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Contextos Clínicos
versão impressa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.6 no.2 São Leopoldo dez. 2013
https://doi.org/10.4013/ctc.2013.62.07
ARTIGOS
Adolescentes em conflito com a lei e família: um estudo de revisão sistemática da literatura
Delinquent adolescents and family: a systematic review of the literature
Mykaella Cristina Antunes NunesI; Anne Graça de Sousa AndradeII; Normanda Araujo de MoraisIII
IUniversidade de Fortaleza. Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, 60811-905, Fortaleza, CE, Brasil. Laboratório de Estudos dos Sistemas Complexos: casais, família e comunidade (Lesplexos). mykaellanunes@hotmail.com
IIUniversidade de Fortaleza. Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, 60811-905, Fortaleza, CE, Brasil. Laboratório de Estudos dos Sistemas Complexos: casais, família e comunidade (Lesplexos). Universidade Estadual do Ceará. Rua José Furtado, s/n, 63700-000, Crateús, CE, Brasil. annegsa@hotmail.com
IIIUniversidade de Fortaleza. Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz, 60811-905, Fortaleza, CE, Brasil. Laboratório de Estudos dos Sistemas Complexos: casais, família e comunidade (Lesplexos). normandaaraujo@gmail.com
RESUMO
Este estudo realizou uma revisão sistemática da literatura a fim de conhecer o estado da arte sobre o tema "Família e adolescente em conflito com a lei" no período de 2007 a 2012. Foram selecionados resumos de periódicos científicos nacionais e internacionais, indexados nas bases de dados Bireme (Index Psi. Revistas Técnico-Científicas, PePsic, SciELO, LILACS, Medline) através de combinações de descritores. Um total de 162 trabalhos foi localizado a partir dos seguintes critérios: está dentro do período de análise, nos idiomas inglês, espanhol e português e sem duplicidade. Destes, apenas 35 artigos faziam menção à temática família e foram analisados na íntegra. Observou-se um predomínio de estudos internacionais, empíricos e de caráter quantitativo. A partir da análise, foram identificados três eixos temáticos que versavam sobre: características do funcionamento e da dinâmica familiar de adolescentes em conflito com a lei; a percepção dos adolescentes acerca de suas famílias; e metodologias de avaliação e de intervenção voltadas à família. Os resultados revelaram que é inviável pensar na prática de atendimento ao adolescente infrator sem englobar sua família com a mesma ênfase, bem como, se tem verificado uma prática recorrente de culpabilização da família pela situação de infração do filho, sendo vista apenas como fator de risco.
Palavras-chave: adolescente em conflito com a lei, família, revisão sistemática.
ABSTRACT
This study conducted a systematic literature review to ascertain the state of the art on the theme "Family and delinquent adolescents" in the period 2007-2012. National and international scientific journals abstracts indexed in Bireme databases (Index Psi. Revistas Técnico-Científicas, PePsic, SciELO, LILACS, Medline) were selected through diffeerent combinations of descriptors. A total of 162 studies were located using the following criteria: it is within the period of analysis, it is written in English, Spanish and Portuguese and without duplicity. From the group, only 35 articles mentioned the family theme, and they were analyzed in full. There was a predominance of international studies with an empirical and a quantitative character. From the analysis three themes were identified: characteristics and functioning of delinquent adolescents family dynamics; adolescents' perception about their families, and methodologies for assessment and intervention aimed at the family. The results revealed that it is necessary to consider the practice of assisting the offeending adolescent with the same emphasis given to his/her family. The results also revealed that it has been a common practice to blame the family for the child's offeense.
Key words: delinquent adolescents, family, systematic review.
Introdução
No Brasil, a população infanto-juvenil é um dos segmentos populacionais mais prejudicados pelos problemas socioeconômicos (Cruz-Neto e Moreira, 1998). A desigualdade econômica e social brasileira dificulta o pleno crescimento e o desenvolvimento de milhões de adolescentes, que se veem privados de oportunidades de inclusão social em seu contexto comunitário, vivendo em moradias inadequadas e à mercê de diversas problemáticas, como: restrições severas ao consumo de bens e serviços; estigmas e preconceitos; falta de qualidade no ensino; relações familiares e interpessoais fragilizadas; e violência em todas as esferas de convivência (Assis e Constantino, 2005).
Dados preliminares do Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), indicam que quatro em cada dez brasileiros (40%) que vivem na miséria são meninas e meninos de até 14 anos. D epois das crianças, o segundo grupo etário com maior percentual de pessoas vivendo em famílias pobres são os adolescentes. O número de adolescentes brasileiros de 12 a 17 anos de idade que vivem em famílias com renda inferior a ½ salário mínimo per capita é 7,9 milhões. Isso significa dizer que 38% dos adolescentes brasileiros estão em condição de pobreza (UNICEF, 2011).
