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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.7 no.1 São Leopoldo jun. 2014

https://doi.org/10.4013/ctc.2014.71.01 

ARTIGOS

 

Aconselhamento psicológico e psicoterapia: aproximações e distanciamentos1

 

Similarities and differences between counseling psychology and psychotherapy

 

 

Fabio Scorsolini-Comin

Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Av. Getúlio Guaritá, 159, Abadia, 38025-440, Uberaba, MG, Brasil. scorsolini_usp@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

A literatura científica não é uníssona ao delimitar conceitual e empiricamente os processos de aconselhamento psicológico e de psicoterapia. Desse modo, o objetivo deste estudo teórico é compreender aproximações e distanciamentos entre esses campos do saber psicológico. As diferenças encontradas referem-se a: (a) tempo da intervenção, sendo o aconselhamento mais breve; (b) complexidade do caso e intensidade do atendimento, sendo a psicoterapia mais profunda; (c) demanda apresentada, sendo o aconselhamento mais voltado para situações contextuais e situacionais; (d) intervenções em aconselhamento focam a ação, mais do que a reflexão, e são mais centradas na prevenção do que no tratamento; (e) o aconselhamento é mais focado na resolução de problemas. As semelhanças referem-se ao escopo do processo de ajuda, às atitudes do psicólogo e à necessidade de desenvolvimento de recursos terapêuticos para estabelecimento de uma relação que possa ser considerada efetiva e atingir os objetivos delineados. Destaca-se a necessidade de que mais pesquisas sejam desenvolvidas sobre o aconselhamento psicológico no Brasil, haja vista a farta produção científica no campo das psicoterapias.

Palavras-chave: aconselhamento psicológico, psicoterapia, Psicologia Clínica.


ABSTRACT

Defining counseling and psychotherapy conceptually and empirically is still open to debate in scientific literature. Thus, this theoretical study aims to comprehend the similarities and differences amongst these fi elds of study. The differences are related to: (a) counseling requires shorter time of intervention. (b) Psychotherapy tends to have more complex cases with higher intensity and more depth; (c) Counseling faces more specific and circumstantial situations; (d) in counseling, interventions focus on actions rather than on reflections and are based on prevention rather than on treatment; (e) counseling is more focused on solving problems. Similarities refer to the core of the helping process, to the psychologist's attitudes and to the need of developing therapeutic resources in order to establish an effective relationship, reaching established goals. Furthermore, the need of developing more research concerning psychological counseling in Brazil is highlighted considering its scarcity compared to the scientific production in Psychotherapies.

Keywords: counseling psychology, psychotherapy, Clinical Psychology.


 

 

O aconselhamento originou-se com Frank Parsons, em 1909, com o objetivo de promover ajuda a jovens em processo de escolha da carreira e em face à emergência de novas profissões e ocupações devido à Revolução Industrial. O foco do aconselhamento era, portanto, conhecer as principais inclinações desses jovens para que eles pudessem ser encaminhados para ocupações consideradas adequadas a esses perfis profissionais (Patterson e Eisenberg, 1988), tanto no cenário escolar como no organizacional, em uma clara referência à teoria de traço e fator. Para essa teoria, muito empregada no contexto da orientação escolar e profissional à época, os indivíduos poderiam ser diferenciados entre si em termos de habilidades físicas, aptidões e interesses, de modo que essas características estariam mais diretamente relacionadas a determinadas profissões e ocupações. Assim, o processo de escolha deveria ser racional, encaminhando as pessoas para as profissões consideradas ideais a partir do exame dessas características apresentadas por cada um. Tal teoria alinhava-se aos princípios da psicometria e do positivismo, que priorizava a adaptação e o ajustamento do indivíduo ao mundo do trabalho, por meio do reconhecimento das habilidades e competências de cada um e dos processos de aprendizagem, distanciando o aconselhamento do campo da psicoterapia (Scheeffer, 1980; Schmidt, 2012).

Com o tempo, o campo do aconselhamento se ampliou, passando a designar uma relação de ajuda na qual o cliente, ou a pessoa em busca de atendimento, buscava alívio para suas tensões, esclarecimentos para suas dúvidas ou acompanhamento terapêutico em face de problemáticas enfrentadas em diversos domínios da vida, como o educacional, o profissional e o emocional, não envolvendo apenas o fornecimento de informações, a aplicação de testes psicológicos e a orientação considerada diretiva (Hutz-Midgett e Hutz, 2012; Morato, 1999; Pupo e Ayres, 2013; Rosenberg, 1987; Scorsolini-Comin e Santos, 2013; Trindade e Teixeira, 2000).

Foi o estudo de Carl Rogers (1942), especificamente a publicação da obra Counseling and Psychotherapy, que promoveu essa ampliação no campo do aconselhamento e a sua maior aproximação com a área da Psicologia Clínica e da psicoterapia, que já tinha bastante tradição à época. É por esse motivo que as discussões existentes na literatura científica que aproximam aconselhamento e psicoterapia possuem como ponto de referência os estudos de Rogers, o que traz à baila a abordagem centrada na pessoa, também destacada neste presente estudo como forma de possibilitar a aproximação desses campos de saber e intervenção psicológica. Para Rogers, havia semelhanças e diferenças entre esses campos, embora não devesse ser tarefa fundamental delimitar os objetivos de cada uma dessas atuações, pois ambas se colocavam a serviço de pessoas em sofrimento que buscavam ajuda (Almeida, 2009; Castelo Branco, 2011). Esses embates já foram mais tradicionais na Psicologia, que buscava um maior esclarecimento acerca de seus campos de atuação, notadamente nos anos seguintes à publicação desse trabalho de Rogers. No entanto, ainda hoje, esses campos parecem chocar-se, mesclar-se e complementar-se em diversas questões do processo de ajuda.

