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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.10 no.1 Juiz de Fora jun. 2016
https://doi.org/10.24879/201600100010049
ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.24879/201600100010049
Violência Contra o Homem Perpetrada por Sua Parceira: Perspectivas de Psicólogos e Assistentes Sociais1
Violence Against Man perpetrated by his partner: Perspectives of Psychologists and Social Workers
Ana Cláudia Ferreira Cezario I; Laís Lage de Carvalho I; Lelio Moura Lourenço II
I Discente do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora; integrante do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social (NEVAS)
II Docente do departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora; coordenador do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social (NEVAS)
Endereço para Correspondência
Resumo
A violência entre parceiros íntimos (VPI) é um fenômeno social e um problema de saúde pública. Entretanto, na maioria dos casos, é abordada apresentando a mulher como vítima e homem seu respectivo agressor. Desta forma, a presente pesquisa realizou um levantamento com profissionais e estagiários de psicologia e do serviço social a fim de investigar suas percepções, visões e experiências acerca da violência contra o homem, perpetrada por sua parceira íntima, no município de Juiz de Fora/MG, bem como levantar dados da VPI contra o homem. Para análise utilizou-se estatística descritiva e a Análise de Conteúdo de Bardin. Inicialmente foi feito um mapeamento das instituições e do número de profissionais. Por fim, o estudo entrevistou 40 profissionais e estagiários da psicologia e do serviço social atuantes na área judicial, CRAS e CREAS. Dos resultados 95.0% informaram acreditar que o homem pode ser vítima da VP e 37.5% já atenderam homens. Desta forma, percebe-se a existência da VPI contra o homem no município.
Palavras chave: violência; violência psicológica; relações conjugais; violência entre parceiros íntimos.
Abstract
The intimate partner violence (IPV) is a social phenomenon and a public health problem. However, in most of cases, is addressed presenting the woman as victim and man as her respective aggressor. The present study aimed to collect data with psychology and social service professionals and interns in order to investigate their perceptions, views and experiences about violence against men perpetrated by their intimate partner in the city of Fora / MG. Besides that, raise data about VPI against man. For analysis, we used descriptive statistics and analysis of content by Bardin.
Initially, the researchers mapped the institutions and the number of professionals working. In the end, 40 professionals and trainees in psychology and social service who have worked in the judiciary service, CRAS and CREAS were interviewed. Of total results 95.0% reported to believe in men victims of IPV and 37.5% had already treated male victims. Thus, we find the existence of IPV against men in this city.
Keywords: violence; psychological violence; marital relations; intimate partner violence.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (Krug, Dahlberg, Mercy, Zwi & Lozano, 2002) a violência pode ser divida em três subtipos: a violência dirigida contra si mesmo denominada de autoinfligida, a violência interpessoal, envolvendo dois indivíduos e a violência coletiva, caracterizada por ocorrer em um grupo de pessoas. No caso desta pesquisa, a tipologia usada foi a violência interpessoal com ênfase na violência entre parceiros íntimos (VPI) e foco no homem como possível vítima de sua parceira, sendo esta um subtipo da violência doméstica.
No que se refere à natureza dos atos agressivos a Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha (Brasil, 2006) caracteriza a violência através das agressões: físicas (qualquer ato que agrida a integridade corporal), psicológicas (atos que causem dano emocional ou diminuição da autoestima), sexuais (atos que obrigue a vítima a presenciar, manter ou participar de relações sexuais), moral (atos de calúnia, difamação ou injúria) e patrimonial (retenção, subtração ou destruição parcial ou total de bens).
Em relação às comorbidades da VPI, alguns autores mencionam uma relação entre o abuso de substâncias e a violência doméstica (Carlini, Galduróz, Noto e Nappo, 2006). Afirmam que o abuso de álcool e outras drogas, assim como a violência, se configuram como um problema de saúde pública e resultam em problemas de elevadas proporções. Ressalta-se assim, a presença do abuso de substâncias na VPI, principalmente nos estudos da violência entre parceiros íntimos contra a mulher (Bhona, 2011; Gebara, Cezario, Ronzani & Lourenço, 2010; Gebara, Bhona,Vieira, Ferri, Lourenço & Noto, 2013). Todavia, o fato de existirem mais dados que corroborem que a mulher, na maioria dos casos notificados, é a principal vítima da VPI (Borsoi, Brandão & Cavalcanti, 2009; D´Oliveira, Schraiber, Franca, Ludermir, Portella, Diniz, Couto & Valença, 2009; Schraiber, D’Oliveira, França, Diniz, Portella, Ludermir, Valença & Couto, 2007) não abstém o homem de sofrer agressões de suas respectivas parceiras.
