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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. v.3 n.2 Juiz de Fora  2009

 

RELATO DE PESQUISA

 

Déficits nas habilidades metalinguísticas em crianças com dificuldades na leitura*, **

 

Deficits in metalinguistic abilities in children with reading difficulties

 

 

Daniele Andrade SilvaI; Márcia Maria Peruzzi Elia da MotaI

I Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) – Juiz de Fora

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente trabalho é estudar se há uma dificuldade específica dos maus leitores na consciência morfológica. Participaram desta pesquisa seis crianças que faziam parte do estudo "Consciência morfológica: um estudo longitudinal". Elas pertenciam a classes de segundo e terceiro ano de escolas particulares no interior de Minas Gerais. Três delas com média de idade 91,0 meses  e que liam de acordo com esperado pela sua idade no TDE (grupos de bons leitores) e três crianças com 97,7 meses, classificados como leitores de nível inferior (grupo de maus leitores). As crianças realizaram tarefas de habilidades metalingüísticas e de leitura. Os resultados da pesquisa não identificaram um déficit especifico da consciência morfológica na leitura dos leitores com dificuldade.

Palavras-chave: leitura, consciência morfológica, dificuldades de leitura.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate whether a specific deficit in morphological awareness could be found among children with reading difficulties. Six children from the study "Morphological awareness- a longitudinal study" participated in this study. They were drawn from second and third grade classes from private schools from the interior of Minas Gerais. Three were 91,0 months old and their reading level was appropriated for their age, the three others were 97,7 months old and were classified as having reading difficulties. The results of the research did not identified a specific deficit in morphological awareness among the readers with reading difficulties.

Keywords: reading, morphological awareness, reading dificulties.


 

 

No Brasil, as cifras de dificuldade escolar são assustadoras: cerca de 30 a 40% da população que frequenta os primeiros anos do Ensino Fundamental tem algum tipo de dificuldade. Desse percentual, em torno de 3 a 5% da população, tanto no Brasil quanto em países, como a Inglaterra e os Estados Unidos, apresentam uma dificuldade específica na aprendizagem da leitura (Ciasca, 2003). Diante desse percentual embora baixo, mas que não pode ser negligenciado, torna-se clara a necessidade imediata de se contribuir para o aprofundamento do conhecimento dessas dificuldades.

A leitura é uma atividade mental complexa, requer vários níveis de análise e o uso de diferentes processos cognitivos, que vão desde o reconhecimento de palavras e o acesso ao seu significado e pronúncia, passando pela análise sintático/semântica das sentenças e pela compreensão de todo o texto lido. Do ponto de vista das habilidades cognitivas, que facilitam a leitura, a habilidade metalinguística é a que mais tem sido estudada.

Gombert (2003) defende que algum grau de consciência metalingüística é necessário para que se possa aprender a ler; no entanto, a habilidade verdadeiramente metalinguística dependeria de aprendizagens explícitas, principalmente da aprendizagem da leitura e escrita no contexto escolar. As atividades metalinguísticas são efetuadas conscientemente pelo sujeito e exigem habilidades de reflexão e autocontrole, por exemplo, corrigir a sintaxe de uma frase ou texto. Ler é uma atividade linguística formal e sua aprendizagem requer que a criança desenvolva uma consciência explícita das estruturas linguísticas que deverão ser manipuladas intencionalmente.

Gombert (1992) define consciência metalinguística como a habilidade de refletir e manipular intencionalmente os componentes da língua. Dentre os componentes da consciência metalinguística, que influenciam mais diretamente a aquisição inicial da alfabetização, destaca a consciência sintática e a consciência fonológica.

Especificamente a consciência fonológica é a capacidade de refletir e manipular os sons que compõem as palavras (Cardoso-Martins, 1995). Ela ajuda na alfabetização, pois facilita a aquisição das correspondências letra-som, que são utilizadas na decodificação e, assim, são necessárias à aquisição do princípio alfabético. A decodificação facilita o reconhecimento de palavras que, por sua vez, facilita o processo de compreensão do texto (Tunmer, 1990; Rego, 1995).

