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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.7 no.1 Juiz de Fora jun. 2013

https://doi.org/10.5327/Z1982-1247201300010004 

ARTIGOS

DOI: 10.5327/Z1982-1247201300010004

 

Avaliação da linguagem e do processamento auditivo na caracterização neuropsicológica do TDAH: Revisão sistemática*

 

Language and auditory processing in the neuropsychological profile of ADHD: A systematic review

 

 

Mirella Liberatore PrandoI; Geise Machado JacobsenI; André Luiz MoraesII; Hosana Alves GonçalvesI; Rochele Paz FonsecaI

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre), Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo foi identificar estudos que investigaram o processamento auditivo (PA) e linguístico na avaliação clínica e/ou neuropsicológica de crianças/adolescentes com TDAH. Buscamos em base de dados PubMed de 2000 a 2012 pela sintaxe [language or linguistic] AND [auditory processing or auditory perception] AND [attention deficit or hyperactivity]. Os abstracts foram analisados por double blind review com terceiro juiz para consenso. De 202 resumos, foram analisados 17 artigos completos, com 15 incluídos; 46,67% dos estudos avaliaram a linguagem (palavra e sentença), 33,33%, PA (integração binaural, processamento temporal e figura-fundo auditiva) e 13,33%, ambos. O transtorno de leitura foi a comorbidade mais prevalente (46,67%). Em geral, o desempenho linguístico e de PA não foram analisados para fins neuropsicológicos específicos, mas apenas para identificar comorbidades.

Palavras-chave: Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade; transtorno de linguagem; percepção auditiva; neuropsicologia.


ABSTRACT

The aim of this paper was to identify studies that investigated auditory processing (AP) and language along clinical and/or neuropsychological assessment of children/teenagers with ADHD. We searched on PubMed database from 2000 to 2012 by means of the syntax [language or linguistic] AND [auditory processing or auditory perception] AND [attention deficit or hyperactivity]. Abstracts were analyzed by a double blind review with a third expert for a consensus. From 202 abstracts, 17 full texts were analyzed and 15 ones were included; 46.67% of the studies assessed language (word and sentence levels), 33.33% evaluated AP (binaural integration, temporal processing and auditory figure-ground) and 13.33% examined both of them. Reading disorder was the most prevalent comorbidity (46.67%). In general, AP and linguistic performance were not analyzed for specific neuropsychological purposes, but only for comorbidities identification.

Keywords: Attention deficit disorder with hyperactivity; language disorders; auditory perception; neuropsychology.


 

 

O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um dos quadros neurocomportamentais mais prevalentes na infância (Barkley, 2002; Hill, 2012). No Brasil, estima-se que entre 5 a 18% das crianças em idade escolar seja potencialmente diagnosticada com TDAH (Charach, 2010; Costa, Maia Filho & Gomes, 2009). Sabe-se, contudo, que a frequência do diagnóstico pode mudar conforme a região do país, a faixa etária das crianças e a forma de avaliação realizada (Moraes, Silva & Andrade, 2007). O diagnóstico é clínico tendo por base a confirmação dos critérios do Manual Estatístico para Transtornos Mentais e do Comportamento -DSM-IV-TR (APA, 2002), realizado por meio de entrevistas e uso de escalas para pais e/ou a professores.

Segundo o DSM-IV-TR, o TDAH subdivide-se nos tipos desatento, predominantemente hiperativo/impulsivo e combinado. No primeiro deles encontra-se o prejuízo das habilidades de manutenção de foco atencional e sintomas de distratibilidade. No segundo, predomina o comportamento impulsivo e na dificuldade do paciente controlar a excitabilidade comportamental. Já no tipo combinado, o prejuízo funcional deriva pela ocorrência simultânea dos sintomas dos outros subtipos. Sabe-se, contudo, que o tipo desatento está mais associado ao comprometimento escolar e neuropsicológico, enquanto os sintomas hiperativo-impulsivo às dificuldades sociais e no comportamento assertivo (Coutinho, Mattos & Araújo, 2007).