Desse modo, o objetivo deste estudo teórico é delimitar, a partir de estudos da área do aconselhamento psicológico, aproximações e distanciamentos deste campo do saber psicológico com a psicoterapia. A meta é permitir a clara identificação de práticas por estudantes e profissionais da área da Psicologia, visando ao aperfeiçoamento de técnicas e saberes de ambos os campos.

Este estudo está dividido em três partes. Na primeira delas, traremos as definições existentes sobre o campo do aconselhamento psicológico, buscando uma leitura mais generalista da área. Posteriormente, abordaremos os distanciamentos entre aconselhamento e psicoterapia, seguidos das aproximações entre essas áreas e suas respectivas técnicas a partir de teóricos que discutem essa questão. Uma ressalva faz-se necessária, a fim de compreender o modo como o presente estudo foi delineado: apesar de esses autores construírem as suas observações norteados por determinados referenciais teóricos, entre os quais se destaca a abordagem centrada na pessoa, o presente estudo não pretende se filiar estritamente a uma abordagem específica de aconselhamento, primando pelo diálogo entre os posicionamentos existentes na literatura científica. Não se trata, no entanto, de esgotar tais posicionamentos, mas de recuperar as considerações disponíveis tradicionalmente na área e possibilitar a abertura para que aproximações e distanciamentos entre aconselhamento psicológico e psicoterapia sejam revisitados com vistas a um encaminhamento mais conclusivo. Por último, uma síntese desses conhecimentos será realizada na seção de considerações finais.

 

Definição do aconselhamento psicológico

O aconselhamento psicológico é uma das disciplinas consideradas básicas na formação do psicólogo e tem sua prática regulamentada no Brasil, sendo, muitas vezes, utilizado como forma de aproximar o aluno do universo clínico e dos atendimentos nos estágios específicos supervisionados (Scorsolini-Comin e Santos, 2013). A prática do aconselhamento esteve tradicionalmente atrelada a diversas possibilidades de atuação, como fornecimento de informações, feedback positivo, direcionamento, orientação, encorajamento e interpretação. Essa diversidade pode ser constatada no modo como são conhecidos os profissionais que atuam nessa área: psicólogos, terapeutas, conselheiros, aconselhadores, orientadores, profissionais de saúde, entre outros (Corey, 1983; Schmidt, 2012).

Há diversas formas de definir o aconselhamento psicológico, desde a adoção de referenciais generalistas que focam na explicitação do processo de aconselhamento sem menção direta a abordagens psicológicas, até mesmo de posicionamentos que partem exclusivamente de uma dada abordagem teórica para explicitar o que se concebe como aconselhamento psicológico. Genericamente, trata-se de uma experiência que visa a ajudar as pessoas a planejar, tomar decisões, lidar com a rotina de pressões e crescer, com a finalidade de adquirir uma autoconfiança positiva. Pode ser considerada uma relação de ajuda que envolve alguém que busca auxílio, alguém disposto a ajudar e apto para essa tarefa, em uma situação que possibilite esse dar e receber apoio (Hackney e Nye, 1977). Outra definição clássica é de uma "relação face a face de duas pessoas, na qual uma delas é ajudada a resolver dificuldades de ordem educacional, profissional, vital e a utilizar melhor os seus recursos pessoais" (Scheeffer, 1980, p. 14).

Ainda em termos das abordagens genéricas acerca do aconselhamento, é compreendido por Patterson e Eisenberg (1988, p. 20) como um "processo interativo, caracterizado por uma relação única entre conselheiro e cliente, que leva este último a mudanças em uma ou mais das seguintes áreas": comportamento, construtos pessoais, capacidade para ser bem-sucedido nas situações da vida ou conhecimento e habilidade para a tomada de decisão. Para Corey (1983), aconselhamento é o processo pelo qual se dá a oportunidade de os clientes explorarem preocupações pessoais, ampliando a capacidade de tomar consciência e das possibilidades de escolha.

Em que pesem as definições mais diretamente relacionadas a abordagens psicológicas específicas, Santos (1982, p. 6), um dos pioneiros do aconselhamento psicológico no Brasil e cujo pensamento esteve fortemente alinhado à abordagem centrada na pessoa, define a tarefa de aconselhar como o "processo de indicar caminhos, direções e de procedimentos ou de criar condições para que a pessoa faça, ela própria, o julgamento das alternativas e formule suas opções". Nesse sentido, o aconselhamento seria diferente da orientação e da psicoterapia, embora guarde semelhanças com essas outras tarefas ligadas a uma relação de ajuda. Esse mesmo autor, evocando as contribuições de Carl Rogers para o campo, afirma que o aconselhamento pode ser compreendido como um "[. . . ] método de assistência psicológica destinado a restaurar no indivíduo suas condições de crescimento e de atualização, habilitando-o a perceber, sem distorções, a realidade que o cerca e a agir, nessa realidade, de forma a alcançar ampla satisfação pessoal e social" (Santos, 1982, p. 7).

