INTRODUÇÃO
O suicídio é considerado um relevante problema de saúde pública. A pessoa com comportamento suicida comumente acredita que a única solução para aliviar seu sofrimento e resolver os seus problemas é tirar a própria vida. No entanto, estudos mostram que a maioria dos suicídios é evitável quando a prevenção, a identificação e o acompanhamento desse fenômeno são realizados com responsabilidade intersetorialmente, ou seja, envolvem a articulação de diferentes organizações governamentais e da sociedade civil (Organización Panamericana de la Salud, 2014).
No ano de 2012 foram registradas 804.000 mortes por suicídio em todo o mundo, sendo calculada uma média de 11,4 mortes por 100.000 habitantes. O ato suicida é mais comum de ocorrer entre pessoas do sexo masculino. Mundialmente, o suicídio é a segunda causa de morte entre a população jovem de 15 a 29 anos (Organización Panamericana de la Salud, 2014). No Brasil, a taxa de suicídio teve um aumento de 22,4% entre os anos de 2000 e 2013, evoluindo de 4,7 para 5,7 mortes por suicídio a cada 100.000 habitantes (Abuabara, Abuabara, & Tonchuk, 2017).
É importante ressaltar que existe um espectro do comportamento suicida, que se estende desde ideias e pensamentos sobre suicídio que nunca passaram à ação até tentativas de suicídio de vários graus de gravidade, até o extremo do suicídio consumado (Beautrais, 2002). A depressão tem sido apontada como um dos principais desencadeadores do suicídio, principalmente naqueles indivíduos que já apresentam ideação. Cerca de 50% dos jovens que desenvolveram depressão até os 21 anos de idade relataram ideias suicidas, sendo que apenas 16,3% haviam tentado consumar o ato (Fergusson, Beautrais, & Horwood, 2003).
Estudos mostram que o suicídio entre pessoas da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis (LGBT) tem se tornado um problema crescente, uma vez que as ideações e tentativas de suicídio têm crescido consistentemente na última década, sendo esta população de maior risco se comparada à heterossexual (Tomicic et al., 2016). Estudo realizado na cidade de Delaware (Estados Unidos da América – EUA) mostrou que homens e mulheres heterossexuais apresentavam taxas de ideação suicida equivalentes a 8% e 13%, respectivamente, enquanto que os homens e mulheres da população LGBT mostravam, respectivamente, 36% e 42% (DeCamp & Bakken, 2016). Outra investigação constatou que mulheres lésbicas/bissexuais tinham mais ideações suicidas do que os homens homossexuais/bissexuais; já os homens homossexuais/bissexuais tinham mais tentativas de suicídio que as mulheres lésbicas/bissexuais (Haas et al., 2011).
Os dados nacionais e mundiais evidenciam o suicídio na comunidade LGBT como fenômeno transcultural e que necessita de políticas ações amplas, contínuas e que envolvam diferentes setores sociais. Pessoas transexuais tiveram maiores taxas de tentativas suicidas variando entre 11 e 36% ao longo da vida em países como EUA, China, Filipinas e Japão (Carvalho et al., 2019). No Brasil, estima-se que ocorra aproximadamente uma morte a cada 25 horas por LGBTfobia, incluindo os casos de suicídio que possuem a LGBTfobia como importante fator de risco. Apesar dos dados alarmantes, pesquisadores destacam a subnotificação da mortalidade de LGBTs por situações ligadas à violência e ao suicídio (Grupo Gay da Bahia, 2016).
Dentre as possíveis hipóteses propostas para explicar os elevados índices de suicídio entre jovens está o fato de ser essa a etapa de desenvolvimento da sexualidade, na qual ocorrem as descobertas e a orientação sexual é exposta (Roa, 2013). Ademais, estudos mostraram que 20% dos adultos da população LGBT, ou seja, um a cada cinco indivíduos, já tentaram suicídio ao longo da vida (Hottes, Bogaert, Rhodes, Brennan, & Gesink, 2016).
Existem diversos fatores que interferem negativamente na saúde mental de pessoas da população LGBT, tais como: exposição à estigmatização social por fazer parte de uma minoria sexual, preconceito, violência de diferentes matizes e intensidades, falta de apoio familiar e dificuldade de acesso à saúde (Tomicic et al., 2016). Outro estudo reportou os resultados de um levantamento realizado sobre relatos de pessoas da comunidade LGBT encontrados em blogs, nos quais elas buscam ajuda e comumente referem se automutilar. Os relatos abordaram, principalmente, a angústia dos jovens que se sentem isolados e desamparados, sozinhos e com medo de buscar ajuda para seu sofrimento, e que com frequência recorrem à internet para comunicarem que não conseguem parar com o comportamento de automutilação. Foi identificado ainda o medo de ter sua identidade LGBT exposta publicamente e, consequentemente, sofrer violência e exclusão social, ou o temor de ser taxado de “louco” por ter buscado ajuda e pelo próprio estado de fragilidade emocional. Mesmo quando rompem a barreira do silêncio e buscam ajuda, muitas vezes o sofrimento desses indivíduos é subestimado (McDermott, 2015).
Observa-se, ainda, que há jovens que se sentem culpados por serem LGBT, como se sua orientação sexual ou identidade de gênero fosse uma característica intrinsecamente ruim e moralmente condenável. Esses indivíduos frequentemente apresentam homofobia. Assim, muitos veem como única saída se esconder (“ficar no armário”) e agir de acordo com os padrões heteronormativos impostos pela sociedade (McDermott, 2015).
