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Psicologia para América Latina

versão On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.7 México ago. 2006

 

PSICOLOGÍA JURÍDICA Y CRIMINALIDAD

 

Valores humanos e condutas delinqüentes: As bases normativas da conduta anti-social e delitiva em jovens brasileiros

 

Human values and deliquent behaviors: the normative base of antisocial and criminal behaviors in brazilian youngs

 

Valores humanos y conducta delincuente: las reglas normales de la conducta antisocial y delictivas en los jóvenes brasileños

 

Nilton Soares Formiga

Universidade Federal da Paraíba (Brasil)

 

 


RESUMO

O aumento da violência entre os jovens tem chamado atenção as mais diversas perspectivas teóricas na sua explicação. Os valores humanos têm sido um construto que vem contribuindo para a predição desse fenômeno. 650 jovens, ambos os sexos e idades entre 15 e 22 anos, participaram do estudo respondendo a Escala de Condutas Anti-Sociais e Delitivas, Questionário dos Valores Básicos e questões sócio-demográficas. Investir em valores que visam o individualismo é capaz de fomentar uma maior intensidade das condutas desviantes entre os jovens, já valores que buscam a manutenção da tradição e as normas sociais, uma dimensão coletivista é possível inibir.

Palavras-chave: Jovens, Condutas anti-sociais e delitivas, Valores humanos.


ABSTRACT

The increase of the violence between the youngs has called attention the most diverse theoretical perspectives how much to its explanation. The human values have been one construct that it comes contributing for the prediction of this phenomenon. 650 young, both the gender and ages between 15 and 22 years, had participated of the study. Scale of the antisocial and criminal behaviors, Questionnaire of the basic values and demographic questions had answered. To invest in values that they aim at the individualism is capable to foment a bigger intensity of the desviantes behaviors between the young, already values that search the social maintenance of the tradition and norms, a colectivist dimension is possible to do it.

Keywords: Youngs, Antisocial and criminal behaviors, Human values.


RESUMEN

El aumento de la violencia entre los jóvenes llamó la atención en las diversas formas explicativas. Los valores humanos han sido una construcción para la anticipación de este fenómeno. 650 jóvenes, de ambos sexos con edades entre 15 y 22 años, participan del estudio respondiendo en escalas de conductas Antisociales e Delictivas, de los Valores Básicos y cuestiones socio demográfico. Investir en valores que visan el individualismo es capaz de fomentar una mayor intensidad de las conductas delincuentes entre los jóvenes, ya valores que buscan la forma de mantener la tradición y las normas sociales, una dimensión colectivista que es posible inhibirla.

Palabras clave: Jóvenes, Conducta Antisocial, Valores humanos.


 

 

INTRODUÇÃO

O problema da delinqüência em jovens tem chamado atenção aos mais variados espaços da sociedade. Explicar sua causa relacionada aos fatores individuais, por exemplo, da estrutura de personalidade ou algum distúrbio psiquiátrico e até a organização dos traços de personalidade (Formiga, Teixeira, Curado, Lüdke & Oliveira, 2003; Coelho Junior, Formiga, Oliveira & Omar, 2004; Romero, Luengo & Sobral, 2001) ou em função de indicadores de pobreza-riqueza (Agüero, 1998) e da exclusão social ou falta de oportunidades quanto a dispor de bem-estar material (Bengoa, 1996) parecem não serem suficientes.

Nos últimos anos, uma preocupação tem sido destacada insistentemente: compreender o porque de jovens que não passaram ou estão em instituições coercitivas adotarem condutas que, além de romperem com as normas sociais, prejudicam física e psicologicamente os transeuntes e seus familiares; elas podem ir desde à formação de gangs, criação de jogos de diversão violentos, balbúrdias em festas, vandalismo, alto consumo de álcool e fumo (Donohew & Cols., 1999; Zhang, Welt & Wieczorek, 1999), as quais na maioria das vezes justificadas como parte da experiência de desenvolvimento pessoal ou a busca de sair da monotonia intergrupal.