Em uma perspectiva fenomenológica, trata-se de uma relação entre duas pessoas na qual a "presença de um aconselhador torna-se existencialmente terapêutica [. . . ] para os aconselhandos" (Forghieri, 2007a, p. 1), motivo pelo qual o aconselhamento psicológico é também referido como aconselhamento terapêutico nessa abordagem. Essa relação interpessoal requer "a presença genuína do aconselhador, manifestada por ele mediante diferentes atuações" (Forghieri, 2007a, p. 1), como fornecimento de informações, exame e reflexão sobre situações conflitantes vivenciadas pelo cliente, o reconhecimento e a exploração de recursos e capacidades pessoais do aconselhando. O foco no indivíduo e a presença genuína do conselheiro é também um dos elementos centrais no aconselhamento proposto por Rogers (1942) na abordagem centrada na pessoa. Para esse autor, o objetivo do aconselhamento é facilitar o crescimento do indivíduo, ao invés de resolver problemas específicos, ou seja, o conselheiro seria um facilitador desse crescimento e da busca por maior autonomia e liberdade por parte daquele que busca ajuda.

Ser realmente o que se é, eis o padrão da vida que lhe parece ser o mais elevado, quando é livre para seguir a direção que quiser. Não se trata simplesmente de uma opção intelectual, mas parece ser a melhor descrição do comportamento hesitante, provisório e através do qual procede à exploração daquilo que quer ser (Rogers, 1973, p. 155).

Em termos dos elementos comuns a todos os aportes teóricos relacionados ao aconselhamento psicológico, Hackney e Nye (1977) destacam seis: (a) trata-se de um processo que envolve respostas aos sentimentos e pensamentos do cliente; (b) envolve uma aceitação básica das percepções e dos sentimentos do cliente, independentemente da avaliação externa do aconselhador; (c) caráter confidencial e existência de condições ambientais (setting) para que se estabeleça a relação de ajuda; (d) a demanda pelo aconselhamento deve partir da pessoa que busca ajuda; (e) o foco está na vida daquele que busca ajuda, não na figura do aconselhador; (f) foco nos processos comunicativos entre aconselhador e cliente.

O processo de aconselhamento possui determinadas etapas nas quais algumas tarefas estão presentes e contribuem para uma intervenção bem-sucedida. A partir da leitura de teóricos como Corey (1983), Patterson e Eisenberg (1988), Santos (1982) e Tyler (1953), Pupo e Ayres (2013) condensaram desse modo as etapas do aconselhamento, que podem variar segundo algumas abordagens: (a) identificar e analisar problemas específicos; (b) ampliar a compreensão da pessoa acerca do problema; (c) avaliar os recursos pessoais existentes e que podem ser desenvolvidos para resolver o problema; (d) definição do potencial de mudança dessas condições e atitudes pessoais; (e) utilização de ações específicas e que podem contribuir para o processo de mudança e/ou transformação referente ao problema relatado. Desse modo, também considerando as diferenças existentes entre as abordagens teóricas, Pupo e Ayres (2013, p. 1091) sumarizam, a partir da literatura científica, que o aconselhamento é uma

tecnologia de ajuda, de cuidado, e como uma prática instrumental que oferece auxílio estruturado e personalizado para o manejo de situações difíceis e de crise que exigem ajustamentos e adaptações, para a solução de problemas específicos e para a tomada de decisões.

Ainda, há que se considerar a importância da relação entre conselheiro e cliente, considerada como um dos fatores de sucesso para uma intervenção, desde que o profissional consiga ser autêntico, posicionar-se de modo positivo e sem avaliações ou julgamentos, além de manifestar um elevado grau de empatia nesse relacionamento (Rogers, 1942, 2001). No contato entre esses dois agentes, deve-se possibilitar a expressão dos sentimentos daquele que busca ajuda. O conselheiro deve ser capaz de facilitar o processo de autoconhecimento por parte de seu cliente, a fim de que possa buscar, por si mesmo, o seu crescimento pessoal e a autorrealização:

[. . . ] a consulta psicológica [counseling] eficaz consiste numa relação permissiva, estruturada de uma forma definida que permite ao paciente alcançar uma compreensão de si mesmo num grau que o capacita a progredir à luz da sua nova orientação (Rogers, 1973, p. 29).

A partir da delimitação do aconselhamento psicológico, destacaremos, a seguir, os principais distanciamentos dessa área em relação à psicoterapia.

 

Distanciamentos entre aconselhamento psicológico e psicoterapia

Parte da literatura científica dedicada ao aconselhamento psicológico a apresenta juntamente com a psicoterapia, sendo frequentes os títulos de obras que fazem, ao mesmo tempo,referência a esses dois campos. É o caso da obra Técnicas de Aconselhamento e Psicoterapia, publicada por Gerald Corey no Brasil em 1983. Apesar de não destacar, ao longo do livro, as especificidades de cada campo de atuação ao mostrar as diferentes abordagens psicológicas, apresenta uma preocupação no prefácio em delimitar ambas as áreas.

