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Psicologia para América Latina

versão On-line ISSN 1870-350X

Psicol. Am. Lat.  n.11 México set. 2007

 

ANÁLISIS Y CONSTRUCCIONES TEÓRICAS EN PSICOLOGÍA

 

A dimensão psíquica na compreensão da depressão

 

Dimensión psicológica de la depresión

 

 

Katia Cristine Cavalcante MonteiroI; Ana Maria Vieira LageII

IHospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará Fortaleza- Ceará (Brasil)
IIDepartamento de Psicologia da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza- Ceará (Brasil)

 

 


RESUMO

Neste artigo, procurou-se compreender o fenômeno da depressão, resgatando uma visão de psicopatologia que destaca tanto a perspectiva da psiquiatria organicista, quanto a perspectiva da psicopatologia psicanalítica, que não encerra sua investigação sobre o sofrimento psíquico na identificação de uma categoria nosológica, mas busca desvelar o desenvolvimento dos processos que levaram a tal identificação. A partir disto, é relevante considerar: (1) o tratamento da depressão baseando-se na etiologia e não somente na exclusão dos sintomas, ressaltando a singularidade do sujeito que apresenta tal quadro; (2) é um estado presente em qualquer estrutura, assim, nem toda manifestação de tristeza ou alteração no comportamento é uma manifestação patológica; e (3) deve ser concebida como um luto, no sentido psicanalítico do termo, que após um certo lapso de tempo é superada.

Palavras-chave: Depressão, Psicopatologia, Luto.


RESUMEN

En este estudio, se busca comprender el fenómeno de la depresión, rescatando una visón psicopatológica que destaca tanto la perspectiva de la psiquiatría organicista, como la perspectiva de la sicopatología psicoanalítica, que no encastilla su investigación sobre el sufrimiento psíquico en la identificación de una categoría nosológica, pero busca descubrir el desarrollo de los procesos que llevaran a dicha identificación. A partir de ello, es pertinente considerar: (1) el tratamiento de la depresión basándose en la etiología (estudio de las causas de las cosas) y no sólo en la exclusión de los síntomas, sobresaliendo la singularidad del sujeto que presenta dicho cuadro; (2) es un estadio presente en cualquiera estructura, así, ni toda manifestación de pesadumbre o modificación en el comportamiento es una manifestación patológica; y (4) se debe concebirla como un duelo, en el sentido sicoanalítico de la palabra, que pasado cierto lapso de tiempo se supera.

Palabras clave: Depresión, Sicopatologia, Duelo.


 

 

Ao se discorrer sobre a questão da depressão na atualidade, torna-se mister empreender uma retrospectiva sobre o uso da nosografia dos manuais de psiquiatria e compreender como a Classificação se estabeleceu como a bússola que orienta as investigações científicas e discursos atualmente vigentes sobre a depressão. Historicamente, tal fato é conseqüência de um percurso que levou a psicopatologia a restringir o diagnóstico dos transtornos psiquiátricos em torno de uma linguagem comum - a da Classificação Psiquiátrica -, com vistas a alcançar um estatuto de cientificidade, conferindo ênfase no crescimento da psiquiatria biológica através da utilização de medicamentos.

 

HISTÓRICO DO DIAGNÓSTICO DA DEPRESSÃO NA PSICOPATOLOGIA

No final do século XVIII Philipe Pinel empreendeu a primeira tentativa de uma categorização psiquiátrica acerca da melancolia, seu estudo baseava-se principalmente na observação clínica e na busca de agrupar seus sintomas. Esquirol, seu discípulo, empenhou-se em desenvolver descrições clínicas mais detalhadas, destacando as monomanias que apresentavam, por um lado, uma vertente de mania sem delírio e uma parte de melancolia e, por outro lado, a lipemania. A melancolia foi por ele definida, em 1819, como um quadro comportamental de tristeza, abatimento, desgosto de viver, que se faz acompanhar de um delírio ou idéia fixa. Emil Kraeplin, autor do primeiro Compêndio de psiquiatria, ofereceu à psiquiatria em 1883 uma definição de melancolia baseada principalmente no quadro clínico da psicose maníaco-depressiva, onde suas características foram descritas como uma alternância de acessos maníacos e acessos depressivos, denotando assim um paulatino desaparecimento do termo melancolia (Peres, 2003).

