SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2Projetos vitais de adultos jovens solteiros: uma reflexão sobre o lugar do casamentoEstudo introdutório acerca do fetichismo índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.2 no.2 São Leopoldo dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Estresse e escolha profissional: um difícil problema para alunos de curso pré-vestibular

 

Stress and professional choice: a difficult problem for college preparatory course students

 

 

Patrícia Bergantin Soares PaggiaroI; Sandra Leal CalaisII

IUniversidade de Taubaté. Av. Tiradentes, 500, Centro, Campus Bom Conselho, 12030-180, Taubaté, SP, Brasil. pabergantin@yahoo.com.br
IIUniversidade Estadual Paulista. Av. Edmundo Carrij o Coube, 14-01, 17033-360, Bauru, SP, Brasil. scalais@fc.unesp.br

 

 


RESUMO

O ingresso às universidades brasileiras se dá por meio do vestibular, exame que exige empenho por parte dos estudantes. Alunos que nele fracassam ingressam em cursos pré-vestibulares para direcionarem seus estudos para o exame. O ano que antecede a realização do vestibular pode acarretar estresse e ansiedade nos alunos, levando, muitas vezes, ao adoecimento. O presente estudo reflete sobre manifestações de estresse e sua relação com a escolha profissional em 31 jovens de cursos pré-vestibulares. Os estudantes responderam ao Inventário de Stress de Lipp e à Ficha de Informação sobre Escolha. Na amostra, os resultados apontaram 67,7% com estresse, 42,1% com pouca informação sobre a profissão escolhida, 51,6% com uma opção de escolha e 64,6% com insegurança para escolher.

Palavras-chave: estresse, curso pré-vestibular, escolha profissional, vestibular.


ABSTRACT

Admission to Brazilian Universities is through an entrance exam that requires commitment form students. Students who fail end up at ending college preparatory courses to direct their studies for the exam. Thus, the year before the entrance exams take place may lead to stress and anxiety in students, and in severe cases of en leading to illness. This study sought to identify signs of stress and its relationship with the professional choice in 31 college preparatory course students. The method used is the Lipp Stress Symptom Inventory and the Information Sheet on Choice. In the sample, the results showed 67,7% with some kind of stress, 42,1% have lit le information about the chosen profession; 51,6% have only one option of choice and 64,6% feel insecure to make a decision.

Key words: stress, college preparatory course, professional choice, college entrance exam.


 

 

Vestibular e escolha profissional

Para a conquista de uma vaga em uma universidade brasileira é necessária a submissão a um exame de ingresso denominado vestibular. Criado em 1911, por meio do Decreto Federal nº 8.659, conhecido como Lei Orgânica do Ensino Superior e Fundamental da República, a avaliação foi anteriormente chamada de exame de seleção para o ingresso em curso superior e foi referida como vestibular somente quatro anos mais tarde.

O período que antecede o vestibular, muitas vezes, pode causar ansiedade, estresse e até mesmo depressão. Segundo Soares (2002a), estudar para o vestibular pode se tornar uma neurose, pois muitos jovens deixam de se divertir, passear e praticar coisas que gostam para, exclusivamente, estudar. Em consequência disso, verificam-se aumento de ansiedade e sentimentos de culpa, quando querem se divertir ao invés de se dedicarem aos estudos.

Conforme avança o ano letivo, os sintomas podem se tornar mais evidentes. Alves (1995) denomina de "efeito guilhotina" o terror psicológico que contagia e cresce à medida que a data do exame se aproxima.

Apesar do aumento da ansiedade e do estresse, deve-se considerar que o vestibular apresenta vantagens em relação a outras formas de seleção, como, por exemplo, entrevistas, empatia e indicações, por não incorrer no risco da aprovação por critérios subjetivos. Além disso, o vestibular brasileiro, principalmente o das grandes universidades, apresenta impessoalidade na prova e em sua correção, oferecendo ao estudante chances igualitárias de concorrência às vagas, independente do preparo acadêmico, da qualidade de ensino e da localidade de sua residência. O vestibular oficial do país parece ter bastante credibilidade, devido não só ao seu formato, mas, especialmente, porque não tem apresentado irregularidades, como corrupção e protecionismo (Wikipédia, 2007).