Para Corey (1983, p. 22), o aconselhamento é o processo por meio do qual "se dá oportunidade aos clientes de explorarem preocupações pessoais; esta exploração conduz a uma ampliação da capacidade de tomar consciência e das possibilidades de escolha". Esse processo é de curta duração, com foco na resolução dos problemas, e ajuda a pessoa a remover os obstáculos ao seu crescimento, auxiliando os indivíduos a reconhecerem e empregarem seus recursos e suas potencialidades. A psicoterapia, pelo contrário, estaria mais relacionada a mudanças na estrutura da personalidade, envolvendo uma autocompreensão mais intensa.

No clássico livro de Santos (1982), encontramos um dos primeiros esforços na literatura científica nacional no sentido de delimitar as diferenças entre esses dois processos. Segundo o autor, que inclui, entre os processos, a orientação, os verbos orientar e aconselhar distanciam-se do que vem a ser a psicoterapia. Esta é entendida como o tratamento de perturbações da personalidade ou da conduta por meio de métodos e técnicas psicológicas, ou seja, é indicada em casos nos quais a orientação e o aconselhamento não seriam suficientes para conduzir os processos de mudanças e de crescimento necessários. O aconselhamento seria indicado quando não houvesse o diagnóstico de algum transtorno psicológico ou em situações que envolvessem o atendimento mais pontual, com o fornecimento de informações e de acompanhamento para a tomada de uma decisão importante. Essas considerações são apoiadas por autores como Williamson (1950), Tyler (1953) e Bond (1995), grandes expoentes dos estudos sobre aconselhamento no contexto norte-americano.

Em que pesem as aproximações e os distanciamentos entre o aconselhamento psicológico e a psicoterapia, há certo consenso de que se tratam de intervenções distintas, embora mantenham estreito relacionamento (Schmidt, 2012). A maior parte dos autores compreende que o aconselhamento está mais ligado a ajudar o cliente a tomar alguma decisão e envolve situações objetivas que permitem uma melhor utilização de recursos e potencialidades pessoais, sendo que as demandas estão relacionadas, geralmente, a conflitos ambientais e situacionais, a conflitos conscientes e acompanhados de uma ansiedade considerada normal (Patterson, 1959; Scheeffer, 1980; Tyler, 1953; Williamson, 1950). O aconselhamento busca assistir a pessoa na remoção de bloqueios ao seu crescimento (Corey, 1983). A psicoterapia seria desenvolvida em um nível mais "profundo" e teria como foco os conflitos de personalidade, com destaque para a necessidade de mudanças nessa estrutura (Santos, 1982). A psicoterapia seria, nesse sentido, a autocompreensão intensiva da dinâmica que explica as crises existenciais particulares (Corey, 1983).

Essas diferenças, no entanto, são diluídas a partir do momento em que Rogers (2005 [1942]) passa a se dedicar à questão. O critério para pensarmos essa "profundidade" supostamente pertencente à psicoterapia, tal como apregoado por Santos (1982) ao compará-la ao aconselhamento, pode ser questionado à luz das considerações rogerianas, por exemplo:

Houve uma tendência para empregar a expressão "consulta psicológica" mais para entrevistas acidentais e superficiais e reservar o termo "psicoterapia" para os contatos mais intensivos e prolongados, orientados para uma reorganização mais profunda da personalidade. Embora possa haver algum fundamento para esta distinção, é evidente que uma consulta psicológica intensa e com êxito é impossível de se distinguir de uma psicoterapia intensa e com êxito (Rogers, 2005 [1942], p. 6).

Assim, tanto o aconselhamento como a psicoterapia poderiam constituir processos intensos e exitosos, não sendo possível distinguir um termo do outro pelo critério de "profundidade" de uma técnica psicoterápica, o que será mais bem detalhado na seção seguinte, das aproximações entre esses campos. A chamada profundidade, sinônimo da intensidade do tratamento que provocaria o êxito da intervenção, poderia estar presente em ambas as intervenções, a depender do modo com que cada relação de ajuda fosse estabelecida, da relação entre profissional e cliente e, tendo como norte a abordagem centrada no cliente, da satisfação das condições básicas para a mudança terapêutica: autenticidade/congruência, consideração positiva incondicional e empatia (Rogers, 1973), detalhadas posteriormente.

Corey (1983) destaca que são vários os objetivos que perpassam os processos de ajuda psicológica, por exemplo, reestruturação da personalidade, descoberta de um sentido de vida, cura de um transtorno psicológico, ajustamento, redução da ansiedade, aprendizagem de comportamentos mais adaptativos ou atingimento da autorrealização. Esses objetivos conduzem a intervenções diferenciadas e devem ser estabelecidos, a priori, na interação cliente e psicólogo, podendo ser modificados ao longo do processo. Assim, a partir das considerações desse autor, podemos destacar que um caso inicialmente atendido em aconselhamento pode ser encaminhado a uma psicoterapia caso seja necessária uma intervenção considerada mais intensa ou, então, mais a longo prazo.

Segundo Schmidt (2012, p. 13), pode-se delimitar as diferenças entre esses dois processos de ajuda. Para a autora, o aconselhamento psicológico pode ser compreendido como uma área do conhecimento bastante ampla e que envolve uma prática "educativa, preventiva, de apoio situacional, centralizada nos aspectos saudáveis, nas potencialidades e nas dimensões conscientes e 'mais superficiais' da clientela, requerendo tempos abreviados". Já a psicoterapia trataria de "problemas emocionais e patologias, de caráter remediativo ou reconstrutivo, focalizando o inconsciente e as dimensões 'mais profundas' do indivíduo, demandando tempos prolongados" (Schmidt, 2012, p. 13).

