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Revista da Abordagem Gestáltica
versão impressa ISSN 1809-6867
Rev. abordagem gestalt. vol.21 no.2 Goiânia dez. 2015
ARTIGOS - ESTUDOS TEÓRICOS OU HISTÓRICOS
"Deus não morreu e o diabo existe". Reflexões fenomenológicas sobre a experiência espiritual e o sofrimento psíquico grave1
"God did not die and the devil exists". Phenomenological reflections on a spiritual experience and serious psychic suffering
"Diós no morió y el diablo existe". Reflexiones fenomenológicas sobre la experiencia espiritual y el sufrimiento psiquico grave
Raquel de Paiva ManoI; Ileno Izídio da CostaII
IPsicóloga, Graduada em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de Brasília (FTBB), Mestre e Doutoranda em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (PPG-PsiCC/IP/UnB), Clínica e Pesquisadora do Grupo de Intervenção Precoce nas Primeiras Crises do Tipo Psicótico (GIPSI/PCL/IP/UnB). E-mail: raqueldepaivamano@yahoo.com.br
IIProfessor Adjunto do Departamento de Psicologia Clínica, Membro (mestrado e doutorado) do PPG-PsiCC/IP/UnB, Coordenador dos Grupos GIPSI, Personna (Estudos e Pesquisas sobre violência, criminalidade e psicopatologia) e do CRR-UnB/Darcy Ribeiro/Senad. Membro do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) do Governo Federal, representando o Conselho Federal de Psicologia.Presidente da Associação de Saúde Mental do Cerrado (ASCER). E-mail: ileno@unb.br
RESUMO
Trata-se de um estudo sobre o fenômeno espiritual na clínica psicológica com indivíduos em sofrimento psíquico grave. Partimos de uma abordagem fenomenológica, visitando quatro autores seminais: Edmund Husserl, Edith Stein, Rudolf Otto e Paul Tillich. Utilizamos adicionalmente a abordagem psicanalítica de Donald Winnicott na reflexão discussão e no manejo clínico, além de outros autores da área. Tal revisão propiciará uma reflexão sobre a experiência pseudocultural e religiosa de possessão ou de graça e contemplação, em contraposição à crise psicótica e seus correlatos, objetivando promover discussões e novos posicionamentos sobre os diagnósticos postulados pela psiquiatria e a clínica psicológica tradicional.
Palavras-chave: Fenomenologia; Experiência espiritual; Sofrimento psíquico grave; Psicoses
ABSTRACT
It is a study of the spiritual phenomenon in clinical psychology with individuals in severe psychological suffering. We start from a phenomenological approach, visiting four seminal authors: Edmund Husserl, Edith Stein, Rudolf Otto and Paul Tillich. We additionally use the psychoanalytic approach of Donald Winnicott in discussion and clinical management, in addition to other authors of the area. Such revision will provide a reflection on the pseudocultural and religious experience or possession of grace and contemplation, as opposed to psychotic crisis and its related, aiming to promote discussions and new positions on the diagnostic postulated by traditional psychiatry and clinical psychology.
Keywords: Phenomenology; Spiritual experience; Serious psychic suffering; Psychoses
RESUMEN
Se trata de un estudio sobre el fenómeno espiritual en la clínica psicológica con individuos en sufrimiento psíquico grave. Partimos de un enfoque fenomenológica, visitando cuatro seminales autores: Edmund Husserl, Edith Stein, Rudolf Otto e Paul Tillich. Utilizamos también el abordaje psicanalítica de Donald Winnicott en la discusión y en el manejo clínico, además de otros autores. Tal repaso propiciará una reflexión sobre la experiencia pseudocultural y religiosa de possessão o de gracia y contemplação, en contraposición la crisis psicótica y sus correlatos, objetivando promover discusiones y nuevos posicionamientos sobre los diagnósticos postulados por la psiquiatria y la clínica psicológica tradicional.
Palabras clave: Fenomenología; Experiencia espiritual; Sufrimiento psíquico grave; Psicoses
O Homem Louco - [...] Não ouvimos o barulho dos coveiros a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? - também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós assassinos entre os assassinos?
Nietzsche, Gaia Ciência, 2001, §125.
Introdução
O presente estudo não pretende aprofundar-se a respeito da filosofia de Friedrich Wilhelm Nietzsche. Com ele iniciamos, no entanto, pelo fato de ter sido, provavelmente, a figura mais importante na filosofia no que se diz respeito ao questionamento sobre a forma ética-moral do viver do homem segundo os padrões religiosos, tirando de si a responsabilidade pessoal e intransferível dos seus atos e decisões, bem como de questionar a pessoa de Deus como ser que atua e interfere na vida e nas experiências do ser humano. Utilizamos da sua frase célebre, no sentido de problematizá-la em uma contextualização para o assunto que pretendemos desenvolver, afirmando - contrário à sua posição de ateísta - que existe uma dimensão espiritual que interfere e se relaciona com o homem.
Aqui pretendemos refletir no que se refere à experiência espiritual na prática da psicologia clínica como um tema polêmico e recorrente, tendo despertado interesse de diversas áreas que estudam o ser humano e sua relação com o mundo e o sagrado. Independente de se ter ou não uma crença na existência do sagrado e do profano, o fenômeno religioso acontece efetivamente nas experiências íntimas das pessoas, que relatam com convicção e riqueza de detalhes suas vivências com Deus e os anjos, com o diabo e seus demônios, sendo estes, protagonistas dos seus anseios, medos, conquistas e sofrimentos. Este fato não pode ser simplesmente ignorado ou diagnosticado arbitrariamente como um transtorno mental ou uma crise psíquica, o que nos leva a refletir e levantar questionamentos sobre a postura da psiquiatria tradicional e o seu modelo nosográfico e determinista que não serve como parâmetro, a não ser de doença, na análise deste fenômeno, bem como da psicologia, suas limitações e preconceitos na atuação deste fenômeno. A sua complexidade deve ser refletida em todos os seus aspectos, que ultrapassam fatores biológicos, sociológicos, antropológicos ou históricos e políticos. Ele alcança aspectos filosóficos, teológicos e psicológicos, levando em consideração as experiências individuais e subjetivas, o que o transforma em uma das dimensões mais marcantes da experiência humana. Como então classificá-lo simplesmente como "patológico"?
Sob a ótica epistemológica da fenomenologia refletiremos sobre a experiência desses sujeitos e a maneira que esse fenômeno se manifesta nas vivências das pessoas em sofrimento psíquico grave (Costa, 2003), a partir de seus discursos. A fenomenologia segundo Husserl (1913/2006) busca investigar a experiência dos sujeitos e a forma pela qual os fenômenos chegam à consciência, e a maneira pelos quais são experimentados. Neste mecanismo, considerado como consciência intencional, todas as vivências se organizam e acontecem a partir de uma percepção. Interessa-nos compreender de onde emerge a percepção desse fenômeno e como se dá o acontecer experiencial, tal como o sujeito o manifesta em sua expressão verbal ou escrita, objetiva ou subjetiva. Todas as vivências se organizam e acontecem a partir de uma percepção. A imaginação, por exemplo, só pode existir enquanto uma vivência que foi registrada na memória, retida, de algo percebido, temporal. Surge então a pergunta: e a percepção do sagrado-profano? Emerge de onde? O fenômeno surgiu de que maneira? De onde veio a percepção? De qual maneira, que não de maneira física? Como representação? Representação do que? Voltando aos conceitos iniciais da fenomenologia, sabemos que fenômeno é tudo o que se mostra a consciência. É aquilo que se mostra. A fenomenologia começa sempre com uma percepção.
Dessa maneira, a análise fenomenológica visa analisar os sentidos, o que eu estou percebendo. Esse fenômeno aparece porque tem um fundamento. Ele não existe em si mesmo, por si mesmo. Qual seria o seu fundamento? A minha percepção? Goto (2004) assinala que a origem fenomênica se manifesta na sua totalidade, e não apenas nos significados físicos. Nessa perspectiva, temos muito que avançar. Como diferenciar uma experiência pseudo-cultural, ou religiosa de possessão ou de graça e contemplação, de uma crise psicótica? Ou como não atribuir esta experiência a uma epilepsia localizada no lóbulo temporal? Ou a um transe dissociativo? Uma ideia delirante? Um processo de comando sugestionado?
Estes são alguns dos desafios lançados neste estudo. Eliade (1959/1996) afirma que a única forma de compreender o universo mental desse "Homo religiosus" é situar-se dentro dele, para alcançar, a partir dai, todos os valores que esse universo comanda. Para isto, cabe a nós uma disposição mental, emocional e espiritual para adentrar nesse "mundo alheio". Assim, provavelmente, a afirmação de Nietzsche, que "Deus está morto", seja a mais complexa, mais provocativa e mal compreendida da história da humanidade. Como pode morrer alguém que não existe? Ou como pode morrer um ser que existe em si mesmo? Por si mesmo? Um ser metafísico? Como nos afirma o texto bíblico: "Antes de formares os montes e de começares a criar a terra e o universo, tu és Deus eternamente, no passado, no presente e no futuro" (Salmos 90.2). A pergunta sobre Deus acompanha a história da humanidade.