O exame para o ingresso na faculdade é visto pelos jovens como um rito de passagem, o qual é marcado pelo encerramento do ensino médio, enfrentamento do vestibular e expectativa de absorção pelo ensino superior. Esta transição exerce grande pressão sobre o estudante, frequentemente acompanhada pelo medo do fracasso ou das consequências de escolhas mal sucedidas. O processo seletivo é visto como angustiante, por muitas vezes desfavorecer pessoas capacitadas que não conseguem expressar todo seu estudo e dedicação em um só dia de prova. Oliveira et al. (2003) mencionam que, para os alunos, a aprovação no vestibular assegura o seu futuro pessoal e profissional, visto que somente com o ingresso no ensino superior poderão atuar no mundo do trabalho com atividades que tragam satisfação e condições para constituírem uma família.

Apesar dos pontos positivos do processo seletivo, Whitaker (1997) alerta para o fato de que o vestibular, muitas vezes, se presta a propagar a falência do ensino brasileiro e a incapacidade dos estudantes em relação à prova. Alguns vestibulares chegam a reprovar, já na primeira fase, 70% dos candidatos, corroborando com sentimentos de menos valia daqueles que disputam suas vagas. Machado (1999) aponta, em estudo realizado com 750 alunos em cinco estados brasileiros, que 92% deles enfrentam problemas de estresse cognitivo e somático nos períodos que antecedem a realização das provas.

Muitas são as causas relacionadas ao desconforto experienciado pelos jovens no período que antecede a realização do vestibular, como, por exemplo, a pressão para o sucesso no exame, a interferência de familiares e a concorrência. Para Ramos (2006) e Bohoslavsky (1998), a angústia pode estar relacionada à falta de informação sobre as carreiras, produzindo nos alunos sentimentos de insegurança por não saberem ao certo o porquê do estudo em demasia. A imaturidade do estudante em relação à escolha ocupacional, à insegurança, à falta de informações consistentes sobre si mesmo e sobre as áreas profissionais, à busca de prestígio e de retorno financeiro e ao conflito com pessoas significativas pode contribuir para tornar esta fase mais difícil (Creed et al., 2005; Primi et al., 2000).

Pensar em vestibular remete, necessariamente, à escolha profissional, que deve considerar diversas variáveis. A escolha é multifatorial, ou seja, para que se decida é necessário avaliar fatores políticos, econômicos, sociais, educacionais, familiares e psicológicos. Cada um destes desmembra-se em outros, como os fatores psicológicos que englobam interesses pessoais, habilidades, expectativas em relação ao futuro e à maturidade para a escolha (Neiva et al., 2005), confirmando que o comportamento de escolha é algo bastante complexo.

Tanto a dificuldade na tomada da decisão profissional, como a proximidade temporal do vestibular podem acarretar sintomas de estresse. Kohan (2004) relata problemas de estresse em estudantes com dificuldade em escolher uma carreira, manifestados por sintomas que dificultam sua concentração sobre a decisão, afetam o sono e a continuidade em seus estudos. Calais et al. (2003) assinalam o vestibular como estressor de grande porte para os jovens, visto que o estresse é maior durante o período do preparo para os testes.

 

Estresse

A palavra estresse tem sua origem no inglês medieval: distress. Emprestado do vocabulário da Física, estresse era originalmente utilizado para referir-se à "tensão mecânica", quando um material possuía a capacidade de ser puxado de um lado para outro (Stark e Sandmayer, 2006).

Atualmente, o estresse é um tema amplamente estudado. Além disso, é considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2001 o grande mal do século XXI. Lazarus e Folkman (1984) definem o estresse como consequência de uma situação na qual um indivíduo entende que exigências ambientais estão além do que ele é capaz de atender. Para Lipp (2000, 2003), o estresse é uma reação do organismo por meio de componentes psicológicos, físicos e hormonais, que surge quando há a necessidade de que o indivíduo se adapte a um evento ou a uma situação.

Os sinais de estresse modificam o estado fisiológico de muitos órgãos, como os rins, coração, estômago, sistema reprodutivo e músculos, alertando o organismo de um possível perigo. O sistema de estresse do corpo humano pode ser ativado diante de alguma emergência e desativado quando o evento estressor terminar, oferecendo tempo para que os órgãos afetados se recuperem (Englert, 2006).

O processo de estresse foi representado por Selye (1956) em um modelo trifásico, constituído por fase de alerta, fase de resistência e fase de exaustão. O estudo realizado por Lipp e Malagris (2001) identificou uma fase intermediária e, assim, os autores propuseram um modelo quadrifásico de estresse, com o acréscimo da fase de quase-exaustão.