Tal fato associado a outros problemas sociais reflete no crescente índice de violência e criminalidade que tem atingido principalmente a população jovem. Sabe-se que, comparado ao ano de 2009, houve um aumento de 763 adolescentes (aumento equivalente a 4,5%) que estavam cumprindo medidas de restrição e privação de liberdade no ano de 2010. Em novembro de 2010, havia 17.703 adolescentes em restrição e privação de liberdade, sendo 12.041 em internação; 3.934 em internação provisória e 1.728 em medida de semiliberdade. Também se indica que 12 estados brasileiros aumentaram o número de adolescentes nas unidades socioeducativas, enquanto, em 15 estados, esse número diminuiu. Na região norte, os estados que apresentaram aumento foram PA e TO; na região nordeste, AL, BA, CE, MA; na região centro-oeste, DF e MS, na sudeste, ES, RJ e SP e, na região sul, o PR. Em número absoluto, o maior crescimento deu-se no Estado de São Paulo, sendo de 588 adolescentes (Secretaria de Direitos Humanos, 2011).
Faz-se importante destacar que o crescimento da infração praticada por jovens não é um fenômeno isolado e nem específico do Brasil. Em diversos países do mundo, com diferentes níveis de desigualdade econômica e social, é possível verificar igual preocupação com o envolvimento de jovens envolvidos com infrações. As causas apontadas sugerem uma reflexão ampla acerca do tema: são econômicas, culturais, políticas e psicológicas (Assis e Constantino, 2005).
Entre os fatores de risco que estão relacionados à entrada no mundo infrator, a literatura tem apontado algumas variáveis importantes, como: elevada vulnerabilidade; tendência à exclusão social; situações de negligência e abandono; pobreza; criminalidade e violência na família, na escola, na comunidade e na sociedade em geral; e abuso de substâncias psicoativas. Também têm sido apontadas como fator de risco algumas características biológicas e psicológicas, tais como ter danos neurológicos sutis, impulsividade, hiperatividade, precário controle diante de frustrações, deficiência de atenção e incapacidade de planejamento e fixação de metas, baixos níveis de inteligência, etc; apresentar problemas escolares e ser jovem do sexo masculino (Gallo e Williams, 2005; Davoglio e Gauer, 2011).
Com isso, o cometimento de um ato infracional não é explicado pela presença isolada de um fator adverso, mas sim, através da complexa cadeia de eventos da trajetória do jovem (Costa e Assis, 2006), que pode refletir a frágil condição da infância e da juventude no cenário mundial. Os atos infracionais cometidos por adolescentes constituem um fenômeno complexo em virtude das múltiplas causas envolvidas. Por isso, requer uma visão mais integral, que possa considerar aspectos da pessoa e dos seus diferentes contextos de inser ção, especialmente a família (Nardi e Dell'Aglio, 2012), tendo em vista que o envolvimento com o ato infracional corresponde apenas a um dentre outros agravos que compõem o quadro de vulnerabilidade dos jovens (Costa e Assis, 2006).
A fim de assistir aos jovens em conflito com a lei de forma a minimizar vulnerabilidades e riscos sociais e de responsabilizá-los pelo ato infracional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) desenvolveu medidas socioeducativas. Estas devem desempenhar um papel de apoio social ao adolescente em conflito com a lei, oferecendo um efeito protetivo que remeta ao desenvolvimento da capacidade de enfrentamento de adversidades.
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Governo do Estado do Ceará, 2012), na ocorrência dos atos infracionais, são aplicadas medidas socioeducativas. Utiliza-se o termo "atos infracionais" para designar os delitos cometidos por adolescentes e a estes podem ser aplicadas medidas que variam desde a advertência até a internação, levando-se em conta a severidade do ato infracional cometido e as condições do adolescente em cumpri-la. Essas medidas podem ser cum pridas tanto em liberdade, como no caso da advertência, da prestação de serviços à comunidade (PSC) e da liberdade assistida (LA), como em regime de internação ou em meio fechado por um período máximo de três anos.
No que se refere às medidas socioeducativas, a PSC consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, considerando a aptidão do adolescente, por período não excedente a seis meses e com carga horária de oito horas semanais junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. A medida de LA, por sua vez, deve ser adotada sempre que o ato infracional for reincidido. Trata-se de uma medida centrada no atendimento personalizado, a qual deve envolver o auxílio de educadores sociais, garantindo a socialização do adolescente, a manutenção dos vínculos familiares e comunitários, a escolarização e a inserção no mercado de trabalho ou em cursos profissionalizantes (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006).
A diferenciação, pelo poder judiciário, quanto à escolha de aplicação de medidas de LA ou PSC, perpassa pela análise do contexto familiar do adolescente. A exclusividade da PSC é mais adequada a situações em que os atos infracionais são considerados "mais leves" e as relações familiares estão preservadas, ou seja, o adolescente que cometeu algum delito ainda possui vínculos familiares. Nos casos mais graves de infrações ou quando os adolescentes encontram-se desvinculados de suas famílias, o juiz opta pela LA (Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006).
A família entendida como uma instituição de controle social e lócus de socialização tem sido um foco privilegiado de estudos, tanto no que tange às suas novas configurações, quanto por sua importância no desenvolvimento humano, inclusive do adolescente (Lanza e Taylor, 2010; Van der Laan et al. 2010). Segundo Minuchin (1982), a família é um sistema aberto em transformação, isto é, constantemente recebe e envia inputs do meio extrafamiliar e se adapta às diferentes exigências dos estádios de desenvolvimento que enfrenta. Também compreende um todo relacional inserida sempre em um contexto social mais amplo, mas contendo subsistemas (pai-mãe, pais-adolescente, adolescente-irmãos) nos quais o adolescente exerce influência e é influenciado (Vasconcellos, 2002).