Um alto índice de comorbidades relaciona-se ao TDAH, sendo difícil a identificação do quadro e tornando ainda mais complexo o diagnóstico e a proposição de tratamento (McGillivray & Baker, 2009; Snowling & Hulme, 2012). Sabe-se que os sintomas axiais do TDAH podem ser compartilhados por outros quadros psiquiátricos ou neurológicos, bem como, em menor incidência, serem desencadeados por distúrbios endócrinos, metabólicos ou sensoriais (Rohde & Halpern, 2004). Mesmo sendo um quadro multifatorial prevalente, ainda não é possível afirmar a existência de um perfil de dificuldades neuropsicológicas comum aos indivíduos com TDAH. Entre os fatores que dificultam o estabelecimento de um perfil neuropsicológico consensual para o TDAH está a influência das comorbidades e outros fatores de vida tais como: condições gerais de saúde, estressores sociais, aspectos do temperamento/personalidade e culturais. Além disso, outros quadros, tais como os transtornos de leitura, também compartilham disfunções neuropsicológicas também subjacentes ao TDAH, sobretudo o prejuízo em velocidade de processamento e déficits na memória de trabalho (Katz, Brown, Roth & Beers, 2011). Devido a isso, a avaliação neuropsicológica não participa da conclusão diagnóstica, embora contribua para a caracterização neurocognitiva desses pacientes (Fonseca, Zimmermann, Bez, Willhelm & Scneider-Bakos, 2011).

Dessa forma, nem todos os casos de TDAH manifestam prejuízos em testes neuropsicológicos padronizados, podendo haver dissociações entre diagnóstico clínico positivo e ausência de déficits cognitivos inferidos a partir dos desempenhos em testes e tarefas. Não há um consenso sobre déficits neuropsicológicos específicos característicos e prevalentes no quadro e em seus diferentes subtipos. Observa-se uma ampla variabilidade de perfis de desempenho atencional e heterogeneidade nos resultados de avaliações neuropsicológicas de crianças com TDAH (Stefanatos & Baron, 2007). Contudo, os estudos e a prática clínica indicam que pacientes com TDAH tendem a apresentar menores desempenhos em tarefas que exigem maior esforço cognitivo para a sua realização por maior demanda de diferentes processos cognitivos ligados a funções executivas, tais como, produções textuais e compreensão leitora que demandam memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, formulação de estratégias e precisão de resposta. Assim, é corroborada pela clínica a tendência das pesquisas neuropsicológicas que crianças com TDAH apresentam maiores prejuízos da memória de trabalho (MT) e das funções executivas (FE), mesmo não sendo uma condição necessária para o diagnóstico, comprometendo ainda o automonitoramento, a atenção e a inibição (Barkley, 2002; Sonuga-Barke, Sergeant, Nigg & Willcutt, 2008). Adicionalmente, prejuízos atencionais e executivos também podem ser identificados em indivíduos que apresentam primariamente déficits em habilidades perceptuais auditivas, incluindo o Transtorno do Processamento Auditivo (TPA), e por indivíduos que apresentam dificuldades atencionais relacionados ao TDAH (Abdo, Murphy & Schochat, 2010).

Na medida em que o TDAH e o TPA compartilham sintomas como prejuízos atencionais (seletiva e dividida), torna-se necessário rever os conceitos e a fisiologia inferida no processamento atencional e perceptual na modalidade auditiva. O PA refere-se à eficiência pela qual o sistema nervoso central (SNC) utiliza a informação auditiva e todos os processos cognitivos subjacentes (ASHA, 2005). Assim, deve-se considerar que na avaliação da função perceptual auditiva outras funções também serão demandadas, tais como a atenção, a MT e as FE que poderão estar sendo avaliadas secundariamente (Prando, Pawlowski, Fachel, Misorelli & Fonseca, 2010). Sendo assim, avaliar PA sem considerar as correlações existentes com demais funções neuropsicológicas pode resultar na obtenção de medidas especulatórias e com pouca precisão diagnóstica. Em contrapartida, investigar o subtipo desatento do TDAH sem considerar os aspectos perceptuais auditivos também pode resultar em falsos positivos para o TDAH.

Cabe salientar que a integridade da MT e das FE é imprescindível para o desempenho adequado de outras habilidades complexas, como a aprendizagem da leitura e da escrita. A alta comorbidade do TDAH com os transtornos específicos de aprendizagem (TEA), mais especificamente com déficits de linguagem (oral e/ou escrita) envolvendo a leitura, sugere que ambos os quadros compartilham sintomas e dificuldades (Willcutt, Pennington, Olson, Chhabildas & Huslander, 2005). Rucklidge e Tannock (2002) defendem que o perfil cognitivo de ambos os transtornos são distintos e, quando comórbidos, origina um terceiro perfil com maior severidade no prejuízo de funções, sobretudo em MT e em velocidade de processamento.