Com "a morte de Deus", a forma de pensar "metafísica" também se encerra e com ela a ideia tradicional a respeito da religião. Aqueles que têm uma leitura aprofundada da sua obra compreendem que essa frase não diz respeito à "existência" ou ao "fim da existência" de Deus. Seu fim era provocativo! Seu objetivo era condensar e denunciar o espírito da sua época, a decadência da metafísica com todos os dogmas e valores morais que o Deus do cristianismo representava para a cultura europeia e o pensamento ocidental. A arte, a ciência e a política eram protagonistas da época e com isto havia um desprezo velado por tudo o que envolvia o religioso e sagrado. A Europa já vivia uma época "sem Deus", porém, não admitia. Com a sua afirmativa, Nietzsche além de denunciar a hipocrisia da época, trouxe a possibilidade de algo totalmente novo: a liberdade do homem, que não seria mais determinado por forças divinas, tornando-se dono do próprio destino. Não havia mais a ideia de uma "verdade" absoluta a ser seguida. Concomitantemente a essa morte, o homem perde suas muletas metafísicas e precisa encarar o mundo e o devir sem a intervenção divina, assumindo a sua própria existência.
"A morte de Deus" refere-se também, e principalmente, ao fim de uma forma de pensar. A estrutura religiosa do pensamento como árbitro e guardiã da moral que apontava os conceitos morais como o bem e o mal, o justo e injusto, sendo fundamentada na pessoa de Deus e do cristianismo, também teve o seu fim decretado. Heidegger, em sua obra "Nietzsche", relata: "Deus está morto". Essa sentença quer dizer que:
O Deus cristão" perdeu o seu poder sobre o ente e sobre a definição do homem. O "Deus cristão" é ao mesmo tempo a representação diretriz para o "suprassensível" em geral e para as suas diversas interpretações, para os ideais e para as normas, para os "princípios" e as "regras", para as "finalidades" e os "valores" que são erigidos "sobre" o ente a fim de "dar" ao ente na totalidade uma meta, uma ordem, e como se diz de maneira sucinta um sentido (Heidegger, 1936/2014, p. 482).
Com uma visão similar à de Nietzsche, Freud desenvolve sua teoria a respeito da religião e dedica cinco das suas maiores obras: Totem e Tabu (1913), Psicologia das massas e análise do ego (1921), O futuro de uma ilusão (1927), O mal-estar da Civilização (1930) e Moisés e o Monoteísmo (1939), dentre outros pequenos textos que trouxeram reflexões sobre o fenômeno religioso. O estudo do fenômeno religioso na psicanálise2 integra os processos subjetivos do desenvolvimento humano e, diferente da teologia, não produz afirmações ou negações a respeito da realidade ontológica de Deus, mas fundamenta-se na observação dos componentes do comportamento humano, analisando a formação da personalidade com seus conteúdos religiosos. A partir dos estudos de Freud sobre o inconsciente, emerge a metapsicologia, uma ciência psicológica que supera o referencial neurobiológico e se concentra nos aspectos subjetivos e culturais do homem, trazendo uma análise antropológica e cultural do sujeito. Freud, então, desenvolve o seu postulado teórico a partir de dois registros da vida civilizada que se tornam grandes temas na análise psicológica do sujeito e da cultura: a sexualidade e a religião.
Enquanto as ideias de Nietzsche eram difundidas contrárias a toda e qualquer forma de pensar metafísico, a psicologia da religião nasce na década de 1880, tendo como precursores Wundt, Starbuck, Leuba, Freud, Jung e o seu maior representante, William James, que teve como objetivo a aplicação da psicologia ao estudo da religião. Dentre várias dificuldades, James propôs delimitar o objeto de estudo da religião, questionando sobre o desejo comum da humanidade em relação à religião, se a mesma não seria apenas um produto da história, da cultura ou da economia. Também questiona o seu conceito e se é aplicável a todas, se poderia ser considerado universal ou se variáveis (James, 1902/1986).
Savio e Bruscagin (2008) qualificam a religião como uma poderosa força norteadora dos valores da família e da sociedade, ditando a moral e as normas de comportamento. Essas autoras relembram que, na antiguidade, religião e cultura geral não se distinguiam, mas com a chegada da modernidade, tomou-se uma consciência da autonomia e chegou-se à independência e ao confronto entre a religião e a ciência. Na pós-modernidade, continuam, já é possível ter uma perspectiva que reúna os fragmentos da existência pessoal e social entre os quais religião e psicoterapia. Sobre esse novo aspecto afirmam:
O pensamento pós-moderno abriu a possibilidade de entendermos a religião e a espiritualidade como aspectos importantes da experiência humana. Para muitas pessoas, a religião é parte integrante de suas vidas e experiências cotidianas. Na ciência e na psicologia pós-modernas, valorizam-se o singular, o idiossincrático e o contextualmente situado, em vez de leis gerais. Assim, o lugar do terapeuta como concebemos é como um co-construtor que, ao lado das famílias, tem suas ideias como facilitador da conversação terapêutica (p. 22).
A pluralidade de teorias e movimentos da psicologia em geral leva a uma falta de paradigma global e único de pesquisa e de compreensão do fenômeno. Cabe aqui, de forma sucinta, esclarecer o objeto da psicologia da religião que é o homem na qualidade de religioso nos seus desejos, motivações, experiências e atitudes expressas em seu comportamento, conforme Ávila (2007, p. 15). Partindo do paradigma da Psicologia da religião, este autor defende a vivência religiosa como uma realidade psíquica complexa, na qual se integram sentimentos, atitudes e razões, corroborando que "a articulação dessa realidade supõe como toda experiência humana, dois níveis, um pré-racional, mais intuitivo e emocional, e um segundo momento no qual se articulam os conteúdos dessa experiência de forma razoável e referendada por uma forma de vida" (p. 16). Com o decorrer dos anos e o aprofundamento do estudo do religioso, surgem grandes nomes ligados ao tema, que aprofundam a pesquisa para além de descrições ou sistematizações culturais e antropológicas.
Gerardus Van Der Leeuw (1890-1950), considerado o primeiro sistematizador da fenomenologia no campo religioso, propõe um método de compreensão, para além da descrição da experiência religiosa, partindo da análise das linguagens e das manifestações dos fenômenos. Ligado à fenomenologia filosófica de Husserl, publicou a obra Fenomenologia da Religião (1933). Considerada um clássico, é marcada com poesias que expressam provavelmente o caráter "experiencial" do fenômeno religioso e não apenas "descritivo" que o autor propôs efetivamente. Os temas como natureza, plenitude divina, mística, salvação, sacramentos e outros são acompanhados com maestria com poesias de poetas e filósofos como Johann Wolfgang Von Goethe, Conrad Ferdinand Meyer, Homero (Antiguidade grega) e tantos outros. A partir desta obra, a fenomenologia da religião se identifica como uma disciplina diferenciada das outras. Ele afirma (Van Der Leew, 1933/2009):
O estudioso da religião não pode simplesmente ficar "engessado" pelas pesquisas tradicionais, comumente estabelecidas pelos pressupostos teológicos, filosóficos ou científicos, nem tão pouco acopladas a uma mentalidade simplista de senso comum, como se o fenômeno religioso fosse algo puramente individualizante, particular ou divinatório (p. 183).
Sobre Leeuw, Goto (2004) destaca o fato de que, a partir dos seus estudos, foi marcado uma diferenciação efetiva da Fenomenologia da religião como ciência da religião e do sagrado, diferenciando-se de outras ciências. Citando o autor, a Fenomenologia "não é poesia da religião, não é história das religiões, não é psicologia das religiões, não é filosofia das religiões e não é também teologia" (p. 64). Apesar de que outras disciplinas possam estar ligadas à fenomenologia, esta é uma ciência autônoma e com métodos que independem em relação a outras matérias. A Fenomenologia da religião surge, portanto, como uma ciência que se ocupa exclusivamente dos fenômenos, isto é, daquilo que se mostra na própria vida, sem apoiar-se em teorias ou pré-conceitos.
O aspecto vivencial da experiência religiosa tornou-se tema preponderante e os estudos de Leew, como também foi uma base fundamental para o surgimento da filosofia da religião de Rudolf Otto3 que desenvolveu a analise do fenômeno religioso em bases fenomenológico e hermenêutico. Como podemos ver, a fenomenologia da religião surge num contexto histórico-intelectual favorável e em pleno momento de uma restruturação epistemológica com a chegada do século XX. Goto (2004) destaca a apropriação de ideias com características "pré-fenomenológicas" surgidas ao longo da história com recurso metodológico para a teologia e seus principais representantes como Friedrich D. E. Scheleiermacher, Rudolf Otto, e Paul Tillich.
Rudolf Otto foi colega de instituição de Edmund Husserl. Mesmo com essa proximidade, em nenhum momento da sua obra "O Sagrado"4 (1917/2005) fez referência ao método fenomenológico, mesmo tendo sido reconhecido por Husserl como ter ele aplicado de forma magistral o método fenomenológico em seu livro. Como sabemos, no início do século XX havia um excesso de racionalização da cultura ocidental. Otto propõe e resgata a experiência com o sagrado como uma experiência originária, retirando o aspecto puramente racional e a ênfase intelectual dada ao fenômeno. Mostrando a complexidade do sagrado em suas categorias racionais e não racionais, ele busca resgatar a ideia de Deus que fora perdida e enfatiza a experiência do homem com o sagrado de forma admirável e instigante.