A fase de alerta se caracteriza por reações do sistema nervoso simpático; ocorre quando o organismo percebe o estressor, produz adrenalina ou dopamina e aumenta a produtividade, a criatividade e a atenção. A resistência se apresenta quando o estressor permanece por períodos prolongados, ou, no caso de aparecerem novos estressores, quando o organismo tentar impedir um desgaste total de energia. A fase da quase-exaustão caracteriza-se por apresentar um indivíduo bastante vulnerável física e psicologicamente, fazendo com que a tensão se sobreponha à resistência física. A ansiedade aumenta, afetando os mecanismos imunológicos do indivíduo, que fica suscetível a doenças leves. A última fase é a mais negativa do estresse: a exaustão. Nesta fase o indivíduo não consegue se concentrar ou trabalhar, podendo desenvolver doenças graves como úlceras, hipertensão e dermatites.

O estresse duradouro é prejudicial, trazendo esgotamento, baixa na produtividade acadêmica e profissional. No entanto, a reação de cada indivíduo ao estresse dependerá da interação entre as características da pessoa, sua capacidade de responder ao estressor e às demandas do meio, ou seja, das discrepâncias entre o meio externo e interno e a percepção do indivíduo quanto a sua capacidade de resposta a tais discrepâncias (Margis et al., 2003).

 

Curso pré-vestibular e estresse: uma problemática

Segundo Faria (2006), a busca pelos cursos pré-vestibulares tem motivos distintos, seja para aprofundamento dos conhecimentos necessários para a aprovação em instituições conceituadas, seja pelo reflexo da baixa qualidade de ensino em escolas públicas e privadas, obrigando os jovens a buscarem aprendizado técnico para suprir sua má formação, independente da pretensão de cursar uma universidade.

Coleta e Coleta (2005) relatam, em estudo realizado com 258 estudantes de curso prévestibular em instituições particulares, resultados que indicam que esses alunos parecem apresentar maior autoestima, maior persistência nos estudos, além de acreditarem na grande probabilidade na aprovação e no resultado final do vestibular. Em adição a isso, os mesmos autores relatam, em outro estudo realizado com jovens de cursos pré-vestibulares gratuitos e particulares, que não se observaram diferenças quanto à motivação aos estudos. A pesquisa indicou, no entanto, que os estudantes de cursos gratuitos, além de sua autoconfiança ser menor do que a dos estudantes de cursos particulares, identificam grande influência de outras pessoas em suas vidas. Segundo esses autores, as crenças subjetivas que os estudantes percebem a sua volta interferem negativamente no desempenho no vestibular.

Em estudo realizado por Braga (1998) com alunos do curso pré-vestibular de Londrina, constatou-se que estudantes do período diurno têm o objetivo de manter o status já adquirido pela família, e os do período noturno pretendem ingressar na universidade para elevar seu status na sociedade, diferenciando-se de seu núcleo familiar; todos, no entanto, revelam ter medo do fracasso no vestibular.

Os cursos de pré-vestibular corroboram com a pressão exercida sobre os candidatos, incitando, muitas vezes, a disputa pela vaga, tendo o tempo como inimigo, pois dispõem de apenas um ano para seu preparo. Se falharem após um ano inteiro de estudo, deverão voltar à rotina de estudo nos cursos.

Costa e Boruchovitch (2004) relatam que alunos com menores repertórios de aprendizagem ou seja, aqueles que têm menor bagagem de conhecimento, parecem experimentar maiores níveis de ansiedade em situações de prova; e igual modo, quando o aluno não sabe administrar de forma eficaz seu tempo de estudo, os níveis de ansiedade também são altos.

O preparo para o vestibular pode ser considerado um exemplo de situação estressora ambiental duradoura (Margis et al., 2003), uma vez que pode acarretar tensão prolongada. Um dos efeitos é o estresse intenso, capaz de gerar importantes efeitos psicopatológicos nos indivíduos. Calais et al. (2003) consideram que a habilidade em lidar com o estresse e a ansiedade pode ser elemento importante para o sucesso no vestibular, talvez maior do que a habilidade acadêmica. Se um aluno sabe muito sobre a matéria que será avaliada no vestibular, mas não apresenta estratégias de controle do estresse, provavelmente terá dificuldade em exibir seu conhecimento adquirido nas provas.