As relações estabelecidas dentro da família terão implicações nas condutas sociais futuras dos jovens e adultos. Nesse sentido, é que a literatura tem sugerido que a família pode se constituir como um importante fator de risco ou proteção para os atos infracionais adolescentes, dependendo de suas características, sua dinâmica e seu funcionamento (Feijó e Assis, 2004; Nardi e Dell'Aglio, 2012). Por vezes, as famílias desses adolescentes vivenciam uma situação de desestruturação social, em que, em função disso, muitas delas acabam perdendo sua capacidade de oferecer proteção, suporte afetivo e regulação social adequada (Nardi e Dell'aglio, 2012).
A realidade de muitos adolescentes em conflito com a lei evidencia a ausência de figuras representativas na família além de inconsistência de vínculos familiares (Costa e Assis, 2006). Em termos gerais, as famílias de jovens envolvidos em infrações tendem a ser caracterizadas como potenciais fatores de risco, revelando extremo grau de fragilidade, por várias situações: precária situação socioeconômica; deficiente supervisão por separação dos pais; ausência da mãe do lar devido ao trabalho ou distanciamento da figura paterna; mortes e doenças rotineiras na família; relacionamentos marcados por agressões físicas e emocionais, precário diálogo intrafamiliar e dificuldades em impor disciplina (Assis e Constantino, 2005). Diante de tal contexto, seria importante que os serviços de proteção alcançassem não apenas o adolescente, mas seu contexto relacional próximo, de modo a aumentar as possibilidades de o adolescente, sua família e sua comunidade lidarem com os riscos potenciais, como desemprego, fome, dificuldade escolar, criminalidade, etc. (Costa e Assis, 2006).
A família, o grupo de pares e a escola constituem os principais sistemas em que tal adolescente está inserido (Costa et al., 2007). Porém, para esse estudo, elegeu-se como foco o sistema "família" do adolescente em conflito com a lei. Buscou-se realizar, assim, uma revisão sistemática da literatura acerca dos artigos publicados na base de dados BIREME sobre o tema adolescentes em conflito com a lei e família no período compreendido entre 2007 e 2012. O objetivo é mapear o estado da arte a respeito do assunto, dando destaque às publicações que tratem dos dois temas e buscando levantar ano de publicação dos artigos, origem, método utilizado, objetivos e principais resultados encontrados. Através do levantamento de tais estudos e da análise de suas principais contribuições, busca-se contribuir para a prática de profissionais de diversos contextos (jurídico, social, da saúde e clínico) envolvidos de uma forma ou de outra no atendimento a adolescentes em conflito com a lei. Entende-se que tal proposta é rica de conteúdo pela própria complexidade do tema, que faz pensar que esse fenômeno é atual e pode vir a demandar uma ajuda em qualquer espaço profissional.
Método
Trata-se de um estudo de revisão sistemática da literatura. As revisões sistemáticas de literatura buscam sintetizar evidências externas entre múltiplos estudos identificados e analisados com base em critérios adequados e procedimentos explícitos e transparentes de forma que o leitor possa identificar as características reais dos estudos revisados. Também na operacionalização dessa revisão, é importante seguir as etapas: seleção da questão temática, estabelecimento dos critérios para a seleção da amostra, análise e interpretação dos resultados e apresentação da revisão (Pereira, 2010).
Procedimento
Este estudo objetivou vislumbrar o estado da arte acerca do tema "Família de adolescentes em conflito com a lei" a fim de obter uma abrangência da literatura científica sobre o tema. Para isso, a análise dos artigos compreendeu a consulta à base de dados BIREME, a qual inclui: Index Psi, Revistas Técnico-Científicas, PePsic, SciELO, LILACS e Medline. A revisão levou em consideração o período de 2007 a 2012 por pretender realizar um levantamento dos estudos mais recentes acerca do tema. No processo de pesquisa, utilizaram-se os seguintes descritores: "Adolescente em conflito com a lei x família"; "Adolescente infrator x família" e "Delinquência juvenil x família" a fim de se abarcar o máximo possível de estudos.
Após o levantamento das publicações, os resumos foram lidos e analisados segundo os critérios de inclusão/exclusão estabelecidos. Como critérios de inclusão, destacam-se: artigos publicados apenas em periódicos indexados; trabalhos publicados nos idiomas inglês, espanhol e português; e, ainda, trabalhos empíricos e teóricos acerca do tema. Os resumos condizentes com os critérios adotados foram selecionados, partindo-se daí para a busca dos trabalhos completos. Os artigos foram analisados de acordo com ano de publicação, origem, método, objetivos e principais resultados encontrados.