O papel facilitador da consciência fonológica na aprendizagem da leitura vem sendo confirmado por numerosas pesquisas realizadas com indivíduos de diversas idades, diversos níveis de instrução e falantes de diferentes ortografias. (Goswami & Bryant, 1990).

A consciência sintática é a capacidade de refletir sobre os aspectos sintáticos das sentenças, e envolve o controle deliberado da aplicação dos aspectos sintático-semânticos da língua, também chamada de informação contextual. A consciência sintática ajudaria na leitura e na escrita porque, ao reconhecer e controlar deliberadamente tais aspectos, a criança usa essas informações contextuais como pistas na leitura para reconhecer as palavras no texto as quais não conseguem decifrar ou compreender (Correa, 2005).

Desde a publicação do trabalho de Gombert (1992), várias questões têm sido levantadas em relação à definição e ao estudo da consciência sintática. Um dos problemas é que as tarefas de consciência sintática confundem os aspectos morfológicos com aqueles de natureza sintática. Embora não se possam separar totalmente esses dois aspectos, como aponta Correa (2009) estudiosos interessados no processamento morfológico preferem deixar claro os aspectos observados. Neste trabalho focaremos apenas na consciência morfológica derivacional.

A consciência morfológica pode contribuir para a leitura e a escrita de forma diferente, dependendo da ortografia estudada (Mann, 2000). O princípio alfabético é o de que letras devem ser mapeadas aos sons das palavras, mas as línguas alfabéticas variam quanto ao grau de correspondência entre as letras e os sons da fala. No inglês, há muitas palavras irregulares (que não obedecem às correspondências entre letra e som), e várias das irregularidades encontradas no inglês podem ser explicadas pela estrutura morfológica das palavras. Por isso, o processamento das palavras no nível do morfema pode ajudar as crianças a ler e escrever.

No português, uma língua alfabética mais regular do que o inglês, há evidências de uma relação entre a consciência morfológica e desempenho na escrita (Mota, 1996; Mota, Annibal e Lima, 2008; Queiroga, Lins & Pereira, 2006; Rego & Buarque, 1997). Isso ocorre provavelmente porque, apesar de o português ser uma língua regular, há muitas ocasiões em que a morfologia pode ajudar na escolha da grafia correta das palavras (por exemplo, nos pares de palavras ‘marcaram’ e ‘marcarão’; ‘beleza’ e ‘princesa’).

É possível que a consciência morfológica esteja associada ao bom desempenho da leitura no Português, e conhecer a morfologia da língua pode ajudar a criança a reconhecer o significado das palavras (Mota et. al. 2009). Alguns estudos investigaram a possibilidade de existir um déficit específico da consciência fonológica na leitura. Por exemplo, Bradley e Bryant (1983), em um estudo clássico, mostraram que a consciência fonológica de crianças não leitoras contribuía para aquisição de leitura dessas crianças um ano mais tarde. No mesmo estudo, mostraram que crianças com dificuldade na leitura se beneficiavam de uma intervenção que desenvolvia a consciência fonológica com o auxílio de letras plásticas. No entanto, poucos estudos investigaram a possibilidade de haver um déficit morfológico nas dificuldades de leitura (Mota. 2008).

Neste estudo, utilizaremos um delineamento que compara bons e maus leitores com mesma habilidade de leitura. As estratégias de leitura diferem na medida em que a criança progride na escolarização. Comparação entre maus e bons leitores de mesma idade cronológica, mas com diferenças no nível de leitura podem apontar déficits de processamento que, na verdade, são resultado do uso de diferentes estratégias de leitura. O delineamento proposto consiste em tomar um grupo de crianças atrasadas em leitura, por exemplo, crianças de dez anos de idade, e que estejam, com dois anos de atraso em leitura, e que, portanto lêem no nível de uma criança típica de oito anos de idade. Faz-se a comparação deles com um grupo de crianças de oito anos que, sendo crianças típicas, também lêem no nível de oito anos de idade. Ambos os grupos atingiram o mesmo nível de leitura. Isso significa que, tendo a mesma experiência com a língua escrita, diferenças qualitativas no processamento cognitivo não podem ser atribuídas aos níveis de leitura, mas sim a diferenças qualitativas no processamento cognitivo.