Além disso, estudos referem que o comportamento impulsivo presente no TDAH influencia o desempenho linguístico pela falta de controle inibitório podendo resultar em problemas no componente pragmático da linguagem (Cardy, Tannock, Johnson & Johnson, 2010). Esta dificuldade pode impactar a atividade dialógica numa conversação e refletir uma pobre organização do discurso e da narrativa (Cardy, Tannock,Johnson & Johnson, 2010). Distúrbios de linguagem caracterizados por baixo rendimento em testes de vocabulário, sintaxe, fluência, MT e em tarefas de discurso envolvendo a produção de narrativas orais e o reconto de histórias sequenciais podem estar presentes em crianças com TDAH (Pierotto, 2009). E mais, a distração presente em uma parcela considerada de pacientes com TDAH pode resultar em déficits na linguagem compreensiva (Cardy et al, 2010). Wassenberg et al., (2008) constataram que a velocidade de processamento de sentenças complexas pode estar prejudicada em crianças/adolescentes com TDAH. De tal forma, componentes sintáticos, semânticos, pragmáticos e discursivos precisam ser mais explorados no diagnóstico e no prognóstico funcional desses pacientes.

Apesar da alta comorbidade do TDAH com transtornos de linguagem (Charach, 2010; Mayes, Calhoun, Chase, Mink & Stagg, 2009) e com alterações perceptuais auditivas, pouco se sabe a respeito das associações e dissociações neurocognitivas entre esses quadros. Esse fato prejudica a identificação mais acurada e aprofundada de disfunções neuropsicológicas características de cada quadro e dos três em comorbidade. Essa lacuna é surpreendente considerando-se o aumento da quantidade de estudos que apontam evidências cada vez mais sólidas da inter-relação entre estas condições (Abdo, Murphy & Schochat, 2010; Katz et al., 2011). Alguns estudos sugerem que crianças com TPA apresentam dificuldades em atenção sustentada, memória auditiva e compreensão do discurso, sintomas esses identificados em crianças com TDAH desatento (Bayley, 2010). Pennington (2006) discute um modelo multifatorial que explique os transtornos desenvolvimentais, tais como a dislexia e o TDAH, para uma maior compreensão destes quadros.

Frente a essa lacuna de corpo teórico consolidado sobre a relação entre alterações linguísticas, TPA e TDAH, esta revisão sistemática buscou identificar e caracterizar estudos que utilizaram avaliações de componentes linguísticos e/ou de PA no exame clínico de crianças/adolescentes com TDAH. Para tanto, as seguintes perguntas nortearam o estudo: 1) Quantos estudos entre os anos de 2000 e 2012 buscaram avaliar o desempenho em linguagem (oral e/ou escrita) e/ou em PA em crianças/adolescentes com TDAH? 2) Quais os critérios de inclusão utilizados para determinar o diagnóstico de TDAH? 3) Quantos desses estudos consideraram comorbidades dos pacientes em questão e qual a incidência dessas comorbidades? 4) Os resultados dos estudos contribuíram para identificar aspectos neuropsicológicos de crianças diagnosticadas com TDAH? 5) Os estudos que realizaram avaliação de linguagem/PA explicitaram implicações clínicas quanto à sua importância para diagnóstico, prognóstico e terapêutica do TDAH?

 

Método

Foram pesquisados estudos empíricos, publicados entre ano de 2000 e 2012, que investigaram o processamento da linguagem e/ou da percepção auditiva por meio de testes de PA a fim de se verificar as suas contribuições para a caracterização neuropsicológica do TDAH em crianças e/ou adolescentes. Para isso, utilizou-se a base de dados PubMed. Foram utilizados descritores para os construtos "linguagem", "processamento auditivo", "percepção auditiva", "déficit de atenção e hiperatividade", gerando a seguinte sintaxe: [language or linguistic] AND [auditory processing or auditory perception] AND [attention deficit or hyperactivity]. Consideraram-se os seguintes critérios de inclusão: (a) ser estudo empírico; (b) estudos com crianças e/ou adolescentes com TDAH; (c) ter avaliado no mínimo uma habilidade linguística e/ou perceptiva auditiva; (d) nas línguas portuguesa, inglesa, espanhola, francesa ou italiana. A análise dos abstracts foi realizada por dois juízes independentes, em julgamento duplo cego, e um terceiro juiz fez o consenso dos estudos em que houve discordância de inclusão.