No que se refere aos critérios de exclusão, foram recusados diversos tipos de trabalhos, tais como dissertações, teses, resenhas, livros e capítulos de livros. A fim de buscar apenas trabalhos submetidos a um processo rigoroso de avaliação, tão necessário para garantir a qualidade da produção científica, foram selecionados apenas artigos publicados em periódicos indexados. Foram excluídas, ainda, publicações distantes do tema (por exemplo: porte de armas na infância e adolescência, comportamento delinquente em crianças com TDAH, associações de testosterona livre e ambiente familiar com comportamentos delinquentes em adolescentes, entre outras), visto o foco ser a família dos adolescentes em conflito com a lei. Também foram excluídos trabalhos que abordavam a temática família de modo secundário, valorizando-se outras ênfases, tais como: a construção do relatório psicossocial por profissionais que atuam com jovens em conflito com a lei; discursos institucionais referentes aos adolescentes infratores; a pobreza como um fator de risco para a delinquência juvenil; e abuso de substâncias psicoativas e ato infracional. Por último, os artigos duplicados foram contabilizados apenas uma vez. Ao fim da análise dos critérios, restaram 35 artigos para o estudo, como se pode observar na Figura 1.
Resultados e discussão
A partir dos descritores elencados, foram identificados 162 artigos científicos indexados no período de 2007 a 2012. Destes, apenas 35 artigos foram selecionados a partir dos critérios de inclusão/exclusão, formando, assim, o corpus de análise do presente artigo.
A Tabela 1 apresenta dados gerais acerca da caracterização dos estudos (origem, tipo e delineamento utilizado). Dos estudos selecionados para a análise, 23 (66%) eram de origem internacional e 12 (34%) eram de origem nacional, predominando estudos empíricos (n = 34; 97%). Dentre os estudos empíricos, a maioria (n = 17; 49%) era quantitativa; 14 deles (40%) usaram método qualitativo para sua realização e apenas 4 (11%) empregaram multimétodos, ou seja, conciliaram as estratégias quantitativa e qualitativa de coleta e análise de dados.
Comparando-se os estudos nacionais e internacionais, verifica-se que, no Brasil, há uma tendência à publicação maior de artigos qualitativos (n = 7; 58%), ao passo que os artigos internacionais tendem a ser eminentemente quantitativos (n = 14; 61%). Sobre o ano de publicação, verificou-se a predominância de artigos nos anos 2007 (n = 9, 26%) e 2010 (n =9, 26%), com o mesmo número de artigos. Em menor quantidade, apareceram os anos 2011 (n =4, 11%) e 2012 (n = 1, 3%) como se pode observar na Figura 2.
Os estudos versavam principalmente sobre as características do funcionamento e da dinâmica familiar de adolescentes em conflito com a lei (n = 24; 61,6%) e sobre a percepção dos adolescentes acerca de suas famílias (n = 9; 23%). Em terceiro lugar, apareceram alguns artigos que estavam preocupados em apresentar metodologias de avaliação e intervenção voltadas à família (n = 6; 15,4%). Sobre o primeiro ponto (funcionamento e dinâmica familiar de adolescentes em conflito com a lei), foi frequente a contextualização de aspectos da dinâmica familiar que estivessem funcionando como fator de risco para o comportamento infrator do adolescente. Na classificação aqui proposta, quatro artigos contemplaram tanto a primeira quanto a segunda categoria, tendo sido contabilizados nas duas.
Desta forma, a partir da análise dos estudos, foram identificados três eixos temáticos que versavam sobre: (i) características do funcionamento e da dinâmica familiar de adolescentes em conflito com a lei; (ii) a percepção dos adolescentes acerca de suas famílias; e, (iii) metodologias de avaliação e intervenção voltadas à família, os quais são representados na Figura 3.
A respeito das características do funcionamento e da dinâmica familiar de adolescentes em conflito com a lei, verificou-se que os estudos ressaltaram a existência de fragilidades nas famílias (Lanza e Taylor, 2010; Nardi e Dell'Aglio, 2012; Van der Laan et al., 2010). Essas fragilidades acarretam dificuldades para a vinculação entre o jovem e a família, resultando em um enfraquecimento do controle sobre o comportamento do adolescente. Nesses casos, os pais exercem um tipo de disciplina "relaxada" (Nardi e Dell'Aglio, 2012), uma vez que evitam colocar limites e estabelecer contingências para comportamentos inadequados e antissociais de seus filhos. Nessas relações, os pais têm dificuldade em exercer o papel de protetores, no sentido de supervisionar os filhos e fornecer a eles suporte e apoio emocional. A falta de monitoramento parental, portanto, pode constituir-se em um grave fator de risco para o envolvimento com grupos infratores, atividades antissociais e uso de substâncias (Nardi e Dell'aglio, 2012).