A internet mudou a comunicação de forma radical, facilitando o acesso e o contato com outras pessoas de maneira simplificada (Starcevic & Aboujaoude, 2015). Nas redes sociais virtuais, a velocidade de propagação de informações se torna acelerada e instantânea. Uma das redes mais populares, o Twitter, é uma rede social que permite aos usuários enviar e receber atualizações pessoais de outros contatos, por meio do website do serviço, por SMS e por softwares específicos de gerenciamento. O Twitter possibilita ao usuário compartilhar em tempo real o que está pensando e sentindo, em textos de até 280 caracteres (anteriormente, eram mensagens de 140 caracteres ou menos) conhecidos como tweets, bem como oferece ampla liberdade para que compartilhe aquilo que o outro compartilhou, disseminando informações de forma rápida, o que pode acontecer também com ideias suicidas (Colombo, Burnap, Hodorog, & Scourfield, 2016).
A pesquisa realizada com dados do Twitter permitiu identificar um potencial nessa mídia social para se debater a saúde mental, pois foi observado que, por meio de tweets, as pessoas compartilhavam experiências, buscavam suporte e aceitação dentro de sua comunidade, disseminavam informações, construíam maneiras de desafiar estigmas e mediar a conscientização. Embora ainda exista o cyberbullying nas redes sociais, as pessoas que utilizaram dessa plataforma se sentiram acolhidas (Berry et al., 2017). Assim, o Twitter pode ser uma ferramenta de grande utilidade para profissionais de saúde. Entretanto, a despeito dessas potencialidades, ainda são necessários mais estudos na área (Shepherd, Sanders, Doyle, & Shaw, 2015).
As mídias sociais estão sendo cada vez mais utilizadas por pessoas suicidas para disseminarem notas de suicídio. Assim, as pessoas que, porventura, visualizarem tal postagem podem contatar autoridades e evitar um suicídio (Gunn & Lester, 2012). Portanto, com base nos elevados casos de ideações, tentativas e consumação do ato do suicídio ao redor do mundo, agregados ao fato de as pessoas LGBTs serem mais propensas ao suicídio, além da necessidade de entender melhor a influência que a internet pode exercer na vida dessas pessoas, foi levantada e seguinte questão: quais são os temas sobre o suicídio e a comunidade LGBT debatidos na rede social virtual Twitter? Este estudo teve por objetivo analisar a produção discursiva dos temas relacionados ao suicídio veiculados nas postagens do Twitter referentes à comunidade LGBT.
MÉTODO
Trata-se de um estudo exploratório com abordagem qualitativa. A fonte escolhida para a coleta de dados desde estudo foi a rede social virtual Twitter, fundada em março de 2006, com sede na cidade de São Francisco, Califórnia. O Twitter enfoca como missão “fornecer a todos o poder de criar e compartilhar ideias e informações instantaneamente, sem barreiras” (Twitter, 2019). Os serviços oferecidos pelo Twitter conectam instantaneamente as pessoas em qualquer lugar que estejam a aquilo que é mais importante para elas; sendo assim, qualquer usuário registrado no Twitter pode enviar um tweet, e o seu conteúdo, como fotografias, vídeos e links para outros sites, será considerado, por padrão, mensagens públicas.
Ao criar uma conta do Twitter, o usuário precisa fornecer alguns dados pessoais (nome, nome de usuário, senha, e-mail, número de telefone). Informações como nome e nome de usuário serão disponibilizadas publicamente, podendo ser utilizados nomes reais ou pseudônimos. Para pesquisar e visualizar perfis de usuários do Twitter em modo público, não há necessidade de que se crie uma conta.
ESTRATÉGIA DE BUSCA
A pesquisa foi realizada na rede social virtual Twitter, na opção “Busca Avançada” com o uso das palavras “suicídio” e “LGBT”. Optou-se pela sigla LGBT por ser popularmente conhecida, abrangente e amplamente utilizada. Em seguida, na opção do filtro “idioma”, foi selecionado “português”. Optou-se por tweets em português para possibilitar compreensão da perspectiva sobre a temática suicídio na população LGBT em países de língua portuguesa, especialmente no Brasil. Contudo, é preciso esclarecer que a estratégia de coleta de dados não permitiu analisar o país de origem dos autores dos tweets analisados.
CRITÉRIOS DE INCLUSÃO E EXCLUSÃO
Foram incluídos no estudo todos os tweets identificados por meio da estratégia de busca avançada com as palavras “suicídio” e “LGBT”, que continham texto digitado pelo usuário no idioma português. Foram excluídos os conteúdos de vídeos, links, áudios, chats e imagens, além de tweets que continham visualização controlada pelo usuário.
COLETA DOS DADOS
As postagens foram salvas por meio de captura de tela e identificadas por um número correspondente à ordem em que foram encontradas. Cada postagem foi transcrita em documento editável e as transcrições passaram por processo de revisão para a correção de possíveis erros. Os resultados da busca no Twitter foram categorizados como: “em destaque”, “últimas”, “pessoas”, “fotos”, “vídeos”, “notícias” e “transmissões”. Optou-se por incluir no estudo as postagens classificadas “em destaque” que atenderam aos critérios de seleção do presente estudo e passaram por processo de revisão para a correção de possíveis erros.