A diferença básica, de acordo com Schmidt (2012), poderia ser sumarizada em três elementos: (a) no tempo requerido em cada um dos processos; (b) no grau de aprofundamento proporcionado por cada técnica; (c) no tipo de problema trazido pelo cliente, se mais situacional ou de caráter mais permanente, ligado a alguma patologia ou desconforto emocional. Esse posicionamento é corroborado por Scheeffer (1980) e Corsini (1995) notadamente no que se refere ao atendimento de patologias no caso das psicoterapias.

Nessa perspectiva mais generalista, o aconselhamento estaria ligado a atividades de orientação, focado em problemas específicos e que demandem soluções pontuais ou que não ensejem a necessidade de um acompanhamento mais longo e aprofundado (Corsini, 1995). Há que se destacar que uma modalidade de aconselhamento é justamente o plantão psicológico (Mahfoud, 2013), bastante tradicional no cenário brasileiro, que pode ocorrer em apenas um único encontro. No entanto, o plantão não é considerado uma psicoterapia breve focal, nem se limita à produção de alívio e conforto. O que define o plantão é a não delimitação ou sistematização dessa oferta de ajuda, de modo que o profissional esteja disponível para "encontrar com o outro na urgência" (Doescher e Henriques, 2012), oferecendo-lhe suporte emocional, espaço para a expressão de sentimentos e angústias, bem como possibilidade de reorganização psíquica e de instilação de esperança.

No entanto, os processos e recursos empregados nesses atendimentos (aconselhamento e plantão) seriam basicamente semelhantes. É nesse sentido que o aconselhamento psicológico é empregado em modalidades como a do plantão psicológico, que prevê o cuidado na urgência, em situações de atenção pontual que requerem técnicas breves (haja vista a possibilidade de um único encontro) e que possam conduzir a um alívio psicológico sem a utilização de rebuscadas técnicas de investigação da personalidade (Perches e Cury, 2013). O objetivo seria o de acolher o cliente em sua demanda considerada urgente.

Segundo Santos (1982), Rogers não se preocupou em estabelecer uma definição sobre o aconselhamento nem clarificar as suas diferenças com a psicoterapia. No entanto, depreende-se que o aconselhamento se trata de uma assistência psicológica

destinada a restaurar no indivíduo suas condições de crescimento e de atualização, habilitando-a a perceber, sem distorções, a realidade que o cerca e a agir, nessa realidade, de forma a alcançar ampla satisfação pessoal e social. Aplica-se em todos os casos em que o indivíduo se defronta com problemas emocionais, não importando se se trata de doenças ou perturbações não patológicas (Santos, 1982, p. 7).

A partir dessa definição, pode-se destacar que Rogers não distinguia o aconselhamento da psicoterapia pela existência de problemas patológicos ou na estrutura da personalidade. É essa uma das razões pelas quais esse autor não se preocupa com a questão do diagnóstico, pois este apresentaria uma racionalização e um julgamento anteriores ao encontro com o outro. A ética humanista apresentada por Rogers critica justamente o psicodiagnóstico, considerado contraproducente, e uma forma de dominação do psicólogo sobre o cliente, pressupondo a existência de um conhecimento mais amplo e supostamente mais aprofundado do primeiro em relação ao segundo (Amatuzzi, 2012).

O processo terapêutico ocorreria no encontro face a face e nas atitudes do terapeuta para acessar o indivíduo. Desse modo, o indivíduo, ao buscar ajuda, deveria estar em sofrimento emocional, não importando a sua causa, a sua intensidade ou as suas características. Quaisquer demandas poderiam ser atendidas por meio do aconselhamento psicológico, o que se distancia das considerações de Scheeffer (1980) e de Schmidt (2012). Mesmo assim, Rogers (2005 [1942]) aponta que existe uma tendência a empregar o termo aconselhamento em entrevistas mais superficiais, enquanto a psicoterapia seria empregada em atendimentos mais duradouros e intensivos, como apresentado anteriormente.

O aconselhamento psicológico possui uma farta literatura que o apresenta como um campo de atuação que utiliza técnicas generalistas, ou seja, não alinhadas a abordagens psicológicas específicas, no estabelecimento de uma relação de ajuda considerada efetiva (Patterson e Eisenberg, 1988). Esses autores postularam princípios para que uma ajuda fosse efetiva:

(a) compreensão, que envolve a capacidade de compreender o problema que faz com que o cliente busque ajuda profissional, em um exercício de profunda investigação acerca dessa motivação e reflexão para compreensão da problemática apresentada;

(b) mudança no cliente como foco de toda a intervenção, ou seja, quaisquer que sejam os objetivos trazidos pelo cliente, a assunção dos processos de mudança são indicadores de que a relação de ajuda está sendo efetiva;

(c) a qualidade da relação estabelecida entre profissional e cliente, com foco no bem-estar daquele que busca ajuda e na possibilidade de que o conselheiro manifeste suas impressões, desejos e interpretações do modo mais autêntico possível, a fim de priorizar um relacionamento claro e transparente com seu cliente;