Em consonância com os achados de Nardi e Dell'Aglio (2012), Pacheco e Hutz (2009) verificaram, num estudo com adolescentes infratores e não infratores, que a evitação de os pais enfrentarem os filhos, a incapacidade ou a falta de alternativas para lidarem com o comportamento do jovem, ou a ausência de interesse em se envolverem com situações que podem ser geradoras de conflito foram estratégias muito empregadas pelos pais do Grupo Infrator. Não intervir ou atribuir a outras pessoas ou a institui ções a responsabilidade de interferir no comportamento dos adolescentes foram estratégias que se constituíram em preditoras do comportamento infrator, estando presentes em maior nível no grupo de pais dos adolescentes infratores. Nesse grupo, também esteve presente a punição física empregada tanto pela mãe quanto pelo pai, pois os pais tinham a crença de que o processo de disciplina e de socialização dos filhos passa necessariamente pelo uso de punições físicas e verbais, pois muitas vezes eles próprios foram educados dessa forma. Por outro lado, as mães dos adolescentes não infratores utilizavam mais a estratégia de "castigo ou privação de privilégio material", considerada como uma estra tégia que pode diminuir a probabilidade de comportamentos inadequados ou prevenir sua ocorrência. Ao assim agir, tais mães contribuíam mais efetivamente para o desenvolvimento dos seus filhos se comparadas às mães de adolescentes infratores, uma vez que se trata de uma estratégia que coloca o adolescente em contato com as consequências de seu comportamento, mostrando-se mais efetiva no controle e no reforço da conduta adequada. Deste modo, monitorar os filhos e exercer certa autoridade sobre eles, mantendo uma hierarquia adequada, constitui-se em um fator de proteção importante a ser estimulado no interior das famílias (Nardi e Dell'aglio, 2012; Pacheco e Hutz, 2009).
Num estudo realizado com adolescentes espanhóis em que se procurou investigar as relações entre as medidas de comunicação, controle psicológico e apoio parental e medidas de comportamento antissocial e "delinquente" em uma amostra de 641 adolescentes, observou-se que o controle psicológico materno funcionava para adolescentes do sexo feminino como um fator de propensão a comportamentos antissociais e delinquentes. Em outra direção, verificou-se que o apoio maternal funcionava para adolescentes do sexo masculino como um fator que diminuía o risco de comportamento antissocial. Dessa forma, demonstrou-se que a relação adolescente-mãe pode tanto ser um fator de risco ou de proteção no comportamento delinquente (Torrene e Vazsonyi, 2008). Já em outro estudo, verificou-se que o baixo apoio recebido pela família é fator de risco para o comportamento infrator nas meninas, enquanto, nos meninos, tanto o baixo apoio recebido da família quanto a associação com pares é fator de risco para o envolvimento em atos infracionais (Krohn et al., 2009).
Além dessas, outras características foram observadas na dinâmica familiar desses jovens, como: (i) baixa coesão entre os membros das famílias dos jovens; (ii) hierarquia nos extremos - aparecia principalmente como baixa, na qual nenhum contro le é exercido sobre o jovem, e como alta, na qual é exercido um controle exacerbado sobre o adolescente; (iii) a distância ou até mesmo a ausência da figura paterna na maioria dos casos estudados e a presença de um relacionamento difícil com a figura paterna; (iv) evidências de conflitos entre o casal ou entre os pais e os filhos (Nardi e Dell'Aglio, 2012); (v) evidências de relações conflituosas e pouco afetivas; (vi) a presença de um membro da família que também tivesse apresentado comportamentos antissociais; (Nardi e Dell'Aglio, 2012; Pacheco e Hutz, 2009); e (vii) predomínio de relações insatisfatórias e de problemas de comunicação devido aos conflitos não resolvidos na família (Branco et al., 2008; Nardi e Dell'aglio, 2012; Ronis e Borduin, 2007).
Também, em tais contextos familiares, tem se observado dificuldades socioeconômicas entre as famílias e desemprego juvenil, sendo apontada a pobreza como um fator que, associado ao estresse familiar, fragilizaria a família para responder adequadamente aos problemas e às necessidades dos filhos (Rioseco et al., 2009). Isso explica o fato de as vivências de rituais (lazeres, comemorações, reuniões de família, entre outros) serem muitas vezes comprometidas, visto a ocorrência de fatos seguidos, a urgência do momento, não havendo tempo para a família processar psicologicamente os acontecimentos. Além disso, o tempo dos membros da família não é sincronizado, havendo sempre uma prevalência dos tempos individuais sobre o familiar, impedindo a realização de rituais conjuntos e a vivência dos processos de pertencimento e identificação (Penso e Sudbrack, 2009). Também nesse sistema familiar, os adolescentes, de um modo geral, apresentam dificuldade de se abrir com a família, de falar das suas dificuldades e de pedir ajuda a ela (Branco et al., 2008).
Num estudo realizado por Pacheco e Hutz (2009), constatou-se que, ao comparar dois grupos de adolescentes, sendo um infrator e o outro não, o primeiro apresentou maior frequência tanto no uso de drogas quanto no que se refere ao cometimento de delitos por algum familiar. Os familiares mais referidos por usarem dro gas foram o pai, os tios e os irmãos (em ordem decrescente). Já os mais mencionados por cometerem delitos foram os irmãos, os primos e os tios, também em ordem decrescente. O uso de drogas é comum a esse público, pois, para muitos deles, a drogadição ajuda a lidar com situações de violência e vulnerabilidade familiar e social, funcionando como defesa frente à realidade excludente e opressora, além de facilitar a expressão de conteúdos não comunicados no âmbito familiar, decorrentes de situações mal resolvidas (Castro e Guareshi, 2008; Cruz et al., 2010; Priuli e Moraes, 2007; Rowe, 2010; Davoglio e Gauer, 2011).