Estudos sobre o vestibulando, seus anseios, medos e ansiedades anterior ao exame são necessários para que se proponham estratégias positivas de enfrentamento a tal situação. Nesta direção, o objetivo deste trabalho é descrever e discutir sobre manifestações de estresse em alunos de curso pré-vestibular e sua relação com a escolha profissional, para contribuir com o delineamento de novas intervenções psicológicas adequadas a essa população.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 31 alunos que frequentavam curso pré-vestibular em três escolas particulares em cidade do interior do estado de São Paulo. Os jovens tinham entre 18 e 21 anos, sendo oito do sexo masculino e 23 do sexo feminino.

Material

Ficha de Identificação do Participante: este instrumento objetiva a solicitação de dados sociodemográficos dos participantes como nome, idade, sexo, nome e profissão dos pais.

Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP (ISSL) (Lipp, 2000): instrumento que tem por objetivo avaliar sintomas de estresse e a fase do estresse que o sujeito se encontra. O ISSL é composto por três quadros que avaliam as quatro fases do estresse (alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão) e se os sintomas são físicos e/ou psicológicos. O primeiro quadro possui 15 itens referentes a sintomas experimentados nas últimas 24 horas. O segundo quadro é composto de 15 itens referentes aos sintomas experimentados na última semana, e o terceiro quadro contém 23 itens referentes aos sintomas experimentados no último mês.

Ficha de Informações sobre Escolha: adaptado do instrumento pré e pós-intervenção proposto por Moura (2004), contem nove questões abertas e seis fechadas sobre a escolha profissional. As questões abordam as variáveis que compõem o comportamento da escolha como, por exemplo, a insegurança ao escolher, a dificuldade para a tomada de decisão, informação profissional, profissões que estão sendo avaliadas.

 

Procedimento

Coleta de dados

Foram visitadas três instituições de cursos pré-vestibulares com o intuito de apresentar o estudo e solicitar a autorização da direção para a viabilização da coleta de dados. Após a apresentação, os interessados em participar da pesquisa receberam todos os materiais em apostila, de uma só vez, ainda em sala de aula, e foram orientados pela pesquisadora acerca do seu preenchimento. Os estudantes tiveram dois dias para entregar os materiais devidamente preenchidos a uma funcionária previamente instruída na secretaria da instituição. Esses materiais foram guardados em envelope com o nome da instituição. O procedimento foi o mesmo nas três unidades visitadas.

Aspectos éticos

Como condição para a participação no estudo e para autorização da divulgação dos resultados obtidos, foi solicitado aos alunos a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, quando maiores de idade, ou pelos responsáveis, no caso de não terem a maioridade. Aos participantes que indicassem possíveis dificuldades psicológicas ou altos níveis de estresse nos instrumentos avaliados, foi garantida a oferta de intervenções específicas após o término do estudo.

Análise dos dados

Inicialmente, os instrumentos foram codificados de acordo com as proposições técnicas. No ISSL foram verificados os escores correspondentes aos níveis de estresse que os participantes apresentavam e, a partir destes, atribuídas porcentagens. Ainda neste instrumento, foram verificados os sintomas físicos e psicológicos mais frequentes, identificados em todos os participantes e, a partir dos dados mensurados, impostas as porcentagens correspondentes.

Em relação à Ficha de Informações sobre Escolha, os resultados foram analisados em dois momentos: as questões fechadas foram quantificadas e receberam as porcentagens, e as questões abertas foram, primeiramente, tabuladas de acordo com o procedimento de análise temática. Este procedimento pressupõe o estabelecimento de grupos de respostas que são denominados de classes. Para cada grupo é escolhida uma palavra que dará nome à classe a fim de sintetizar o significado de todas as respostas desta classe. Somente após a seleção dos nomes de cada agrupamento, foram quantificadas e atribuídas porcentagens por classe.

A partir dos resultados alcançados, os dados foram submetidos ao tratamento estatístico. Foi utilizado o Teste do Qui-Quadrado para efetuar a comparação das variáveis estresse e comportamento de escolha. O nível de significância considerado foi de 0,05% (5%).

 

Resultados

Os resultados obtidos apontam que 67,7% dos jovens que participaram da pesquisa apresentaram manifestações de estresse, segundo os critérios propostos pelos dados normativos do ISSL. Dentre os estressados, encontravam-se 37,5% dos homens e 79,2% das mulheres. Entre os 32,3% restantes que não pontuaram para estresse, a divisão por sexos foi igual.

A Tabela 1 indica a manifestação do estresse na amostra, revelando que a maioria dos participantes encontra-se na fase de resistência, entendida como a segunda fase já instalada do estresse. A tabela aponta também que a maior parte dos estudantes apresenta sintomatologia psicológica em maior grau.