Assim, numa vertente da violência bidirecional, destacam-se os trabalhos de Straus (1996) com a criação do instrumento CTS - The Conflict Tactics Scale. Escala cujo objetivo é “mensurar as estratégias utilizadas pelos membros da família para resolver possíveis desavenças e, indiretamente, captar uma situação de violência familiar” (Hasselmann & Reichenheim, 2003, p. 1084). A escala, através de perguntas duplas, busca identificar se o respondente já sofreu e/ou perpetrou alguma agressão dentro de seu respectivo relacionamento íntimo.
Corroborando tal perspectiva, em outubro de 2000, foi criado nos Estados Unidos o DAHM - The Domestic Abuse Helpline for Men, primeiro centro de ajuda a homens vítimas da VPI, instituição que tem por objetivo oferecer serviços nas áreas da saúde através de médicos e psicólogos, abrigo para vítimas, além de apoio jurídico (Hines, Brown, & Dunning, 2007).
Em uma pesquisa realizada nos países de Barbados, Jamaica e Trinidad e Tobago (Le Franc et al., 2008) as taxas de violência física contra o homem perpetrada por sua parceira íntima foram respectivamente 10.7%, 13.1% e 14.8% da amostra entrevistada. No que se refere aos índices de violência sexual os dados encontrados foram 0.6%, 3.3% e 1.8%.
Já no Brasil, em 2005-2006, através de um estudo transversal objetivando levantar as taxas de VPI, sofrida por homens e mulheres e as suas relações com o abuso de álcool, os dados encontrados apontaram que 10.7% dos homens já sofreram ou sofriam episódios de violência por suas parceiras. Destes, 38.1% haviam consumido álcool e 30.8% informaram que suas parceiras também haviam feito o uso da mesma substância (Zaleski et al., 2010). Torna-se importante mencionar, que o estudo aponta relações entre os constructos, não sendo possível identificar relações de causa e efeito entre a VPI e o abuso de substâncias.
Em 2011, no estado de Minas Gerais, através de um levantamento que buscou a associação da VPI e os padrões de consumo de álcool no município de Juiz de Fora, encontrou-se uma prevalência de 70% para a violência psicológica e 24% para a violência física, ambas agressões perpetradas por mulheres contra seus respectivos parceiros íntimos (Bhona, 2011).
Desta forma, percebe-se a importância e relevância do tema no que se refere à VPI contra o homem. Assim em função de tal necessidade, foi realizado um levantamento com profissionais e estagiários de psicologia e do serviço social, no intuito de investigar suas percepções, visões e experiências acerca da violência contra o homem, perpetrada por sua parceira íntima, no município de Juiz de Fora, Minas Gerais.
Método
A pesquisa caracterizou-se por um levantamento transversal, de caráter exploratório, com metodologia qualitativa e quantitativa. Em função da dificuldade de se encontrar dados relacionados à VPI contra o homem, marcada muitas vezes pela escassez de pesquisas nesta perspectiva e por dados subnotificados, resultado do constrangimento que muitos homens sentem ao fazer a denúncia, tornou-se relevante entrevistar psicólogos, assistentes sociais e seus respectivos estagiários que atuam na área judicial (Fórum, Varas de Família, de Infância e Juventude, Criminais, Delegacias de Proteção e Orientação à Família e Centro de Prevenção à Criminalidade) CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especializada de Assistência Social) do município de Juiz de Fora – MG.
Considerou-se que os mesmos, ao estarem em contato diariamente com situações envolvendo a VPI, tais profissionais podem ter visões e experiências, marcadas pela atuação de suas práticas de trabalho, além de acrescentar novos conhecimentos e dados sob a perspectiva dessas profissões a temática. Ressalta-se ainda o suporte teórico de alguns estudos (Husso, Virkki, Notko, Holma, Laitila & Mantysaari, 2012; Kiss, Schraiber & D`oliveira, 2007; Santos & Vieira, 2011) que utilizaram entrevistas com profissionais da saúde, da assistência social, da segurança e da ordem pública para investigação da violência como forma de ratificar a escolha amostral desta pesquisa .