Ao longo do século XX foram surgindo as dicotomias: depressão hereditária e psicogênica, depressão neurótica e psicótica, depressão primária e secundária, depressão endógena e reativa, etc. Estas nomenclaturas tinham em vista realizar ainda uma distinção básica entre a depressão chamada de melancólica, correspondente à psicose maníaco-depressiva e as outras formas de depressão; ditas reativas, psicogênicas ou neuróticas. Tais dicotomias proporcionaram uma discussão ampla no decorrer deste século, visto que, existia uma tentativa de diferenciar a depressão neurótica da depressão psicótica, levando em conta, não somente a severidade do quadro clínico apresentado, mas a sua etiologia. Essa discussão, porém, foi cedendo espaço para o consenso oferecido pelos Manuais de Psiquiatria, as dicotomias foram apagadas do seu texto, predominando a idéia de gradação e continuidade das manifestações clínicas apresentadas nos distúrbios de humor (Rodrigues, 2000).

Karl Jaspers (1978), em 1913, no seu livro Psicopatologia geral descreve a psicopatologia como uma disciplina voltada, tanto para a explicação causal dos fenômenos como para a compreensão e interpretação das vivências subjetivas. Ao se referir à questão da depressão relata que não conhece nenhum conceito que conceba plenamente o homem psiquicamente enfermo, "Por isso a atitude fundamental é estar aberto para todas as possibilidades de investigação empírica. É resistir a toda tentativa de reduzir o homem [...] a um denominador comum" (p.17). Apesar de situar o fenômeno psiquicamente determinado como um objeto das ciências positivistas, reproduzindo o postulado médico que imperava nos séculos XVIII e XIX, Jaspers conferiu sua maior contribuição ao introduzi-lo também no âmbito das ciências do espírito.

À época, o advento da ciência moderna impôs às diversas disciplinas existentes o mesmo rigor que se exigia dos objetos de estudo das ciências exatas. Nessa medida, para que a psicopatologia se constituísse como científica, autônoma em relação aos outros saberes da ciência, fez-se necessário que suas categorias operacionais fossem elaboradas de um modo positivo e passível de controle experimental.

Assim, as múltiplas referências -biológicas, filosóficas, psicanalíticas e antropológicas- que influenciaram a Psicopatologia, ao mesmo tempo em que, assinalaram a impossibilidade atual de qualquer teoria ou método resumir o conjunto de conhecimentos que a envolve, também induzem cotidianamente a se pensar que a unificação entre essas diversas influências é necessária. De preferência, afirma Beauchesne (1989), sob a égide da classificação psiquiátrica que nesse contexto começou a firmar-se como a resposta hegemônica que aglutinaria em torno de uma mesma linguagem, as diferentes abordagens que tratavam do sofrimento psíquico. O propósito seria - e continua sendo - a concordância entre clínicos e pesquisadores quanto ao diagnóstico, através de critérios estabelecidos com tamanha objetividade e precisão, que viabilizariam o acordo pleno entre tais profissionais, mesmo que oriundos das mais variadas escolas, quando colocados diante de um mesmo caso.

A Psicologia, no entanto, manteve a diversidade das influências teóricas que estão em sua origem, conservando também a valorização da experiência subjetiva e dos aspectos históricos dessas vivências. Ou seja, de acordo com Figueiredo (1991), a diversidade em que a Psicologia como um projeto de ciência independente foi gestada, permanece e persiste como um traço marcante do pensamento psicológico hodierno. Já as influências de correntes tão díspares e contraditórias na Psicopatologia, guardam como conseqüência para esta disciplina, seu quase completo desaparecimento, principalmente em função das concepções organicistas, onde a Psiquiatria Biológica é um importante expoente.