Inicialmente, foram encontrados 202 resumos. A análise dos dois juízes obteve concordância de 89%. O restante foi decidido pelo terceiro juiz. Foram excluídos 185 abstracts devido a: (a) revisão de literatura ou carta ao editor (n=51); (b) participantes sem diagnóstico de TDAH (n=44); (c) terem amostra de adultos (n=41); (d) não mencionarem avaliação da linguagem e/ou do PA (n=29); (e) utilizarem variáveis relacionadas aos aspectos sensoriais periféricos - detecção e não a percepção auditiva (n=19) e, (f) estar no idioma alemão (n=1). Assim, foram selecionados 17 resumos. Após a leitura desses estudos em texto completo, outros dois foram excluídos, um deles por avaliar apenas o padrão vocal de meninos com TDAH e com transtorno de leitura e o outro, por não apresentar a avaliação de linguagem e/ou de PA. Ao final do processo, foram incluídos 15 artigos na presente revisão.

 

Resultados

Após a seleção dos 15 abstracts foram analisados os textos dos artigos completos. A análise considerou os objetivos dos estudos, amostras, critérios de inclusão para grupo clínico (TDAH), instrumentos de avaliação da linguagem e PA e resultados encontrados. Por fim, buscou-se identificar o grau de importância conferido ao perfil de linguagem e de PA para a caracterização do funcionamento neurocognitivo relacionado ao diagnóstico de TDAH. As Tabelas 1 a 3 sistematizam os artigos e os dados considerados para o presente estudo.

Quanto à primeira questão de pesquisa (quantos estudos avaliaram a linguagem e/ou PA), observou-se que sete (46,67%) estudos tinham como objetivo evidenciar o desempenho em linguagem, cinco (33,33%) em testes de PA, dois (13,33%) em ambos os construtos. Um deles avaliou a linguagem (artigo 5) (em nível de palavra e sentença) dentre outras funções com o objetivo de diferenciar o perfil de desempenho nas tarefas em grupos de crianças com TDAH com e sem epilepsia. Em relação à questão 2 (critérios para determinar o diagnóstico de TDAH), 60% deles (9 artigos: 10, 12, 02, 04, 11, 06, 07, 13 e 15) caracterizaram o transtorno por meio de entrevistas clínicas estruturadas ou semiestruturadas baseadas nos critérios do DSM-IV, sendo combinadas ou não com a aplicação de escalas a pais e/ou professores, tais como a Swanson, Nolan, and Pelham-IV Questionnaire (SNAP - IV - adaptação brasileira de Mattos, Serra-Pinheiro, Rohde, & Pinto, 2006), Conners' Rating Scales - Revised (Barbosa & Gouveia, 1993), Psychiatric In-patients Comfort Scale (PICS - Alves-Apóstolo, Kolcaba, Cruz-Mendes, & Calvário-Antunes, 2007) ou Child Behavior Checklist-CBCL (Achenbach & Edelbrock, 1983). Outros seis estudos (estudos 01, 03, 05, 08, 09 e 14) (40% dos artigos) realizaram o diagnóstico de TDAH apenas com a aplicação de escalas e, além das já citadas, foi utilizada a Behavior Assessment System for Children [BASC] (Reynolds & Kamphaus, 1998). A maior parte dos diagnósticos foi feita por médicos e os participantes geralmente eram provenientes de ambulatórios de psiquiatria.