Os critérios de inclusão da amostra foram: ter formação ou ser estagiário das áreas de Psicologia ou Serviço Social, ter pelo menos três meses de atuação no serviço e caso tivesse saído, que fosse há no máximo um ano. Já os critérios de exclusão foram: não trabalhar com a temática da VPI, ter saído do serviço em que atuava há mais de um ano, ou a recusa em não querer participar da pesquisa.
Inicialmente, foi realizado um mapeamento de todos os profissionais e estagiários atuantes que preenchiam aos critérios de inclusão chegando a um universo de 50 sujeitos a serem entrevistados. Contudo, 10 profissionais se recusaram a participar da pesquisa resultando assim em uma amostra final de 40 entrevistados.
Para instrumentos de coleta foram utilizados: um questionário sociodemográfico e uma entrevista autoaplicada e semiestruturada. O Questionário Sociodemográfico foi construído com objetivo de conhecer melhor o perfil socioeconômico dos profissionais e estagiários que fossem participar deste estudo, bem como rastrear o perfil profissional do entrevistado, como área de formação e local de trabalho. O instrumento foi composto por doze questões fechadas, com variáveis categóricas e numéricas que questionaram ao respondente: idade, sexo, cor/raça, religião, estado civil, escolaridade, área de formação, tempo de formação, local e tempo de trabalho. Para construção do mesmo foram usados como referenciais as autoras Gebara (2009) e Senra (2012). Já a Entrevista Autoaplicada e Semiestruturada foi construída com o objetivo de recolher as experiências, percepções e visões dos profissionais e estagiários acerca da VPI na perspectiva do homem como vítima de sua esposa/companheira. O instrumento possuiu quinze perguntas das quais quatro eram fechadas (de múltipla escolha), quatro mistas, ou seja, possuíam questões de múltipla escolha, mas pediam uma justificativa ou um complemento de resposta, e sete abertas. As questões foram construídas com objetivo de identificar: a) o conhecimento dos profissionais e estagiários acerca de aspectos teóricos da VPI e os tipos de violência existentes, b) a opinião dos mesmos em relação às principais vítimas e agressores, c) suas experiências acerca da possibilidade do homem ser vítima da violência por sua parceira íntima, d) o conhecimento dos mesmos sobre a Lei Maria da Penha e sobre suas repercussões nos dias de hoje. Para construção deste instrumento foram utilizadas as referências teóricas sobre a VPI abordada na Lei Maria da Penha (Brasil, 2006).
Para análise dos resultados, em função de se tratar de dados qualitativos e quantitativos, foi realizada a Análise de Conteúdo de Bardin (2011) para os dados qualitativos e a estatística descritiva e frequencial para os quantitativos. Já as questões de múltipla escolha foram analisadas através do software Microsoft Office Excel 2007 onde foram calculadas suas frequências e percentuais e construídas as tabelas.
No que se refere aos aspectos éticos, a pesquisa foi submetida ao comitê de ética, aprovada e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi usado como forma de resguardar os aspectos éticos e de direito dos entrevistados.
Resultados
Em relação aos resultados quantitativos obtidos através da estatística descritiva, quanto ao perfil sociodemográfico dos profissionais e estagiários pertencentes à amostra coletada, 35 (87.5%) eram mulheres, 29 (72.5%) declararam-se brancos, um (2.5%) preto e dez (25.0%) pardos; 23 (57.5%) afirmaram-se católicos, sete (17.5%) agnósticos, cinco (12.5%) evangélicos/protestantes, três (7.5%) espíritas e dois (5.0%) de outra crença religiosa além daquelas especificadas no instrumento. Já em relação à área de formação 25 (62.5%) eram da psicologia, 13 (32.5%) do serviço social, um (2.5%) mencionou que possuía formação em ambas as áreas enquanto que um (2.5%) se absteve. No que se refere à situação profissional, a maior parte 32 (80.0%) entrevistados declararam-se profissionais enquanto que apenas oito (20.0%) eram graduandos em formação.
No que se refere ao instrumento semiestruturado, quanto à primeira pergunta sobre a possibilidade de o homem ser vítima de VPI, quase toda a amostra 38 (95.0%) indivíduos, entre eles profissionais e estagiários, disseram acreditar que o homem também pode ser vítima de sua parceira, enquanto que apenas dois (5.0%) negaram tal possibilidade. Já em relação aos casos atendidos, 15 (37.5%) entrevistados afirmaram já ter atendido homens vítimas da VPI em seus locais de trabalho.
Quanto as perspectivas acerca da possibilidade da mulher utilizar a Lei Maria da Penha a favor de seus próprios interesses, as respostas apontaram uma taxa de 26 (65.0%) respondentes a favor de tal possibilidade 14 (35.0%) contra. Àqueles profissionais e estagiários que afirmaram acreditar foi solicitado que exemplificassem como tal situação poderia ocorrer. Desta forma, como mostra a tabela 1, através da análise de conteúdo (Bardin, 2011), 44.74% dos entrevistados relataram a vingança; 28.95% benefícios próprios (da mulher), 21.05% ganhos em relação aos filhos e 5.26% mencionaram a alienação parental. Já no que se refere à possibilidade de a Lei também tornar-se um instrumento de proteção ao homem vítima da VPI, as respostas demonstram não haver consenso, 18 sujeitos (45.0%) responderam ser a favor desta abrangência enquanto que 20 (50.0%) se colocaram contra. Duas pessoas (5.0%) se abstiveram de responder. No que concerne à opinião dos entrevistados acerca dos principais tipos de violência perpetrada contra o homem por sua respectiva parceira, o tipo de violência mais citado foi a violência psicológica, seguida a violência física e moral, depois a patrimonial, financeira e sexual.
Também foi solicitado aos entrevistados que relatassem as motivações que acreditavam existir para que a mulher perpetrasse atos de violência contra seu parceiro íntimo. As principais categorias encontradas na análise foram: problemas afetivo-relacionais (35.2%), reações ao comportamento masculino (23.2%), abuso de substâncias (12.8%), vivência da agressividade na família de origem (7.2%), problemas socioeconômicos (7.2%), transtornos psicológicos (4.8%), divórcio (4.0%), ganho secundário (3.2%) e por último a categoria semelhante à VPI contra a mulher (2.4%), onde os entrevistados mencionaram acontecer com os homens os mesmos tipos de violência ocorridos contra a mulher.
Já em relação à descrição dos casos de homens vítimas, atendidos pelos profissionais e estagiários, através da análise de conteúdo (Bardin, 2011) foram encontradas apenas a Violência Física e a Psicológica presente nas falas. Os relatos mostram claramente a existências das duas categorias, como em: “O homem sofria agressões físicas e psicológicas.” (P018), “A companheira era agressiva com os filhos e tinha ciúmes do companheiro. Discutiam muito e numa noite ateou álcool e fogo no corpo do companheiro.” (P024), “(...) A companheira agredia o parceiro com um ferro de passar roupas quente (...)”, entre outros. As respectivas unidades de registro encontram-se na tabela 2.
Ainda em relação à descrição dos casos, questionou-se a presença de substâncias, álcool e outras drogas, por parte dos envolvidos no momento da agressão. Dos entrevistados, 8 (53.3%) mencionaram a presença de álcool e outras drogas enquanto que sete (46.7%) negaram. É possível ilustrar a presença dessas substâncias por meio de alguns relatos, como: “Homens alcoolizados ou sob o efeito de outras drogas já foram agredidos com bambu, ou com agressões como tapas e socos da companheira” (P 022) e “a esposa o atingiu com um objeto pontiagudo, tendo ferido-o no rosto e logo depois, ainda chamou a polícia e o entregou, tendo mostrado drogas(maconha) nas coisas dele” (P 018).
Por fim, foi solicitado dos mesmos que discorressem acerca das suas intervenções realizadas diante das situações de agressões ouvidas. Assim, 41.7% dos entrevistados disseram realizar “Orientações às partes”, 33.3% afirmaram realizar “Encaminhamentos”, 8.3% mencionaram “Entrevistas”, 8.3% “Atendimentos”, 4.2% “Afastamento do agressor da vítima” enquanto que 4.2% recorreram à “Privação de Liberdade” (os dados completos encontram-se na tabela 3). Entretanto, grande parcela da amostra afirma que os serviços são insuficientes no que se refere às intervenções na VPI onde o homem é vítima das agressões.