Na Tabela 2, observam-se os sintomas mais mencionados pela amostra identificada com estresse, de acordo com o ISSL. Dentre os sintomas físicos com maior percentagem, aponta-se a sensação de desgaste físico constante, seguido de cansaço constante e problemas com a memória. Em relação aos sintomas psicológicos, foram relevantes o pensamento constante sobre um só assunto, seguido de dúvidas quanto a si próprio, sensação de incompetência, vontade de fugir de tudo, irritabilidade excessiva, sensibilidade emotiva e vontade súbita de iniciar novos projetos. Sintomas acentuados, porém em menor evidência, foram tensão muscular e angústia/ansiedade diária, ambos com 57,1%, e mudança de apetite, com 52,3%.

A Ficha de Informações sobre Escolha revelou que 42,1% da amostra acreditavam estar pouco informados sobre a profissão que tinham intenção de exercer. Além disso, a despeito de frequentarem curso pré-vestibular, 51,6% consideravam uma opção de escolha, e 19,3% ainda analisavam de três a quatro opções de carreiras. Quanto à segurança para a tomada da decisão profissional, 64,6% revelaram alguma insegurança, e 40% manifestaram alto grau de insegurança. No que tange aos resultados obtidos entre a insegurança na decisão e o nível de estresse da amostra, o teste Qui-Quadrado não ofereceu nenhuma significância estatística em qualquer variável do comportamento de escolha analisada e estresse.

Os dados da amostra total em relação à segurança e à insegurança parecem indicar maior índices de estresse em estudantes com insegurança. Dentre os que se declaram seguros em relação à escolha da profissão, 16% não apresentaram estresse, e 16% encontravam-se na fase de resistência. Por outro lado, dos participantes que se declararam inseguros em relação à escolha, 16% não apresentavam estresse, 33% encontravam-se na fase de resistência, e 19%, na fase de quase-exaustão. Destaca-se que todos os estudantes que se encontravam na fase de quase-exaustão apresentaram algum tipo de insegurança em relação à decisão profissional.

Como indicam os dados, o vestibular é, sem dúvida, a maior preocupação da amostra, com 53%. As outras preocupações relatadas têm porcentagens bastante inferiores, embora 29% das outras questões abarcadas tenham relação com o futuro, principalmente no que diz respeito às consequências da decisão: questões sobre futuro (6%), decisão profissional (14%) e estudo (9%). Vale também ressaltar que a amostra apresenta preocupações com a família (9%), com a situação financeira (6%) e com vida amorosa (3%).

 

Discussão

Verificou-se alta incidência de estresse na amostra estudada em fases intermediárias de estresse, de acordo com o modelo quadrifásico de Lipp (2000). Na pesquisa realizada por Calais et al. (2003), em estudo com 295 participantes, 65,6% apresentavam estresse,havendo diferenças entre homens e mulheres com maior sintomatologia psicológica do que física.

Ainda de acordo com os resultados de Calais et al. (2003), houve maior quantidade de sintomas psicológicos apresentados em relação aos físicos, e grande parte dos estudantes encontrava-se na fase de resistência do estresse. Na amostra atual, a maioria apresentou sintomatologia psicológica, os quais, segundo Whitaker (1997), podem ser respostas a várias questões que permeiam o vestibular e a escolha profissional. Estas respostas variam desde a exigência por um resultado positivo pelos próprios estudantes ou pelos familiares até o medo do fracasso e da insegurança quanto à profissão escolhida. A sintomatologia parece ser um sinal de alerta do organismo para que se programem estratégias de mudança em relação à situação aversiva vivenciada, antes que os sintomas tornem-se mais graves, deixando o organismo mais vulnerável à manifestação de doenças (Englert, 2006; Lipp, 2003). É importante salientar que esses sintomas podem interferir seriamente no desempenho intelectual e cognitivo do estudante, prejudicando-o durante os estudos e no momento da realização do vestibular.

Tanto a fase de resistência quanto a de quase-exaustão interferem no funcionamento do organismo, pois há aumento do consumo de energia, agindo sobre o sistema imunológico do indivíduo. Na quase-exaustão, a tensão se sobrepõe à resistência física do indivíduo, sendo provável o aparecimento de doenças nos sujeitos (Lipp, 2000). Vale ressaltar que 13% dos jovens apresentaram estresse na fase de quase-exaustão.