(d) processo sequencial, que se refere à necessidade de que haja um começo, um meio e um fim da intervenção, o que pode durar um ou mais encontros; estabelecer essa sequência e cuidar para que ela seja respeitada é tarefa do conselheiro; autorrevelação e autoconfrontação como recursos que devem ser utilizados pelo cliente com a ajuda do olhar do conselheiro, ou seja, a ajuda só será efetiva se o cliente puder, em algum momento, deparar-se com o seu problema e estabelecer, juntamente com o profissional, metas e ações para promover essas mudanças;

(e) intensa experiência de trabalho, que significa que o aconselhamento, mesmo sendo breve, deve ser intenso e envolver um árduo trabalho tanto do profissional como do cliente no sentido de se atingir os objetivos delineados no início do processo;

(f) conduta ética, que fundamenta toda e qualquer intervenção profissional com seres humanos. No caso dos psicólogos, deve-se considerar o código de ética profissional, que trata de diversos elementos da intervenção psicológica, como estabelecimento do contrato de trabalho, sigilo, confidencialidade e segurança dos dados fornecidos nos atendimentos.

Na abordagem centrada na pessoa, são consideradas as atitudes básicas do conselheiro que são definidoras do sucesso do processo de aconselhamento ou, em outras palavras, as condições terapêuticas essenciais e suficientes (Rogers, 1959, 2001) que podem ser desenvolvidas e aprimoradas pelo psicólogo:

(a) congruência ou autenticidade: o psicólogo deve estar aberto às experiências do seu cliente, dispondo de sentimentos que ocorrem com ele mesmo, não negando a si mesmo. A congruência ou autenticidade significa que o profissional tem que ser, no encontro com o cliente, o mais próximo possível do que é em todas as suas relações, ou seja, que deve permitir-se "ser o que se é" (Rogers, 1973), estando integralmente a serviço daquele processo de ajuda e sendo coerente com o seu modo de ser, pensar, agir e se relacionar.

(b) consideração positiva incondicional: o psicólogo deve vivenciar atitudes positivas de aceitação para com o cliente, sem julgamentos ou reservas. Refere-se ao fato de o profissional acreditar profundamente que aquela pessoa em busca de ajuda tem condições de amadurecer e resolver seus conflitos a partir desse crescimento e da potencialização das suas capacidades. É a aceitação do cliente sem reservas, julgamentos ou questionamentos sobre o seu modo de ser e as escolhas que tem tomado em sua vida.

(c) compreensão empática: é a capacidade de o psicólogo colocar-se no lugar do cliente em uma atitude "como se", sem perder a noção de que se trata do "como se". Refere-se à capacidade do profissional abrir-se à possibilidade de experienciar, juntamente com o cliente, suas dores, angústias e apreensões, conservando a capacidade de afetar-se e de conseguir refletir claramente sobre essa experiência a partir do ponto de vista dessa pessoa em sofrimento.

Assim como afirma Santos (1982), quando o mundo do cliente se torna claro para o psicólogo, ele pode mover-se nele com mais liberdade, pensando a respeito de sua experiência e extraindo conhecimentos acerca desse posicionamento. Posteriormente, Santos, em uma aproximação de uma postura chamada por ele de neo-rogeriana, não plenamente desenvolvida em sua obra, aponta que a atitude mais efetiva em um processo de aconselhamento seria a empatia, sendo a condição terapêutica mais importante. Essa postura neo-rogeriana destacada por Santos refere-se ao fato de que muitas considerações de Rogers sofreram pesadas críticas, abrindo espaço para a exploração de um novo conceito, o da autoafirmação, que seria um elemento básico na explicação da motivação humana.

 

Aproximações entre aconselhamento psicológico e psicoterapia

Strang (1949) foi um dos pioneiros a destacar a dificuldade em se diferenciar aconselhamento e psicoterapia, haja vista que ambos os processos visam a ajudar os indivíduos e obter um melhor desenvolvimento. Ainda assim, estabelece um continuum no qual o aconselhamento educacional e profissional estaria em uma posição inicial, realizado quando há maior diretividade, brevidade e menor grau de sofrimento. A psicoterapia seria um processo derivado do aconselhamento, representando um atendimento mais intenso e aprofundado, embora com os mesmos objetivos. De modo similar, para Scheeffer (1980), aconselhamento e psicoterapia se confundem em suas finalidades, haja vista que buscam ajudar a pessoa a compreender melhor a si mesma para orientar-se quanto aos seus problemas vitais. A partir da leitura de Rogers, Scheeffer afirma que a diferença entre essas modalidades reside apenas na terminologia, o que nos faz analisar de modo mais atento as proposições rogerianas acerca desses processos.

Rogers (1942) foi o pioneiro no sentido de aproximar a prática do aconselhamento psicológico à psicoterapia justamente por não focar sua atenção na demanda trazida pelo cliente, em seu psicodiagnóstico, em contraposição à teoria traço e fator e à tradição psicométrica predominantes em sua época. Para esse autor, o ser humano viveria em busca da autorrealização, ou seja, em busca de uma experiência de crescimento. Assim, desde o primeiro encontro entre psicólogo e cliente, há uma experiência de crescimento, não havendo diferenças quanto a diagnósticos - todos os clientes, possuam eles patologias ou não, visam, em última instância, a atingir esse crescimento. Como afirmado no início deste estudo, pela aproximação que Rogers promove entre o aconselhamento psicológico e a psicoterapia, suas ideias são frequentemente evocadas quando o objetivo é comparar esses dois campos.