Discussão
De modo geral, percebe-se com este trabalho fatores que nos permitem afirmar a presença de violência contra o homem perpetrada por sua parceira íntima no município de Juiz de Fora-MG. Entretanto por tratar-se de um levantamento, com amostra por conveniência, podemos afirmar apenas que foram encontrados indícios da VPI contra o homem neste município. Contudo tais indícios tornam-se importantes no sentido de poucas pesquisas no Brasil preocuparem-se com a VPI especificamente contra o homem (Cezario & Lourenço, 2013).
Quanto à amostra de profissionais e estagiários de psicologia e serviço social, observa-se a disparidade existente entre os sexos, onde o número de mulheres atuando nesta área é superior ao de homens. Percebe-se ainda uma amostra caracterizada por índice maior de profissionais formados acrescentando ao estudo o peso das experiências e visões dos entrevistados de acordo com a atuação dos mesmos na diminuição dos índices de VPI.
Em relação às respostas dos entrevistados ao questionário semiestruturado, há um consenso quanto a possibilidade de o homem ser vítima da VPI. Tal percepção corrobora com as afirmações de autores que apontaram taxas da VPI contra o homem, semelhante aos índices das agressões contra a mulher (Fiestas, Rojas, Gushiken, Gozzer, 2012; Swan, Gambone, Van Horn, Snow & Sullivan, 2012).
Quanto aos casos atendidos, percebe-se um número menor de profissionais e estagiários que afirmam ter recebido homens vítimas de VPI em seus locais de trabalho. Entretanto, tal baixa não deve ser entendida restritamente à ausência da violência, mas também: ao fato dos homens normalmente procurarem menos os serviços especializados de atendimento à saúde (Addis & Mahalik, 2003); aos casos subnotificados de violência, onde os homens sentem-se envergonhados diante da agressão sofrida (Alvim, 2005) e em função dos serviços jurídicos e judiciais da VPI no Brasil estarem ainda voltados, praticamente em sua totalidade, à violência contra a mulher (Nascimento, 2012).
Dos entrevistados que confirmaram o atendido aos homens vítimas de suas parceiras, a maioria relatou a presença de álcool e outras drogas na agressão. Dados que corroboram com os resultados encontrados por autores que estudam a relação entre o abuso de substâncias e a violência (Hines & Douglas, 2012; Testa, Kubiak, Quigley, Houston, Derrick, Levitt, Homish, & Leonard, 2012). Desta forma, os resultados desta pesquisa, juntamente aos referenciais teóricos abordados, demonstram a importância de se agregar às intervenções propostas, diagnósticos e intervenções ao abuso de álcool e outras drogas como uma alternativa valiosa à prevenção da VPI. Neste sentido, o abuso de substâncias, parece apresentar-se como um fator de risco à violência, entretanto, tal relação ainda ocupa uma lacuna teórica e empírica no que se refere a suas especificidades causais.
A respeito da Lei Maria da Penha (Brasil, 2006), a maioria dos profissionais e estagiários afirma acreditar que a mulher pode usá-la em favor de seus interesses. Discutindo a respeito desta lei, Azevedo (2008, p. 127) ensaia algumas reflexões afirmando que:
A exclusão do rito da Lei nº 9.099/95 expressa no art. 41 da Lei nº 11.340/06, para o processamento de casos de violência doméstica, acaba com a possibilidade de conciliação, que se constituía em uma oportunidade das partes discutirem o conflito e serem informadas sobre seus direitos e as consequências de seus atos.
Já que antes de existir a Lei Maria da Penha, nos atos de violência que eram julgados pela Lei 9.099/05, a mulher tinha o “poder” de resolver sobre a retirada da queixa e a volta do companheiro para casa. Entretanto hoje, tal decisão não cabe mais à mulher, mas sim ao sistema judicial que dará prosseguimento ao processo podendo o agressor pegar uma pena de três meses a três anos de privação de liberdade. Neste sentido, torna-se mais importante ainda o papel dos profissionais e estagiários entrevistados, de modo a contribuir para que a lei seja cumprida de forma justa sem prejuízo a alguma das partes envolvidas.