Na vertente biologicista, a depressão é definida como uma doença orgânica, cuja etiologia está associada principalmente a fatores hereditários e, conseqüentemente, o tratamento mais indicado estaria ligado à terapia farmacológica. A psicopatologia objetiva tornou-se, então, uma disciplina que estuda a depressão com a rigidez dos métodos descritivos, com vistas à investigação científica, promovendo uma psiquiatria organicista, geralmente, baseada na descrição da sintomatologia e na eliminação dos sintomas. Os manuais psiquiátricos os descrevem com detalhes e classificam de Transtornos do Humor (Manual diagnóstico e Estatístico De Transtornos Mentais/DSM-IV, 1995) ou Transtornos Afetivos (Classificação Dos Transtornos Mentais e De Comportamento/CID-10, 1993) o que se costuma chamar de depressão.

Os transtornos são diagnosticados através da presença de sintomas, cuja distinção entre a classificação de uma depressão maior ou uma reação de adaptação depressiva costuma ser realizada através do preenchimento ou não dos critérios diagnósticos arrolados. No DSM-IV existem 29 subdivisões para os transtornos do humor. As outras classificações restringem-se à mera observação do comportamento e dos fenômenos sem remeter-se a nenhuma etiologia. No CID-10 existem 36 subdivisões e a referência à manifestação do humor depressivo não está restrita somente aos transtornos de humor, mas em outros transtornos psiquiátricos, como, por exemplo: os fóbico-ansiosos, ansiedade generalizada, obssessivo-compulsivo e os transtornos depressivos de conduta

A crítica de Beauchesne (1989) repousa, principalmente, sobre os avanços nas pesquisas em Biologia e Farmacologia que induziram a Psicopatologia objetiva a lançar mão de conhecimentos que não são necessariamente psicológicos, acrescentando que a prática clínica assim está subvertida em nome de outra dimensão que não ela mesma, e nessa perspectiva farmacológica, a Psicopatologia se afasta do que é psíquico, se afasta do que é inerente à natureza interna do ser humano. Nas palavras de Costa Pereira (2002), permite o desaparecimento da dimensão humana, nas suas condições psicológicas, históricas e sociais, "em uma especialidade que se distingue por pretender ser, literalmente, uma medicina da alma em sofrimento" (p.40).

Desta forma, faz-se necessário considerar a perspectiva da Psicanálise. Pois, uma abordagem puramente descritiva, embora conserve sua importância, não prescinde de uma compreensão do fenômeno depressivo em relação à experiência subjetiva do indivíduo.

 

A CONTRIBUIÇÃO DA PSICANÁLISE

Na Obra freudiana não existe uma teoria definida sobre depressão, embora o autor tenha identificado e descrito manifestações depressivas nas diferentes estruturas de personalidade, sem, no entanto, assemelhá-las à melancolia nem reuni-las em critérios para diagnóstico, tal como ocorre nos atuais manuais de psiquiatria. Freud, ao relatar os sintomas histéricos de Miss Lucy, estende-se nas suas manifestações mais sutis, incluindo nelas os sintomas depressivos:

Perdera inteiramente o sentido do olfato e era quase continuamente perseguida por uma ou duas sensações olfativas subjetivas [...] Ela estava, além disso, desanimada e fatigada [...] Sofria de depressão e fadiga e era atormentada por sensações subjetivas do olfato. Quanto aos sintomas histéricos, apresentava uma analgesia geral mais ou menos definida, sem nenhuma perda de sensibilidade tátil (Freud, 1922/1980a, p. 153).

De fato, apesar de Freud ter dedicado maior atenção à melancolia fazendo poucas referências à depressão, observa-se a descrição de fenômenos depressivos no caso Dora (1922/1980a), neurose histérica, e no caso do Homem dos Ratos (1895/1980b), neurose obsessiva. No caso do artigo Um caso de cura pelo hipnotismo encontra-se uma diferenciação entre depressão e melancolia, fundamentando assim a idéia de que Freud (1893/1974c) considerava a depressão como um sintoma presente na neurose: "quando há uma neurose presente [...] temos de supor a presença primária de uma tendência à depressão e à diminuição da autoconfiança, tal como a encontramos muito desenvolvidas e individualizadas na melancolia" (p. 176 -177).