A coleta de dados foi realizada no dia 12 de outubro de 2017 e foram utilizados os tweets postados até as 17h20min, horário em que foi encerrada a coleta de dados. Um total de 544 tweets foi identificado, e 114 deles foram excluídos por não atenderem aos critérios de seleção. Assim, a amostra do estudo foi composta por 430 tweets.
ANÁLISE DOS DADOS
Os dados foram analisados por meio de Análise Temática, um método que pode ser utilizado em diferentes enquadramentos teóricos. Distingue-se pela identificação de temas ou padrões e é empregado na identificação, análise e comunicação de padrões e significados extraídos dos conteúdos examinados (Braun & Clarke, 2006).
Foi utilizada abordagem indutiva e baseada nos dados. A análise consistiu das seguintes fases: familiarização com os dados (transcrição, revisão e leitura abrangente dos dados), construção de códigos iniciais (codificação inicial e sistemática dos dados), busca por temas (reunião dos códigos em potenciais temas), análise dos temas (certificação de temas gerados, avaliação da homogeneidade interna e da heterogeneidade externa das categorias), definição e atribuição de nomes aos temas (refinamento dos temas) e produção do relato científico da análise (Braun & Clarke, 2006). Os dados transcritos foram organizados em formato de tabelas, com colunas específicas para os dados, os códigos e as categorias provisórias. Os dados e respectivos códigos foram sistematicamente reorganizados de acordo com as categorias formuladas. Foram construídos diagramas e memorandos para auxiliar os pesquisadores no processo de refinamento da análise.
As fases iniciais da análise (familiarização com os dados, construção de códigos iniciais, busca por temas, análise dos temas, definição e atribuição de nomes aos temas) foram realizadas por dois pesquisadores e, posteriormente, comparadas, discutidas, julgadas e conferidas por um comitê de pesquisadores. Finalmente, foram realizadas discussões para o estabelecimento de consenso entre os pesquisadores para a produção do relatório final. Nesta fase, foi discutida a seleção de fragmentos de tweets considerados prioritários por serem mais representativos dos temas e suficientemente claros.
ASPECTOS ÉTICOS
O estudo seguiu as recomendações da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde, e a Declaração de Helsinki (Ministério da Saúde, 2012). Os dados analisados são de acesso público, sendo visíveis para quaisquer pessoas que acessem o conteúdo. Os responsáveis por esta pesquisa solicitaram orientação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição, a qual os pesquisadores estão vinculados, sobre a necessidade de submissão do projeto. Os pesquisadores foram esclarecidos que, de acordo com as orientações da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), as pesquisas com dados públicos, de livre acesso, não precisam ser submetidas ao Sistema CEP/Conep. O anonimato dos usuários foi preservado em todas as etapas da pesquisa e consequente divulgação de resultados.
RESULTADOS
A análise permitiu identificar as categorias, as subcategorias e os códigos, que se encontram sintetizados no Quadro. Foram incluídos os fragmentos mais representativos de cada categoria e subcategoria.
Quadro Resumo das categorias, subcategorias e principais códigos identificados no estudo
Categorias (n total = 430 tweets) | Subcategorias e principais códigos |
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1 - O risco aumentado de suicídio na população LGBT (n = 154 tweets) | Fatores que predispõem ao suicídio: Fatores de risco; não aceitação familiar; preconceito e discriminação; agressões verbais e físicas contra a população LGBT; bullying; suicídio relacionado à homofobia. |
Índices alarmantes de suicídio: Referências a resultados extraídos de artigos, pesquisas, referências; população LGBT apresenta probabilidade aumentada de cometer suicídio quando comparada à população heterossexual; elevados índices e taxas de suicídio. | |
2 - Experiências pessoais relacionadas ao suicídio (n = 74 tweets) | Autor do tweet veicula suas próprias ideações suicidas: Suicídio é visto como uma saída para os problemas suscitados pela homofobia; ideação suicida; suicídio coletivo. |
Relato de casos: suicídio de pessoas LGBT; tristeza; conhecidos e amigos; casos de tentativa de suicídio e suicídio consumado; impacto nos sobreviventes, reações de comoção e consternação. | |
3 - Uso do termo “suicídio” fora do sentido literal (n = 19 tweets) | Uso do termo “suicídio” no sentido figurado: com finalidade humorística; comparação do suicídio a certas atitudes ou ações consideradas negativas que podem levar ao suicídio. |
4 - Prevenção ao suicídio (n = 133 tweets) | Fatores de proteção ao suicídio: aceitação familiar; prevenção ao suicídio; papel da escola; casamento LGBT; divulgação de números telefônicos; conversas sobre suicídio e população LGBT; representatividade; campanha do Setembro Amarelo. |
Divulgação: palestras; roda de conversa; eventos; fundações; entidades; produções audiovisuais; programas televisivos; pessoas públicas; empresas; projetos; organização não governamental (ONG). | |
5 - Escassez de debate qualificado sobre suicídio entre pessoas LGBT (n = 30 tweets) | Ausência de debate qualificado no espaço social; pouca visibilidade dada ao tema; tendência à banalização do suicídio e atribuição de pouca relevância ao tema; comentários depreciativos e piadas discriminatórias. |
6 - Críticas, ofensas e distorções (n = 20 tweets) | Críticas negativas contra a população LGBT: tendência a culpabilizar a comunidade LGBT pelo suicídio de jovens; uso de termos pejorativos e representações depreciativas; atribuição de culpa às séries televisivas que supostamente incentivam o suicídio, assim como influenciam pessoas a “se tornarem” LGBTs; disseminação de ofensas. |
Críticas à imagem estereotipada criada pela sociedade em relação à população LGBT e o suicídio: LGBT ser tratado como doente; maneira como a população LGBT é vista pela sociedade; suicídio como tática para chamar a atenção; estereótipos; filmes com temática LGBT que terminam com cenas de suicídio ou outro desfecho trágico. |
Fonte: Elaborado pelos autores (2019).