No estudo apresentado, o sintoma de estresse com maior índice de citação foi o de pensamentos recorrentes sobre um só assunto e, na Ficha de Informações sobre Escolha, observou-se que mais da metade da amostra mencionou, na época em que a pesquisa foi realizada, a preocupação com o vestibular. Soares (2002b), Levenfus e Nunes (2002) entendem que o pensamento constante no vestibular se deve ao fato de que muitos ingressam no curso prévestibular após uma experiência de fracasso no ano anterior, e outros sofrem pela comparação de seus resultados com os dos que alcançaram o ingresso na Universidade. Em adição a isso, ainda podem experimentar angústia gerada pela incerteza da capacidade de corresponder às expectativas dos familiares.

Outro aspecto a ser abordado diz respeito à idade em que é solicitada ao aluno uma escolha tão importante para a sua vida. Soares (2002a) enfatiza que a maturidade para tal decisão nem sempre é adquirida paralelamente ao amadurecimento físico. A maioria dos brasileiros elege uma profissão em momento inadequado do desenvolvimento, em torno dos 17 anos, período em que todas as tentativas de escolha se baseiam em fantasias (idealizações, planos futuros sem relação com a realidade, sonhos), de acordo com a teoria de Super (1953). A fase seguinte, dos 18 aos 20 anos, seria mais apropriada à escolha, uma vez que há maior compreensão da realidade e o estabelecimento de planos plausíveis.

Embora o momento de escolha profissional não seja exclusividade dos adolescentes, este período de decisão envolve muito conflito para o jovem. O processo pode ser particularmente doloroso, porque, além de considerar as dificuldades próprias da idade, como as mudanças físicas e psicológicas que experiencia, ainda deve considerar as implicações que a escolha trará ao seu futuro (Moura, 2002).

Apesar de frequentarem curso pré-vestibular, esses estudantes têm poucas informações profissionais. Esse dado não é inesperado, uma vez que Levenfus e Nunes (2002) apontam que é comum encontrar entre os jovens, total desconhecimento sobre a profissão de interesse, muitas vezes com informações distorcidas e errôneas sobre os cursos.

A segurança em escolher a profissão pode ainda estar relacionada com a quantidade de cursos considerados como opção, e até mesmo com a idade em que é solicitado ao aluno realizar uma escolha tão importante. A maioria dos participantes tem sua carreira eleita, porém há aqueles que consideram três ou quatro opções de escolha. Esses dados explicariam o porquê de grande parte da amostra indicar alguma insegurança quanto a sua escolha. Tais constatações, sem dúvida, merecem maior investigação para que possibilitem preparação adequada quanto à orientação profissional oferecida pelas instituições de ensino, primando principalmente pelo cuidado com a saúde de seus alunos e não só pelos resultados de aprovações.

O auxílio ao jovem na decisão da carreira, investigando suas expectativas e receios contribui para a melhora no desempenho acadêmico, para o aumento da motivação e da sensação de bem estar, proporcionando qualidade de vida aos alunos.

 

Considerações finais

Mudanças importantes na vida são tidas como eventos ambientais estressores que suscitam respostas de estresse nos indivíduos expostos a elas. Assim, diante do vestibular, avaliar a ocorrência desses eventos pode ser uma forma de identificar como, quando e por que há desencadeamento de resposta de estresse, oportunizando a diminuição de um quadro psicopatológico (Margis et al., 2003).

Soares et al. (2005) sugerem várias maneiras de amenizar a ansiedade diante dos exames. Segundo os autores, discussões, exercícios de relaxamento, análise de experiências de sucesso e resultados positivos são oportunidades que auxiliariam o estudante a superar estressores. A ausência de técnicas de manejo de ansiedade ao aluno frente ao vestibular parece submeter o estudante a um estresse irremediável, o qual ele deve enfrentar como parte natural de sua vida.

Outra alternativa para amenizar o nível de estresse é incluir uma atividade física à rotina. Estudos apontam que vestibulandos que praticam atividades físicas paralelamente aos seus estudos apresentam diminuição significativa nos níveis de estresse (Boas, 2003; Pires et al., 2004).

Para que medidas sejam acrescentadas às instituições de ensino, é necessário, de acordo com Braga (1998), haver uma reflexão séria no que diz respeito ao ingresso dos alunos nas universidades, quanto à qualidade do ensino e critérios de avaliação. O atual processo gera medo, insegurança e nervosismo, além de desgastes físicos e psicológicos a que os estudantes ficam expostos. De igual modo, as escolas preparatórias também contribuem para o aumento da pressão exercida sobre os alunos a fim de que alcancem sucesso no exame.