Esse delineamento tem sido usado em muitos estudos que investigaram déficits específicos nas habilidades metalinguísticas de pessoas com dificuldades de leitura. Bryant e Bradley (1987) apresentaram esse desenho experimental como uma boa maneira de se estabelecer relações causais no desenvolvimento. Entretanto, a maioria dos estudos usando esse delineamento focou no papel da consciência fonológica nas dificuldades de leitura (ver Goswami & Bryant, 1990 para uma revisão). Poucos estudos exploraram déficits específicos na consciência sintática ou morfológica (Mota, 2009).

Guthrie (1973) comparou um grupo de crianças de 10 anos de idade, com dificuldades de leitura, com um grupo de crianças de sete anos de idade; ambos os grupos apresentavam nível de leitura equivalente a sete anos de idade. O referido pesquisador constatou que as crianças mais novas, que apresentavam nível de leitura adequado para a sua idade, tiveram um desempenho significativamente melhor que as crianças mais velhas em uma tarefa de leitura, na qual as crianças eram solicitadas a escolher, a cada cinco palavras (aproximadamente), qual dentre três palavras alternativas seria a palavra correta a inserir naquele ponto no texto. Os dados obtidos nesse estudo levaram o autor a concluir que as crianças com dificuldades de leitura têm menor habilidade que as outras crianças para utilizar pistas gramaticais na leitura.

No Brasil, Guimarães (2005) investigou a influência da variação linguística e da consciência morfossintática nas diferenças de desempenho em leitura e escrita de alunos da 2ª, 3ª e 4ª séries do ensino fundamental. Participaram da pesquisa 36 alunos de escolas públicas de Curitiba/PR: 18 crianças com dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita (grupo 1) e outras 18 sem dificuldades de aprendizagem (grupo 2). Os instrumentos de coleta de dados avaliaram: a variação linguística; a consciência morfossintática e o desempenho das crianças em provas de leitura e ditado. A autora não encontrou evidências para um déficit na consciência sintática de crianças com dificuldades na leitura.

Um único estudo, no entanto, não oferece evidências suficientes para generalizarmos os resultados. Além disso, o estudo de Guimarães focou na consciência sintática. O presente estudo se concentra na consciência morfológica e seu papel na alfabetização. Consciência morfológica é habilidade de refletir sobre os morfemas (Carlisle, 1995). Estes são as menores unidades de significado que compõem a palavra; assim esta habilidade pode auxiliar na leitura se o significado das palavras não for conhecido, ele pode ser inferido se for conhecida a palavra de origem. Por exemplo, a palavra "laranjada" é morfologicamente relacionada à palavra "laranja".

A consciência morfológica está associada à reflexão sobre o processo de formação das palavras. A investigação sobre o desenvolvimento da consciência morfológica tem incidido sobre a sensibilidade da criança aos processos de derivação lexical (morfologia derivacional) ou aos processos de flexão das palavras (morfologia flexional) de forma separada. De fato Deacon e Bryant (2005) mostraram que as crianças reagem de forma diferente a esses dois tipos de morfema. Ao contrário do que acontece na consciência fonológica, poucos estudos têm investigado o desenvolvimento da consciência morfológica e sua relação com a alfabetização. Focaremos aqui apenas no papel da morfologia derivacional.