Como corpo teórico deste estudo, recorremos a outro filósofo e teólogo atualmente reconhecido pela sua sistemática e rigor científico que nos traz a possibilidade de analisar esse fenômeno para além da teologia. Paul Tillich, que partiu dos estudos de Edmund Husserl e Martin Heidegger e desenvolveu o que denominou de uma fenomenologia crítica, utilizando o método fenomenológico aplicado ao estudo do fenômeno religioso. Foi influenciado pela fenomenologia dentro da teologia, analisando os seus conceitos básicos, aplica o método fenomenológico na validação da experiência da revelação. Revolucionário e por isso muito criticado pelos teólogos da época, logo no inicio do texto da sua mais importante obra "Teologia Sistemática" (1987),5 afirma que "a teologia deve considerar a interpretação criativa da existência". Uma interpretação que é elaborada em todos os períodos da história, sob todos os tipos de condições psicológicas e sociológicas" (p. 14). E afirma: "... A teologia não está interessada no aumento das doenças mentais ou na consciência crescente delas. Ela está interessada na interpretação psiquiátrica dessas tendências" (p. 14). Tillich ao falar sobre o sentido da revelação, afirma que a teologia deve aplicar a abordagem fenomenológica a todos os seus conceitos básicos. Afirma isto mesmo a criticando como sendo insuficiente. Aponta ao fato de que, enquanto a fenomenologia é competente no reino dos sentidos lógicos, que era o objeto de pesquisas originais feitas por Husserl, ela é só parcialmente competente no reino das realidades espirituais, como a religião (p. 94). Ele une o elemento intuitivo descritivo com o elemento existencial crítico e desenvolve a fenomenologia crítica, afirmando ser este o método mais adequado para fornecer uma descrição normativa dos sentidos espirituais "e também Espirituais" (p. 96).
Ainda sobre a análise fenomenológica do fenômeno religioso, mergulharemos agora nos estudos de sua representante mais próxima, que dando prosseguimento aos estudos de Husserl, adentrou na busca pelo sentido mais profundo da existência humana. Trata-se de Edith Stein. Filósofa, de origem Judia, converteu-se ao catolicismo após a leitura dos escritos de Santa Teresa de Ávila e foi a primeira mulher a conquistar o título de doutora em Filosofia com a tese "Sobre o problema da Empatia" (1989). A obra de Edith Stein passa por três períodos específicos: o fenomenológico, pedagógico e místico. A sua obra filosófica mais importante é o livro "Ser finito e ser eterno"6 tendo sido escrito quando já tinha se tornado carmelita, após perder a cadeira universitária e ser impedida de lecionar pelo governo nazista, por ser de origem judaica. Em 1942 foi levada ao campo de concentração e executada na câmara de gás.
Em apêndice, Stein coloca um ensaio dedicado a Martin Heidegger, colega de curso, especificamente ao "Ser e tempo", pela análise feita do "ser-ai" (Da-sein), "ser finito", sem ter encontrado uma ligação com o "ser absoluto" (Sein). Alles Bello (2014) fala da trajetória desse estudo que vai do ser humano a Deus, e em seguida volta para a alma humana, na qual revela a presença de Deus. A originalidade da pesquisa está no fato de Stein utilizar o método fenomenológico, colocando em evidencia aquilo que é essencial, segundo os ditames da primeira redução proposta por Husserl, a redução eidética (p. 38). A partir dai, constrói seu próprio caminho.
Safra (2005) discorre sobre Stein como rigorosa em suas concepções e pesquisas, aprofundando-se e abordando os diferentes registros da experiência humana. Afirma que ela analisa a estrutura humana como fundamento e matriz, discutindo filosoficamente e abordando a corporeidade, a alma e o espírito. A corporeidade como espaço de acontecimento humano, o psíquico como questões ligadas a alma, ao psicológico e o espírito como ontológico; uma condição humana aberta para além e em transcendência de si e para fora de si. Em seu clássico "Ser finito e ser eterno" (1994) afirma:
A alma é o espaço em meio do total que está formado pelo corpo, a alma e o espírito. Enquanto alma sensível, habita em todos os membros e partes do corpo, recebe dele e opera sobre ele formando-o e mantendo-o. Enquanto princípio espiritual ele transcende-o 'de lá' de si mesma e olha um mundo situado mais 'para lá' de seu próprio eu: um mundo de coisas, de pessoas, de fatos; comunica-se com ele inteligentemente, e dele recebe impressões; enquanto alma no sentido própria habita em si mesma e nela o eu pessoal está como na sua própria casa (p. 388).
Outro conceito baseado nesta autora é o conceito de "Hilética.7 Este termo refere-se a materialidade, aquilo que existe. O hilético é revelado pela sensibilidade humana e o singular aparece como cada um elege e como isso aparece. A possibilidade de se abrir para isso que se revela e nos afeta, tem um sentido fundamental na compreensão dos fenômenos. É perceber o que já existe. Deixar materializar-se na corporeidade e na sensibilidade.
Baseada no conceito de "Hilética" e dentro do seu campo de estudo sobre a "empatia", Stein emprega uma metodologia para entender os fenômenos, recolhendo uma descrição dos mesmos. Essa intenção mesmo que metodologicamente diferente, encontramos na clínica psicológica de D. Winnicott. Para ambos, não é o conceito que norteia o fenômeno, mas o fenômeno que direciona o conceito. Dessa forma, olha-se o fenômeno de maneira clara, como ele realmente se apresenta.
Winnicott (1971) apresenta no campo psicanalítico, aquilo que considerou como um mistério e, portanto, nesse âmbito, como paradoxo não sendo para ser revelado ou resolvido. Estará sempre entre "fato e fantasia, criação e descoberta". Refere-se a uma terceira área da experiência, o espaço potencial, área da experiência nem subjetiva, nem objetiva: a base para a vivência dos objetos e fenômenos transicionais.
Do objeto transicional, pode-se dizer que se trata de uma questão de concordância, entre nós e o bebê, de que nunca formularemos a pergunta: Você concebeu isso ou lhe foi apresentado a partir do exterior? O importante é que não se espere decisão alguma sobre esse ponto. A pergunta não é para ser formulada (p. 28).
E continua: "(...) sendo uma realidade incontestável, a qual pertence a realidade interna e externa compartilhadas, constitui a parte maior da experiência do bebê e, através da vida, é conservada na experimentação intensa que diz respeito às artes, à religião, ao viver imaginário e ao trabalho científico criador" (p. 30). Winnicott (1998) traz a importância da corporeidade como forma de interlocução com o outro. Como afirmando que não há função corporal que não veicule uma ideia. Para o autor, há duas dimensões: a discursiva e a imagética. A formação da mente se dá a partir do mundo imagético. Na visão de Safra (2005/2006) essas dimensões psíquicas nos movem, nos empresta significado as coisas. Desta forma, confirma a posição Winnicott assinalando que o analista winnicottiano não ouve, sente! É psicossomático! Desta feita, somos afetados corporalmente pela presença imagética do outro e por sua fala.
Na dimensão hilética, acessamos aquilo que visita a sensibilidade do ser humano e está presente na transcendência ultrapassando o nível psíquico. Na exemplificação da clínica Winnicottiana, numa leitura de Safra (2006), uma imagem apresenta o que a pessoa produz na fala: fixação da libido, relação objetal, sentido existencial e concepção do divino. Dessa maneira, dá-se o compreender o sentido de ser de alguém. Essa clínica acontece pela possibilidade de nos deixarmos "afetar" em nossa sensibilidade e corporeidade. O fenômeno é revelado a partir desse "afetar" e não apenas pelo simples entendimento racional ou por um sistema conceitual anterior ao mesmo. Safra (2006) ainda nos leva a pensar nessa clínica baseada numa trilogia da constituição humana: (estética, ética e sagrado), afirmando que, o que temos tido é uma teorização da subjetividade humana e da situação clínica excessivamente abstrata e objetificada que incapacita o analista de contemplar as dimensões do ethos e da condição humana. Esta clínica com pressupostos fenomenológico-existenciais pauta-se no ser integral, buscando o desvelamento do indivíduo que é singular em seu sofrimento psíquico.
Por sofrimento psíquico, entendemos a partir e um pouco além da sua definição etimológica clássica. A palavra sofrimento vindo do latim "sufferre", que indica "estar "sob ferros", aprisionado". Sendo o "ato ou efeito de sofrer, dor física ou moral; padecimento; amargura; paciência e resignação"; e "psíquico" relativo aquilo que é da alma. Refere-se a as faculdades intelectuais e morais. Entendemos o sofrimento psíquico como e além dessa definição, aquilo que é inerente ao homem, suas angústias e dores emocionais, relacionais, morais e espirituais. É o "estar-no-mundo", vivenciando tudo aquilo que foi, o que é, e a angustia do devir.
Costa (2013) nos apresenta uma ampla concepção sobre o sofrimento psíquico grave, definindo como toda manifestação aguda da angustia humana, seja pela linguagem, seja pelo comportamento. O autor afirma:
Assim, entendemos o sofrimento psíquico como sendo essencial e inerente a todo ser humano; que se constrói e é expresso nas relações afetivas, sociais e culturais; é simbolizado de forma diferente em cada sujeito, e no caso do sujeito "tido como psicótico", existe uma particularidade a ser entendida, estudada e respeitada, além de demandar o desenvolvimento de formas de dar continência, apoio e cuidado (p. 40).
Portanto, este autor afirma e entende o sofrimento psíquico como um fenômeno que ultrapassa a ordem do orgânico, sendo também da ordem do afeto. Acrescentamos nesta pesquisa, como sendo também, efetivamente da ordem do espiritual.