A amostra pesquisada foi insuficiente para tecer conclusões a respeito de uma relação entre estresse e as variáveis que compõem o comportamento de escolha profissional. Os resultados obtidos, contudo, indicam que estes fatores caminham juntos na tomada de decisão. Nesse sentido, novos estudos devem ser programados, com um número maior de jovens na fase de escolha da carreira, para a obtenção de dados mais significantes estatisticamente e, a partir deles, para rever os aspectos que interferem na escolha adequada do estudante. Com tais dados seria possível avaliar a melhor fase do desenvolvimento do indivíduo para se ter uma escolha ajustada e sem estresse.

Se o vestibular for entendido como uma alternativa de atuação profissional saudável, poderá ser assumido seriamente pelos estudantes. Para tanto, ao decidir por um curso e por uma universidade, o aluno deve estar preparado para enfrentar perdas e fracassos e para escolher sua profissão de forma madura e segura. Maturidade e segurança podem ser alcançadas por meio de programas de orientação profissional aos estudantes e treinamento de professores de curso pré-vestibular para que não só desafiem seus alunos a se envolverem cada vez mais com o estudo, mas que tanto lhes proporcionem uma visão ampliada da escolha profissional como forneçam estratégias antiestresse para que possam enfrentar o desafio do vestibular.

 

Referências

ALVES, R. 1995. O fim dos Vestibulares. Folha de São Paulo. São Paulo, 6 de fev., 1:3.         [ Links ]

BOAS, J.P.C.V. 2003. Adolescentes em situação de pré-vestibular: Atividade física e estresse. São Paulo, SP. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Saúde Pública. Universidade de São Paulo, 144 p. [não publicada]         [ Links ]

BOHOSLAVSKY, R. 1998. Orientação vocacional - A estratégia clínica. 11ª ed., São Paulo, Martins Fontes, 221 p.         [ Links ]

BRAGA, C.M.L. 1998. Ansiedade, nervosismo, estresse: Como os adolescentes vivenciam a época do vestibular? Uma abordagem psicanalítica. Londrina, PR. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Londrina, 123 p. [não publicada]         [ Links ]

CALAIS, S.L.; ANDRADE, L.M.B.; LIPP, M.E.N. 2003. Diferenças de sexo e escolaridade na manifestação de estresse em adultos jovens. Psicologia: Reflexão & Crítica, 16:257-263.         [ Links ]

COLETA, J.A.D.; COLETA, M.F. 2005. Educação superior e crescimento pessoal: Motivações sociais entre personagens nucleares no meio universitário. Psico-USF, 10:69-75.         [ Links ]

COSTA, E.R.; BORUCHOVITCH, E. 2004. Compreendendo relações entre estratégias de aprendizagem e a ansiedade de alunos do ensino fundamental de Campinas. Psicologia Reflexão & Crítica, 17:15-24.         [ Links ]

CREED, P.A.; PRIDEAUX, L.; PATTON, W. 2005. Antecedents and consequences of career decisional states in adolescence. Journal of Vocational Behavior, 67:397-412.         [ Links ]

ENGLERT, H. 2006. Sinais de alerta. Mente e Cérebro, 7:12-17         [ Links ]

FARIA, R. 2006. Gabarito apertado. Ideia Plena, 1:18-19.         [ Links ]

KOHAN, N.C. 2004. Vocational choice as a source of stress. Interdisciplinaria, n.esp: 75-86.         [ Links ]

LAZARUS, R.; FOLKMAN, S. 1984. Estrés y procesos cognitivos. Barcelona, Martinez Roca, 154 p.         [ Links ]

LEVENFUS, R.S.; NUNES, M.L.T. 2002. Principais temas abordados por jovens centrados na escolha profissional In: R.S. LEVENFUS; D.H.P. SOARES (orgs.), Orientação vocacional ocupacional: Novos achados teóricos, técnicos e instrumentais para a clínica, a escola e a empresa. Porto Alegre, Artmed, p. 61-78.         [ Links ]

LIPP, M.E.N. 2000. Manual do Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de Lipp (ISSL). São Paulo, Casa do Psicólogo, 55 p.         [ Links ]

LIPP, M.E.N. 2003. O modelo quadrifásico do estresse. In: M.E.N. LIPP, (ed.), Mecanismos neuropsicofisiológicos do estresse: Teoria e aplicações clinicas. 1ª ed., São Paulo, Casa do Psicólogo, p. 17-21         [ Links ]