Uma série de estudos explorou a relação entre a consciência morfológica e a alfabetização e demonstrou sua associação ao desempenho na leitura de palavras isoladas e na compreensão de leitura (Carlisle, 1995, 2000; Carlisle & Fleming, 2003; Deacon & Kirby, 2004; Nagy, Berninger & Abbot, 2006), e também ao desempenho da escrita (Carlisle, 1988; 1996; Deacon & Bryant, 2005; Nunes, Bindman & Bryant, 1997). Os estudos citados foram realizados em crianças de língua inglesa. Resultados semelhantes foram encontrados no francês (Colé, Marec-Breton, Royer & Gombert, 2003; Plaza & Cohen, 2004) e no português (Mota, 2007; Mota, Annibal e Lima, 2008, Mota e Silva; 2007; Queiroga, Lins e Pereira, 2006).

Com exceção do trabalho de Guimarães (2003), nenhum outro comparou grupos de bons e maus leitores em relação à consciência morfológica. O objetivo do presente trabalho é estudar se há uma dificuldade específica dos maus leitores na consciência morfológica.

 

MÉTODO

 

Participantes

Os participantes desta pesquisa foram seis crianças que faziam parte do estudo Consciência morfológica: um estudo longitudinal. Elas pertenciam a classes de segundo e terceiro ano de escolas particulares no interior de Minas Gerais. Três delas com média de idade 91,0 meses (DP 1,0) e que liam de acordo com esperado pela sua idade no TDE (grupos de bons leitores) e três crianças com 97,7 (DP. 5,03), classificados como leitores de nível inferior (grupo de maus leitores). Os pais das crianças deram seu consentimento livre e esclarecido para a participação no estudo. O trabalho foi aprovado pelo comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFJF.

 

Instrumentos

1)Tarefas de consciência morfológica

A)Tarefas de Decisão Morfológica – raiz (Uma variação de Besse, in press, and Vidigal de Paula , Gombert & da Silva Leme, in press)

A tarefa de Besse, Vidigal de Paula e Gombert (setembro, 2005, em comunicação pessoal) foi inicialmente delineada para crianças mais velhas do que as que participaram deste estudo. Com o objetivo de simplificar a tarefa original, uma variação do trabalho foi criada investigando o conhecimento da raiz das palavras. Utilizamos o termo variação e não adaptação, pois se tratou de uma modificação da tarefa e não de uma adaptação da mesma tarefa para o contexto deste estudo. Nesta tarefa a criança tinha que decidir qual palavra era da mesma família que a palavra-alvo.

Os pares de palavra foram escolhidos em razão do número de letras e da frequência de ocorrência na escrita, todas elas extraídas da tabela para primeira série proposta por Pinheiro (1996). Como não há índices de familiaridade para o português, as palavras foram pareadas por frequência para garantir minimamente um equilíbrio na familiaridade das palavras. A lista de palavras consistia de dez grupos de três palavras envolvendo prefixos (Ex: Tornar – Retorna – Resolve) e dez grupos de palavra envolvendo sufixos (Ex. Pinta – Tambor – Pintor). As crianças poderiam obter um total de 10 pontos nessa análise.

B)Tarefa de Analogia Gramatical (adaptada de Nunes, Bindman & Bradley, 1997)

A tarefa inicial de Nunes, Bindman & Bradley (1997) foi adaptada, considerando a especificidade da morfologia derivacional do português. Sob essa perspectiva, foram criados dez itens a partir dos quais a criança devia produzir uma palavra morfologicamente complexa de uma palavra alvo, aplicando a mesma relação de derivação de um par previamente dado. O total de pontos possíveis era 10.

2) Tarefas de consciência fonológica

Foi usada a versão brasileira adaptada por Cardoso Martins (1997) do oddity test de Bradley e Bryant (1983), investigando a categorização de rima e de aliteração. Nesta tarefa a criança deve decidir qual palavra não tem o mesmo som que outras em duas listas, sendo a primeira de rima (Ex. ‘morcego’, ‘panela’ e ‘janela’) e a segunda de aliteração (Ex., ‘selo’, ‘casa’ e ‘sopa’). Nesta tarefa eram 12 pontos possíveis no total.