Quanto às comorbidades, respondendo à terceira questão de pesquisa, observou-se que apenas três (20% dos estudos) consideraram o grupo clínico de TDAH sem comorbidades (estudos 03, 11 e 06). A comorbidade mais prevalente foi o transtorno de leitura (dislexia), presente nas amostras de sete investigações (46,67%) (estudos 12, 02, 04, 07, 13, 14, 15). Dois estudos - 09 e 01 (13,33%) - reportaram a comorbidade denominada prejuízos de linguagem (PL), abrangendo déficits no processamento da linguagem oral e escrita. Um único estudo (estudo 04) (6,66%) considerou, além de TDAH e de transtornos de leitura, outras comorbidades, tais como transtorno desafiador de oposição (TDO), transtorno de conduta (TC) e transtorno de ansiedade generalizada (TAG), com diferentes possibilidades de combinações entre as comorbidades diagnosticadas e incluídas. O estudo 05 (6,66%) incluiu e comparou TDAH com e sem epilepsia rolândica no que se refere ao desempenho neuropsicológico de ambos os grupos. Por fim, o estudo 10 (6,66%) foi o único que comparou um grupo de crianças com TDAH e TPA com o objetivo de comparar as habilidades perceptuais na modalidade auditiva e visual.

No que concerne à contribuição dos resultados dos estudos analisados para a caracterização do perfil neuropsicológico do TDAH (questão 4), é possível observar uma grande variabilidade nos métodos e, deste modo, uma ampla heterogeneidade nos achados. Os estudos que utilizaram medidas de PA com a finalidade de verificar o desempenho no grupo de TDAH observaram pior desempenho nestas medidas no grupo clínico (estudos 10 e 12). O estudo 12 concluiu que TDAH e TPA estão relacionados, na medida em que compartilham prejuízos em funções neuropsicognitivas subjacentes. O estudo 10 afirmou que os testes perceptuais auditivos não são medidas suficientes para distinguir déficits auditivos primários dos secundários a um quadro mais global como o TDAH. Já o estudo 14 utilizou medidas de PA para examinar a relação entre a assimetria do plano temporal e a preferência de orelha em testes de escuta dicótica no desempenho de um grupo de crianças com dislexia e outro com TDAH e ressaltam a importância da utilização desse paradigma para refletir sobre as hipóteses diagnósticas. Os estudos 13 e 15 investigaram os aspectos temporais da audição e as relações com o processamento fonológico.

De modo geral, os estudos encontraram dificuldades no processamento da linguagem, tanto oral quanto escrita, no grupo com TDAH. O estudo 01 afirma que os comportamentos do TDAH influenciam o desempenho linguístico, dificultando o controle executivo e refletindo problemas na organização do discurso e da narrativa pela impulsividade e falta de inibição. O estudo 03 menciona que a lentidão no processamento geral da informação pode justificar o prejuízo em linguagem compreensiva mais complexa (nível da sentença) no TDAH, porém, isso não interfere no desempenho final da tarefa, sendo o resultado obtido dentro do esperado. Já o estudo 02 encontrou menor volume cerebral em crianças com dislexia e TDAH, contudo, não conseguiu afirmar se este achado pode ser justificado pela presença dos déficits na linguagem receptiva ou pelas comorbidades que podem se somar ao quadro.

Os estudos que compararam efeitos da medicação (estudo 06 e 08) no processamento neuropsicológico evidenciaram melhores resultados nos testes reaplicados em diferentes funções, incluindo a linguagem, e defendem que a melhora no controle executivo e atencional é responsável pela melhora no desempenho no processamento da linguagem. Em contrapartida, o estudo 09 refutou a hipótese de que falhas na linguagem em seu nível mais complexo, o discursivo, sejam sustentadas pelas dificuldades em funções executivas. Sugerem que a atenção sustentada estaria na base do problema, dificultando, posteriormente, o controle executivo, gerando problemas de planejamento e organização do discurso.

Quanto à questão 5 (implicações clínicas referidas nos estudos para o diagnóstico, o prognóstico e a terapêutica do TDAH), observaram-se limitações quanto ao grau de importância conferido à linguagem e/ou à percepção auditiva e quanto às reflexões sobre os achados e as implicações clínicas para o TDAH.