Assim, o psicólogo seria um facilitador desse processo, justamente por possuir conhecimentos necessários à condução do processo juntamente com o cliente (Mahfoud, 2013). O foco é sempre o indivíduo e sua experiência de crescimento pessoal. No entanto, mais do que pontuar as semelhanças entre aconselhamento e psicoterapia, Rogers (2001) trouxe ao campo do aconselhamento psicológico, anteriormente compreendido de modo mais diretivo, algumas diretrizes por ele utilizadas na psicoterapia. Assim, pode-se dizer que as contribuições de Rogers tornaram o aconselhamento um processo menos mecânico e diretivo, que se apropriou de conhecimentos discutidos no campo da psicoterapia para promover mudanças, aprendizagem significativa e bem-estar nos clientes. Ao ampliar o escopo do aconselhamento, tornou essa área mais relacionada aos saberes psicológicos e à pesquisa envolvendo seres humanos.

Assim, o aconselhamento passou a ser compreendido para além do oferecimento de conselhos e informações de modo diretivo e intencional e passou a incorporar técnicas desenvolvidas no contexto psicoterápico. Como exemplo dos elementos trazidos por Rogers (2001) para o campo do aconselhamento está a não-diretividade, a atenção às atitudes básicas como condições para modificações construtivas da personalidade, a tendência à autorrealização e o foco no processo de facilitação por parte do psicólogo, sendo a ele vedada a oferta de conselhos, informações e interpretações. O sucesso de uma intervenção, para Rogers (1992 [1951]), dar-se-ia por certas atitudes básicas que se formam na relação com o cliente, entre elas a congruência ou autenticidade, a consideração positiva incondicional e a postura empática, anteriormente apresentadas.

A postura de abertura ao cliente e o envolvimento do psicólogo com o modo de existir dessa pessoa em busca de ajuda é compreendida por Forghieri (2007b), na abordagem fenomenológico-existencial, como um envolvimento existencial, de modo que o psicólogo compreenda as suas aproximações com o seu cliente justamente por compartilharem o existir-no-mundo, com frustrações, dificuldades, sofrimentos e potencialidades. Esse compartilhamento faria com que o aconselhando não visse o psicólogo como autossuficiente e alheio aos seus problemas, mas, pelo contrário, como alguém que, por conhecer o problema e permitir-se estar com o paciente apresentaria real potencial de ajuda na situação de sofrimento.

Scheeffer (1980), pensando nas aproximações entre aconselhamento e psicoterapia, destaca que um mesmo cliente em sofrimento pode receber tratamentos diferentes a partir dessas duas formas de intervenção, ou seja, uma mesma problemática pode ser abordada de modos distintos a depender de como esse problema é compreendido pelo profissional. Assim, destaca a necessidade de que o profissional possua formação tanto em aconselhamento como em psicoterapia, a fim de identificar claramente sob qual enquadre o cliente poderia ser atendido, a depender do problema relatado, ou seja, que tenha acesso a uma ajuda que corresponda às suas necessidades.

A partir das considerações de Scheeffer (1980), o foco, nesse sentido, recairia sobre a necessidade de um adequado diagnóstico, o que se opõe radicalmente ao pensamento rogeriano, a fim de oferecer encaminhamento correto a cada caso. Isso não impediria, por exemplo, que um caso inicialmente atendido em aconselhamento pudesse ser encaminhado a uma psicoterapia devido a observações ao longo do processo, o que reforça a necessidade de o psicólogo estar atento às necessidades de cada cliente. Investir na formação de psicólogos habilitados tanto para o aconselhamento como para a psicoterapia é uma das propostas apresentadas por Corey (1983). No Brasil, não existe, na formação do bacharel em Psicologia, uma atenção específica ao aconselhamento. Em muitos currículos de universidades brasileiras, não existe nem mesmo uma disciplina de aconselhamento psicológico, obrigatória ou eletiva. Mesmo assim, encontram-se relatos de experiências de estágio que fazem uso do aconselhamento, como no estágio supervisionado básico, obrigatório para a formação do psicólogo (Conselho Nacional de Educação, 2004, 2011; Silva, 2006).

Ainda que o aconselhamento psicológico não seja uma disciplina presente em todos os currículos, muitos dos seus saberes são veiculados e experienciados pelos estudantes de Psicologia a partir do plantão psicológico, modalidade fortemente presente em nosso contexto universitário de oferta de extensão à comunidade (Mahfoud, 2013). Assim, não podemos afirmar que o aconselhamento não está presente nesses currículos, mas existem diferentes possibilidades de abertura para que os conhecimentos advindos do aconselhamento psicológico perpassem a formação do psicólogo no contexto nacional.

Nessas experiências de estágio, o aconselhamento psicológico é, por vezes, empregado como uma fase inicial do processo de formação, na qual o aluno pode tatear o campo da psicoterapia e dele se aproximar. A existência do aconselhamento nos anos iniciais dos cursos de Psicologia reforça o caráter generalista e que oferece base para a formação como psicólogo nos anos posteriores, nos atendimentos em psicoterapia nas diferentes abordagens psicológicas.