O RISCO AUMENTADO DE SUICÍDIO NA POPULAÇÃO LGBT
Essa categoria compreende os tweets que aludem aos fatores de vulnerabilidade psicossocial que podem predispor membros da comunidade LGBT ao suicídio ou que são percebidos como causas do comportamento suicida. São apontados preconceitos, crimes de ódio e agressões verbais e físicas cometidas contra a população LGBT. A LGBTQfobia1 é identificada como a raiz comum desses problemas, apresentando-se através de casos de tentativas de suicídio e óbitos, atitude de indiferença e falta de apoio da sociedade em relação a essa população, principalmente de membros do contexto familiar e de algumas comunidades religiosas. É possível notar que os casos de suicídios e/ou tentativas são, em sua maioria, associados ao grande número de ataques sofridos pelos membros da população LGBT e à escassa proteção da rede de apoio social, que não consegue abarcar todas as pessoas vulneráveis. “Qnde LGBT comete suicídio a culpa é de cada lgbtfóbico q insistem no preconceito. É a pior forma de ódio, nos faz tirar a própria vida” (T11).
Tweets mencionam resultados de pesquisas e compilam dados extraídos de artigos, notícias e teorias, entre outros materiais informativos que apontam para os índices alarmantes de suicídio na época contemporânea, principalmente na população LGBT. Além de alertarem para os elevados índices de tentativa de suicídio e de consumação do suicídio, principalmente entre pessoas da comunidade LGBT, também se nota a comparação entre o risco de suicídio e o número de casos de suicídio observados na população heterossexual com os índices da população LGBT, que detém os indicadores mais preocupantes. “Em resposta: Há 1 alta incidência de tentativas de suicídio dentro da comunidade #LGBT. Entre os #trans o índice é de 41%...” (T107).
EXPERIÊNCIAS PESSOAIS RELACIONADAS AO SUICÍDIO
Essa categoria agrupa os tweets que manifestam desejos e ideações suicidas do próprio autor do tweet. Neles fica claramente expressa a vontade do autor de tirar a própria vida. Também se observou a ideia de se planejar um suicídio coletivo, buscando arrebanhar pessoas para esse desejo de autoextermínio. Em alguns tweets é possível identificar, nas palavras de seus autores, desesperança e dificuldade de encontrar apoio, o que leva as pessoas a desabafarem que o suicídio é a única escolha que ainda resta para eles. “‘Bem-vindo Agosto’ suicídio não seja a última opção” (T89).
Alguns autores mencionam casos de tentativas de suicídio ou referem suicídios consumados de terceiros. Os registros variam entre o público e o pessoal ou privado, pois os autores dos tweets mencionam desde casos de suicídio que se tornaram públicos e ganharam repercussão na mídia, até casos que envolveram pessoas do seu próprio círculo social. Nesses tweets é possível identificar também o relato de sentimentos de tristeza, pesar, indignação e comoção despertados por esses casos nos sobreviventes. “Ontem antes de dormir recebi a notícia q um menino q conheci no congresso internacional de psi LGBT cometeu suicídio. Mais um jovem” (T79).
USO DO TERMO “SUICÍDIO” FORA DO SENTIDO LITERAL
Nessa categoria foram agrupados os tweets nos quais o termo suicídio é empregado em sentido figurado, não literal, o que fica evidente quando se analisa também o contexto do tweet produzido. Nestes tweets o autor não mostra desejo em tirar a própria vida. Existe também a comparação do suicídio a certas atitudes ou ações consideradas negativas, como se pode perceber no exemplo abaixo, ou tweets elaborados com conteúdo humorístico. “Como pode esses LGBT q vão votar no Bolsonaro ISSO É SUICÍDIO SOCIAL” (T8).
PREVENÇÃO AO SUICÍDIO
Essa categoria compreende os conteúdos que abordam temas identificados como fatores de prevenção e combate ao suicídio, destacando ações assertivas e fontes de apoio. Os tweets apontam que o suicídio pode e deve ser prevenido, e que uma maneira de promover a prevenção é conversar sobre o tema. Fontes de apoio social, como o núcleo familiar, são identificadas como de extrema importância, principalmente para reduzir a vulnerabilidade da população LGBT. A luta pela representatividade e pelo reconhecimento dos direitos, assim como a conquista do respeito no âmbito social, que têm sido as tradicionais bandeiras mobilizadas pelos movimentos LGBT, também são aspectos relevantes que podem ser vislumbrados nos tweets. Esse fenômeno pode ser compreendido à luz do contexto atual, no qual a comunidade LGBT vive uma constante luta por ampliar espaços de legitimação junto à sociedade, reivindicando que seus direitos não sejam violados. “#DepressãoNÃOÉDrama Suicídio não é chamar a atenção. Ser LGBT não é uma fase e nem uma doença. Em estupro, a vítima não é a culpada... #PAZ” (T159).