Esse fato tem merecida ênfase porque a apresentação dessas condutas não estão entre os jovens de classe baixa, tendo-os como únicos responsáveis por elas; é bastante saliente encontrar esses comportamentos de adolescentes de classes sociais que, teoricamente, são atendidas por uma estrutura e organização educacional, familiar e econômica de grande apoio, sendo assim, não deveriam manifestar atos permeadores da delinqüência, e até, criminal. Com isso, considerando esse avesso do problema em questão, vê-se a necessidade de uma nova reflexão quanto às explicações em relação ao aumento dos comportamentos que compõem a violência juvenil. Para Lipovetsky (1986; Formiga, Fachini, Curado & Teixeira, 2004) tais condições se devem às mudanças culturais ocorridas nos países ocidentais nos últimos anos, permitindo a apreensão de um espírito individualista entre os jovens, subordinando-os a interesses e prioridades pessoais.

Os jovens parecem procurar uma obtenção de prestígio e saliência social indiscriminadamente, que na falta de recursos econômicos ou mesmo de apoio social que estruture essa procura, passam a ser na maioria das vezes alcançadas através de condutas de risco sutilmente legitimadas, justificando-as, por exemplo, como busca de novas experiências, de prazer e emoção, saída da monotonia etc.; por sua vez, quando intensificadas para atingir o objetivo pretendido são capazes de manifestarem comportamentos desviantes (Coelho Junior, Formiga, Oliveira & Omar, 2004; Donohew & Cols., 1999; Gullone & Moore, 2000).

Ao considerar a possibilidade de que um jovem possa apresentar esse tipo de conduta se faz referência ao seu comportamento transgressor, os quais podem ser organizadas como conduta anti-social e delitiva (Formiga & Gouveia, 2003). Segundo esses autores, uma conduta anti-social se refere à não conscientização das normas que devem ser respeitadas – desde a norma de limpeza das ruas ao respeito com os colegas no que se refere a certas brincadeiras – e não praticadas por alguns jovens. Este tido de conduta caracteriza-se pelo fato de incomodarem, mas sem que, necessariamente, causem danos físicos as pessoas, dizem respeito apenas às travessuras ou simplesmente à busca de romper com leis sociais ou enfrentamento de poder institucional.

Quanto à conduta delitiva, ela pode ser concebida como merecedora de punição, capaz de causar danos graves, morais e/ou físicos (Espinosa, 2000; Molina & Gómez, 1997). Portanto, tais condutas podem ser consideradas mais severas que as anteriores, representando uma ameaça eminente à ordem social vigente. O que ambas têm em comum é que interferem nos direitos e deveres das pessoas, ameaçando o seu bem-estar, bem como, diferenciando-as em função da gravidade das conseqüências oriundas. Possivelmente todo jovem pratica ou já praticou algum tipo de conduta anti-social, o que faz parte do repertório deles, salientando como um desafio dos padrões tradicionais da sociedade, pondo em evidência as normas da geração dos seus pais, esta se intensificada poderá convergir a um delito (Formiga, 2003).

No Brasil é possível acompanhar a ênfase dada pela a mídia ao fenômeno da delinqüência, principalmente, porque nos últimos anos houve uma intensidade de atos anti-sociais ou delitivos apresentado pelos jovens de alta estrutura sócio-econômica: desde assassinato dos pais, agressão de mendigos e infração de trânsito apenas por diversão, porte indevido e manuseio de armas de fogo ao uso e tráfico de drogas, entre outros; apesar disto, poucos estudos são encontrados no país que focalize uma perspectiva psciossocial capaz de avaliar os antecedentes desse fenômeno (ver Formiga, 2002).

Para tanto, conhecendo a quantidade de variáveis (por exemplo, estrutura ou traços de personalidade, a genética, as relações parentais, etc) que procuram compreender esse problema, todas com seu mérito e função explicativa, pretendeu-se apanhar a realidade a partir de um outro prisma, na busca de produzir mais uma peça na solução do quebra-cabeça teórico sobre a delinqüência (Petraitis, Flay & Miller, 1995). Assim, considerar o interesse sobre os valores humanos neste estudo, se deve por ser um construto teórico bastante útil quando se trata de explicar os comportamentos das pessoas, pois são capazes de orientar tanto as escolhas quanto às atitudes humanas (Rokeach, 1979; 1973).