3) Desempenho escolar

Foram utilizados os itens de leitura de palavras isoladas e escritas do Teste de Desempenho Escolar-TDE (Stein, 1994). Por meio deste instrumento, que apresenta propriedades psicométricas satisfatórias, incluindo evidências de validade de critério e bom índice de consistência interna (a>0,70), foi avaliado o desempenho na leitura e escrita das crianças.

 

Procedimento

No estudo original, as crianças foram avaliadas individualmente em três sessões de 20 a 30 minutos. Na primeira delas, foram realizados os testes de consciência morfológica e de consciência fonológica, e os testes de consciência morfológica discutidos nesse estudo foram aplicados tal como descrito a seguir.

Nas Tarefas de Decisão Morfológica – raiz era dada a seguinte instrução: "algumas palavrinhas são da mesma família do que outras. Por exemplo, a palavra "conta" e a palavra "reconta" são da mesma família. Já a palavra "bola" e "rebola" não são da mesma família. Eu vou falar para você uma palavra e depois vou falar mais outras duas e você vai me dizer qual das duas é da mesma família da primeira". Por fim, realizava-se um exemplo com a criança: "a palavra "gela" é da mesma família que "congela" ou "conversa"? Caso a criança errasse, explicava-se a forma correta, e se acertasse iniciava-se a tarefa. Depois do exemplo, iniciava-se a testagem, mesmo que a criança não conseguisse acertá-la.

A Tarefa de Analogia Gramatical (adaptada de Nunes, Bindman & Bradley, 1997) era aplicada com a instrução de que muitas palavras poderiam ser relacionadas. A aplicadora apresentava um par de palavras relacionadas e pedia à criança depois de ouvir uma palavra que ela criasse uma outra palavra relacionada como no exemplo. A tarefa era iniciada sempre pelo exemplo: "pedra-pedreiro; leite- ?" e assim, sucessivamente, eram pronunciadas as demais palavras-alvo. Na última sessão foram aplicados os dois subtestes do Teste de Desempenho Escolar também seguindo o procedimento de aplicação descrito para o Teste.

 

RESULTADOS

Após a aplicação do TDE, subteste de leitura, as crianças foram categorizadas quanto ao seu grupo de leitura por série e a média de acertos no TDE foi calculada. A média de leitura das crianças de segundo ano leitoras em nível médio era de 55,67 (DP = 5,13) palavras, comparável aos das três crianças de terceiro ano leitoras  em nível inferior cuja média foi 50,0 (DP = 4,0) palavras, e não diferiu de forma estatisticamente significante (U= 1,5, Z= -1,3; P = 0,18). Assim, foram formados dois grupos: bons leitores, crianças de segundo ano leitores classificados como nível médio no TDE e maus leitores, leitores de terceiro ano lendo pelo TDE em nível inferior cada um com 3 alunos.

As crianças possuíam então experiências de leitura semelhantes, mas os leitores mais velhos apresentavam atrasos no desempenho da leitura. Diferenças nas habilidades desses dois tipos de leitores podem dar indicativos dos déficits na leitura das crianças.

A seguir, devido ao número muito reduzido de sujeitos participantes, testes não paramétricos Mann-Whitney foram realizados para comparar o desempenho dos bons e maus leitores nas tarefas de rima, aliteração, decisão morfológica de sufixo e prefixo e analogia gramatical. Os resultados apresentaram resultados não significativos para todas as comparações entre grupos menos para a rima (U = 0,0001, Z = -1,99, P = 0,046). A Tabela 1 mostra o resultado das análises.

 

 

DISCUSSÃO

Comparações entre bons e maus leitores pareados por habilidade de leitura têm sido usadas como alternativa para a busca de informações sobre as causas das dificuldades de leitura (Bryant & Bradley, 1987). Delineamentos que comparam bons e maus leitores com diferentes níveis de leitura não se adequam para responder a essas perguntas. As diferentes experiências com a leitura dessas crianças podem causar mudanças qualitativas nas habilidades utilizadas para devidas às estratégias de leitura e não diferenças qualitativas no processamento cognitivo.