As manifestações reunidas na categoria “prevenção” apresentam como principal conteúdo a divulgação de encontros, produções e organizações que abordam a temática LGBT e o suicídio, o que inclui entidades cuja missão social é oferecer ajuda às pessoas LGBTs que estão em risco iminente de suicídio ou que estejam subjugadas por intenso sofrimento. Também são englobados conteúdos midiáticos que mostram o cotidiano de pessoas com risco de suicídio e LGBTs, com o propósito de chamar a atenção para a vulnerabilidade desse segmento social, além de conscientizar os telespectadores independentemente da orientação sexual ou identidade de gênero. Também é divulgado o apoio oferecido por pessoas públicas a causas que envolvem a promoção da saúde e da qualidade de vida da população LGBT, com especial interesse pelas pessoas mais fragilizadas e que apresentam risco de suicídio. Dentre os projetos divulgados, o mais mencionado nos tweets é o The Trevor Project, que visa a contribuir para a prevenção do suicídio de adolescentes LGBT. “Em resposta: O @TrevorProject tem o intuito de informar e prevenir o suicídio entre jovens da comunidade LGBT. Estamos muito orgulhosos (+imagem de dois braços e a frase “THE TREVOR PROJECT saving Young lives”)” (T140).
ESCASSEZ DE DEBATE QUALIFICADO SOBRE SUICÍDIO ENTRE PESSOAS LGBTS
Nessa categoria foram inseridos os tweets que abordam o que os usuários entendem ser a pouca relevância atribuída à vulnerabilidade ao suicídio na comunidade LGBT na realidade brasileira. Nesses tweets encontram-se críticas ao reduzido número de debates qualificados acerca da temática suicídio em indivíduos LGBT. Aponta-se a carência de discussões e a pouca visibilidade que esses assuntos têm adquirido na pauta social, além de, em alguns momentos, serem abordados de forma empobrecida e banalizada, como ocorre reiteradamente nos comentários depreciativos e nas piadas que discriminam e ridicularizam as pessoas que divergem da heteronormatividade. “Em resposta a @perfil pessoal: O resultado: altas taxas de suicídio entre os índios LGBT, assassinatos por homofobia e pouca visibilidade para o assunto” (T29).
CRÍTICAS, OFENSAS E DISTORÇÕES
Nessa categoria foram incluídos os tweets que contêm críticas negativas endereçadas à população LGBT, por meio do uso de termos pejorativos, veiculação de ofensas, insultos e mensagens de ódio, depreciação da imagem de pessoas, associação do suicídio ao simples fato de pertencer à comunidade LGBT e a forma supostamente equivocada com que a mídia aborda o “ser” LGBT e a consumação do suicídio. Além disso, em um movimento de inversão da causalidade, notou-se a culpabilização da própria comunidade LGBT pelo suicídio de diversas pessoas. “Eu aqui tentando alarmar o que os LGBT têm feito: promovido a putaria, doença, suicídio e morte entre jovens (que nem eram pra ser gays) (+link de notícia)” (T24).
Foram identificados tweets que promovem uma crítica contundente à imagem socialmente construída sobre a comunidade LGBT e o suicídio, buscando desmistificar a ideia retrógrada de que as pessoas LGBT são (ou estão) doentes e que a finalidade do suicídio é tão-somente chamar a atenção. Também é mencionada a questão da representação LGBT estereotipada nas produções cinematográficas, nas quais personagens com orientação sexual dissidente da heteronormatividade, ou com identidade de gênero não alinhada à cisgeneridade, na maioria das vezes têm um desfecho trágico na narrativa ficcional ou protagonizam uma cena de suicídio. “ugh, estou cansada de filmes LGBT com suicídio no final, faz parecer que é sempre a única escolha, que a pessoa nunca pode ser feliz, qual é” (T381).
DISCUSSÃO
O RISCO AUMENTADO DE SUICÍDIO NA POPULAÇÃO LGBT
Este estudo buscou analisar os temas relacionados ao comportamento suicida veiculados em postagens da rede social virtual Twitter referentes à comunidade LGBT. Preliminarmente, é preciso ponderar que o conhecimento do panorama epidemiológico dos casos de suicídio e homicídio entre a população LGBT no Brasil ainda encontra sérias barreiras, pois no registro de óbito não existem itens que identifiquem a orientação sexual, a identidade de gênero e o nome social, impossibilitando a quantificação precisa do número de pessoas LGBTs mortas por causas não naturais (Baére & Conceição, 2018). Ademais, há uma notória subnotificação dos registros de violência contra indivíduos que pertencem à comunidade LGBT em boletins de ocorrência, relatórios médicos e laudos técnicos, por motivos de constrangimento, vergonha e estigmatização social das vítimas.