Quando se fala em valores que uma pessoa tem, salienta-se uma crença duradoura, uma maneira de se comportar ou um estado final de existência da mesma, podendo ser preferidos no âmbito pessoal e social (ver Formiga, 2002; Gouveia, 1998). Especificamente, prima-se pela diferenciação entre o que é importante e secundário para o indivíduo, pois os valores revelam tanto a relação com o comportamento e as opções de vida dos indivíduos quanto a sua preferência no que diz respeito ao que tem ou não valor (Tamayo, 1988).

Para compreender este construto é necessário considerar que eles são estruturados no sistema psicológico, dando coerência a ação humana (Rokeach, 1973); derivados das experiências culturais e sociais, pois alguns vão sendo incorporados ao longo da socialização enquanto que outros são adquiridos sob condições específicas, principalmente através de episódios ou experiências relevantes na vida de cada um. Esse construto também corresponde aos ideais normativos dos grupos sociais, entendidos, segundo Molpeceres, Llinares e Musitu (2001), como concepções que são partilhadas a partir da desejabilidade dos indivíduos, podendo gerar ou se manter quando satisfeito o interesse (ver Formiga, Gouveia, Andrade, Costa, 2003).

De fato, é reconhecida a existência de uma diversidade de modelos teóricos sobre valores, porém, uma tipologia alternativa proposta por Gouveia (1998) terá como base de explicação das variáveis critérios neste estudo. A partir da consideração da relação existente entre os valores e as necessidades humanas (Inglehart, 1991; Rokeach, 1973; Schwartz, 1992), Gouveia (1998) considera os valores um construto latente (ver Braithwaite & Law, 1985) definido-os como categorias de orientação que são desejáveis, baseadas nas necessidades humanas e nas pré-condições para satisfazê-las, sendo adotadas por atores sociais. Tais valores apresentam diferentes magnitudes e seus elementos constitutivos podem variar a partir do contexto social ou cultural em que a pessoa está inserida (Gouveia, 1998, p. 293). Partindo dessa definição identificaram-se 24 valores básicos que expressam princípios-guia e servem de categorias transcendentes que guiam as atitudes, as crenças e os comportamentos em situações específicas; destes origina-se um sistema de valor apresentado em seis funções psicossociais, as quais formam três critérios de orientação valorativa, a saber:

Valores Pessoais. As pessoas que normalmente assumem estes valores mantêm relações pessoais contratuais, geralmente procurando obter vantagens / lucros. A pessoa prioriza seus próprios interesses e concedem benefícios sem ter em conta uma referência particular (papel ou estado). Considerando a sua função psicossocial, estes podem ser divididos em: (a) Valores de Experimentação: descobrir e apreciar estímulos novos, enfrentar situações arriscadas, e procurar satisfação sexual são aspectos centrais destes valores (emoção, estimulação, prazer e sexual); e (b) Valores de Realização: além da experimentação de novos estímulos, faz parte do universo desejável dos seres o auto-cumprimento, o sentimento de ser importante e poderoso, ser uma pessoa com identidade e espaço próprios (autodireção, êxito, poder, prestígio e privacidade).

Valores Centrais. A expressão “valores centrais” é usada para indicar o caráter central ou adjacente destes valores; eles figuram entre e são compatíveis com os valores pessoais e sociais, estes tratados a seguir. Em termos da tipologia de Schwartz (1990, 1994), tais valores servem a interesses mistos (individuais e coletivos); podem ser divididos em: (a) Valores de Existência: interessa garantir a própria existência orgânica (estabilidade pessoal, sobrevivência e saúde). A ênfase não está na individualidade pessoal, mas na existência do indivíduo. Assim, valores de existência não são incompatíveis com valores pessoais e sociais, eles são importantes para pessoas, principalmente em ambientes de escassez econômica, mas sem colocar em risco a harmonia social; e (a) Valores Supra-pessoais. Pessoas que assumem estes valores tentam atingir seus objetivos independentemente do grupo ou condição social. Tais valores descrevem alguém que é maduro, com preocupações menos materiais, não sendo limitados a características descritivas ou específicas para iniciar uma relação ou promover benefícios (beleza, justiça social, maturidade e sabedoria). Estes valores enfatizam a importância de todas as pessoas, não exclusivamente dos indivíduos que compõem o in-group, portanto, são compatíveis com valores pessoais e sociais.

