicar a existência de uma psicopatologia, até o momento não bem definida em critérios psiquiátricos (O’Meara et al., 2011). Portanto, a ERIS pode ser útil para aplicações forenses, mas isso se estende ainda para diversas áreas da psicologia. Em contextos laborais e organizacionais, por exemplo, a ERIS pode auxiliar na seleção e alocação de pessoal, de acordo com perfis desejados em determinados cargos e funções. Por outro lado, também em amostras comuns, pode permitir a identificação de vários níveis do impulso sádico, seja de natureza benigna, baseada em consentimento ou uma orientação psicopatológica mais clinicamente relevante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sadismo, quando considerado transtorno, envolve comportamentos violentos e, em alguns casos, práticas sexuais incomuns, sendo uma conceituação ainda controversa no campo da psiquiatria. Enquanto traço de personalidade, no entanto, o sadismo é considerado amplamente na literatura teórica e empírica, como importante preditor da agressividade e frequentemente ligado a práticas violentas. A mensuração dos traços de personalidade sádica poderia, em ampla escala, indicar tendências comportamentais inapropriadas e, ainda, sugerir níveis de tendência à violência. A ERIS apresenta-se como instrumento relativamente simples e promissor para tal finalidade, mas tão robusto quanto outras medidas de sadismo que são mais extensas (Dinić, Bulut Allred, Petrović & Wertag, 2020).

Algumas limitações e a agenda para estudos futuros devem ser consideradas. Em primeiro lugar, assim como em sua versão original, o instrumento foi adaptado com o formato de chave de resposta dicotômico. Essa característica pode se mostrar como pouco discriminativa no que tange às especificidades dos comportamentos a serem avaliados. Deste modo, pesquisas futuras devem visar a comparar o instrumento em formato de respostas contínuas (por exemplo, de 1 a 5) com a proposta dicotômica aqui implementada. Outra limitação diz respeito à homogeneidade amostral, visto que, nesse estudo, a maior quantidade de participantes foi do sexo masculino. Ainda assim, o sexo feminino apresentou maior média, de acordo com o instrumento utilizado. Destarte, novos estudos devem buscar compreender essa diferença média, bem como buscar possíveis distorções que afetam o instrumento, como o funcionamento diferencial dos itens (DIF).

A aplicação da ERIS em amostras da população em geral e em amostras de indivíduos inseridos no sistema carcerário (sob reprimenda jurídica do Estado) poderia fornecer elementos que permitissem uma comparação. É provável que os níveis de sadismo observados em indivíduos da população em geral difiram daqueles observados nos sob internação clínica ou sob reclusão criminal, de maneira que mensurar essas diferenças poderia fornecer informações passíveis de utilização no controle da violência.

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Recebido: 30 de Março de 2020; Revisado: 22 de Outubro de 2020; Aceito: 07 de Janeiro de 2021

Correspondência: Leonardo Borges Ferreira. tutant09@yahoo.com.br

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