Estudo realizado no Brasil com jovens de baixa renda mostrou que mais de um em cada quatro jovens que já sofreram algum tipo de estigma sexual já tentaram suicídio alguma vez na vida, sendo esse índice equivalente a quatro vezes a prevalência observada em seus parceiros que nunca passaram por tal situação (Costa et al., 2017). Assim, é possível destacar a gravidade da violência a que está exposta a população LGBT no Brasil e especular como esse dado se relaciona com as elevadas taxas de suicídio neste grupo minoritário. Conforme apontado, o avanço do conhecimento na área enfrenta barreiras que impedem estimar o quanto o suicídio afeta a população LGBT no Brasil, havendo também uma carência de pesquisas na área.
Nas postagens analisadas no presente estudo, as menções relacionadas a profissionais ou serviços de saúde foram escassas e estiveram limitadas à divulgação de informações. Apesar das limitações relacionadas ao contexto estudado e à forma de coleta dos dados, esse é um achado intrigante sobre o qual é válido refletir. A literatura sugere a necessidade de capacitar os profissionais de saúde para manejarem assertivamente as situações relacionadas ao comportamento suicida (Vidal, Gontijo, & Lima, 2013). Ademais, no âmbito da saúde, nota-se precariedade nos serviços de saúde e despreparo dos profissionais para atender às demandas da população LGBT. Isso se relaciona ao escasso conhecimento que se tem acerca das necessidades de saúde dessa população e às fragilidades na comunicação entre os profissionais de saúde e os indivíduos que vivenciam sexualidades dissidentes, o que dificulta o acesso dessas pessoas ao cuidado integral (Albuquerque, Garcia, Alves, Queiroz, & Adami, 2013; Resende, 2016).
No conteúdo dos tweets, os autores das postagens levantam diversos fatores de risco para o suicídio relacionado à população LGBT: a exposição contínua ao bullying e diversas outras formas de discriminação e preconceito que perpetuam o temor de ser julgado e hostilizado nos ambientes sociais; a falta de apoio familiar, havendo expressão de tristeza por parte de alguns autores ao mencionar a amarga realidade de famílias que não apoiam seus membros LGBTs; e o fundamentalismo religioso e a condenação moral expressa por parte das comunidades religiosas também são mencionados como fatores agravantes. Esse conjunto de dimensões é apontado como responsável pelo fato de a população LGBT apresentar taxas de suicídio mais elevadas do que a população heterossexual e cisgêneros.
Estudo demonstra que alguns estressores afetam o processo de saúde mental da população LGBT, como: os estigmas relacionados à intolerância à diversidade sexual, a discriminação largamente disseminada no corpo social, as diversas formas de violência que incidem sobre essas pessoas desde a infância, a carência de apoio social, os empecilhos ao acesso a serviços de saúde sensíveis às necessidades específicas apresentadas por aqueles que se distanciam da heteronormatividade, dentre outros, o que contribui para que o comportamento suicida se torne mais prevalente na população LGBT (Tomicic et al., 2016).
EXPERIÊNCIAS PESSOAIS RELACIONADAS AO SUICÍDIO
O desejo de morrer é expresso nos tweets como um recurso desesperado para atenuar o sofrimento provocado pela contínua e persistente exposição a violações sistemáticas dos direitos de cidadania da população LGBT. Desse modo, o suicídio em alguns momentos é mencionado como a única e derradeira “solução” para o estado de abandono e total desamparo a que esses indivíduos se encontram relegados, especialmente em contextos que estimulam a LGBT-transfobia e a impunidade dos crimes de ódio. Isso mostra que, na ausência de políticas públicas e de apoio social, as pessoas LGBTs se sentem sozinhas e não conseguem vislumbrar possibilidades de resolução para a situação dolorosa na qual muitas vezes se encontram (Toro, Nucci, Toledo, Oliveira & Prebianchi, 2013). A desesperança é considerada um relevante fator de risco para o suicídio (Zhang & Li, 2013).
No presente estudo também foi encontrado um tweet convocando pessoas a participarem de um suicídio coletivo, o que mostra o quão perniciosa pode ser a situação de fragilização emocional, a ponto de favorecer o aliciamento psíquico das pessoas que vivem em extrema vulnerabilidade e humilhação social. Sobre o planejamento de atos de suicídio coletivos, estudo aponta que alguns indivíduos podem buscar estabelecer pactos suicidas na internet, pois, além do impacto gerado no meio social, o fato de morrer junto transmite maior conforto quando comparado ao fato de morrer sozinho (Westerlund, Hadlaczky, & Wasserman, 2015).
Além dos casos de ideação suicida compartilhados pelo próprio autor da postagem, foram encontrados diversos tweets que relatavam a realidade de terceiros e de pessoas próximas que tentaram suicídio ou se suicidaram, sendo notadas reações de comoção e compaixão por parte dos autores. Assim, a partir do exame do número substancial de relatos identificados, torna-se nítido que a população LGBT constitui um grupo de elevado risco para o suicídio, evidenciando a necessidade de se dar atenção a essa temática dentro de uma perspectiva intersetorial, por meio do planejamento de políticas públicas específicas que visem à redução da vulnerabilidade da comunidade LGBT.