Valores Sociais. As pessoas que assumem estes valores estão direcionadas para estarem com os outros, correspondendo a valores de foco interpersonal e relacionados com os interesses coletivos (Rokeach, 1973; Schwartz, 1994). Tais valores são assumidos por indivíduos que se comportam como alguém que gosta de ser considerado; deseja ser aceito e integrado no in-group, ou que pretendem manter um nível essencial de harmonia entre atores sociais num contexto específico, são divididos em: (a) Valores Normativos: enfatizam a vida social, a estabilidade do grupo e o respeito para com os símbolos e padrões culturais que prevaleceram durante anos, a ordem é apreciada mais que tudo (obediência, ordem social, religiosidade e tradição); e (b) Valores de Interação: estes focalizam o destino comum e a complacência, especificamente, a pessoa que o assume tem interesse em ser amada e ter uma amizade verdadeira, assim como tende a apreciar uma vida social ativa (afetividade, apoio social, convivência e honestidade).

Em um recente estudo com 710 jovens da classe social média e alta da cidade de João Pessoas, através desse modelo dos valores humanos, Formiga (2002) observou que as condutas anti-sociais e delitivas se correlacionaram diretamente com os valores de experimentação e inversamente com os normativos e interação; quanto aos critérios de orientação valorativa, o pessoal relacionou-se positivamente, e o social negativamente. Esses resultados apontam para os fatores normativos como inibidores dessas condutas. Desta forma, o presente estudo compreendido em um delineamento de tipo correlacional, considerando como variáveis antecedentes os valores humanos e variáveis critérios às condutas anti-sociais e delitivas, pretende avaliar essas mesmas hipóteses tratadas no estudo desse autor, a fim de observar a consistência relacional entre essas variáveis considerando outros contextos sócio-demográfico e cultural do país. Existiriam então um padrão de valores capazes de explicar, negativamente, ambas as condutas desviantes?

 

MÉTODO

Amostra

650 jovens compuseram a amostra, os quais foram distribuídos igualmente no nível escolar fundamental e médio da rede privada e pública de educação das cidades de João Pessoa–PB e Palmas-TO. Os respondentes foram de ambos os sexos, predominando ligeiramente a participação de mulheres (51,7%). Estes apresentaram idades entre 15 e 21 anos, sendo a maioria solteira (95,7%) e entre classe social média e alta, juntos correspondiam, aproximadamente, 91% dessa classe social e renda econômica familiar acima de 1.250,00 reais. Tal amostra foi não probabilística, e sim intencional, o propósito era, principalmente, garantir a validade interna dos resultados da pesquisa.

Instrumentos

Os participantes responderam os seguintes instrumentos:

Escala de Condutas Anti-sociais e Delitivas. Este instrumento, proposto por Seisdedos (1988) e validado por Formiga e Gouveia (2003) para o contexto brasileiro, compreende uma medida comportamental em relação às Condutas Anti-Sociais e Delitivas. Tal medida é composta por quarenta elementos, distribuídos em dois fatores, como segue: o primeiro envolve as condutas anti-sociais, em que seus elementos não expressam delitos, mas comportamentos que desafiam a ordem social e infringem normas sociais (por exemplo, jogar lixo no chão mesmo quando há perto um cesto de lixo; tocar a campainha na casa de alguém e sair correndo). O segundo fator relaciona-se às condutas delitivas. Estas incorporam comportamentos delitivos que estão fora da lei, caracterizando uma infração ou uma conduta faltosa e prejudicial a alguém ou mesmo à sociedade como um todo (por exemplo, roubar objetos dos carros; conseguir dinheiro ameaçando pessoas mais fracas). Para cada elemento, os participantes deveriam indicar o quanto apresentava o comportamento assinalado no seu dia-a-dia. Para isso, utilizavam uma escala de resposta com dez pontos, tendo os seguintes extremos: 0 = Nunca e 9 = Sempre.