"Deus não morreu e o diabo existe"! É uma frase além de provocativa e emblemática, representativa daquilo que temos visto e ouvido na clínica do sofrimento psíquico grave. É também uma maneira de desafiar os padrões de pensamento atuais instalado na academia, onde se faz acreditar que fé e razão, ou fé e inteligência são paradoxais e não podem caminhar juntos! Enquanto Nietzsche propôs o fim e a anulação de tudo o que se referisse ao "Deus dos cristãos", ou a uma possível relação com o sagrado/profano, propomos neste estudo voltar o olhar para as "coisas mesmas", "tal como aparecem", "tal como ouvimos", "tal como sentimos" ao sermos afetados pelo outro que vivencia esse fenômeno.
Em nossa experiência clínica, essa "dimensão subjetiva e espiritual" tem nome: "Deus e o diabo, anjos e demônios"; tem lugar onde se manifesta: "Consciência e corpo"; provoca sensações, percepções e sentimentos: Êxtase espiritual ou sofrimento psíquico-espiritual, este segundo termo, de nosso cunho (na clínica psicológica), numa tentativa de adentrar a subjetividade daquilo que temos vivenciado. O "Sagrado" ao qual nos referimos, é o Deus dos cristãos a quem Nietzsche se dirigiu e aquele a quem as Escrituras Sagradas apresentam como: "Eloim", Soberano Criador (Gênesis 1;26, 27); "Jeová Yhaweh", "Eu Sou" Aquele que se revela (Êxodo 3.14); "El Shaday", Deus Todo-Poderoso (Gênesis 17.1); " El Elyom", Deus Altíssimo (Daniel 4.2 e 5.18) e tantos outros nomes dados que expressam atributos e características da sua grandeza e majestade.
Tillich (1984) na certeza de não poder classificá-lo afirma: "O ser de Deus é o ser-em-si. O ser de Deus não pode ser compreendido como a existência de um ser ao lado de outros ou acima de outros" (p. 199). Numa frase categórica e emblemática, Otto (1917/2005), por sua vez afirma "Um Deus compreendido não é Deus" (p. 56). Acrescentamos: Como compreender, classificar ou provar a existência de alguém que: "É o mesmo, ontem, e hoje e eternamente?" (Hebreus 13.8) a não ser pela experiência íntima e única de cada ser que o experimenta?
O "Profano" ao qual nos referimos é o Diabo, o que as Escrituras Sagradas apresentam como "Satanás", que significa "adversário", o anjo "caído" que adentrou em "hybris" e quis ser maior do que o Deus que o criou. Em hebraico "heilel bem-shachar" e em grego, na Septuaginta "heosphoros"; "Lúcifer", que atormenta e faz o homem errar o caminho. Vailatti (2011) descreve:
...e por cortar a terra, "heilel bem-shachar" invade os corpos com rituais para caminhar, deitar, levantar. É o delírio, quem sabe o que é mentira, o que é verdade? O que é pesadelo, o que é realidade? A luz de lúcifer alucina. O sono desperta, a boca vomita, as fezes escapam, o equilíbrio balança e o mundo desaba. O que arrebata os sentidos está ao lado, chegou piscando. O brilhante, por saber que será precipitado no sheol, a sepultura comum, quer companhia. Ele é o deus das coisas que fogem, o deus deste mundo. E está ao lado (p. 22).
São esses personagens que aparecem nos discursos dos que em sofrimento psíquico se referem com clareza e riqueza de detalhes. Encontramos em Tillich (1984) uma análise sobre o fenômeno do "êxtase e da possessão demoníaca". Na clínica, temos vistos inúmeros casos cujas manifestações acontecem deixando terapeutas e médicos desnorteados a respeito do diagnóstico e principalmente da intervenção. Para amenizar esse estado de impotência diante do desconhecido, diante do mistério, apelamos para aquilo que é mais concreto e "cientificamente aprovado": o diagnóstico psiquiátrico tradicional. "Crise Psicótica", "Histeria", "Esquizofrenia", "Transtorno Dissociativo", são alguns termos que recorremos para administrar a nossa angústia inicial ou o desconhecimento a respeito deste fenômeno. Em sua análise, Tillich (1984) nos apresenta o conceito de "Êxtase" como: "estar fora de si mesmo". Aponta para um estado de mente que é extraordinário no sentido de que a mente transcende sua situação ordinária (p. 99).
A distorção que ocorre sobre este fenômeno não é atual. Tillich já chamava a atenção ao que se refere a grupos e movimentos que reivindicavam ter experiências religiosas especiais, inspirações pessoais e revelações individuais e não os diferencia do que ocorre na atualidade. Também, é confundido com "entusiasmo" (p. 100). Os movimentos extáticos podem confundir "superexcitação" com a "presença do Espírito Divino", ou com a ocorrência da revelação. Ele cita:
Algo ocorre tanto objetiva quanto subjetivamente em toda manifestação genuína ao mistério. Só algo subjetivo acontece em um estado de superexcitação religiosa, em geral, produzido artificialmente... Superexcitação é um estado de mente que pode ser compreendido completamente em termos psicológicos. Êxtase transcende o nível psicológico, embora tenha um lado psicológico. Ele revela algo válido sobre a relação entre o mistério do nosso ser e nós mesmos (p. 100).
Tillich afirma que em meio a essas experiências, onde a mente é possuída pelo mistério, seja em uma manifestação genuína ou num processo produzido artificialmente por uma superexcitação religiosa, surge a ameaça do "não-ser". Essa ameaça possuindo a mente produz "o choque ontológico" e nele é experimentado o lado negativo do mistério do ser. Esse estado, aponta para uma estado de mente no qual a mente é tirada do seu equilíbrio normal e é abalada em sua estrutura. A razão alcança sua linha-limítrofe e é lançada de volta sobre si mesma, e daí arrastada de novo para essa situação extrema (p. 101). E continua:
O estado extático no qual ocorre a revelação não destrói a estrutura racional da mente. Os relatos sobre experiências extáticas na literatura clássica das grandes religiões coincidem neste ponto - que, enquanto que a possessão demoníaca destrói a estrutura racional da mente, o êxtase divino a preserva e eleva, embora a transcenda. Possessão demoníaca destrói os princípios éticos e lógicos da razão: o êxtase divino os afirma" (p. 101).
Ainda indica que há um ponto de identidade entre êxtase e possessão. Em ambos os casos a estrutura sujeito-objeto da mente é desativada afirmando que o êxtase divino não viola a totalidade da mente racional, enquanto que a possessão a enfraquece ou destrói.
No estado de possessão demoníaca a mente não está de fato "fora de si mesma". Ela de fato está em poder de elementos dela mesma, que aspiram ser a totalidade da mente, que se apoderam do centro do seu eu racional e o destroem. O autor afirma ser obvio que êxtase tem um forte aspecto emocional. Mas seria um erro reduzi-lo a emoção. Em toda experiência extática, todas as funções de compreender e estruturar a razão são conduzidas para além de si mesmas, e também a emoção (p. 101).
Seria impossível pensar em uma experiência de êxtase ou possessão sem pensar numa relação de angústia ou sofrimento psíquico. Nos casos clínicos que temos acompanhado esse tipo de manifestação, é visível um sofrimento que ultrapassa o nível psicológico. A esse tipo de sofrimento, vamos denominar de sofrimento psíquico-espiritual. Psíquico por estar no âmbito das estruturas psíquicas, e espiritual por envolver uma relação para além do psicológico, do humanamente aceitável e compreendido. Algo que foge do controle absoluto da mente, que transcende o próprio ser. Mesmo no caso do êxtase divino, que tem uma conotação totalmente positiva de uma experiência de plenitude, o contato com o Sagrado, provoca sentimentos e sensações de falta de controle, temor e tremor diante do indizível, inefável. A possessão demoníaca por si só, nos traz uma sensação de terror. O conceito do mal embutido na figura do diabo e seus demônios já são suficientes para desencadear uma séria de sensações de mal estar psíquico. As pessoas que experimentam dessa manifestação, seja na possessão ou nas visões de vultos e presenças demoníacas, bem como vozes de comando, relatam com dor emocional e uma angustia avassaladora essa experiência. A sensação de "perda de controle", "medo", "invasão do ser", "peso emocional". Também sintomas psicossomáticos, dores no corpo e na cabeça, fraqueza, tontura, taquicardia, "peso na cabeça", etc., são descritos em palavras, gestos e expressões faciais angustiantes e quase irrepresentáveis em palavras.
A breve revisão de literatura nos proporciona uma reflexão sobre a experiência espiritual de possessão ou de graça e contemplação, em contraposição a uma crise psicótica além de promover discussão sobre os diagnósticos postulados pela psiquiatria tradicional. O diagnóstico diferencial revisitado pela fenomenologia que é baseada na intuição, descrição das vivências, história e experiência singular é aqui utilizado no sentido de atribuir novos sentidos ao conceito de psicopatologia relacionada ao fenômeno religioso. Também, a complexidade desse fenômeno nos leva a uma reflexão e análise por meio de uma multiabordagem. Para a questão da clínica interventiva, as concepções teóricas e clínicas nos remetem a psicanálise winnicottiana, em especial das contribuições de Safra (2006) numa leitura hermenêutica da situação clínica como desvelamento da singularidade do ethos humano.
Por certo, levantar questionamentos ou provas a respeito da existência de Deus ou do Diabo, não é o objetivo desse estudo, tão pouco fazer apologia a uma psicologia teísta. Referimo-nos aos mesmos, porque ao nosso entender, (independente de posição pessoal) e baseado naquilo que temos visto e ouvido na clínica, eles existem! Como vivências, como objeto de fé, adoração, medo, temor e tremor. Interessa-nos o sentido, representações e ações do sagrado/profano nas experiências psíquicas apresentadas por indivíduos em sofrimento psíquico grave. Interessa-nos provocar, refletir e evidenciar por meio de uma análise fenomenológico-psicológica, a existência desta dimensão espiritual.
Como anseio maior, fica o desejo de explicitar e disseminar algumas reflexões no meio acadêmico e principalmente no âmbito "Psi" sobre esse fenômeno que "salta" aos nossos olhos quase que diariamente do qual não temos quase nenhuma referencia teórica ou metodológica para uma intervenção que não seja ou "sair correndo" diante do desconhecido, ou apelar para o diagnóstico psiquiátrico tradicional, fazendo uma contenção medicamentosa seguida de uma internação, anulando qualquer possibilidade de compreensão do fenômeno que se apresenta.
Pensar nas possibilidades de abordar esse assunto no setting terapêutico, com acolhimento, escuta e manejo clínico, nos leva a refletir sobre a postura do psicólogo, no que diz respeito a sua espiritualidade bem como suas limitações diante deste fenômeno. Iniciamos com a questão do preconceito estabelecido na academia, que exige uma neutralidade do psicólogo na sua atuação clínica. Entendemos este fator não apenas como critério de conduta ética, mas de parâmetros colocados pela academia. É um conceito munido de "preconceito". É uma questão de herança epistemológica. Temos uma herança Kantiana, onde transitamos entre o racionalismo continental e a tradição empírica inglesa. Entretanto, sabemos que por trás de toda prática clínica, existe uma visão além de epistemológica, ontológica e antropológica em que, especialmente na psicologia, interfere diretamente no processo de subjetivação do indivíduo, o que resulta numa impossibilidade de uma "neutralidade", no seu aspecto radical.
Particularmente, no curso de psicologia somos orientados a sermos neutros, ou melhor, não adentrar ao assunto caso o cliente traga para o processo algo referente a sua religiosidade ou espiritualidade, como este aspecto não interferisse no seu modo de viver, não demandasse conflitos e sofrimentos, não orientasse suas decisões, não interferisse nas suas escolhas pessoais, profissionais, conjugais, etc., ou seja, não existisse. Esta é uma visão genuinamente incoerente que nos leva a revisitar e questionar o conceito de "neutralidade" no âmbito clínico psicológico. É certo que não podemos inferir ou interferir em questões como princípios ou conceitos morais, éticos ou religiosos. Não nos cabe ajuizar a respeito daquilo que não nos pertence; a singularidade e a subjetividade do outro, afirmando ou negando a respeito da realidade objetiva deste fenômeno. Isto, no entanto, deve estar relacionado a todos os aspectos da experiência humana. Portanto, precisamos entender o fator religiosidade e espiritualidade como apenas mais uma faceta inerente a este ser, assim como a sua sexualidade, sua ética, sua inteligência, criatividade, autoestima, seus conceitos sobre a vida e a existência. Enquanto o psicólogo entender a espiritualidade do seu cliente como algo "intocável", "inacessível", provavelmente não estará pronto para acolhê-lo como ser integral constituído de corpo, alma e espírito, não dará abertura para sua existencialidade, permitindo assim que o mesmo se permita ser quem é, sem máscaras ou reservas. Se a ciência psicológica do final do final do século XIX foi constituída em cima de pilares de estigmas e preconceitos quanto ao fenômeno religioso, a clínica psicológica contemporânea precisa acompanhar as mudanças do tempo e do desenvolvimento humano e abrir suas portas para o acolhimento do homem transcendental e ver o Sagrado como objeto eminentemente presente em sua existência.
Entramos em outro aspecto a partir deste questionamento. Esta resistência em pensar o fenômeno religioso na clínica psicológica seria resultado apenas de uma herança epistemológica e acadêmica, ou se constitui também um preconceito pessoal? Afinal, o psicólogo que se declara religioso, nunca foi bem visto com bons olhos. Propositalmente e ironicamente, utilizamos as palavras de Freud (1910) afirmando que "nenhum psicanalista avança além do quanto permitem seus próprios complexos e resistências internas". Portanto, é preciso uma auto-avaliação honesta de si mesmo no que diz respeito ao que sentimos e pensamos sobre este assunto. Isso nos leva a pensar em nossas limitações e preconceitos. Naturalmente, ao ouvirmos o sofrimento do cliente, nos deparamos com as nossas próprias experiências e deficiências. Não é diferente quando se trata da religiosidade e espiritualidade. Entender que não estamos ali para dar respostas, provavelmente seja o primeiro passo para amenizar a ansiedade em relação a este fenômeno, ou qualquer outro.
Nosso papel é junto ao paciente, trazer à consciência os processos psicológicos quem envolvem sua dinâmica e o sofrimento em questão. Desta forma, é necessário pensar a nossa espiritualidade como fator de bem estar ou mal psíquico e ter clareza dos próprios valores para poder avaliar as reações contratransferenciais que surgem. Para isso, alguns questionamentos são necessários tais como: Qual a minha concepção a respeito do Sagrado? Em que abordagem religiosa fui orientado e o que utilizo dela na minha vida adulta? O que reformulei? Quais frustrações que tenho a respeito de Deus ou da religião e que podem me fazer ouvir com preconceito a fala do outro sobre o assunto? Eu creio na realidade espiritual de Deus, do diabo ou qualquer outra? Se não, como reajo diante daquele que crer? Com críticas? Resistências? Empatia? Quanto ao psicólogo que se declara religioso, é esperado que o mesmo aja com autocrítica e dentro dos princípios éticos. Isto inclui não se deixar levar em ser afetado pela orientação religiosa do cliente, envolvendo-se em conversas pessoais sobre fé, doutrinação ou discussões de cunho filosófico, que não estejam dentro do contexto da demanda em questão trazida como queixa para o processo terapêutico, ou perder a possibilidade de explorar os verdadeiros sentidos e significados e suas implicações na vida do cliente, ou ainda, ao entender o discurso religioso, direcioná-lo automaticamente a sua dinâmica espiritual, deixando de lado a possibilidade de uma análise psicológica ou patológica. Sejam quais forem os comportamentos acima citados por parte do psicólogo religioso ou ateu, reflete seu processo de contratransferência que precisa ser analisado para que não aja prejuízo no desenvolvimento do processo terapêutico.
Pensando nesses aspectos, é possível entender que, independente daquilo que for trazido para o consultório, não nos autoriza, assim como em qualquer outro assunto "do Outro", deferir ou fazer apologia. Nosso papel é tentar trazer a consciência como estes aspectos influenciam e trazem sofrimento psíquico dando e trazendo a possibilidade de o cliente organizá-los ou ressignificá-los.
Interessante pensar que, como profissionais conscientes das nossas limitações, abstemo-nos em atender algumas demandas as quais nos mobilizam e não nos achamos "prontos" ou "competentes" e encaminhamos para outros profissionais, como por exemplo: casos de pedofilia, abuso sexual, violência doméstica, atendimento familiar ou de casal, crises psicóticas, etc., Por que então, a demanda "religiosidade" ou "espiritualidade" não é vista como apenas mais uma das nossas impossibilidades de atuação? Talvez seja mais cômodo apontar o fenômeno como "incoerente" ao processo terapêutico ao invés de assumir que não temos conhecimento e habilidades suficientes para acolher.
Após uma autoanálise a respeito da própria espiritualidade, é possível pensar numa atuação clínica deste fenômeno com acolhimento, escuta e manejo clínico. Safra (2006) propõe um vértice hermenêutico para abordar o idioma pessoal e a questão da espiritualidade na clínica, apontando a necessidade que na clínica contemporânea de reconhecer dois registros fundamentais que constituem o ethos humano, o registro ôntico e ontológico. "O ôntico refere-se "aos fatos da existência humana, enquanto o ontolológico diz respeito às estruturas a priori que definem as possibilidades realizadas em cada existência humana" (p. 22). Ainda sobre estes dois conceitos, afirma a originalidade do que é ontológico. Assinala que o ôntico ocorre no tempo e no espaço, isto é, na biografia de uma pessoa e que o ontológico é pré-existente e fundante, contendo o homem desde sempre, afirmando:
Há um fluir no homem que acontece em meio a estes dois registros: ôntico e ontológico. Estes aspectos do ser humano faz com que o homem, em sua estrutura fundamental, seja paradoxo. Como ser paradoxal, o homem é finito que anseia o infinito, limitado que vive o ilimitado, criatura que anseia por um criador. É um ser que vive entre agonias impensáveis e o terror do totalmente pensado (p. 27).
Ainda sobre este aspecto, nos leva a refletir sobre a forma em que o indivíduo é afetado por esses dois registros, e o fato de que, nós psicólogos, temos uma tendência a ver com mais frequência ou quase sempre os afetos como ònticos, isto é, dentro da "trama psíquica" (p. 129).
Mas que existe uma outra maneira que diz respeito a se estar afetado ontologicamente pela existência. Nisto consiste em que o indivíduo encontra-se situado por ter ou não conseguido se apropriar de sua questão originária e de seu modo pessoal de conceber "o sentido último" (p. 130).
Pensando nesses aspectos, refletimos brevemente em como acolher, dar contenção e manejar essas "angústias impensáveis" ou esse "terror do totalmente pensado" ou podemos definir como "angustias psicóticas" representadas de variadas maneiras, inclusive na forma de discurso religioso e manifestação espiritual.
Geralmente esses atendimentos são momentos vividos com muita intensidade e confusão. Alguns chegando ao risco de agressões verbais e físicas, outros com situações inusitadas onde o cliente "conversa" com "entidades" que identificam como "sagradas ou demoníacas", sentindo a presença destes e vivenciando diante dos nossos olhos todo o terror decorrente dessa experiência. O que fazer? Interagir? Posicionar-se como expectador ou fazer parte da trama? As dúvidas são muitas, as respostas são diversas, pois cada situação é singular, cabendo ao terapeuta usar da sua sensibilidade e espiritualidade para identificar qual postura tomar. Porém, algo se faz necessário: é preciso "estar lá", "estar com". Isto significa estar implicado na situação e deixar-se afetar por ela. Este, provavelmente, seja este o primeiro passo a ser dado. O que virá em seguida ficará por conta da subjetivação do indivíduo que irá "desvelar" o ethos humano em sua plenitude com toda a sua possibilidade de mostrar-se.
Separamos, portanto, algumas vinhetas clínicas8 para exemplificar este fenômeno na clínica em seu acolhimento e manejo clínico, não caracterizando como um modelo a seguir, nem tão pouco com a pretensão de criar um manual de conduta ao terapeuta, mas, refletir sobre as possibilidades e limitações que temos diante deste fenômeno. Sugiro, entretanto, caso o leitor ainda não tenha se libertado dos seus preconceitos ou "modelos teóricos definidos" que apontam uma forma rígida e "neutra" do terapeuta conduzir o processo terapêutico, que se abstenha em prosseguir a leitura.
1. Acolhimento
O acolhimento é o primeiro contato com o cliente em crise e muitas vezes precisa ser realizado apenas de maneira apenas "presentificada". Por vezes representada pelo silêncio do terapeuta, pelo olhar atento, compreensivo e acolhedor. Segue relato:
Caso 1 - "V"9
Vitória é uma jovem senhora de 33 anos, protestante, casada há 4 anos e tem uma filha de 8 meses. Reside com o esposo e a filha. Começou a apresentar sinais de sofrimento psíquico mais ou menos um mês antes da crise que ocorreu no final de novembro de 2008.
...após alguns minutos, V. se levanta e começa a andar de um lado para o outro da sala, pronunciando palavras de conteúdo religioso. Com um discurso muito desorganizado, falava várias coisas ao mesmo tempo, versículos bíblicos, palavras proféticas e ao mesmo tempo, num tom agressivo, denunciava seu sofrimento acusando várias pessoas: "eles não vão conseguir, o inimigo quer me destruir, porque a palavra de Deus diz: "Mil cairão a tua direita e três mil a tua esquerda, e tu não serás abalado". "O M. e a F. são meus presentes" (marido e filha); "eles tentam me destruir, mas não vão conseguir", "eu sei de muito", "a profanação e a imoralidade está presente", "o diabo tem tentado destruir, eu sei de muito".
Em um dado momento tentei fazer contato verbal, mas devido a sua desorganização, rejeitou. Respeitei e algum tempo depois fui ao seu encontro, chamei pelo seu nome, toquei no seu braço, olhei bem firme nos olhos e me apresentei oferecendo ajuda. Ela me olhou por alguns instantes, me ouviu e logo em seguida me ignorou, voltando ao seu discurso. Este foi o momento do acolhimento, o olhar e o toque no seu braço. Senti que o vínculo inicial foi constituído. Neste momento e no decorrer do processo pude compreender a fala de Safra (2006) quando afirma que:
A sensibilidade do Outro responda à presença de si... a falta de reação estética frente a presença do Outro joga a pessoa para invisibilidade, o que acarreta uma destituição da dignidade da pessoa humana... quando respondemos afetiva e esteticamente ao Outro lhe ofertamos a experiência de que realmente existe para nós e, ao mesmo tempo, por reunirmos em nosso olhar a complexidade do seu ser lhe ofertamos a totalidade virtual de si mesmo: no olhar do Outro reside o futuro sonhado de si mesmo. Quando este fenômeno se realiza o estético se faz o ético (p. 157).
Caso 2 - "G"10
Guilherme tem 18 anos. A família foi atendida em agosto de 2009 após ter sido internado numa clínica psiquiátrica. Os pais relatam que tinha uma vida normal até os 14 anos. Tinha amigos, estudava e jogava futebol. Neste ano, passou a frequentar uma comunidade evangélica neopentecostal. Após um retiro espiritual da igreja, relata que ficou "endemoninhado" e que os pastores oraram expulsando o demônio. Passou a se comportar de forma estranha. Ficou medroso, dizia ouvir vozes, ver vultos, falava muito sobre morte e acusações. Um ano após teve segundo os pais uma experiência de "possessão demoníaca". Passou a frequentar o centro espírita que o denominou como médium.
Via vultos, uma coisa preta. Só apareciam. Ouvia vozes. Agora fica só um zumbido, me pediam doce. As vozes ficam falando, quero doce, quero refrigerante, tem que tirar o que é meu, fica querendo tirar proveito dessa situação que eu estou. Às vezes é de mulher, às vezes é de homem. Marcos e João já morreram, eles ficam assoviando, vejo eles passando na rua. Quem fica assoviando é André, ele fala: bate na minha bunda." (Sorri). As vozes falam que um dia pecou, as vozes pecaram, o que é meu é meu, tô ouvindo música, ficam xingando, fazem elogios '"bonito", não xingam não. Ficam duvidando do cara, não é homem não. Quando toma chá fica atentando os outros dizendo quero luz.
Discursos confusos como este de G. são comuns nas primeiras sessões de atendimento em casos de crise psicóticas. Muitas vezes não sabemos discernir o que é do contexto real ou o que é processo alucinatório, mas isto é o que menos importa. Neste momento não cabe diagnóstico ou interpretações. O que está em jogo é se temos ou não a capacidade de nos colocar no lugar do Outro. Desta forma, não cabe outra coisa que não seja a escuta atenta e acolhedora. Safra (2006) nos fala que "a medida que acompanhamos a fala de uma pessoa por meio da nossa sensibilidade, permitimos que esta nos leve a experenciar o seu pathos" (p. 155). Isto nos faz pensar em uma presença real e qualificada do terapeuta que transmita confiança e proporcione o sentimento de cuidado. Essas características representam uma clínica da ética e do cuidado, onde o "Outro" pode ser ele mesmo, nas suas angustias, dores e na sua "loucura". Essa aceitação incondicional representa devolver aquilo que é de mais importante e que lhe foi tirado na crise, "o saber e o controle de si mesmo" e "a sua dignidade" como ser aceito e respeitado no mundo.
2. Manejo clínico
O manejo Clínico nos remete a tomar algumas posturas onde na maioria das vezes implicará no desenvolvimento do processo terapêutico. Portanto, voltamos a enfatizar que a sensibilidade e no caso em especial nas crises com conteúdos religiosos e místicos, é preciso que o terapeuta esteja consciente da sua espiritualidade, utilizando- a favor do cliente, e não em favor de si mesmo. Não nos referimos aqui, a fé ou falta de fé, a posicionamentos doutrinários ou denominacionais, ou seja, nos casos exemplificados, o terapeuta poderia ser ou não religioso e ter a mesma postura ou outra completamente diferente. O que vai diferenciar é a "verdade" do terapeuta, sua espiritualidade para além da religiosidade. Sua essência no que diz a respeito a sua visão de "vida", "existência", "transcendência", sua própria "ontologia" e sua percepção sobre as questões "ultimas da vida". Portanto, não existem modelos a seguir, e sim, a intuição, sensibilidade e espiritualidade proporcionando à sustentação necessária a situação vivenciada.
Caso 3 - "M"
Este caso foi encaminhado ao meu consultório. Foi a primeira sessão de D. uma jovem diagnosticada com esquizofrenia. Era casada, porém morava com os pais após ter tido uma crise e voltar de outro estado o qual morava com o esposo. Um dos motivos que desencadeou a crise foi uma experiência de abuso espiritual vivida antes do casamento. Denominava-se evangélica. Chegou completamente desorganizada, verbalmente e corporalmente dizendo ter problemas de visão, que não permitia ler nem olhar direito para as pessoas, o que a impedia de olhar diretamente para mim. Com o decorrer do processo esses "problemas" desapareceram.