Comparando bons e maus leitores que tenham a mesma experiência com a leitura, podemos identificar déficits específicos na habilidade investigada. Nesse caso, especificamente nas habilidades metalinguísticas. Se o mau leitor, apesar de sua idade, apresenta níveis de consciência morfológica ou fonológica inferiores aos dos bons leitores, podemos concluir que tais leitores apresentam diferenças qualitativas no seu processamento metalinguístico, quando comparado com bons leitores.

Nossos resultados são compatíveis com diversos estudos que mostram uma relação específica entre déficits em consciência fonológica e a leitura. Os bons leitores tiveram desempenho superior ao dos maus leitores em relação à tarefa de rima. Dificuldades no processamento morfológico de leitores com dificuldades foram encontrados em diversas línguas alfabéticas, inclusive no português (Guimarães, 2003).

Não achamos diferenças no desempenho das tarefas de consciência morfológica. Há duas explicações possíveis para esses resultados. Em primeiro lugar, como afirma Mann (2000), línguas alfabéticas podem necessitar menos do conhecimento da morfologia do que do conhecimento das relações letra e som. Habilidade diretamente ligada à consciência fonológica. Lehtonen e Bryant (2005) mostraram que em finlandês, língua com correspondência letra e som regular, a consciência morfológica contribuiu para a escrita em geral, mas não para tarefas de escrita de palavras morfologicamente complexas. É possível que no português a consciência morfológica tenha um peso menor no desenvolvimento da escrita.

Os resultados de Mota et al (2009) mostram que a consciência morfológica está associada à leitura contextual no português e que, até certo ponto, essa contribuição é independente do processamento fonológico. Miranda, Vieira, Bastos e Mota (não publicado), porém, verificaram que a consciência morfológica contribui para a leitura medida pelo TDE quando os escores inseridos na equação da regressão múltipla são as tarefas de dígitos e subtração de fonema, ambas tarefas de processamento fonológico. Entretanto, quando se tirou a variância atribuída à consciência fonológica medida pela tarefa de spooneirismo,  os escores da consciência morfológica deixaram de ser significativos. A tarefa de spooneirismo é uma tarefa que exige um maior grau de habilidade metafonológica do que a de subtração de fonemas, e pode ter sido mais sensível para detectar diferenças no nível do processamento fonológico das crianças. Assim, a contribuição específica da consciência morfológica para o português ainda não está determinada.

A segunda razão que pode explicar os resultados encontrados diz respeito à idade das crianças. No início do processo de escolarização, a consciência fonológica tem um papel maior a desempenhar na leitura e escrita à medida que a criança cresce esse a consciência morfológica passa a desempenhar um papel maior na aquisição da língua escrita (Nunes, Bindman & Bryant, 1997). Neste estudo as crianças estavam iniciando o segundo e terceiro ano de escolarização. Nessa fase o processamento fonológico pode ser mais importante. Mota (2008b) mostrou um aumento na capacidade de processamento morfológico das crianças brasileiras com a série escolar.

O número muito reduzido de participantes não permite que façamos generalizações sobre os resultados. Não obstante, apontam para questões importantes que precisam ser investigadas. Estabelecer as causas das dificuldades de leitura permite a criação de intervenções que podem promover a leitura de crianças com dificuldades, bem como oferecerem importantes informações para serem aplicadas no cotidiano escolar.

 

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Endereço para correspondência:
Márcia Maria P. Elia da Mota
Universidade Federal de Juiz de Fora – ICH
Campus Universitário Martelos – CEP: 36036330 - Juiz de Fora-MG.

Recebido em Julho de 2009
Aceito em Setembro de 2009

 

 

* Agradecimentos ao financiamento do CNPq Edital MCT/CNPq 50/2006 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas.
** Comitê de ética: protocolo CEP/UFJF 956 002 2007

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