A presente escala revelou indicadores psicométricos consistentes identificando os fatores destacados acima; para a Conduta Anti-social foi encontrado um Alpha de Cronbach de 0,86 e a Conduta Delitiva ou Delinqüente, 0,92. Considerando a Análise Fatorial Confirmatória, realizada com o Lisrel 8.0, comprovou-se essas dimensões previamente encontradas

 

 

na análise dos principais componentes (ver Formiga & Gouveia, 2003)

Questionário dos Valores Básicos – QVB. Uma versão inicial foi proposta em espanhol e português, compreendendo então 66 itens, três por cada um dos valores básicos que avaliava (Gouveia, 1998). Utilizou-se uma versão modificada, cuja comprovação, a partir de uma análise fatorial confirmatória, apresentou parâmetros psicométricos aceitáveis na população estudada, tendo os seguintes indicadores de bondade de ajuste:

 

 

(Maia, 2000).

Formado por 24 itens-valores, com etiquetas que ajudam a entender o seu conteúdo (por exemplo, Tradição– seguir as normas sociais do seu país; respeitar as tradições da sua sociedade; Êxito – obter o que se propõe; ser eficiente em tudo que faz; Justiça Social – lutar por menor diferença entre pobres e ricos; permitir que cada indivíduo seja tratado como alguém valioso); para respondê-los, a pessoa deveria avaliar o seu grau de importância como um princípio-guia na sua vida e indicar sua resposta numa escala de sete pontos, com extremos 1 = Nada Importante a 7 = Muito Importante.No final precisava indicar o valor menos e o mais importante de todos, os quais receberiam pontuações 0 e 8, respectivamente.

Caracterização Sócio-Demográfica. Foram elaboradas perguntas que contribuíram para caracterizar os participantes deste estudo (por exemplo, sexo, idade, estado civil, classe social).

Procedimento

Para a aplicação do instrumento, o responsável pela coleta dos dados visitou a coordenação ou diretoria das instituições de ensino, falando diretamente com os diretores e/ou coordenadores para depois tentar a permissão junto aos professores responsáveis por cada disciplina, para ocupar uma aula e aplicar os questionários. Uma vez com tal autorização foi exposto sumariamente o objetivo da pesquisa, solicitando sua participação voluntária. Um único aplicador, previamente treinado, esteve presente em sala de aula. Sua tarefa consistiu em apresentar os instrumentos, solucionar as eventuais dúvidas e conferir a qualidade geral das respostas emitidas pelos respondentes. Assegurou-se a todos o anonimato e a confidencialidade das suas respostas, indicando que estas seriam tratadas estatisticamente no seu conjunto. Para a análise dos dados, utilizou-se a versão 8.0 do pacote estatístico SPSS para Windows, e computadas estatísticas descritivas (tendência central e dispersão) e efetuadas correlações de Pearson (r).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Tendo claro o objetivo do trabalho, um dado adicional merece ser destacado. A partir de uma correlação de Pearson, observou-se que as condutas anti-sociais e delitivas apresentaram escores correlacionais significativos (r = 0,62; p < 0,001), bem como, com as condutas desviantes (CAD = pontuação total das condutas anti-sociais e delitivas) (respectivamente, r = 0,95 e r = 0,82, p < 0,001). Identificada essas correlações é possível refletir em direção de uma interdependência entre essas condutas, na manifestação de uma conduta anti-social, provavelmente, apresentará a conduta delitiva.

Esses resultados corroboram a perspectiva teórica de Moffitt (ver Buceta, 2000) e Formiga (2002; Formiga, 2003). Esses autores defendem a existência na adolescência de uma delinqüência persistente e limitada que todo jovem está susceptível; quanto maior as condutas anti-sociais (a delinqüência persistente) e a manutenção desta visando seu próprio êxito (Formiga, Oliveira, Yepes & Alves, 2005), maior a probabilidade de que estas condutas permaneçam ao longo da vida. Enquanto ao que os autores chamam de delinqüência limitada, esta é considerada como algo próprio da vida dos jovens e que se incorpora vida social, podendo não prejudicar os outros, sendo assim, incluir-se na dinâmica desenvolvimentista e psicossocial do adolescente com vista de assumir um compromisso convencional (Formiga e cols., 2005; González-Anelo, 2000; Lummertz, 1997).