 

Discussão

Este artigo buscou identificar, por meio de uma revisão sistemática, investigações que incluíram na avaliação clínica de crianças/adolescentes com TDAH medidas de componentes de linguagem oral ou escrita e/ou de PA, a fim de verificar as suas contribuições para a caracterização neuropsicológica desse quadro clínico. Os artigos analisados apresentavam uma grande heterogeneidade em relação aos seus objetivos, hipóteses, métodos e achados. Em geral, classificam as alterações como comórbidas por relacionar as dificuldades de linguagem e as alterações de PA como co-ocorrendo aos sintomas de TDAH. Contudo, não referem que os sintomas que são compartilhados pelos transtornos de linguagem e alterações de PA possam ser explicados pelo TDAH. A prática de investigação destas funções geralmente não tem o objetivo de auxiliar na determinação do quadro, sendo uma medida complementar. Isso pode ser justificado pela forma de determinação dos critérios diagnósticos para o TDAH que prioriza identificar um conjunto de sintomas presentes e não a sua etiologia, tampouco relacioná-los com outras dificuldades que poderiam ser acarretadas pela presença de quadros clínicos comórbidos. Quanto à segunda questão de pesquisa, o procedimento para o diagnóstico de TDAH com a combinação de escalas e/ou entrevistas baseadas nos critérios do DSM-IV foi utilizado na totalidade dos estudos e está de acordo com as práticas clínicas de investigação mais comuns no Brasil (Abdo, Murphy & Schochat, 2010; Mesquita, Coutinho & Mattos, 2010). Contudo, uma minoria dos métodos baseou-se somente no uso de escalas para o diagnóstico, excluindo a entrevista clínica e diagnóstico diferencial de outras comorbidades, cujos sintomas oriundos de quadros comórbidos podem se sobrepor e potencializar os déficits neurocognitivos. Além disso, algumas das escalas e questionários que investigam os sintomas são interpretadas a partir de observadores como pais e professores que não possuem treinamento específico para identificar adequadamente os sintomas sugestivos de TDAH investigados nas escalas. Jou, Amaral, Pavan, Schaefer e Zimmer (2010) encontraram discrepâncias nas respostas de 136 professores de 17 escolas em escalas que avaliavam os indicadores de TDAH de seus alunos, possivelmente, devido à falta de conhecimento desses profissionais para identificar as dificuldades reais de seus alunos.

A terceira questão visava a analisar quantos estudos consideraram as comorbidades com TDAH e quais seriam elas. Encontrou-se um restrito número de estudos que tinham por objetivo estudar o quadro de TDAH sem comorbidades. De acordo com Barkley (1997), Pastura, Mattos e Araújo (2007) e Vitola (2011) são raros os casos em que o TDAH ocorre sem comorbidades. Gonçalves, Mohr, Moraes, Siqueira, Prando et al. (2013) avaliaram 30 crianças com diagnóstico ou suspeita de TDAH e verificaram que apenas sete delas apresentavam o diagnóstico de TDAH sem a confirmação de comorbidades. Consideram-se importantes os estudos de TDAH sem comorbidades para a realidade clínica, pois quadros combinados podem potencializar as dificuldades funcionais do indivíduo.

Um dos transtornos de alta comorbidade com TDAH é o transtorno da leitura (Ghanizadeh, 2009) que foi verificado em 46,67% dos estudos desta revisão. Sabe-se que a comorbidade com os problemas de linguagem são de alta prevalência com o TDAH (Groom, Jackson, Calton, Andrews, Bates et al., 2008), tornando-se alvo de interesse. Segundo Bellani, Moretti, Perlini & Brambilla (2011), alguns sintomas refletem a associação entre TDAH e dificuldades pragmáticas da comunicação, tais como a presença de fala acelerada, excessiva, e dificuldades em respeitar os turnos de conversação, sobretudo no subtipo hiperativo/impulsivo, menos explorados na clínica fonoaudiológica e neuropsicológica.

Outra questão refere-se aos déficits perceptuais auditivos que, apesar de menos abordados nos estudos, demonstram que podem gerar impacto diante da combinação dos quadros. De acordo com o estudo de Rucklidge e Tannock (2002), a MT e a velocidade de processamento são funções mais acometidas em situação de comorbidade. A falha na decodificação auditivo-verbal gera lentidão no processamento cognitivo incidindo no armazenamento fonológico, relacionado ao componente fonoarticulatório da MT (Baddeley, 2011).