LIPP, M.E.N.; MALAGRIS, L.E.N. 2001. O stress emocional e seu tratamento. In: B. RANGÉ (ed.), Psicoterapias cognitivo-comportamentais. Porto Alegre, Artes Médicas, p. 475-490.         [ Links ]

MACHADO, S.S. 1999. Facilitação: uma técnica cognitiva para a redução da ansiedade e do stress no vestibular. In: M.C. LASSANCE (ed.), Técnicas de orientação profissional em grupo. 1ª ed., Porto Alegre, Editora da UFRGS, p. 67-92.         [ Links ]

MARGIS, R.; PICON, P.; COSNER, A.F.; SILVEIRA, R.O. 2003. Relação entre estressores, estresse e ansiedade. Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, 25:65-74.         [ Links ]

MOURA, C.B. 2004. Orientação profissional sob o enfoque da análise do comportamento. Campinas, Alínea, 120 p.         [ Links ]

MOURA, C.B. 2002. Orientação profissional sob o enfoque da análise do comportamento: avaliação de uma experiência. Estudos de Psicologia, 19:5-14.         [ Links ]

NEIVA, K.M.C.; SILVA, M.B.; MIRANDA, V.R.; ESTEVES, C. 2005. Um estudo sobre a maturidade para a escolha profissional de alunos do ensino médio. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 6:1-14.         [ Links ]

OLIVEIRA, M.C.S.L.; PINTO, R.G.; SOUZA, A.S. 2003. Perspectivas de futuro entre adolescentes: Universidade, trabalho e relacionamentos na transição para a vida adulta. In: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICOLOGIA (ed.), Anais da XXXIII Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia. Belo Horizonte. Disponível em: http://www.sbponline.org.br/frame.php?pagina=revista2/index.htm, acessado em 07/2009.         [ Links ]

PIRES, E.A.G.; DUARTE, M.F.S.; PIRES, M.C.; SOUZA, G.S. 2004. Hábitos de atividade física e o estresse em adolescentes de Florianópolis-SC, Brasil. Revista Brasileira Ciência e Movimento, 12:51-56.         [ Links ]

PRIMI, R.; MUNHOZ, A.M.H.; BEGETHI, C.A.; NUCCI, E.P.D.; PELLEGRINI, M.C.K.; MOGGI, M.A. 2000. Desenvolvimento de um Inventário de Levantamento das Dificuldades da Decisão Profissional. Psicologia: Reflexão & Crítica, 13:451-463.         [ Links ]

RAMOS, M.I. 2006. Tempo de Decidir. Ideia Plena, 1:14-17.         [ Links ]

SELYE, H. 1956. The stress of life. New York, Mc-Graw-Hill, 158 p.         [ Links ]

SOARES, D.H.P.; PIMENTEL, R.G.; D'AVILA, G.T. 2005. Orientação ao vestibulando para alívio da ansiedade. In: CONGRESSO INTERAMERICANO DE PSICOLOGIA, XXX, Buenos Aires, 2005. Anais... Buenos Aires, p. 139-140.         [ Links ]

SOARES, D.H.P. 2002a. A escolha profissional: do jovem ao adulto. São Paulo, Summus Editorial, 198 p.         [ Links ]

SOARES, D.H.P. 2002b. Como trabalhar a ansiedade e o estresse frente ao vestibular. In: R.S. LEVENFUS; D.H.P. SOARES (orgs.), Orientação vocacional ocupacional: Novos achados teóricos, técnicos e instrumentais para a clínica, a escola e a empresa. 1ª ed., Porto Alegre, Artmed, p. 337-356         [ Links ]

STARK, S.C.; SANDMAYER, P. 2006. A herança de Ötzi. Mente e Cérebro, Ed. Esp.:6-11.         [ Links ]

SUPER, D. 1953. A theory of vocational development. American Psychologist, 8:185-190.         [ Links ]

WHITAKER, D. 1997. O problema político ideológico dos vestibulares e da universidade. In: D. WHITAKER (ed.), Escolha da carreira e globalização. São Paulo, Moderna, p. 83-95.         [ Links ]

WIKIPÉDIA. 2007. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Vestibular&oldid=5654687, acessado 05/05/2008.         [ Links ]

 

 

Submetido em: 05/08/2009
Aceito em: 14/09/2009

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons