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Contextos Clínicos
versão impressa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.3 no.1 São Leopoldo jun. 2010
ARTIGOS
Caracterização das habilidades sociais de universitários1
Social skills students characterization
Alessandra Turini Bolsoni-SilvaI; Sonia Regina LoureiroII; Carolina Frazão RosaIII; Maria Carolina Fontana Antunes de OliveiraIII
IUNESP. Av. Engenheiro Luiz Edmundo C. Coube, s/n, Vargem Limpa 17015-970, Bauru, SP, Brasil. Bauru, SP, Brasil. bolsoni@fc.unesp.br
IIUSP. Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14049-900, Ribeirão Preto, SP, Brasil. srlourei@fmrp.usp.br
IIIUNESP. Av. Engenheiro Luiz Edmundo C. Coube, s/n. Vargem Limpa 17015-970, Bauru, SP, Brasil. cajujina@hotmail.com; carolfontanaantunes@gmail.com
RESUMO
O ingresso na universidade demanda novas habilidades sociais, e o seu déficit pode trazer aos universitários dificuldades acadêmicas e interpessoais. Poucos estudos têm abordado a influência dos períodos da graduação e das diferenças de gêneros quanto às habilidades sociais apresentadas por universitários, inclusive quanto à frequência, à qualidade com que ocorrem, e às variáveis antecedentes e consequentes das interações. O objetivo geral deste artigo consiste em descrever as habilidades sociais apresentadas por estudantes universitários ao longo dos anos de graduação, verificando mudanças com o passar dos períodos letivos. Especificamente, o estudo propõe-se à comparação de grupos de estudantes de diferentes anos (1º e 2º, 1º e 3º, 2º e 3º) dos períodos integral e noturno e de homens e mulheres e à apresentação das análises funcionais das interações, considerando os comportamentos e contextos mais frequentes. Foram avaliados 85 estudantes universitários do curso de Desenho Industrial, utilizando-se o Questionário de Habilidades Sociais para Universitários - Comportamentos e Contexto e o Inventário de habilidades Sociais (IHS). Os resultados apontaram diferenças entre homens e mulheres e entre os períodos integral e noturno: as maiores diferenças residem nas comparações entre os anos, indicando que os primeiros e segundos anos necessitam de maiores investimentos em intervenções, pois apresentam maiores dificuldades em comportamentos de comunicação, expressividade e resolução de conflitos. Implicações, limitações e sugestões de estudos também são discutidas.
Palavras-chave: universitários, habilidades sociais, avaliação.
ABSTRACT
The entering at the University requires new social skills and their deficits may bring to students academic and interpersonal difficulties. Few studies have addressed the influence of undergraduate periods and gender differences regarding social skills shown by college students, including frequency and quality which they occur and previous and consequent interaction variables. The main objective of this article is to describe the social skills shown by college students over undergraduate years. For specific objectives this study intends (a) the comparison of student groups in different years (first/second; first/third; second/third) of full-time and nocturne periods, of men and women and (b) the presentation of functional analysis of interactions, considering the most frequent behaviors and contexts. For that, 85 students of Design course were analyzed through the following instruments: the Social Skills Questionnaire to College Students, Behaviors and Contexts; and the Social Skills Inventory (SSI). The results indicate differences between men and women and between full-time students and nocturne ones, and the greatest differences were in comparison between years, indicating that the first and second years require greater investments in interventions, because they present greater difficulties in communication behaviors, expressiveness and conflict resolution. Furthermore, implications, limitations and suggestions for research are discussed.
Key words: college students, social skills, assessment.
Introdução
Na sociedade moderna, as relações interpessoais são muito importantes, pois independentemente de suas atividades profissionais exige-se dos indivíduos desempenhos sociais aceitáveis e elaborados, o que faz com que a temática das habilidades sociais e seus correlatos sejam particularmente interessantes (Barreto et al., 2004).
Nesse contexto, os estudantes universitários constituem uma classe profissional emergente que apresenta, pelo menos em algumas áreas, a interação social como base de sua atuação profissional, quer como objeto ou objetivo dessa atuação. Na vida universitária, um repertório de habilidades interpessoais e de desempenho de falar em público pode ser considerado imprescindível para um melhor desempenho acadêmico e social dos indivíduos. Para esse grupo, a necessidade de avaliação do desempenho social assume inquestionável relevância social e educacional, pois o comprometimento social e funcional se evidencia em prejuízos para a qualidade de vida desses indivíduos (Angélico, 2009).
As Habilidades Sociais (HS), dentro do contexto acadêmico, não estão somente relacionadas ao desempenho profissional e ao ajuste do indivíduo na instituição, mas também ao bem-estar físico e psicológico dos estudantes universitários, podendo garantir a estes um processo de socialização saudável e satisfatório. É possível definir o termo Habilidades Sociais como um conjunto de comportamentos emitidos pelo indivíduo diante das demandas de uma situação interpessoal (Del Prette e Del Prette, 1999). Habilidades sociais podem ser classificadas como comportamentos operantes, mantidos, portanto, por suas consequências (Bolsoni-Silva, 2002).
Considera-se que os déficits de habilidades sociais dificultam o funcionamento social e a capacidade adaptativa do indivíduo, com implicações e prejuízos diversos, especialmente para o desempenho e interações sociais. Os diferentes tipos de déficits de habilidades sociais que um indivíduo pode apresentar são: (a) déficit de aquisição; (b) déficit de desempenho; e (c) déficit de fluência, demonstrado pela ocorrência da habilidade com proficiência inferior à esperada diante das demandas sociais (Angélico et al., 2002).
Pesquisas apontam que o ingresso em cursos superiores pode trazer dificuldades de interação e de ajustamento às novas demandas (Furtado et al., 2003; Gerk e Cunha, 2006), trazendo risco para a saúde mental do estudante (Backer, 2003; Ciarrochi et al., 2002). Infelizmente, o meio acadêmico parece não estar conseguindo garantir eficazmente tal adaptação (Backer, 2003; Gerk e Cunha, 2006). Veenman et al. (2004) identificaram que habilidades de autorregulação, autocontrole e monitoria do próprio comportamento são preditivas de competência acadêmica e Ciarrochi et al. (2002) encontraram correlação positiva entre autorregulação e saúde mental, sobretudo estresse. Nesse sentido, o estudo das habilidades sociais e as consequentes relações interpessoais estabelecidas e reforçadas tornam-se importantes no contexto universitário de forma a identificar padrões comportamentais e contextuais que favoreçam a obtenção de reforçadores e que permitam identificar indivíduos em risco para manifestações de fobia social. Segundo Angélico (2009), ainda que o déficit em habilidades sociais não esteja presente em muitos fóbicos sociais, é recomendável que a sua avaliação seja realizada, visando à caracterização do repertório desses indivíduos de modo a instrumentar programas de tratamento efetivos que atendam as suas demandas interpessoais e acadêmicas de modo mais direto e objetivo.
Entre os exemplos de comportamentos relevantes para avaliar no contexto universitário, destacam-se o falar em público, lidar com relacionamentos amorosos (Boas et al., 2005; Del Prette e Del Prette, 2003; Del Prette et al., 2004; Del Prette et al., 2006; Pacheco e Rangé, 2006) e familiares (Bandeira e Gaglia, 2005). Segundo Del Prette et al. (2004), ao investigarem 564 universitários de cursos de psicologia constataram que as habilidades sociais mais frequentemente relatadas são habilidades assertivas condizentes ao Fator 1 do IHS-Del Prette (Enfrentamento e Autoafirmação com Risco), de Conversação e Desenvoltura Social (Fator 3) e de Autoexposição a Desconhecidos e Situações Novas (Fator 4) e menor frequência em Expressão de Afeto Positivo (Fator 2) e de Autocontrole da Agressividade (Fator 5). Contrariamente, Bandeira e Gaglia (2005) também constataram queixas relacionadas ao item expressar insatisfação e ao item solicitar mudança de comportamento, itens do Fator 1 do IHS-Del Prette. Ao analisar esses resultados, pode-se afirmar que as queixas frequentemente relatadas por universitários referemse aos Fatores 1, 2 e 5, tendo o IHS-Del Prette por referência.
Essas habilidades ajudam a favorecer as relações sociais positivas (Del Prette e Del Prette, 1999), além de auxiliarem o indivíduo em situações como a discriminação entre objetos, situações ou estímulos, aplicação de regras, identificação, construção e resolução de problemas, constituindo-se em elementos fundamentais para a competência social. Por outro lado, conforme Backer (2003), a metade dos alunos que ingressam no ensino superior tem dificuldades para se adaptar ao ambiente e acabam desistindo do curso. No entanto, como afirma o autor, pouco se tem publicado sobre a preocupação com a adaptação do universitário à faculdade. Considera-se assim que são relevantes estudos nesse contexto que abordem as habilidades e competências sociais dos universitários.
Competência social é um atributo avaliativo do desempenho social que depende de sua funcionalidade e da coerência com os pensamentos e sentimentos do indivíduo (Del Prette e Del Prette, 2001a). Portanto, pode-se concluir que o termo competência social inclui ocorrência de habilidades sociais em contextos apropriados, maximizando a obtenção de sucesso nas interações sociais. Tais conceitos estão em consonância com os pressupostos do Behaviorismo Radical, o qual postula que as pessoas podem emitir operantes de forma a maximizar a obtenção de reforçadores; é permitido, assim, considerar o repertório de habilidades sociais como um operante, que pode aumentar a probabilidade de obter reforçadores sociais. O indivíduo, ao interagir com o ambiente, o faz conforme a sua história anterior (antecedente), e o seu comportamento tem um efeito no interlocutor (consequente) que influenciará comportamentos futuros, aumentando ou diminuindo sua frequência (Skinner, 1993a [1953]).
Em outras palavras, Skinner (1984) sistematizou amplamente sua teoria ao explicar todo e qualquer comportamento por três níveis de seleção, isto é, a história da espécie, a história do indivíduo e a história da cultura. Nessa perspectiva, Skinner propõe uma teoria do comportamento que pode ser denominada como interacionista (Abib, 1993) e consequencialista (Abib, 2004), uma vez que são as consequências reforçadoras que selecionam o comportamento operante. Skinner (1993b [1974]) define comportamento operante como aquele que especifica ao menos uma relação entre resposta e consequências. As consequências podem aumentar (reforçadoras) ou reduzir (punidoras) sua probabilidade de ocorrência. Labrador (2004) afirma que Skinner, com sua teoria, fornece subsídios para diagnóstico e intervenção, por intermédio do que foi denominado de análise funcional do comportamento.
O termo análise funcional possui diferentes definições (Meyer, 2001). Foi elaborado a partir da Análise Experimental do Comportamento, que descreve leis do comportamento subsidiadas por dados obtidos com a manipulação de variáveis em situações de pesquisa controlada (como a situação típica de laboratório), que pode ser frequentemente encontrado em muitos textos de Skinner, como, por exemplo, em Ciência e Comportamento Humano (Skinner, 1993a [1953]). O conceito análise funcional mais referenciado remete a essa obra:
[...] as variáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem ao que pode ser chamado de análise causal ou funcional. Tentamos prever e controlar o comportamento de um organismo individual. Essa é a nossa 'variável dependente' - o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas 'variáveis independentes' - as causas do comportamento - são as condições externas das quais o comportamento é função (Skinner, 1993a [1953], p. 45).
Entretanto, tais conceitos foram utilizados por Skinner (1992 [1957]; 1993b [1974], 1993a [1953]) para interpretar diversas áreas aplicadas, além do contexto de laboratório, como educação, clínica, política e religião, inclusive indicando o comportamento verbal como passível de descrição e de análise em Verbal Behavior (Skinner, 1992 [1957]), ainda que não tivesse anunciado claramente metodologias específicas para o estudo de tais fenômenos.
Há, por um lado, pesquisadores (por exemplo, Hanley et al., 2003) que afirmam que a análise funcional apenas pode ser idiográfica e, então, não generalizável, o que remete aos estudos conduzidos no laboratório, os quais são simplificados e artificiais (Hanley et al., 2003). Entretanto, há autores (tais como, Goldiamond, 2002 [1974]; Kanfer e Saslow, 1976, que, preocupados em aplicar o conceito para o contexto clínico, elaboraram e aplicaram instrumentos de relatos que avaliam múltiplas respostas e contextos, indicando a peculiaridade do trabalho aplicado.
Quanto à influência do sexo e às habilidades sociais de universitários, pode-se citar o trabalho de Del Prette et al. (2004), que encontrou diferenças entre homens e mulheres para os Fatores 1 (Enfrentamento e Autoafirmação com Risco), 2 (Expressão de Afeto Positivo), 4 (Autoexposição a Desconhecidos e Situações Novas) e 5 (Autocontrole da Agressividade). Os autores concluem que os homens são mais habilidosos para os Fatores 1, 4 e 5, e as mulheres o são para o Fator 2. Quanto à comunicação (Fator 3), Del Prette et al. (2004) não identificaram diferenças entre os sexos. Com base na aplicação do Inventário de Habilidades Sociais (IHS) em alunos de cursos de graduação das áreas de Ciências Humanas, Exatas e Biológicas, em instituições públicas e particulares de ensino superior, Barreto et al. (2004) concluíram que existem diferenças significativas entre as habilidades sociais de jovens universitários do grupo masculino e do grupo feminino.
Bartholomeu et al. (2008) verificaram que as associações entre habilidades sociais e a socialização relacionam-se aos tipos de interações que uma pessoa apresenta ao longo de um contínuo que se estende da compaixão ao antagonismo. Os autores constataram ainda que, quanto mais habilidades sociais os universitários apresentaram, mais tenderam a ser atenciosos, compreensivos, empáticos e agradáveis com os demais, sendo essas as características de personalidade desses indivíduos. Esses pesquisadores destacaram também a presença de diferenças significativas quanto ao sexo, referindo que as mulheres mais hábeis socialmente manifestaram um maior autocontrole de agressividade em situações desagradáveis.
Na literatura (Boas et al., 2005; Del Prette e Del Prette, 2003; Del Prette et al., 2004; Del Prette et al., 2006; Pacheco e Rangé, 2006), pode-se perceber um déficit com respeito aos estudos que abordam as dificuldades interpessoais em estudantes universitários, no que diz respeito à identificação de cursos e períodos (início, meio e término) em que se encontra mais dificuldade interpessoal, favorecendo a proposição de intervenções mais efetivas conforme o momento do curso e o gênero do universitário.
Diante do exposto, objetiva-se descrever as habilidades sociais apresentadas por estudantes universitários, ao longo dos anos de graduação, verificando se estas sofrem mudanças com o passar dos períodos letivos. Especificamente, neste artigo, comparam-se grupos de estudantes de diferentes anos (1º e 2º, 1º e 3º, 2º e 3º) dos períodos integral e noturno e de homens e mulheres e analisa-se a funcionalidade das interações, considerando os comportamentos e contextos mais frequentes.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 85 estudantes universitários, graduandos dos 1º, 2º e 3º anos do curso de Desenho Industrial (D.I.), de uma universidade pública do estado de São Paulo. Esse curso foi escolhido por ter apresentado, com maior frequência, por parte dos alunos, a busca por atendimento psicológico, no Centro de Psicologia Aplicada (CPA), no período de 2003 a 2007 (Ribeiro, 2009).
A idade dos participantes variou de 18 a 35 anos (m = 21 anos±, dp = 2,53), sendo a frequência de homens e mulheres praticamente equivalente (44 e 41 respectivamente), e foram avaliadas quase que exclusivamente pessoas solteiras (98,8%), das quais 51,8% namoravam e 62,3% não trabalhavam. A maior parte dos participantes estudava no período noturno (56,5%) e, em sua maioria, moravam em alojamentos universitários.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados foram: o Inventário de Habilidades Sociais IHS-Del Prette (Del Prette e Del Prette, 2001b) e o Questionário de Habilidades Sociais para Universitários - Comportamentos e Contexto. Dados demográficos foram colhidos a partir de ambos os instrumentos e as informações sobre moradia, namoro e trabalho foram colhidos a partir do Questionário de Habilidades Sociais para Universitários - Comportamentos e Contexto.
O IHS-Del Prette é um instrumento composto por 38 itens que têm como objetivo avaliar dimensões situacionais e comportamentais das habilidades sociais. Esses itens são agrupados em cinco fatores, denominados de F1 - enfrentamento e autoafirmação com risco, F2 - autoafirmação na expressão de sentimento positivo, F3 - conversação e desenvoltura social, F4 - autoexposição a desconhecidos e situações novas e F5 - autocontrole da agressividade. Os respondentes devem indicar a frequência com que agem ou sentem que recebem as classificações, de acordo com a indicação: A (nunca ou raramente), B (com pouca frequência), C (com regular frequência), D (muito frequentemente), E (sempre ou quase sempre). Conforme Bandeira et al. (2000), o IHS-Del Prette possui validade concomitante com a Escala de Assertividade Rathus (r = 0,81, p = 0,01), fidedignidade e estabilidade temporal satisfatórias em avaliações teste-reteste (r = 0,90, p = 0,001).
O Questionário de Habilidades Sociais para Universitários: Comportamentos e Contexto (QHSU-CC) é composto por questões que se referem à frequência e à forma como o participante se comporta com relação a diferentes interlocutores (por exemplo, pais, amigos, namorados(as)). As questões são organizadas em temas que podem ser denominados de (i) Comunicação (conversação e perguntas), (ii) Expressividade (Sentimentos positivos, negativos e opiniões), (iii) Críticas, (iv) Seminários, (v) Falar em público e (vi) Dados Adicionais (se a pessoa quer acrescentar algo que não foi abordado no questionário). Em cada questão, pergunta-se sobre a frequência com que ocorre o comportamento mencionado e características desse comportamento (variáveis antecedentes e consequentes). Quanto à frequência, o respondente escolhe apenas uma das alternativas classificada em frequentemente, se o comportamento acontecer muitas vezes durante a semana, algumas vezes, se o comportamento acontecer poucas vezes durante a semana (apenas 1 ou 2 vezes), ou quase nunca ou nunca, se o comportamento aparecer a cada 15 dias, 1 mês ou menos. O instrumento é extenso, mas, a título de exemplo, apresenta-se, no Quadro 1, o modo como foram investigadas as relações envolvidas em Comunicação com a mãe. O exemplo esclarece como são colhidos os dados de frequência e as variáveis antecedentes e consequentes. O formato é o mesmo para os demais comportamentos avaliados.
O instrumento foi elaborado a partir de um Roteiro de Entrevista aplicado a 74 universitários, cujos dados permitiram a proposição na forma de questionário, com categorias específicas de respostas, facilitando a coleta e a organização dos dados. Estudos iniciais de validade e confiabilidade verificaram que os cinco fatores (70,04% da variância) que agrupam os seguintes itens podem ser organizados em: F1 - expressa opiniões, expressa sentimentos positivos, conversa, interação com pai e interação com namorado (a), F2 - interação com amigo, recebe crítica, faz crítica, F3 - expressa sentimento negativo e interação com colega, F4 - interação com irmão e interação com mãe, F5 - falar em público; (b) Alfa de Cronbach = 0,84 (Bolsoni-Silva e Loureiro, 2009); (c) satisfatória validade convergente com o IHS-Del Prette (correlação Spearman, p < 0,05); (d) validade discriminativa satisfatória, considerando classificações clínica e não clínica, tendo por critério o IHS-Del Prette e o Inventário de Fobia Social - forma reduzida - Mini-SPIN (D'El Rey et al., 2007).
Procedimentos de coleta de dados
Em um primeiro momento, foram solicitadas, junto aos órgãos competentes da universidade, listas de presença dos alunos de todos os períodos do Curso de Desenho Industrial, já que este, como indicado, foi o curso que mais buscou por atendimento psicológico (Ribeiro, 2009), evidenciando a necessidade de conhecer melhor sua realidade para atendê-los plenamente nas intervenções. Na sequência, uma autorização foi requerida a cada um dos professores na sala de aula quanto à possibilidade de participar da pesquisa, momento em que foram oferecidos os devidos esclarecimentos sobre os objetivos da mesma. A coleta foi realizada de forma grupal nas próprias salas de aula, em horário previamente combinado com os participantes, os quais assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Quatro participantes que não puderam compartilhar da coleta em sala de aula foram convidados a responder os instrumentos no CPA, realizado conforme disponibilidade dos mesmos. Destaca-se que, na proposta inicial, previa-se coletar dados com os quatro anos do curso de D.I.; no entanto, após contato com os alunos, não se obteve disponibilidade para participação devido ao fato de a natureza das atividades não permitir a junção da turma em sala de aula.
Procedimentos de tratamento e análise de dados
Os dados de ambos os instrumentos foram organizados de forma a comparar grupos no que se refere a cada um dos anos (1º, 2º e 3º), períodos (integral x noturno) e entre os sexos (feminino e masculino), por intermédio de estatística de comparação entre duas amostras independentes (Teste Mann-Whitney). No caso do IHS-Del Prette, houve a organização por fatores e identificaram-se as classificações previstas no instrumento. Para o QHSU-CC, foram conduzidas três análises condizentes à comparação das frequências dos comportamentos, à qualidade da interação e às análises funcionais, considerando os comportamentos e contextos mais frequentes. Os dados de frequência foram comparados a partir do Teste Mann-Whitney para cada uma das comparações (anos, períodos e sexos), e os que apresentaram diferenças significativas (p < 0,05) foram analisados funcionalmente, cujos resultados aparecem na forma de tabelas. Os dados de qualidade das interações tiveram a análise funcional e também a inferencial (Teste Mann-Whitney), que, nesse caso, teve cálculo do que foi denominado de Total Positivo e de Total Negativo, em que os itens do instrumento que correspondiam a respostas habilidosas (Del Prette e Del Prette, 1999) e consequências que denotavam a probabilidade de obter reforçadores positivos receberam a classificação positiva, e os que não podiam receber tal classificação foram denominados de negativos; na sequência, os escores foram comparados a partir do Teste Mann-Whitney. Os dados correspondentes a respostas, antecedentes e consequentes, que tiveram diferenças estatísticas nas análises de frequência também foram tratados estatisticamente, sendo apresentados na forma de tabelas.
Resultados
Os resultados das comparações dos Fatores do IHS-Del Prette indicaram que os estudantes do integral e do noturno não se diferenciavam. Também não foi encontrada diferença nas comparações entre os 1º, 2º e 3º anos. Entre homens e mulheres as diferenças encontradas foram: (a) F1 (m = 23,90 e 19,12; dp = 7,28 e 4,54; p = 0,001); (b) F3 (m = 18,00 e 15,68; dp = 4,32 e 4,22; p = 0,034); (c) F5 (m = 8,39 e 7,44; dp = 2,07 e 1,92; p = 0,027); (d) outros (m = 17,20 e 15,13; dp = 4,35 e 2,98; p = 0,006); (e) escore total (m = 95,14 e 84,37; dp = 16,53 e 13,35; p = 0,002).
Quanto às classificações previstas no IHS-Del Prette, dos 85 estudantes que participaram deste estudo, 30 receberam indicação para Treinamento em Habilidades Sociais. Destes, oito pertenciam ao primeiro ano, 16 ao segundo e seis ao terceiro ano. Comparando os sexos, 15 participantes do sexo masculino e 15 do sexo feminino receberam a indicação para treinamento. Quanto aos períodos, receberam indicação para intervenção, 12 alunos do período integral e 18 do período noturno.
No que se refere ao QHSU-CC, procedeu-se a comparações dos itens quanto à frequência e à qualidade das interações. O instrumento permite ainda uma descrição funcional dos comportamentos, realizada para os itens que apresentaram diferenças nas comparações de grupos.
Os itens de frequência que apresentaram diferenças estatísticas quanto às comparações foram: (a) 1º x 2º anos: "expressar sentimentos negativos - colegas (m = 0,44 e 0,88; dp = 0,63 e 0,69; p = 0,03), escore total de "expressar sentimentos negativos" (m = 3,00 e 4,42; dp = 3,00 e 4,43; p = 0,03), "apresentar seminários" (m = 0,58 e 1,05; dp = 0,58 e 1,05; p = 0,00); (b) 2º x 3º anos: "expressar sentimentos negativos - pai" (m = 0,76 e 0,29; dp = 0,76 e 2,29; p = 0,01), "expressar sentimentos negativos - mãe" (m = 0,93 e 0,43; dp = 0,73 e 0,60; p = 0,01), "fazer críticas - mãe" (m = 1,18 e 1,52; dp = 0,64 e 0,60; p = 0,038), "dificuldades em apresentar seminários" (m = 1,11 e 1,50; dp = 0,74 e 0,76; p = 0,045), escore total de "expressar sentimentos negativos" (m = 4,43 e 2,81; dp = 2,77 e 2,09; p = 0,02); (c) 1º x 3º anos: "fazer críticas - mãe" (m = 1,13 e 1,52; dp = 0,55 e 0,60; p = 0,023), "apresentar seminários" (m = 0,59 e 1,14; dp = 0,58 e 0,57; p = 0,00), "receber críticas - namorado" (m = 1,00 e 1,55; dp = 0,47 e 0,52; p = 0,026); (d) integral x noturno: "expressar sentimentos positivos - pais" (m = 1,44 e 1,11; dp = 0,75 e 0,73; p = 0,034), "fazer críticas - irmão" (m = 0,70 e 1,15; dp = 0,73 e 0,66; p = 0,00), "receber críticas - irmão" (m = 1,00 e 1,36; dp = 0,71 e 0,76; p = 0,025); (e) homem x mulher: "expressar sentimentos positivos - namorado" (m = 1,46 e 1,85; dp = 0,86 e 0,54; p = 0,042), "expressar opiniões - colegas" (m = 1,53 e 1,19; dp = 0,67 e 0,74; p = 0,048), "fazer críticas - amigos" (m = 1,18 e 1,51; dp = 0,66 e 0,51; p = 0,02), "fazer críticas - colegas" (m = 1,09 e 1,60; dp = 0,69 e 0,63; p = 0,013), "falar com pessoas desconhecidas" (m = 1,05 e 0,59; dp = 0,62 e 0,60; p = 0,00).
Quanto à qualidade das interações, os dados de cada um dos comportamentos avaliados foram organizados em Total positivo e Total negativo, e poucas diferenças foram encontradas: (a) 1º x 3º anos - total positivo de "expressar opiniões" (m = 20,67 e 26,67; dp = 9,86 e 8,50; p = 0,04); (b) 1º x 3º anos - total positivo de "conversar" (m = 23,92 e 34,95; dp = 10,57 e 10,48; p = 0,00); (c) integral x noturno -total negativo de "conversar" (m = 7,70 e 5,38; dp = 5,32 e 5,09; p = 0,036).
Os resultados das descrições funcionais são apresentados conforme os comportamentos "expressar sentimentos negativos" (Tabela 1), "expressar sentimentos positivos" e "expressar opiniões" (Tabela 2), "fazer críticas" (Tabela 3), "apresentar seminários" (Tabela 4) e falar em público - desconhecido" (Tabela 5), por terem sido os que apresentaram diferenças significativas nas comparações das frequências comportamentais.
Pela Tabela 1, nota-se que, como nos resultados de frequência comportamental, os estudantes sempre tiveram maiores médias quando comparados ao primeiro e ao segundo anos. Os alunos do segundo ano quanto interagem com colegas relatam emitirem, com maior frequência, expressões de sentimentos negativos quando são contrariados, usando da conversação para tal fim; no entanto, o interlocutor mostra-se tímido, e o universitário sente-se inseguro, sugerindo falta de repertório em conversar sobretudo para expressar desagrado. Possivelmente a forma utilizada para expressar sentimento negativo não seja competente a ponto de obter, como consequências, reforçadores positivos e sentimentos positivos associados. Com a mesma frequência, os primeiros e segundos anos relataram que expressam sentimentos negativos quando estão aborrecidos com uma pessoa ou com uma situação; comentaram que, além de falar, por vezes, também ficam calados e se comunicam pela expressão do rosto.
No que se refere à interação com os pais, os itens com diferenças entre o primeiro e o terceiro ano encontram-se na Tabela 1, em que os participantes relataram expressar sentimentos negativos quando estão aborrecidos com a pessoa e/ou quando são criticados, sentindo-se satisfeitos com o resultado da interação. Com a mesma frequência, os universitários do segundo e terceiro anos comentaram que também expressam sentimentos negativos quando estão aborrecidos com outra pessoa e/ou situação, quando são contrariados e diante de opiniões divergentes; nessas ocasiões eles ficam calados, conversam, expressam-se apenas pelo rosto ou então ficam bravos/gritam; além de satisfeitos, os universitários manifestaram sentiremse felizes e seguros do mesmo modo que inseguros, incapazes e ansiosos nessas situações.
No que se refere à comparação entre homens e mulheres para expressar sentimento positivo (Tabela 2), os resultados dos itens de função também foram mais frequentes para as mulheres quanto às respostas de telefonar, dizer que ama e abraçar, bem como de sentir-se feliz nessas ocasiões. Com a mesma frequência, homens e mulheres relataram expressar sentimentos positivos quando estão com saudades e/ou quando ficam muito tempo sem se encontrar, momentos em que se expressam conversando, elogiando, mandando e-mail e aproximando-se; além de felizes, relataram sentir-se seguros e/ou satisfeitos.
Nas comparações entre integral e noturno, não foram identificadas diferenças estatísticas quanto aos itens de análise funcional para expressar sentimento positivo para a mãe, ainda que tenha havido na frequência, sendo o integral o mais frequente. Ambos os grupos relataram expressar sentimentos positivos para suas mães quando sentem saudades e/ou ficam tempo sem se encontrar, momentos em que se expressavam conversando, elogiando, mandando e-mail, abraçando e aproximando-se; as mães retribuíam da mesma forma e, enquanto sentimentos, os estudantes relataram que, na maioria das vezes, sentiam-se felizes, mas em alguns momentos sentiam-se ansiosos.
Ainda na Tabela 2, nota-se que os homens expressam mais opiniões que as mulheres quando são contrariados, mas, por outro lado, as mulheres relataram mais o medo de reprovação. Homens e mulheres, com a mesma frequência, expressam opiniões quando estão aborrecidos, diante de opiniões divergentes ou quando são contrariados, momento em que relataram conversar; o interlocutor ou explica, expressa sua opinião, ou então fica quieto; como sentimentos associados foram relatados tanto felicidade, segurança, satisfação como insegurança e ansiedade, além do medo de reprovação.
No caso de fazer críticas os resultados de frequência tiveram tendência distinta dos itens de análise funcional. Nas comparações entre primeiro e terceiro anos e segundo e terceiro anos, sempre o terceiro ano relatou fazer crítica com mais frequência para as suas mães. No entanto, nos resultados expressos na Tabela 3, nota-se que o antecedente que diferenciou os grupos foi o de fazer críticas quando é contrariado, com maior frequência para o primeiro ano, momento em que ficam bravos e/ou gritam como estratégia para criticar. Na comparação entre segundo e terceiro ano houve diferença apenas para a forma de criticar, ficar bravo e/ou gritar, mais frequente para o segundo ano. Com a mesma frequência, os universitários também criticam quando são contrariados, criticados ou diante de opiniões divergentes. Além de brigarem, eles também conversam. Como consequência, obtêm de suas mães as respostas de acatar, sair da situação, explicar a própria opinião, mudar de assunto ou ficar agressiva. Relataram sentirem-se seguros e também incapazes e ansiosos.
Quanto às comparações entre homens e mulheres, os resultados dos itens de função também não seguiram a tendência da frequência comportamental, que foi maior para as mulheres. Na interação com os amigos e colegas, apenas os antecedentes e o sentimento de satisfação apresentaram diferenças significativas (Tabela 3), com maior frequência para os homens, o que sugere qualidade melhor na forma como criticam as pessoas quando são contrariados, criticados e/ou quando estão aborrecidos. Homens e mulheres relataram conversar nessas ocasiões e o interlocutor emite diversas respostas, tais como acatar, explicar-se, ficar quieto, mudar de assunto e sair da situação; também relataram insegurança e ansiedade contingente ao fazerem críticas.
Na comparação entre integral e noturno, fazer e receber críticas nas interações com irmãos foram mais frequentes para o noturno, mas nas análises de itens de função não foram encontradas diferenças. Ambos os grupos relataram criticar quando são contrariados, criticados, quando estão aborrecidos e diante de opiniões divergentes, momentos em que tanto conversam como ficam bravos; os irmãos ora acatam, explicam, ora ficam agressivos; relataram sentir-se seguros e satisfeitos.
Os resultados de apresentar seminários possuem a mesma tendência quanto à frequência e itens de análise funcional, pois, em ambas as análises, denotam que, com o passar do tempo, as dificuldades diminuem. Conforme a Tabela 4, o segundo ano, com mais frequência que o primeiro, fala para qualquer público, inclusive desconhecido e, por consequência, obtém perguntas dos interlocutores, o que denota participação, estimulando continuar se expondo. O terceiro ano, com mais frequência que o segundo, fala para um grande número de pessoas, utilizando tom de voz alto, e os interlocutores também fazem perguntas. Na comparação entre segundo e terceiro anos, nota-se que o terceiro apresenta-se de maneira calma, deixando de relatar sentimentos de incapacidade e medo de reprovação, o que ocorre com o segundo ano. Com a mesma frequência, os universitários também falam para público conhecido e relataram como respostas o gaguejar, falar pausadamente, falar rapidamente e olhar apenas para o professor; os interlocutores, nessas situações, prestavam atenção, elogiavam e/ou ignoravam; como sentimentos associados apareceram ansiedade (suar, tremer), insegurança, felicidade, segurança e satisfação.
Na comparação de frequência os homens relataram com mais recorrência falar para público desconhecido. Os dados da análise funcional (Tabela 5) indicam que, por outro lado, eles obtêm mais desaprovação que as mulheres. Entretanto, são os homens que relataram, com mais frequência, sentirem-se felizes e confiantes nessas situações. Com a mesma frequência, homens e mulheres relataram ora se preparar e ora não se preparar para a tarefa de falar em público, afirmando que essa preparação interfere na forma como irão se expressar. Ambos os grupos falam de maneira pausada, rapidamente e/ou alto, dirigindo-se para o todo o grupo; a plateia presta atenção ou ignora, além de desaprovar; os universitários sentem-se satisfeitos ou inseguros, incapazes, ansiosos ou com medo.
Discussão
A partir do IHS-Del Prette, a minoria das pessoas avaliadas teve indicação clínica (8 do primeiro ano, 16 do segundo e 6 do terceiro ano). A comparação quanto à indicação clínica entre homens e mulheres não encontrou diferenças estatisticamente significativas. Dessa forma, 35% das pessoas que participaram desta pesquisa revelaram que necessitam de algum tipo de auxílio que favoreça um maior desenvolvimento das habilidades sociais. Pacheco e Rangé (2006) verificaram que em 62% de universitários havia alguma indicação para desenvolvimento em habilidades sociais. Apesar da porcentagem indicativa para THS no presente estudo ser menor do que a do estudo desses autores, o resultado é indicativo de problemas de adaptação para a vida universitária.
Destaca-se que, conforme Del Prette et al. (2004), os homens mostraram-se mais habilidosos que as mulheres para a maioria dos fatores avaliados e também para o escore total. Por outro lado, considerando o QHSU-CC, as mulheres mostraram-se mais habilidosas para: "falar para público desconhecido", "fazer críticas aos colegas e amigos", "conversar" e "expressar sentimentos positivos ao namorado", o que respalda os achados de Del Prette et al. (2004), no que se refere ao afeto, mas não quanto aos outros comportamentos avaliados. Esses resultados indicam a relevância de utilizar mais de um instrumento de avaliação, pois foi possível identificar melhor qualidade nas interações das mulheres, sobretudo na expressão de sentimentos positivos.
Considerando os resultados do QHSU-CC no que se refere à "expressão de sentimentos negativos" e à "apresentação de seminários", observou-se que os universitários do segundo ano relataram emiti-los com mais frequência que os de primeiro ano e, considerando a descrição funcional, parece que o fazem de maneira não habilidosa (agressividade), refletindo na dificuldade de interação com os colegas, que "mudam de assunto", além de terem sentimentos negativos (como "ansiedade e medo"); o fato de relatarem se sentirem "satisfeitos", parte das vezes, denota que também conseguem reforçadores supostamente negativos, uma vez que se expressam de maneira agressiva. Os alunos do primeiro ano mostraram-se diferentes em relação aos do segundo ano, pois nestas ocasiões deixaram de se expressar ou o fizeram timidamente, e isso também traz consequências e sentimentos negativos. Os alunos do terceiro ano, por sua vez, parecem ter aprendido com a experiência, pois relataram mais frequentemente comportamentos e consequências apropriadas.
Considerando as comparações entre o segundo e o terceiro anos, verifica-se uma melhora na qualidade com que "expressam sentimentos negativos" e também "fazem críticas", que, diferentemente da comparação anterior, agora o fazem "conversando", mas os sentimentos negativos e as consequências do interlocutor (de ficar agressiva) permitem afirmar que demonstrar sentimentos negativos e/ou fazer críticas não é uma tarefa fácil e nem sempre os universitários atingem os objetivos. Tais resultados são concordantes com Del Prette et al. (2004), que verificaram que a expressão de afeto positivo e o autocontrole da agressividade ocorriam com menor frequência, sugerindo maiores dificuldades.
As dificuldades de expressar sentimentos negativos foram apontadas por Bandeira e Gaglia (2005) e teve respaldo na presente pesquisa, sobretudo para os alunos do segundo ano. Os do primeiro ano, possivelmente pelas condições desafiadoras da universidade (Furtado et al., 2003; Gerk e Cunha, 2006), ficam mais tímidos, passando da inassertividade para a agressividade no segundo ano. Parece que esses estudantes tendem a melhorar e a ajustar o comportamento, conseguindo, no terceiro ano, comportar-se de forma mais competente.