USO DO TERMO “SUICÍDIO” FORA DO SENTIDO LITERAL
Também se observou que o termo suicídio é empregado fora de seu sentido literal em alguns momentos, sendo utilizado para produção de efeitos de humor ou comparação entre determinadas ações e a conduta de autoextermínio. Nas manifestações com finalidade humorística, o autor do tweet brinca com o tema, não transparecendo real desejo em morrer. Certos tweets trazem em seu conteúdo a comparação de determinadas ações, como pessoas LGBT apoiarem pessoas públicas e ideologias reacionárias que infringem os direitos dessa mesma população, pois indiretamente estariam promovendo uma espécie de autolesão. O termo suicídio, ao longo da história, foi descrito de diversas formas pela perspectiva de diferentes autores, muitas vezes como uma figura de linguagem, o que expande o campo semântico da palavra (André, 2018).
PREVENÇÃO AO SUICÍDIO
Foram identificados tweets que abordam de forma positiva os fatores de proteção ao suicídio com foco na população LGBT, apontando principalmente para a necessidade de promover a aceitação em todos os âmbitos e de angariar o apoio de terceiros aos direitos das minorias sexuais, sendo esse apoio oriundo de familiares, escolas, amigos, pessoas que defendem a causa dessa população, entre outras fontes, o que sinaliza também a preocupação com a garantia de direitos igualitários para a comunidade LGBT. Esse dado ilustra o quanto essas pessoas e instituições desempenham um papel relevante para a prevenção do suicídio. Receber apoio de parceiros, familiares e amigos, além de facilitar o acesso a serviços de saúde de qualidade, inclusivos e sensíveis às diferenças dos usuários, é considerado um forte fator de proteção (Ejdesgaard, Zøllner, Jensen, Jørgensen, & Kähler, 2015; Lee, Tsai, Chen & Huang, 2014; Moody & Smith, 2013).
Nos tweets examinados também é encontrada uma consistente preocupação com a divulgação de palestras e encontros que debatem a temática suicídio e LGBT, propagando convites que estimulam a participação das pessoas que visualizam tais postagens, bem como a divulgação de programas televisivos, como séries e filmes, além de dar visibilidade a programas e projetos, sendo o mais frequentemente mencionado o The Trevor Project, entre outros materiais que disseminam as temáticas mencionadas, como o número de telefone do Centro de Valorização da Vida (CVV).
As mídias sociais, na medida em que favorecem e potencializam a comunicação, permitem que mais oportunidades de intervenção sejam implementadas (Cheng, Kwok, Zhu, Guan, & Yip, 2015). A plataforma social virtual permite aos seus usuários uma facilidade de acesso a diferentes pontos de vista sobre o comportamento suicida, encorajando os indivíduos a compartilharem ideias e links de forma rápida e eficiente. Por outro lado, é evidente que tais comodidades oferecidas pela plataforma comportam certos riscos, mas também podem proporcionar benefícios se forem bem instrumentalizadas como estratégias de prevenção online (Krueger & Young, 2015).
Outro conjunto de tweets involucra críticas em seus conteúdos, mas vale salientar que há uma divisão em dois subgrupos: aqueles que veiculam conteúdos ofensivos claramente direcionados a desqualificar e desmoralizar a população LGBT e aqueles que visam a criticar a imagem estereotipada criada pela sociedade em torno dessas pessoas e sobre a incidência do suicídio nesse grupo particular. No primeiro conjunto, os tweets contêm termos pejorativos, que ofendem a dignidade da população LGBT e a culpabilizam pelos elevados índices de sofrimento e suicídio que acometem esse segmento. Esse fenômeno está diretamente relacionado ao ideário de senso comum de parte da sociedade, que reproduz pensamentos essencialistas e juízos de valores enraizados que sustentam preconceitos que conduzem à estigmatização das pessoas LGBT (Costa et al., 2013). No segundo subgrupo evidencia-se a intenção de criticar a imagem distorcida criada pela sociedade que enaltece a matriz da heteronormatividade compulsória, que cristaliza determinadas crenças em relação à população LGBT e ao suicídio, tentando desmistificar os “tabus” e estereótipos acerca desses assuntos. Os tweets fazem críticas incisivas à ideia de que ser LGBT significa ter uma doença e que o suicídio tem o intuito de chamar a atenção e obter ganhos secundários com essa atitude. Na sociedade contemporânea, sinais que possam ser associados à fragilidade, como ocorre com o suicídio, além de serem repelidos, sustentam a presença de estigmas que intensificam a exclusão social (Silva, Sougey, & Silva, 2015). Esses achados sugerem a necessidade de investir fortemente em políticas e ações educativas para que se conscientize a sociedade acerca das temáticas LGBT e suicídio, desmistificando esses assuntos, de modo a retirar sua aura de tabus.
ESCASSEZ DE DEBATE QUALIFICADO SOBRE SUICÍDIO ENTRE PESSOAS LGBT
A carência de discussões sérias e qualificadas sobre suicídio e a questão LGBT também é tematizada pelos autores dos tweets, que apontam a pouca visibilidade conquistada, a ausência de espaços sociais inclusivos para sustentar o debate em um nível científico e a baixa relevância dada a essas questões por uma parte da sociedade interessada em perpetuar as desigualdades criadas. A despeito das tentativas de silenciá-los, esses temas estão cada vez mais presentes e evidenciados na realidade atual e, assim, têm merecido crescente espaço e atenção. Estudo aponta a relevância de se ter mais investimento em pesquisas que abordem o suicídio em LGBTs para que se possa aprimorar a assistência em saúde (Moody & Smith, 2013). Estudiosos abordam o Finding the Light Within Project, projeto com parceria da Mural Arts, Department of Behavioral Health and Intelectual disAbility Services e American Foundation for Suicide Prevention que visa o uso da arte e expõe abertamente a temática suicídio para problematizar o fenômeno junto à coletividade, a fim de sensibilizar as pessoas, quebrar os estigmas e incluir a própria comunidade na tarefa de prevenção (Mohatt et al., 2013).