Assim esclarecido, considerou-se como próximo passo à análise das hipóteses propostas no presente trabalho. Na tabela 1 é possível observar o teste da primeira hipótese, a qual foi plenamente corroborada. Como previsto, os jovens que pontuaram mais alto na função psicossocial de experimentação o fizeram nos indicadores de condutas anti-sociais (r = 0,23) e delitivas (r = 0,16), bem como, nas condutas desviantes (CAD = pontuação total das condutas anti-sociais e delitivas) (r = 0,22). Um padrão de correlação contrário a este foi observado para as funções psicossociais dos valores normativos, obtendo pontuações baixas nos indicadores de condutas anti-sociais (r = -0,23) e delitivas (r = -0,20), tendo um resultado consistente para o conjunto total de itens da CAD (r = -0,24); na função interacional, foi observado correlação negativa nas condutas anti-sociais (r = -0,15), delitivas (r = -0,17) e as condutas desviantes (CAD) (r = -0,17), por fim, na função suprapessoal, foi apresentado uma relação inversa com as condutas anti-sociais (r = -0,19) e delitivas (r = -0,19) e CAD (r = -0,21).

Tabela 1. Correlações entre as funções psicossociais e as condutas anti-sociais e delitivas.

 

 

Notas: *p < 0,001 (teste unilateral; eliminação pairwise de casos em branco; CAD = pontuação total das condutas anti-sociais e delitivas. As correlações em negrito correspondem às teoricamente esperadas. N = 650 sujeitos.

Comprovada a primeira hipótese, seguiu-se para a análise da segunda; para recordação do leitor, esta hipótese pretende provar que o critério de orientação valorativa pessoal está relacionado, positivamente, com as condutas anti-sociais e delitivas e o critério social e central inversamente. Desta maneira, observou-se que os jovens que apresentaram maiores pontuações nos valores pessoais o fizeram nas medidas de condutas anti-sociais (r = 0,20) e delitivas (r = 0,15), bem como em relação a CAD (Destacadas como condutas desviantes; r = 0,22). Contrariamente, aqueles com maior pontuação nos valores sociais apresentaram um menor indício de condutas anti-sociais (r = -0,24) e delitivas (r = -0,23) e na CAD (r = -0,24); bem como, em relação aos valores centrais, respectivamente, (r = -0,17), (r = -0,21) e (r = -0,20). Todas as correlações foram significativas a um p < 0,001.

Tabela 2. Correlações entre as Orientações Valorativas e as Condutas Anti-Sociais e Delitivas.

 

 

Notas: *p < 0,001 (teste unilateral; eliminação pairwise de casos em branco; CAD = pontuação total das condutas anti-sociais e delitivas. As correlações em negrito correspondem às teoricamente esperadas. N = 650 sujeitos.

Essas correlações podem ser acompanhadas como base para sua comprovação na figura 1; a título de síntese, pode ser visualizado um gráfico representacional das direções entre as variáveis que expressam as prioridades valorativas dos valores humanos e as condutas anti-social e delitiva, podendo com isso, apresentar um padrão entre elas. Portanto, o jovem ao assumir os valores pessoais ou sociais, implica, respectivamente, em endossar ou evitar as condutas anti-sociais e delitivas. Por fim, o resultado semelhante foi encontrado no estudo de Formiga (2002; Formiga, 2005a) revelando um padrão na sua configuração relacional.

Representação gráfica das correlações entre as prioridades valorativas e condutas desviantes em jovens

 

 

Nota: Todas as correlações apresentam um p<0,01.

A partir desses resultados, é possível afirmar a comprovação de que os valores humanos são capazes de explicar as condutas anti-sociais e delitivas. De fato, os jovens que assumiram valores de experimentação demonstraram estar mais propensos a se comportarem de modo à transgressão das normas sociais. Por outro lado, aqueles que priorizaram os valores normativos, bem como, interacional e o suprapessoal apresentaram maior prontidão de convergência a seguirem as normas sociais e se comportarem de modo socialmente esperado. Podendo estabelecer, com isso, um fator de proteção para esse tipo de conduta.