Quanto a falar para público desconhecido, considerando que os homens relataram que se expõem com mais frequência que as mulheres e considerando que ora elas são habilidosas e ora não, os homens são mais habilidosos, reiterando os achados com o IHS-Del Prette. Na comparação entre integral e noturno, o QHSU-CC identificou que os alunos do integral são mais habilidosos em expressar sentimentos positivos e em conversar. Os do noturno, por sua vez, são mais habilidosos em fazer e receber críticas, indicando que tal caminho de investigação é necessário e precisa de ampliação.
Os resultados obtidos são concordantes com a opinião de autores que afirmam que, para o contexto aplicado (Goldiamond, 2002 [1974]; Meyer et al., 2008), é relevante avaliar múltiplas respostas e de múltiplas causas. Nas palavras de Meyer et al. (2008, p. 115) o pesquisador "[...] produz análises comportamentais hipotéticas. Estas hipóteses funcionais ganham força se as intervenções nelas baseadas produzem as mudanças comportamentais previstas". Nota-se, então, a dificuldade do analista do comportamento preocupado com questões sociais, educacionais e clínicas, no que se refere a identificar unidade de análise funcional, definir classes de respostas, classes de eventos antecedentes e de eventos consequentes (Meyer, 2001). Nesse sentido, este trabalho oferece pistas de contingências que podem estar ocorrendo no contexto universitário.
A ideia de trabalhar com interdependências comportamentais e causalidade múltipla também tem respaldo em Goldiamond (2002 [1974]), ao criticar, na década de 1960, os trabalhos de modificação de comportamento que desconsideravam o diagnóstico individualizado, deixando de aplicar totalmente os conceitos propostos por Skinner. O mesmo autor defende a avaliação de comportamentos múltiplos de uma pessoa, por meio de táticas construcionais. Estas, segundo Goldiamond (2002 [1974]), constituiriam métodos de intervenção que entenderiam o comportamento problema (também denominado de ganho secundário) como produzindo consequências desejáveis e lógicas, à medida que o indivíduo não fosse capaz de obter tais reforçadores com outros comportamentos socialmente relevantes. Consequentemente, a implicação dessa definição é a de não tratar apenas o comportamento alvo diretamente, mas também dar suporte e aumentar comportamentos alternativos funcionalmente equivalentes. O autor já afirmava que comportamentos socialmente habilidosos poderiam ser funcionalmente equivalentes a diversas dificuldades, tais como depressão e uso de substâncias. Glenn (2002) afirma que o texto de Goldiamond (2002 [1974]) insere o trabalho clínico analítico comportamental nas contingências sociais de nossa sociedade; para essa autora, Goldiamond (1974/2002) identifica variáveis críticas para compreender as relações estabelecidas entre o indivíduo e o contexto em que está inserido.
Na verdade, autores (por exemplo, Mayer, 1999) que buscam utilizar tecnologia de avaliação e de intervenção a partir do modelo construcional de Goldiamond (2002 [1974]) concordam com a filosofia behaviorista radical que entende todo comportamento como fruto de três níveis de seleção: filogenético (história da espécie), ontogenético (história particular do indivíduo) e cultural (história das práticas culturais) (Skinner, 1984). Os conceitos de variação e seleção estão presentes em cada um deles e, então, cada comportamento precisa ser explicado e não utilizado como explicação.
Complementarmente, os instrumentos que se baseiam em relatos, isto é, no comportamento verbal, são importantes, porque colaboram na descrição de contingências históricas e favorecem o trabalho com um conjunto extenso de variáveis de uma única vez, as quais podem ajudar na delimitação de comportamentos futuros a serem investigados com delineamento de sujeito único (Carrara, 2008). Pesquisas em Análise Aplicada do Comportamento podem se valer de vários instrumentos metodológicos, os quais contribuem com fontes importantes de informações sobre os comportamentos sem, contudo, desviar dos pressupostos do Behaviorismo Radical (Carrara, 2008). Destaca-se a relevância de avaliar a frequência comportamental e também as variáveis contextuais envolvidas, pois nem sempre, ao emitirem certa habilidade social, os universitários o fazem de maneira competente, obtendo resolução de problemas e reforçamento social.
Considerações finais
De uma maneira geral, este estudo sugere que estudantes desenvolvem habilidades sociais ao longo dos anos, tal como qualquer pessoa no curso do desenvolvimento humano. O primeiro e o segundo anos da universidade parecem ser os de maior dificuldade para o curso avaliado (Desenho Industrial) e, portanto, requerem maior atenção para a proposição de intervenções. Ao passar de um ano para o outro na graduação, alguns estudantes, por não saberem lidar com as novas exigências sociais ou talvez por não possuírem as habilidades sociais necessárias para tal, podem desistir do curso ou ainda desenvolver ansiedade, fobia social ou depressão, caso não sejam realizadas intervenções apropriadas.
Ressalta-se que estes resultados não podem ser generalizados para outras populações universitárias, já que se referem a apenas um curso de graduação. Se a escolha de um único curso, com maior demanda por atendimento, como parte de uma amostra de conveniência, por um lado, sugere viés, a coleta em um contexto real, próprio de um estudo aplicado, por outro lado, favorece a validade ecológica dos dados. A ampliação do estudo para todos os cursos da universidade está em andamento em pesquisa financiada pela FAPESP.
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Submetido em: 05/08/2009
Aceito em: 10/12/2009
1 Apoio: Fapesp e CNPq.