Contudo, é no texto Luto e melancolia (Freud, 1915/1974a), que o autor se debruça especificamente sobre a questão melancolia, fazendo uso do referido termo para caracterizar um quadro psicótico, anteriormente descrito pela própria psiquiatria. No referido artigo, Freud aborda a problemática específica da melancolia, assinalando que, se em alguns a perda leva à elaboração de um luto, em outros conduz aos precipícios da melancolia, pois, as características distintivas da melancolia são as mesmas encontradas no estado normal de luto, a exceção de uma: no luto é possível ter clareza sobre qual objeto foi perdido; na melancolia a perda objetal é retirada da consciência e recai sobre o próprio ego.

Desta forma, ressalta-se que, na psicopatologia psicanalítica, ainda existe a diferenciação entre os termos melancolia e depressão. Este conceito, todavia, nem sempre esteve tão associado às ciências naturais como hoje, Rodrigues (2000) ressalta que, mesmo sendo um conceito introduzido através do contexto médico, a partir do século XVIII, predominava ainda uma preocupação em considerar os demais aspectos da vida psíquica.

Fédida (2002) considera, a partir do artigo Luto e melancolia, que a depressão deve ser concebida como luto, indicando também uma definição mais precisa para se indicar na melancolia uma alteração psíquica importante. Assim, baseando-se neste posicionamento, reserva-se para a melancolia a indicação de formas mais severas de inibição motora e afetiva, assimbolia, em que podem ocorrer a alternância de episódios maníacos e de paralisia; e, para a depressão indicar-se-ão quadros clínicos bem definidos de neurose ou sintomas que se apresentem nas mais diversas neuroses, onde a elaboração dos lutos aí está colocada.

E é exatamente em torno desta falta, da perda do objeto, que a estruturação do sujeito é norteada, levando assim, o luto, a ocupar um lugar fundante. E, na medida em que se correlaciona com a questão dos sintomas depressivos e da melancolia, observa-se uma tendência à depressão dentro da própria constituição humana. Fédida (2000) enfatiza que a depressão não deve ser caracterizada enquanto estrutura psíquica, por se tratar de um estado próprio à constituição do aparelho psíquico, possibilitando declarar que tal quadro caracteriza o humano.

Há, portanto depressão na melancolia. Porém, ao passo que a primeira pode ser vista como estado, a segunda pode ser caracterizada [...] como neurose narcísica [...] a depressão seria, um estado durando o tempo necessário para que o vazio inanimado do vivo se constitua como organização narcísica e retorna toda vez que o psiquismo solicita uma restauração de seu narcisismo. Como está constantemente ameaçado, tanto por forças externas como internas, a depressão está invariavelmente presente. O humano, como se sabe, não suporta por muito tempo o contato com a dura realidade e um dos recursos a sua disposição para se proteger desse contato tão frustrante e ameaçador é a depressão (p.75-80).

Deloya (2002) acrescenta que a depressão caracteriza um modo de existir através de um estado em que o homem se pensa incapacitado para encontrar outra maneira de lidar com as novas exigências da sociedade contemporânea. Nessa perspectiva, a depressão pode ser considerada uma reguladora da vida psíquica, atrelada tanto a uma condição de origem do espaço psíquico, como ao próprio estado de desamparo inerente à condição humana. É uma forma de reação da civilização aos seus mal-estares, é o recurso que surge ante as ameaças da vida psíquica já anunciadas por Freud (1929/1974b) no artigo O mal-estar na civilização.