Ali olha! Ali olha! Tá vendo? No canto de cima, ele, tá olhando pra cá!" (ele quem?) "o demônio! Onde você está vendo? Não quero olhar, ele me acompanha, está dizendo que você é fraca, que não vai poder me ajudar! Ai, tá vindo, tá vindo, tá vindo" - desespero, choro (Calma, eu estou aqui com você). Sai em direção a janela do consultório fazendo o movimento de que queria pular. Levanto rapidamente e seguro ela por trás pedindo para se acalmar. Levo até a cadeira e ela senta com os olhos fechados, com o semblante de terror. Abre os olhos com medo e diz: "Tá vindo, tá vindo, sentou aqui, do meu lado" - falando em voz baixa e virando as costas para a cadeira do lado. Está dizendo que você não vai me ajudar, você é fraca. O que eu faço? (Você acredita que eu posso te ajudar?) "acho, mas ele..." - semblante de terror, olhos fechados - (M. olha para mim! Olha pra mim! Eu estou aqui para te ajudar, eu não tenho medo dele!) - Abre os olhos - "Não?" (não!) "Ele tá dizendo que você tem sim. (olha pra mim. Eu estou parecendo que estou com medo de alguma coisa?) "Não. Então diz pra ele que você não tem medo dele! E que você vai me ajudar". (Falando em voz baixa e de costas para a cadeira). Eu não vejo ele como você, não ouço como você. Porque você mesma não fala que eu não tenho medo e que eu vou te ajudar?). Fala em voz alta, mas de costas ainda para a cadeira: "ela não tem medo de você, ela é forte e vai me ajudar!". (Fica cerca de 5 minutos em silêncio. Acompanho o silencio. Vira as costas para a cadeira do lado com os olhos abertos e diz:) "ele foi embora".
Após esse momento, e no decorrer dos outros encontros, M. começou um discurso desorganizado sobre diversos assuntos, que misturavam passado e presente e ansiedades sobre o futuro. Situações reais que tinha vivenciado de violência e abusos emocionais, físicos e espirituais além de conflitos familiares originários. No decorrer do processo foi possível montar o "quebra-cabeça" que a levou a crise. Uma história de que realmente, ultrapassava a noção do "humanamente" aceitável e que foi muito bem representada pela figura do demônio. Provavelmente a postura adotada como terapeuta em aceitar o seu discurso e participar dele, a ajudou a encarar o "mal" de maneira que, por mais difícil que fosse sua história, teria sim alguém para lhe dar o holding necessário. Após um ano e meio de processo terapêutico, a jovem diagnosticada com "esquizofrenia" estava prestando vestibular para pedagogia e retomando sua vida, mesmo com muitas sequelas e ainda necessitando de sustentação psicológica e medicamentosa, pode enfrentar seus "demônios" e voltar pensar em dar continuidade à sua existência.
Caso 4 - "C"
C. é um adolescente de 15 anos. Quando chegou ao GIPSI fazia uso de antipsicóticos já há quatro anos. Frequentava Uma igreja pentecostal de costumes rígidos, acreditava ser responsável junto a Deus, por lutar contra o demônio. Tinha uma vida relativamente dentro dos padrões da idade. Estudava, fazia artes marciais e era particularmente envolvido com a cultura japonesa. Naquele momento, a mãe relata que estava em crise e que lia a bíblia o dia todo, também orando incessantemente. Em certa ocasião, ao chegar em casa do trabalho, o encontrou de terno e gravata na sala, afirmando estar esperando a volta de Jesus que iria acontecer naquele momento e que ele deveria estar preparado.
Angustiado, andando de um lado para o outro da sala, olhando para mim. Pergunto: C. você quer me falar algo? Estou te achando nervoso! "Não posso falar, ele está aqui. Pode ouvir e usar contra mim depois". Quem está aqui? "O inimigo, Satanás". Você está vendo ele? "Não, mas eu sinto a presença dele, queria falar, mas não posso". O que podemos fazer então? Acho que você está precisando falar não é? "É. Se a gente orar, ele vai embora. É isso que você faz para ele ir embora? "Sim, posso orar aqui?" Claro, pode orar! fica de joelhos e pergunta: "Você pode orar comigo?" Você quer que eu ore com você? "Eu queria que você me acompanhasse". Ok. Vou te acompanhar. "Aqui do meu lado, fica de joelhos por favor". Claro! Olhou pra mim por alguns segundos e disse: "obrigado, você não precisa orar, eu oro, só precisa ficar aqui".
Não tenho dúvidas que o cliente sabe e sente exatamente quando estamos verdadeiramente com eles em seu sofrimento. É possível sentir isto a partir dos seus gestos e olhar. Comprovei isto com o retorno que recebi após a solicitação feita pelo C. Neste caso, utilizando da minha espiritualidade, acreditei que a fé dele realmente iria coloca-lo num processo libertador. Não enxerguei ali um processo "alucinatório". Nas palavras de Safra (2006) não enxerguei apenas o registro "ôntico", mas o registro "ontológico", uma questão originária do seu ser, que no momento estava "sendo representada na figura de "Satanás". Quando me ajoelhei ao seu lado, não o acompanhei apenas de forma teatral, mas profundamente tocada pela necessidade que ele tinha daquele ato. Ele sentiu isto. Pude ver ao olhar nos meus olhos ao mesmo tempo surpreso e grato.
Caso 5 - "F"
Este caso não foi caracterizado como sendo de crise psicótica. O utilizo pelo alto nível de sofrimento psíquico, como um caso de intervenção precoce as primeiras crises e pelas questões da espiritualidade que foram determinantes no fechamento do processo como nas questões existências da cliente. Foi realizado no Centro de Atendimento e Estudos Psicológico - (CAEP) da Universidade de Brasília. F. é uma jovem senhora que me procurou por estar sentindo-se "muito angustiada, sofrendo de ansiedade, medo de enlouquecer e muito insegura" (sic). Mãe de uma cliente que havia tido uma crise do tipo psicótica, outro motivo de preocupação e que lhe trazia culpa e angustia. Casada, sentia-se incapaz de tomar decisões referentes ao trabalho em conjunto com o marido, e outras questões que geralmente a fazia sentir-se "burra e infantil" (sic). Além disto, apresentava baixoauto-estima e um luto não resolvido do pai. Porém, o que marcou o processo foi que, após trabalhar todos essas questões, ela trouxe o que realmente a desorganizava, um abuso sexual na infância, que a priori, nunca pensou em falar no processo terapêutico, mas que efetivamente representava as suas "angústias impensáveis" mascarada em ansiedades e sentimentos de insegurança e medos. F. era espírita e tinha uma sensibilidade e espiritualidade bem desenvolvidas. Segue parte do relato na penúltima sessão que ocorreu após um sonho. Anterior a este sonho tínhamos tido uma sessão muito tensa, onde conseguiu falar do abuso e fazer algumas ligações com a sua insegurança e ansiedade.
No sonho, sentia uma vibração. Uma sensação de luz, descendo do céu como uma presença muito forte, grande, poderosa. Fiquei emocionada, acordei com aquela sensação e chorei muito.
Durante o processo terapêutico, utilizamos o EMDR, abordagem que trabalha com dessensibilizacão e reprocessamento de traumas por meio de movimentos oculares. Em dado momento, F. foi ficando cada vez mais angustiada por estar relembrando o trauma, com a respiração ofegante disse: "tenho vontade de rasgar e jogar tudo fora, tirar todo o peso e angustia de dentro do coração" (sic). Ficou muito angustiada e começou a chorar compulsivamente, dando alguns sinais que iria se desorganizar. Interrompemos o processo e como estava quase no final da sessão, apliquei um procedimento que visa estabilizar o cliente. Durante o processo, ocorreu o que caracterizo como um momento de experiência com o Sagrado. F. utilizou da sua espiritualidade para organizar-se psiquicamente na sua angústia, resignificando a experiência de dor, vivenciando um momento de cura espiritual, porque não dizer de "graça e contemplação".
Como parte do procedimento, pedi para F. fechar os olhos, respirar fundo e se imaginar num "lugar tranquilo"11. Ao fazer isso, gradativamente ela foi se acalmando. Em um dado momento disse para mim ainda com os olhos fechados:
É como se estivesse vendo uma luz sobre mim, igual no sonho". Semblante tranquilo. "Vem sobre a minha cabeça e entra dentro de mim". Como está se sentindo? "Bem, muito tranquila". Imagina então, essa luz inundando seu corpo, sente como seria. "Ela entra pela minha cabeça, pelo meu rosto, passa no peito, e desce em todas as minhas partes". Enquanto fala, gesticula com as mãos por onde a luz passava, chegando as partes íntimas, num movimento de finalizar colocando para fora. "Essa sensação de luz, parece que saiu alguma coisa que tinha nas minhas costas, um peso. Sentimento bom. Como se a luz estivesse no lugar da angustia. Meu coração não tá mais apertado, tá fresquinho, sensação de geladinho, "tava" parecendo quente". Abre os olhos e sorri. "Engraçado, é como se eu dissesse para aquele homem, que não ia deixar mais, como se não tivesse mais motivo, uma sensação de confiança, certeza. Como se não pudesse me afetar". "Não tenho nenhuma dúvida, toda certeza, como se estivesse dentro do meu ser, Não tem porque eu ter medo, não confiar, me achar fraca, como se não tivesse mais motivo, uma sensação de confiança, certeza".
Assim como Otto (2005), Stein (1988b) acreditava e via na experiência mística uma vivencia humana permeada de mistério, mas passível de descrições daquilo que se mostrava a consciência, permitindo a reflexão sobre a subjetividade e intersubjetividade humana por meio da redução fenomenológica. Entendemos que a fenomenologia nos proporciona a busca por essa "realidade" ultrapassando as limitações da psicologia e da filosofia e trazendo a possibilidade de entender o mistério desse encontro do homem como o mistério do divino.