Em outro estudo com adolescentes infratores e não infratores, observou-se que 27% dos adolescentes infratores, no momento de sua detenção, viviam com outro familiar, em vez dos pais, sendo que, no grupo controle, esse percentual caiu para 4%. Também entre os não infratores, verificou-se que esses referiam sentirse queridos ou apoiados por ambos os pais em 72% dos casos, enquanto o grupo de infratores referiam sentir-se assim em apenas 51% dos casos. Percebeu-se ainda que a média de filhos foi maior para o grupo de adolescentes infratores (5,2 versus 4,7) (Rioseco et al., 2009). Já nos achados de Davoglio e Gauer (2011), observouse que a maioria dos adolescentes pesquisados (78,2%) residia com ambos ou pelo menos com um dos pais quando praticou o ato infracional, sendo que dados similares foram obtidos em outras pesquisas com adolescentes em privação de liberdade (Priuli e Moraes, 2007). Esses resultados, por um lado, alertam para o fato de que o conflito com a lei não precisa se associar à situação de rua ou à ausência familiar no plano físico e, por outro, remetem à importância da qualidade dos vínculos afetivos familiares, em que a presença parental deve estender-se aos aspectos subjetivos que envolvem cuidado efetivo, acolhimento e proteção.
A respeito da percepção dos adolescentes em conflito com a lei sobre sua família, percebeu-se que, ao passo que esses falavam sobre sua percepção acerca da família, os dados corroboravam características da dinâmica familiar que já foram mencionadas na primeira categoria aqui analisada (Branco et al., 2008; Kim, 2008; Penso e Sudbrack, 2009; Priuli e Moraes, 2007; Zappe e Dias, 2012). A partir do discurso desses adolescentes, foi revelada a presença de violência (extra e intrafamiliar) nas suas trajetórias de vida. Tal violência tendeu a ocorrer de forma precoce na vida dos adolescentes (desde que eles eram crianças), e o pai foi apontado como principal agressor. Sugere-se, assim, que a presença de violência doméstica é um fator de risco para a "delinquência" (Priuli e Moraes, 2007). Outro aspecto importante que se verificou nos estudos é a supervalorização da figura materna na vida dos adolescentes que cometeram atos infracionais (Zappe e Dias, 2012). Para estes, a importância da família centravase na figura da mãe, estando o pai num lugar de relacionamento distante ou ausente (Branco et al., 2008; Penso e Sudbrack, 2009; Zappe e Dias, 2012).
Também se verificou que, muitas vezes, esses adolescentes se percebem como não pertencentes às suas famílias. O adolescente não encontra continência afetiva junto aos pais ou aos avós que o acolheram. Com isso, tem a sensação de permanecer no seio familiar sem pertencer à família, sem um sentido de intimidade com ela, sem um lugar e tendo que ser responsável por si mesmo e, em muitos casos, por sua família (Penso e Sudbrack, 2009). Além disso, vivem em estado de pobreza e dificuldades econômicas, que o fazem ser apenas mais um no seio da família e da sociedade a ter necessidades psíquicas, físicas e sociais virtualmente invisíveis a essas instâncias (Novaes et al., 2009).
O sentimento de não pertencimento tende a ser descrito nos contextos familiares em que o desenvolvimento dos adolescentes foi marcado por desencontros temporais, desde o seu nascimento, entre as suas necessidades e aquilo que suas famílias, especialmente seus pais, puderam lhes oferecer, comprometendo o seu desenvolvimento. Há casos em que o adolescente nasce antes do tempo, sendo seus pais muito jovens e num estágio de namoro de adolescentes (mesmo quando vivem juntos), estando ainda muito ligados aos seus pais (família de origem); e casos em que o adolescente nasce muito depois dos irmãos, não havendo mais nos pais, principalmente na mãe, uma disposição para ter filhos. Em ambas situações, as crianças "nasceram no tempo familiar errado", queimando etapas do ciclo de vida familiar, e não foram frutos de um desejo paterno e/ou materno (Penso e Sudbrack, 2009).
Nascidos fora do tempo familiar, sem papéis específicos na família, buscam alívio para essa crise no grupo de pares, seja pelo uso de drogas e/ou cometimento de atos infracionais, denunciando a dependência de contexto, agravada pela falta de oportunidades diferentes de inclusão social (Penso e Sudbrack, 2009). A influência dos pares na iniciativa do ato infracional é um fator que se repete no discurso dos jovens, alegando ser essa parceria somente para o uso de drogas e para a prática de atos delinquentes e não nos momentos de dificuldade. A família, nesse contexto, já se encontra afastada do convívio com o adolescente (Branco et al., 2008; Priuli e Moraes, 2007; Rioseco et al., 2009; Ronis e Borduin, 2007).