Considerando a realidade atual, a de que não apenas os jovens marginalizados, na rua ou sob custódia em instituições coercitivas, tem a capacidade de agredir, roubar ou qualquer outra conduta correspondente a infração das normas socialmente desejáveis, evidenciando condutas anti-sociais e delitivas. Observou-se na amostra de jovens no presente estudo, os quais, supostamente, não tem história de delinqüência familiar, bem como, apresentam uma convivência em ambientes de fartura e educação zelosa, a probabilidade de manifestarem esse tipo de conduta. Tal fato pode ser apontado na seguinte direção: essa situação, bastante incômoda, permite uma reflexão da família - na figura dos pais - e a escola - na figura dos professores - sobre os erros na administração educativa e orientação dos filhos e alunos, quanto aos padrões moral e valorativo que tem transmitido para eles, já que os valores não são auto-confrontados no vazio, mas, nas relação intergrupais.

O presente trabalho pretendeu contribuir, teoricamente, na capacidade em como os valores poderiam atuar como fatores preventivos das condutas anti-sociais e delitivas, o que corrobora, os estudos anteriores em semelhantes escores correlacionais entre as variáveis (ver Coelho Junior, 2001; Formiga, 2002). Desta forma, tais resultados revelam que a tendência ao individualismo, a enfocar os valores que priorizam o interesse individual, potencializa condutas que desviam das normas sociais, fato que vem sendo conjeturado por Lipovetsky (1986), e que encontra embasamento em alguns estudos empíricos são capazes de promover esse tipo de conduta, e por não ter tais valores auto-confrotados acredita-se que tais condutas são normais e pertencente a fase desenvolvimentista ou cultural vivida pelo jovem.

Assim, quanto mais o jovem é exposto, na descrição de Tamayo (1988; ver Coelho Júnior, 2001) ao valor uma vida excitante, os quais se guiam geralmente por novas descobertas e experiências tornam mais prováveis a exposição dos jovens aos comportamentos de risco (por exemplo, uso de drogas, jogos violentos etc.) (Formiga, Gouveia & Ghizoni, 2003). Assim, tanto a primeira quanto a segunda hipótese pretendeu justamente avaliar a extensão em que tal assertiva é válida. Com isso, os resultados destacados revelaram o que se propôs: a importância dada aos valores de experimentação parece instigar os jovens a apresentarem tais condutas. Por outro lado, ao observar que os valores normativos, interacionais e suprapessoais mostraram inversamente relacionados, revelaram que cumprem a função de um cinturão de proteção ou escudo de inibição entre os jovens no desenvolvimento de condutas dessa natureza.

Por fim, considerando esses resultados, observou-se a comprovação do estudo de Formiga (2002; Formiga, 2005a), bem como, de outros teóricos, por exemplo, Petraitis, Flay e Miller (1995), Tamayo, Nicaretta, Ribeiro e Barbosa (1995) quanto a importância de aderir às normas sociais e aos valores morais como fator de proteção dos eventos que compõem o fenômeno da delinqüência. Assim, investir em programas de intervenção entre os jovens fazendo-os auto-confrontarem com valores que visam a dimensão normativa ou social seria bem possível a inibição de uma tendência ‘natural’ deles em desviarem dos padrões convencionais da sociedade, bem como, a manutenção de sua saúde psicológica e social.

Vale destacar que não se trata de enfatizar o confronto em relação às normas sociais vs. tendência a buscar novas experiências, que também reflete uma explicação das condutas anti-sociais (ver Formiga, Oliveira, Yepes & Alves, 2005); o que se pretendeu neste trabalho, uma vez que os valores são percebidos como crenças (Rokeach, 1973) capazes de regular o pensamento e a ação da pessoas, foi evidenciar as causas das condutas desviantes em termos da debilidade e aquisição dos limites convencionais entre os jovens, por exemplo: falta de comprometimento com os valores das instituições e forças socializadores em nossa sociedade, onde estão inclusos as famílias, escolas e religiões (ver Formiga, 2005b). Quanto mais os adolescentes não se sentem envolvidos ou comprometidos com tais condições de padrão comportamental, menor sua capacidade cognitiva para internalizarem os valores e normas sociais vigentes desses grupos, o contrário a esses papéis, são encorajados a se oporem através das condutas desviantes.

 

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