CRÍTICAS, OFENSAS E DISTORÇÕES
Tanto o pertencimento a uma minoria sexual ou de gênero quanto o comportamento suicida são ainda ligados a preconceito, estigma e incompreensão (Tomicic et al., 2016). É importante considerar essas questões, vinculando-as ao campo da interseccionalidade, visto que, na sociedade, há interdependência entre relações de poder, valor e características (especialmente relacionadas a gênero, raça e classe). É necessário questionar as desigualdades sociais e “opressões múltiplas e imbricadas” presentes na produção de conhecimento, políticas e cuidados em saúde (Hirata, 2014). Dessa forma, é importante investir em iniciativas que promovam a saúde mental articulada à justiça social (Hirata, 2014) e são requeridos estudos sobre esse assunto.
A internet é uma ferramenta potencializadora do acesso à informação devido ao seu ampliado alcance e à importância que vem assumindo no cotidiano dos cidadãos. Contudo, nem sempre é catalizadora de reflexões profícuas e transformações positivas. A divulgação de informações sobre a desmistificação, a conscientização e o respeito à comunidade LGBT são imprescindíveis, mas não suficientes para mudanças dos paradigmas atuais das sexualidades dissidentes.
Cabe destacar que estudos brasileiros têm mostrado que, nas mídias, as publicações relacionadas ao tema suicídio não são necessariamente orientadas para a prevenção, pois expõem conteúdos que podem favorecer a identificação e o contágio (Vedana, Pereira, Di Donato, & Vanzela, 2018), propagar julgamentos (Graziani, Vedana, Donato et al., 2018) e a exposição de necessidades que permanecem sem respostas (Graziani, Vedana, Silva et al. 2018). Mesmo entre profissionais da mídia, não são respeitadas recomendações nacionais e internacionais sobre a veiculação adequada do assunto (Ferreira, Martin, Zanetti, & Vedana, 2019).
O estudo possui limitações relacionadas a: 1) fonte de coleta de dados, que se restringiu a uma única rede social; 2) estratégia de coleta dos dados, com limitação nos termos-chave e filtro de idioma para a busca das postagens; 3) forma de captura dos dados, que não permitiu a análise do conteúdo de respostas, imagens, vídeos e outros elementos associados aos tweets; 4) análise que não considerou os perfis de usuários de forma individualizada e longitudinal; 5) falta de triangulação na análise dos dados; 6) especificidades do ambiente virtual (como acesso, faixa etária, entre outros) que não representa integralmente a perspectiva sobre a temática.
Considerando que a redução da LGBTfobia e a prevenção do suicídio devem envolver diferentes segmentos sociais, os resultados do presente podem contribuir para o delineamento de ações em diferentes contextos e com diversas finalidades, tais como: a identificação de necessidades, a formação de recursos humanos, a educação em saúde mental, acolhimento, as ações que reduzem o estigma social ou internalizado, a promoção dos direitos humanos de forma abrangente, o fortalecimento de coletivos, a construção de políticas públicas e os estudos científicos com impacto social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das análises realizadas nos conteúdos dos tweets, é possível destacar que a produção discursiva veiculada por essas postagens na internet envolve limites e potencialidades. Os resultados apresentados apontam para o perigo representado por certas permanências, estereotipias e preconceitos cristalizados que, ao serem disseminados e reverberados pelo fluxo incessante das redes sociais, podem ganhar uma força inaudita. Por outro lado, os achados sugerem pistas que, se adequadamente exploradas e bem aproveitadas, podem abrir fissuras no discurso dominante e no cuidado atual em saúde LGBT e conduzir a um caminho de transformação crítica dos preconceitos consagrados em relação à vulnerabilidade da população LGBT ao suicídio.
Tais achados permitem considerar que é necessário aumentar a visibilidade e a reflexão dos fenômenos do suicídio e da população LGBT na atualidade. A despeito das dificuldades de mensuração, há indícios seguros de que o número de relatos de ideação, tentativa e de suicídio próprio ou de terceiros é substancialmente elevado, principalmente dentro da comunidade LGBT. A falta de ambientes e materiais informativos acerca do suicídio e das necessidades específicas da população LGBT, somada aos estigmas que circundam tais temáticas, dificulta ainda mais os esforços dirigidos à desmistificação, orientação, prevenção e intervenção no âmbito da saúde.
O avanço acelerado das tecnologias de informação e comunicação na sociedade contemporânea e o fácil acesso à internet, agregado ao uso massificado das mídias sociais virtuais, como é o caso do Twitter, oportuniza uma intensa troca de experiências e informações de maneira rápida e dinâmica. Considerando os aspectos positivos fomentados por essas transformações vertiginosas na maneira de se comunicar e capturar informações atualmente, as possibilidades abertas poderiam ser utilizadas de forma benéfica no âmbito da saúde mental, compartilhando materiais educativos e referências de apoio para pessoas com risco de suicídio, identificando precocemente necessidades e instituindo as intervenções necessárias.