Além disso, foi mencionada a influência dos discursos midiáticos, da sociedade contemporânea e dos profissionais que trabalham na área na percepção dos adolescentes sobre a influência do funcionamento familiar no comportamento infrator. Nesse sentido, indicou-se que é cada vez mais comum os jovens responsabilizarem a família pelos males que lhes acontecem, de tanto escutarem daquelas instâncias (mídia, sociedade e profissionais da área) que uma "família desestruturada" ou "pais com problemas" gerariam adolescentes usuários de drogas ilícitas, revoltados, violentos, transgressores e, por fim, autores de atos infracionais (Castro e Guareshi, 2008).
Por último, durante o processo de análise, emergiram também estudos que tratavam sobre metodologias de avaliação e intervenção voltadas à família de adolescentes em conflito com a lei (Costa et al., 2007; Formiga, 2010; Kim e Kim, 2007; Keiley, 2007; Mutter et al., 2008; Rowe, 2010). Num estudo realizado por Kim e Kim (2007), propôs-se desenvolver uma escala para avaliar as famílias de crianças e adolescentes coreanos. Esta tinha como objetivo discriminar ou predizer comportamentos delinquentes entre crianças e adolescentes coreanos e adolescentes imigrantes coreanos cuja dinâmica familiar tivesse características disfuncionais. Ao fim do estudo, ressaltou-se a necessidade de se desenvolver instrumentos culturalmente sensíveis para avaliar a dinâmica familiar e as funções da família e também se ressaltou a importância de os profissionais de saúde incorporar, em sua prática profissional, a família em seus planos de intervenção com adolescentes em conflito com a lei.
Além desse, outros estudos propuseram métodos de avaliação familiar. Formiga (2010) propôs um modelo de avaliação que tinha como pretensão investigar a influência da família e da escola no surgimento de condutas desviantes nos adolescentes, tendo comprovando a influência que tem a família - na figura do pai e da mãe - e a escola - na figura do professor - na inibição das condutas delitivas pelos adolescentes. Já Rowe (2010) propôs um método de avaliação familiar que teve como objetivo investigar os múltiplos fatores de risco, inclusive a família, em adolescentes que usam substâncias psicoativas e cometem algum ato infracional. Ao contrário de outros métodos de investigação, este propôs uma análise mais abrangente do fenômeno não se focando apenas no adolescente e uso de substâncias psicoativas.
Quanto aos estudos que diziam respeito à intervenção com as famílias dos jovens infratores, num primeiro estudo, foram apontadas atividades terapêuticas grupais para as famílias de adolescentes infratores e para os próprios adolescentes no período em que esses ainda estavam em regime de internação devido ao ato infracional. Essa metodologia com duração de seis meses foi organizada com o fim de desenvolver um acompanhamento de qualidade às famílias e aos adolescentes; reduzir a reincidência de adolescentes privados de liberdade; promover mudanças nos padrões interacionais das famílias; e criar uma rede de apoio entre as famílias a fim de que elas próprias pudessem ser fonte de ajuda umas para as outras. Nos grupos, eram abordadas questões relacionadas à liberação do adolescente da instituição, à adolescência e ao ato infracional, entre outras questões. Ao ser feita avaliação posterior ao acompanhamento dessas famílias, observou-se uma taxa de reincidência com relação à internação de apenas 44% em comparação com a norma nacional de 65-85%. Também se constatou diminuição no uso de álcool e outras drogas por parte dos adolescentes durante o período de acompanhamento e o aumento do apego aos pais, especialmente às mães (Keiley, 2007). No estudo realizado por Mutter et al. (2008), também com os adolescente e suas famílias, verificou-se, ao fim do acompanhamento, tanto mudanças no comportamento dos adolescentes como em suas concepções de mundo.
Além desses, Costa et al. (2007) propuseram um método de intervenção às famílias de adolescentes em conflito com a lei. Esse teve como propósito realizar um atendimento de forma pontual à família do adolescente infrator a partir da compreensão sistêmica desta e em apenas uma sessão. Tal metodologia tinha como objetivo gerar informação acerca das características psicossociais da clientela atendida, resgatar vínculos parentais, significar o ato infracional e reativar as potencialidades e a criatividade da família, possibilitando novas formas de lidar com os problemas protagonizados pelo adolescente. Ao fim do atendimento, gerava-se um documento que procurava sublinhar os recursos de que dispunham o adolescente e sua família para solucionar a crise. Também era usado como referência por juízes e promotores durante as audiências/oitivas, que contavam com a participação de um dos profissionais presentes na avaliação familiar.
De todos os estudos, é importante ressaltar que o envolvimento do adolescente em atos infracionais deve ser interpretado como uma tentativa inadequada de assinalar de forma dramática que os problemas enfrentados pela família, nesse momento do ciclo de vida familiar, não podem mais ser resolvidos pelas regras familiares habituais. Nesse sentido, o ato infracional ocupa a função de comunicar as dificuldades vividas no interior da família em um movimento de agir fora do ambiente familiar o que não se pode falar no seu interior (Penso e Sudbrack, 2009). Deste modo, o adolescente representa apenas uma parte do sistema familiar e reflete a organização do sistema de que faz parte, ao mesmo tempo em que o alimenta através dos seus comportamentos.