No que se refere à Lei Maria da Penha proteger também ao homem, não houve consenso entre os entrevistados; alguns concordaram outros não. Impasse que se dá também ao meio jurídico onde alguns juízes aplicam a Lei por analogia aos homens vítimas de suas parceiras enquanto outros criticam tal ação. Exemplificando este impasse, de acordo com o site JusBrasil publicado em Direito Público (2008), o juiz Mário Roberto Kono de Oliveira do Juizado Especial Criminal Unificado de Cuiabá, acatou os pedidos de um homem que entrou com ação dizendo estar sendo vítima física, psicológica e financeira por parte da ex-mulher. Em função de tais ações, o Juiz estabeleceu “medida protetiva” de quinhentos metros de distância, a qual a ex-companheira ficou proibida de se aproximar do companheiro vítima da VPI. Já em oposição a esta decisão o Jornal de Todos os Brasis (2013), contestou a aplicabilidade da Lei Maria da Penha aos homens, vítimas de agressões por suas parceiras, afirmando que “a lei foi criada justamente para beneficiar mulheres, aquelas que vivem uma relação desigual de poder, de força e de opressão”.
Outro dado interessante são as motivações apontadas para a ocorrência da violência contra o homem, apontando crenças sociais em relação à VPI, os entrevistados citaram a violência perpetrada pela mulher como um resultado de uma vivência da agressividade no lar e as reações às agressões pré-perpetradas pelo homem. Neste sentido Alvim (2005) aponta que socialmente os homens são reconhecidos como fortes e agressivos se comparados as mulheres; sendo considerado socialmente aceitável a mulher agredir seu parceiro sob a justificativa da legítima defesa. No entanto Gregori (1993, p.146) afirma:
salientar o vitimismo na abordagem sobre o fenômeno da violência implica não considerar que nas relações familiares as mulheres, mesmo partilhando uma condição de subalternidade, agem, condenam, exigem e, por vezes, agridem. Qualificar tais gestos como mera reação ou reprodução pode, mais do que estimular uma transformação, manter a “estrutura” básica que faz operar a violência.
Quanto ao atendimento de homens vítimas da violência, através das descrições dos casos, percebe-se novamente a presença da violência física e psicológica nos relatos. Corroborando assim os estudos que mencionam que a violência perpetrada pela mulher contra o homem é semelhante àquelas em que o homem é o agressor e a mulher a vítima (Dragiewicz & DeKeseredy, 2012).
Por fim, quanto às intervenções realizadas pelos entrevistados, a maioria relatou orientar as vítimas e encaminhá-las quando necessário. Entretanto, poucos disseram realizar atendimentos e entrevistas com as partes, demonstrando a necessidade de se desenvolver mais ações de atendimento às vítimas e também aos agressores, com o objetivo de diminuir os índices de violência, aumentar a prevenção e principalmente a qualidade de vida dos envolvidos na VPI. Já que os próprios profissionais e estagiários responsáveis pelo atendimento mencionam não estarem satisfeitos com os serviços oferecidos.
Conclusão
Este estudo quali/quantitativo permitiu levantar indícios da violência contra o homem perpetrada por sua parceira íntima no município de Juiz de Fora – MG. Indícios percebidos através das experiências relatadas pelos psicólogos, assistentes sociais e seus respectivos estagiários que atuaram em diversos campos de combate à violência no município de Juiz de Fora-MG. Através deste levantamento, foi possível identificar indícios da VPI contra o homem no município, através dos relatos dos entrevistados, onde mencionam a violência psicológica como a principal agressão sofrida. Além das agressões, o estudo encontrou também uma forte relação do álcool e outras drogas na VPI, apontando a necessidade de maiores intervenções ao uso/abuso de substâncias como possível forma de prevenção à violência nas relações conjugais.
Além dos resultados encontrados e aqui mencionados, é importante ressaltar que este estudo possui limitações, apontando claramente a necessidade de novas pesquisas que possam identificar de forma estatisticamente significativa, a prevalência e incidência da violência contra o homem nas relações conjugais e as suas correlações com o abuso de substâncias, no município de Juiz de Fora – MG.
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Recebido em 09/06/2015
Aceito em 01/12/2015
Endereço para correspondência:
Ana Cláudia Ferreira Cezario
Rua José Lourenço Kelmer, Martelos
CEP: 36036-330 – Juiz de Fora – MG.
E-mail: ana_cfc@yahoo.com.br.
1Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo financiamento do projeto durante o curso de seu desenvolvimento.