Freud, no texto anteriormente citado, considera a felicidade um estado somente vivenciado como um fenômeno passageiro, ou seja, existe uma limitação humana na capacidade de senti-la, "Somos feitos de modo a só podermos derivar prazer intenso de um contraste" (p.95). As possibilidades de felicidade são restringidas pela própria constituição do que é ser humano; a infelicidade, ao contrário, já pode ser vivenciada com mais facilidade, pois existem possibilidades de desprazer que ameaçam ao homem a partir de três lugares que são constantemente observados como fonte de sofrimento: o primeiro tem origem no próprio corpo, que envia sinais de fragilidade pela dor e angústia vivenciadas no processo de envelhecimento; o segundo provém do mundo externo, que também é ameaçador, com suas guerras, na luta pela sobrevivência e na supremacia da natureza, por exemplo; e, o terceiro, considerado pelo autor a maior de todas as ameaças, tem origem nas decepções decorrentes das relações com outros seres humanos. Assim, a procura pela felicidade passou a ser evitar o sofrimento e, em segundo plano, a vivência de experiências prazerosas.

Peres (2003) apresenta hipóteses para o aumento do diagnóstico da depressão na última década: o mal estar que a civilização atual promove e a crescente medicalização da vida, enfatizando que a excessiva propaganda em torno dos psicofármacos atuaria como elemento disseminador. Fédida (2002) já acrescenta que, o uso excessivo de psicofármacos para cura da depressão pode sugerir uma negação de todos os símbolos que têm relação com a morte ou com a falta, é o resultado de uma gradativa negação da complexidade da experiência humana, que, neste sentido, inclui também o desamparo e o trágico.

Para Sauri (2001) as mudanças de comportamento e mesmo as alterações psíquicas patológicas são situacionais, guardariam relação estreita com as pessoas de personalidade mais rígida, frágil ou até pouco estruturada. Ou seja, mesmo diante de uma alteração importante de comportamento, dentro da proposta da psicanálise sempre se vai procurar obter a história do paciente, levando em consideração a transitoriedade diagnóstica, "uma vez que o diagnóstico do paciente não apenas fica cada vez mais claro à medida que a análise prossegue como também se altera" (Winnicott, 1983, p.121).

Nesse sentido, a teoria freudiana constitui-se em influência importante sobre o entendimento da classificação psiquiátrica, pois se apresenta como uma perspectiva que vai além da explicação positivista, já que considera a dimensão biográfica como imprescindível para a atividade diagnóstica. A psicanálise é a teoria que institui a entrevista diagnóstica como um momento de incessante reconstrução de um saber, levando em consideração que os sintomas psiquiátricos não são estáveis e nem apresentam a continuidade típica das doenças somáticas. Winnicott (1983) enfatiza que a contribuição mais importante de Freud à psiquiatria e, conseqüentemente, para a compreensão da doença mental, foi a superação de antigos conceitos acerca da Classificação, em detrimento dos três seguintes principais aspectos: o primeiro foi o comportamento, ou melhor, a relação que o sujeito empreende com a realidade; o segundo foi a formação de sintomas, apreendida como sendo um modo de comunicação, incluindo nesta o conceito de inconsciente; e o terceiro refere-se à etiologia, que preza a escuta da história do paciente e a importância do material emergente no curso da psicoterapia.

 

DISCUSSÃO

O conceito de depressão tal como é compreendido na psicopatologia atual, não leva em consideração a dimensão psíquica, contribuindo para: a paulatina diluição do termo melancolia em função dos transtornos de humor; o desaparecimento da dimensão psíquica em detrimento da Psiquiatria Biológica e da utilização dos Sistemas de Classificação. Há de se considerar, contudo, a partir de Sauri (2001), que o uso do diagnóstico positivista também contribuiu para o desenvolvimento da tarefa diagnóstica, tanto pelo uso da observação sistemática como pela possibilidade de estabelecer um sistema de categorização baseado nos dados oriundos das evidências empíricas. Seus limites, porém, devem ser esclarecidos: trata-se de um procedimento que descarta as informações impossíveis de comprovação direta, promovendo somente a realidade imediatamente presente; e, além disto, encerra a atividade diagnóstica na classificação.