Quanto à contribuição dos resultados dos estudos para a compreensão do funcionamento neuropsicológico de portadores de TDAH, alvo da quarta pergunta de pesquisa, observou-se que a investigação de linguagem e/ou PA não foi realizada com esse objetivo em nenhum dos estudos. Ademais, a alta correlação entre o desempenho em testes de PA e em algumas funções neurocognitivas também pôde ser observada no estudo conduzido por Prando, Pawlowski, Fachel, Misorelli e Fonseca (2010). Esse estudo enfatiza a importância da avaliação complementar de PA na avaliação neuropsicológica, devido às correlações significativas positivas encontradas entre testes neuropsicológicos e de PA, em atenção, MT e FE. Os prejuízos em atenção seletiva e dividida podem se manifestar com maior severidade nos casos de TDAH na ocorrência de déficits perceptuais auditivos, como sugere o estudo 12. Já a MT pode apresentar prejuízos tanto no PA como no TDAH. Desse modo, dificuldades de PA não suscitam todos os sintomas observados nos critérios para TDAH, mas compartilham sintomas axiais como a desatenção pela via auditiva. Dessa forma, mostra-se útil a identificação dos prejuízos perceptuais auditivos pelo PA que podem ser comórbidos ao TDAH e aos transtornos de linguagem, como demonstrado pelos estudos 13 e 15. Além disso, a representação do sistema fonológico durante o desenvolvimento da linguagem depende de uma análise perceptual temporal acurada (Tallal, 2004), sugerindo associação entre dificuldades na percepção auditiva e no processamento fonológico presentes na dislexia. É possível ainda refletir sobre as possíveis relações entre a percepção auditiva sobre a memória fonológica recente (Gathercole & Baddeley, 1990) e sobre o componente fonoarticulatório da MT (Baddeley, 2011). As dificuldades em memória fonológica apresentam relação com os aspectos perceptuais auditivos na esfera temporal e podem justificar a importância dos testes de PA que envolvam os aspectos temporais da audição.

Outro aspecto é a consideração de que os prejuízos linguísticos podem ser manifestados mesmo na ausência de um transtorno de linguagem (Gonçalves, Mohr, Moraes, Siqueira, Prando, et al., 2013). O nível linguístico mais complexo, o discursivo, demanda a participação de várias funções cognitivas como os componentes executivos (Henry, Messer & Nash, 2012). O desempenho do nível discursivo no âmbito acadêmico passa a ser mais exigido com a produção escrita nas séries mais avançadas do Ensino Fundamental. Desse modo, as crianças com TDAH podem manifestar essas dificuldades quando demandadas essas tarefas de produção textual. A detecção dessas alterações discursivas favorece o planejamento de medidas intervenção e prevenção.

A última questão refere-se ao fato dos estudos não sugerirem a investigação das implicações clínicas dos construtos linguagem/percepção auditiva no funcionamento neuropsicológico global do TDAH. A avaliação dos diferentes níveis da linguagem e a utilização da avaliação do PA para complementar a avaliação neuropsicológica do TDAH não é uma prática usualmente empregada.

 

Considerações finais

A partir dessa investigação, constatou-se que a importância da relação entre o PA e componentes da linguagem não é diretamente abordada na avaliação de crianças e adolescentes com TDAH. Essa demanda de compreensão da relação entre a linguagem e o PA se dá principalmente pelo fato que algumas das dificuldades associadas aos transtornos de linguagem/aprendizado e do PA podem simular alterações comportamentais encontradas em pacientes com diagnóstico de TDAH. O panorama atual ainda é limitado em relação ao estudo da linguagem como função neuropsicológica, cujas dificuldades são de alta incidência com o TDAH. Estudos de caso também podem auxiliar no entendimento das associações/dissociações entre as diferentes funções afetadas nesse transtorno. Além disso, o melhor reconhecimento dessas dificuldades possibilita a ampliação de políticas públicas que promovam estratégias de formação de profissionais sobre os problemas que estão na base da vida escolar de crianças e adolescentes.

Por fim, ressalta-se a importância da atuação interdisciplinar nos casos com suspeita de TDAH pelo fato da alta prevalência de comorbidades. A interdisciplinaridade é inerente à atuação neuropsicológica (Haase et al., 2012) e muito relevante em pesquisas diagnósticas ou descritivas de quadros complexos como o TDAH.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Mirella Liberatore Prando
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 11 - 9º andar, sala 932
CEP 90619-900 - Porto Alegre/RS.
E-mail: mirellalprando@gmail.com

Recebido em 14/03/2013
Revisto em 06/04/2013
Aceito em 15/04/2013

 

 

* Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e PROBOLSAS da PUCRS.