Outra situação clínica que foi marcada pela experiência espiritual em meio a crise psicótica, aconteceu no caso apresentado na vinheta 2. Uma experiência singular no que se diz respeito a manifestação espiritual na crise. G, em dado momento na sessão, já nos últimos meses do seu processo terapêutico, com todos os sintomas psicóticos remidos, apresenta a seguinte manifestação:
Estávamos conversando, fazendo uma avaliação do processo e conversando sobre a possibilidade de finalização. Ele estava tranquilo, feliz por estar sentido a possibilidade de fechar o processo e voltar a ter sua rotina. Em dado momento, baixou a cabeça e começou a respirar ofegante. Fiquei em silêncio e aguardei. De repente, G levanta a cabeça, fitando os olhos com expressão de ódio. O olhar não era o seu. Parecia estar diante de outra pessoa, não só pelo ódio, pois já tinha vivenciado vários momentos de transferências onde esse aspecto surgiu. Senti um mal estar, uma sensação de "peso" no ambiente. Senti meu próprio corpo pesado, bem como uma sensibilidade na pele e angústia no peito. Respirei fundo e "suspendendo" as minhas impressões inicias, me mantive em silencio, esperando o que ia acontecer. Nesse momento, começou a falar assuntos referentes à minha vida pessoal, que obvio, nunca teve acesso, com ironia e como se quisesse me causar medo. Fitei os olhos nele e falei de maneira serena, mas firme: "G"? "Você está bem"? Ele sorriu ironicamente e disse, "G"? Com essa resposta, entendi aquele momento como uma manifestação espiritual. Continuei: "parece que você acredita está me atingindo com suas acusações? "Acha que me causa medo"? No mesmo momento, abaixou a cabeça, ficou em silêncio e poucos segundos depois olhou novamente para mim, voltando ao seu olhar e estado "normais". Perguntei se ele estava bem e se tinha observado o que aconteceu. Ele fez um movimento nos ombros, mexendo o pescoço como se estivesse incomodado com algo. Respondeu: "tô bem, por quê? Relatei o que aconteceu e ele falou que isso acontecia algumas vezes segundo relatos dos pais, quando o levavam para o centro espírita e ele "recebia entidades".
Essa experiência nos remete a obra de Stein (1989), quando tratou do problema da empatia, quando afirma que esse fenômeno acontece quando dois sujeitos em dado momento, são capazes de convergir tanto que a vivência de um é integrada na experiência do outro, afetando o núcleo mais íntimo da pessoa. Refere-se a capacidade empática de compreensão da experiência alheia. Reforçamos o que sentimos e pensamos sobre essa experiência nas palavras de Safra (2006) quando reafirma que "intuímos e empatizamos através da nossa sensibilidade" (p. 38), retirando a intuição e a empatia do âmbito das funções mentais, dando-lhes a percepção corporal.
2. Problematizações finais (e iniciais)
Em todos os casos citados, observamos pessoas em sofrimento psíquico grave em crises trazendo conteúdos religiosos. O estudo propõe além de refletir sobre o fenômeno religioso e a experiência espiritual na clínica, a diferenciação entre o que é patológico ou o que apenas do universo do fenômeno religioso. Entendo a partir do que temos visto na clínica durante os últimos 14 anos de atuação, que é possível diferenciar estes fenômenos sem necessariamente fazer uma nova classificação categorial.
Portanto, é necessário diferenciar e entender suas formas de apresentação para que a intervenção e o manejo clínico tenha sentido e seja eficaz. Dito isto, e diante do que temos presenciado, identificamos algumas diferenças essenciais que envolvem esse fenômeno. Primeiro, na crise psicótica, o indivíduo pode trazer em sua desorganização psíquica conteúdos relacionados a sua biografia, experiências espirituais anteriores, vivenciadas de forma natural no seu ambiente religioso, sem conotação patológica, mas, que em meio a desorganização psíquica com todas as suas complicações, são processadas de maneira difusa, dando a impressão de sintomas "patológicos". Neste caso, consideramos apenas uma crise psicótica com "conteúdo religioso".
Uma segunda maneira de enxergar este fenômeno na clínica são as crises psicóticas que são permeadas com experiências espirituais, seja com a presença do "sagrado ou do demoníaco". Entendemos que o indivíduo não perde completamente a sua identidade e a sua essência em meio a crise. Com isso, a sua espiritualidade é preservada, podendo ser fator, inclusive de resiliência para o processo de reorganização psíquica, ou fator de maior desorganização psíquica. Temos tido vários relatos de experiência onde os clientes dizem ter dúvida quanto a determinada "alucinação" ser da "crise", ou ter sido uma "vivencia espiritual", assim como já experimentaram em momentos anterior a crise. Neste caso, entendemos ser uma crise psicótica com "experiência espiritual".
E por fim, e mais complexo ainda, seriam as experiências puramente espirituais ou místicas que apresentam uma gama de "sintomas" que no momento em que acontecem, desorganizam a psique, mas que não são patológicas, e constitui-se como parte integrante da maneira de "ser no mundo" do indivíduo que a vivencia. Sobre este aspecto, é preciso se desfazer de todas as "amarras preconceituais" para entender que, o que sabemos da vida e do ser humano é muito pouco para "encaixar" nos nossos manuais até então utilizados. Dalgalarrondo (2008) baseado em pesquisas na área nos traz a possibilidade de uma análise inicial trazendo uma diferenciação entre as experiências espirituais e sintomas psicopatológicos. Independente dessa diferenciação, recorremos a um olhar e uma escuta fenomenológica. Husserl afirma que o primeiro passo para o método fenomenológico é procurar captar o sentido das coisas, a sua essência (eidos). Por isso colocamos a "existência" entre parênteses, não desqualificando, mas afirmando a sua importância, e buscando o seu real sentido, no caso, não o que está fora, mas o que está dentro, o que é imanente do sujeito.
Bello (2004) traz aspectos da análise vivenciais segundo Husserl, que posteriormente foi enfatizado por Stein, onde nos mostra a estrutura do ser em três grupos, corporal, psíquico e espiritual, afirmando que não se trata de aspectos separados e sim interligados da subjetividade (p. 96).
A psicologia fenomenológica se caracteriza pela insistência na dimensão espiritual, e recorre uma antropologia filosófica que evidencie a estrutura da pessoa. Com relação a todas as outras posições filosóficas e psicológicas, a novidade da perspectiva fenomenológica é a modalidade de alcançar os níveis do corpo, da psique e do espírito através das vivências (p. 112).
Para além de uma finalização, propomos uma reflexão mas ampla, abrindo questionamentos e suscitando além de críticas, dúvidas e anseios por um aprofundamento, por enquanto, e no momento, entendendo os fenômenos psíquicos como atos dos quais temos consciência, e assim passíveis de análise. Pretendemos assim, como propõe a fenomenologia de Husserl examiná-los não apenas os atos psíquicos, mas também aqueles que advindo do sujeito remetem a sua corporeidade e ao espírito no seu sentido diverso, mas principalmente no sentido "espiritual" como dimensão fundante do homem como busca e anseio das "coisas últimas".
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Recebido em 6.03.2015
Aceito em 15.10.2015
1 O presente artigo é parte da introdução da Tese de Doutorado da primeira autora, em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Cultura (PPG-PsiCC) da Universidade de Brasília (UnB), e vinculada ao Grupo de Intervenção Precoce nas Primeiras Crises do Tipo Psicótica (GIPSI) da UnB, orientada pelo segundo autor.
2 Uma leitura mais detalhada do tema se encontra na minha dissertação de mestrado "O sofrimento psíquico grave no contexto da religião pentecostal e neopentecostal. Repercussões da religião na formação das crises do tipo psicótica", defendida no PPG de PsiCC do Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília. (Mano, 2010).
3 Rudolf Otto, filósofo e teólogo, propõe que o caráter específico do fenômeno religioso precisa ser visto e analisado como um constructo pessoal e existencial do homem com o seu objeto de fé.
4 "O Sagrado". Publicado em Marburg, na Alemanha em 1917, foi de fundamental importância para transformar essa cidade na "Meca das ciências da religião".
5 O volume I foi publicado em 1951 pela Universidade de Chicago, que posteriormente publicou o volume II em 1957 e o volume III em 1963.
6 Obra publicada em 1951. Nela, Stein contrapõe o pensamento de Heidegger sobre a questão do sentido do "ser". O título refere-se a experiência do indivíduo, "ser finito" com o divino, "ser eterno".
7 Husserl (1913) introduz o termo "hilética" em sua obra "Ideias para uma Fenomenologia pura e para uma Filosofia Fenomenológica", no livro I, no parágrafo 97 - os momentos hiléticos e noéticos como momentos reais do vivido; os momentos noemáticos como momentos não reais dele (p. 223). No segundo livro, "Ideias para uma Fenomenologia pura e para uma Filosofia Fenomenológica", aprofunda o conceito relacionando-o a experiência do corpo. Porém, quem dar continuidade ao estudo da hilética é sua discípula, Edith Stein.
8 Todos os casos citados foram autorizados previamente, constando em documentos registrados em prontuários. As iniciais dos nomes foram modificadas para manter o máximo de sigilo.
9 Estudo de caso que fez parte da pesquisa de mestrado da primeira autora, no ano de 2010: "O sofrimento psíquico grave no contexto da religião pentecostal e neopentecostal. Repercussões da religião na formação das crises do tipo psicótica", defendida no PPG-PsiCC/IP/UnB.
10 idem.
11 Procedimento que requer do cliente produzir uma imagem mental referenciando-se a um lugar que proporcione calma, bem estar e tranquilidade.