Essas famílias, mesmo que apresentem deficiências nos graus de constância, diferenciação e flexibilidade e mesmo que não possibilitem um desenvolvimento considerado adequado de seus filhos, possuem uma organização do sistema familiar (Penso e Sudbrack, 2009) que recebe influências de outros sistemas mais amplos, por exemplo, a esfera governamental. Para tanto, precisa ser incluída nos processos de atendimento das instâncias públicas de saúde, de assistência e outras políticas. A problemática do adolescente em conflito com a lei envolve questões do desenvolvimento humano, o que sugere a necessidade de atuações preventivas envolvendo crianças, jovens, famílias e a comunidade, aspectos constituintes de uma rede social.
Diante disto, reforça-se a importância de ações voltadas não só para os jovens autores de ato infracional como também para suas famílias (Nardi e Dell'Aglio, 2012; Pacheco e Hutz, 2009). Programas de intervenção para um adolescente em conflito com a lei, por melhor que sejam, podem ter seu efeito minimi zado se esse jovem viver em um ambiente pouco afetivo, com a ausência de seus pais ou com seu distanciamento, ou ainda com a utilização de práticas educativas inadequadas. Também é importante reforçar vínculos com figuras que podem se constituir em fonte de apoio e exercer um papel de proteção para um desenvolvimento saudável destes adolescentes (Nardi e Dell'Aglio, 2012). Por último, ressalta-se a importância do resgate de uma figura paterna mais valorizada e presente para estes internos. O acompanhamento dessas famílias poderia auxiliar não só no resgate paterno, mas, mais do que isso, na melhoria do funcionamento familiar global desses jovens (Branco et al., 2008)
Considerações finais
Este estudo pretendeu realizar uma revisão sistemática da literatura acerca da temática adolescente em conflito com a lei e família na base de dados BIREME durante o período de 2007 a 2012 e tomando-se tanto artigos nacionais quanto internacionais. A partir da análise dos artigos, foram identificados três eixos temáticos, sendo: características do funcionamento e da dinâmica familiar de adolescentes em conflito com a lei; a percepção dos adolescentes acerca de suas famílias; e, metodologias de avaliação e intervenção voltadas à família.
Acredita-se ser inviável pensar na prática de atendimento ao adolescente em conflito com a lei sem englobar sua família com a mesma ênfase. Entende-se que o comportamento infrator é aprendido nas interações sociais e familiares em meio às relações coercitivas entre os membros da família, cuja expressão mais comum são as atitudes agressivas de enfrentamento e descumprimento de regras entre pais e filhos respectivamente. Além da marca da coerção, nos estilos parentais, são precárias as habilidades emocionais, o acolhimento afetivo, assim como suas práticas de monitoramento e disciplina, facilitando o desenvolvimento de atitudes antissociais, pois o que impera nesses lares são relacionamentos hostis e a negligência (Carvalho e Gomide, 2005).
Por considerar que a família e o adolescente infrator possuem relação indissociável no que compete ao entendimento do surgimento da delinquência adolescente é que se deve valorizar uma prática de atendimento que contemple tanto o adolescente quanto sua família. A família do adolescente em conflito com a lei tem uma forte influência tanto na aquisição e na manutenção dos comportamentos infratores como na extinção de tal comportamento ou no desenvolvimento de habilidades pró-sociais(Carvalho e Gomide, 2005). É por isso que o tratamento dispensado aos adolescentes e suas famílias durante o cumprimento das medidas socioeducativas e o apoio familiar dispensado durante e após a finalização do atendimento são medidas que têm significativo potencial de prevenção à reincidência (Assis e Constantino, 2005) e, portanto, devem tais práticas serem desenvolvidas e estimuladas a fim de que mudanças nas estruturas das famílias minimizem os riscos para o comportamento infrator, fortaleçam as relações entre os membros da família e possibilitem novas inserções na sociedade.
Também no contexto do adolescente em conflito com a lei, tem-se verificado uma prática recorrente de culpabilização da família pela situação de infração do filho, principalmente com relação às famílias mais vulneráveis socialmente e que apresentam uma organização familiar "desestruturada", contrapondo-se à ideia de existência de um modelo ideal de família, adequado aos padrões morais e sociais(Sartório e Rosa, 2010). É importante destacar que antes de pertencer a tal família, esses adolescentes são provenientes de uma sociedade desigual, que os exclui dos direitos à cidadania, à saúde à educação, à cultura e ao lazer e os inclui num sistema de criminalidade, de violência, de privação de liberdade, por vezes sem as garantias educativas e sem o devido acompanhamento para a inserção social (Sartório e Rosa, 2010), impossibilitando, pela segunda vez, esses jovens de constituírem-se enquanto cidadãos de direitos iguais aos demais.
Ainda é relevante destacar que a análise dos estudos evidenciou uma importante influência da família, como um fator de risco para a delinquência nos adolescentes, contextualizando os estilos parentais (presença de coerção, agressão, autoritarismo, pouco afeto, falhas no monitoramento e no controle dos filhos, etc.) e a dinâmica e o funcionamento familiar (presença de violência, criminalidade, famílias numerosas, pai ausente, etc.) como propensores do comportamento antissocial, ao passo que as capacidades protetivas dessas famílias foram menos abordadas.
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Submetido: 10/06/2013
Aceito: 25/09/2013