Na última década, porém, o diagnóstico e tratamento da depressão avançaram mais do que em toda a história pregressa da medicina; a indústria farmacêutica no século XX cresceu sobremaneira com a introdução dos antidepressivos e hoje, ajuda a aumentar o número de diagnósticos da depressão através de campanhas realizadas pelos laboratórios junto aos médicos via uso de anti-depressivos. Desta maneira, seguindo a linha de raciocínio que apregoa a fantástica revolução dos psicofármacos na vida humana, apenas as pesquisas com cérebro, hormônios e neurotransmissores são consideradas válidas: o cérebro, a mente e o corpo são apresentados numa visão estritamente biológica, transformados em objetos de estudos ordenados por leis naturais. Nesse sentido, Bogochvol (2001), numa perspectiva crítica afirma que, as ciências humanas nada teriam a contribuir para a compreensão da depressão, pois, com freqüência difunde-se a idéia de que o sintoma psíquico pode ser pautado unicamente na dimensão biológica, não havendo assim, nenhum outro motivo para se pensar numa dimensão propriamente psicopatológica ou mesmo numa autonomia do psiquismo.

 

CONCLUSÃO

O conceito de depressão remete a vários sinônimos, cada um deles evidenciando uma linguagem que retrata principalmente a necessidade de algumas abordagens positivistas, que influenciaram a psicopatologia, de alcançarem o status de científica. A influência das ciências exatas, mais especificamente a biologia e a farmacologia, na psiquiatria biológica estimula que se compreenda a depressão como uma doença orgânica, identificada nos critérios de classificação dos manuais de psiquiatria, cujo tratamento se baseia na exclusão dos sintomas, acenando com uma promessa de cura através do uso de anti-depressivos.

Freud, em 1915, já desenvolvia a teoria psicogênica das neuroses e das psicoses em contraponto às teorias mais mecanicistas que prevaleciam na época. A perspectiva da psicopatologia psicanalítica, desta maneira, não encerra sua investigação sobre o sofrimento psíquico na identificação de uma categoria nosológica, mas busca desvelar o desenvolvimento dos processos que levaram a tal identificação. Promovendo uma diferenciação entre os termos depressão e melancolia, considerando a depressão um sintoma presente em quadros neuróticos, cujo tratamento privilegia: o material emergente no curso da psicoterapia, a dimensão biográfica do sujeito e os sintomas como portador de uma significação. A psicanálise freudiana, portanto, contribui com a sua psicopatologia para manter no centro da experiência humana a dimensão da subjetividade psíquica.

A partir de então, é relevante considerar quatro aspectos fundamentais na compreensão do conceito de depressão: (1) o tratamento da depressão baseando-se na etiologia, e, não somente, na sintomatologia, ressaltando a singularidade do sujeito que apresenta tal quadro; (2) è um estado presente em qualquer estrutura, assim, nem toda manifestação de tristeza ou alteração no comportamento é uma manifestação patológica; (3) a compreensão da depressão normal enquanto luto, no sentido psicanalítico do termo que, após um certo lapso de tempo, é superada e a libido reinvestida em outros objetos; e (4) é constitutiva do psiquismo e da estruturação do sujeito

Enfim, a depressão (ou depressões) é portadora de diversos significados, nesse sentido, pode ocorrer em função de mecanismos múltiplos, tanto como um luto necessário, como uma perda irreparável que recai sobre o próprio ego; o ego melancólico. Até com relação aos aspectos epidemiológicos, de acordo com Pontes (1993), existem dificuldades para registro dos casos devido à variedade de critérios que envolvem seu diagnóstico, a coexistência com outras enfermidades, além dos aspectos culturais relacionados. Outro contraponto relaciona-se ao fato da própria vivência humana caracterizar-se por perdas: perdas de pessoas, de situações, de papéis, dentre outros. E, conseqüentemente, exigir a elaboração do luto concernente a tais perdas, acrescentando aos sentimentos uma expressão de tristeza que, neste sentido, nem deve ser considerada uma experiência negativa, mas, talvez, uma elaboração construtiva.

 

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