Na abordagem centrada na pessoa, o psicólogo não daria conselhos, informações ou apoio, nem mesmo ofereceria interpretações. Ao contrário, ele seria responsável por facilitar, refletir e vivenciar tanto quanto possível os sentimentos do cliente (Santos, 1982). Nesse sentido, observa-se uma compreensão do aconselhamento bastante próxima do processo psicoterápico, ou seja, um processo não-diretivo que colocaria o profissional como alguém que deveria manter uma relação de profunda e constante reflexão acerca do seu papel. O modo como a psicoterapia compreende o psicólogo possui nuanças em relação às diferentes abordagens, mas a centralidade do seu papel na condução do processo de mudança do cliente é evidente (Corey, 1983).

Cabe a esse profissional ter clareza acerca das técnicas empregadas e refletir constantemente sobre a evolução do cliente, seus desafios, suas transferências, suas contratransferências (por exemplo, na abordagem psicodinâmica) e sua capacidade de estar com o outro de modo autêntico e genuíno (por exemplo, na abordagem centrada na pessoa). Essa necessidade estaria presente também no aconselhamento, ainda que a discussão pudesse ser reduzida ao tempo de duração do processo de ajuda, às demandas trazidas pelo cliente ou mesmo em relação aos possíveis encaminhamentos de cada caso.

Barros e Holanda (2007) aproximam o aconselhamento psicológico da atividade clínica justamente por considerarem a psicoterapia como uma área suficientemente ampla e que pode ocorrer em uma gama diversa de cenários e contextos que não os classicamente difundidos. Em um propósito de clínica ampliada, os autores compreendem o aconselhamento psicológico como possibilidade de ocorrência do encontro clínico fundamental, mesmo que em um tempo reduzido. No aconselhamento psicológico, como há a possibilidade de se encaminhar o cliente a outras modalidades (por exemplo, à psicoterapia ou a um serviço psicológico), a depender das características desse cliente e de suas demandas, trata-se de uma clínica com sentido preventivo. Além disso, o aconselhamento não necessita de um espaço específico, favorecendo a ampliação dos contextos possíveis para a chamada "clínica nova psicológica" (Barros e Holanda, 2007, 90). Desse modo, o aconselhamento seria uma possibilidade dentro da clínica, mais ampla, estando a serviço da psicoterapia no sentido de encaminhar a ela os casos que demandam uma atenção mais específica, aprofundada e a longo prazo, bem como encaminhar a serviços de atenção especializados os casos que tratem de demandas que não sejam abarcadas pelo aconselhamento.

Em uma meta-análise conduzida por Ahn e Wampold (2001), foram analisados os resultados de intervenções utilizando aconselhamento psicológico e psicoterapia em diferentes abordagens. Os resultados apontaram não haver diferenças significativas entre as intervenções no que se refere à efetividade do processo terapêutico. Isso pode evidenciar que mais do que buscar a diferenciação ou a aproximação entre essas modalidades, deve-se compreender a qualidade da ajuda oferecida em termos das atitudes básicas do psicólogo e se ele conhece os mecanismos pelos quais pode ofertar essa ajuda.

Isso nos faz retornar a Rogers (2001) no que tange ao fato de que mais importante do que diferenciar modalidades de ajuda é investir na formação de profissionais aptos a desenvolverem ambas intervenções a depender do enquadre possível, da demanda apresentada e das condições existentes para aquele atendimento. Isso quer dizer que o manejo do cliente diante das condições existentes parece ser o mais importante, de modo que isso recai sobre a figura do psicólogo e suas atitudes. A atitude de congruência e a postura empática, dessa forma, parecem ser importantes apontamentos no sentido de oferecer um clima de segurança e apoio à pessoa em sofrimento. O encaminhamento dessa demanda (Barros e Holanda, 2007), posteriormente, pode assegurar que a pessoa receba o atendimento adequado e que possa se desenvolver a partir das próximas intervenções, quer sejam em um processo de aconselhamento psicológico, em uma psicoterapia ou em um serviço especializado.

 

Considerações finais

De modo geral, pode-se dizer que o aconselhamento psicológico e a psicoterapia possuem semelhanças, embora o assinalamento das diferenças entre esses processos seja um importante marcador didático na formação de psicólogos e possa conferir o devido prestígio a esses campos, notadamente o do aconselhamento psicológico se considerarmos o contexto brasileiro. Do mesmo modo, permitir que essas áreas se aproximem, como proposto por Rogers ao longo de sua obra, pode evidenciar não a necessidade de delimitar campos de ajuda, mas de compreender a natureza e a qualidade desse cuidado, o que deve atravessar toda modalidade de ajuda psicológica. Ao deslocar a atenção das características de cada campo e assinalar as atitudes do profissional e o cuidado na relação com o cliente, recupera-se a necessidade de uma prática voltada ao humano, à experiência e à possibilidade de "ser" e de "estar" com o outro.

A necessária diferenciação, no entanto, não pode obscurecer a prática, ou seja, o processo de ajuda oferecido a pessoas que buscam atendimento por quaisquer motivos, seja um transtorno mental ou a necessidade de apoio à tomada de decisão profissional. No processo de ajuda, a formação do profissional deve permitir que ele transite entre esses campos e os conheça em profundidade, permitindo que possam fazer encaminhamentos e escolher a modalidade mais adequada a cada caso, quando necessário.

As diferenças, portanto, podem ser sumarizadas quanto aos seguintes aspectos: (a) tempo da intervenção, sendo o aconselhamento considerado mais breve, de curto prazo; (b) aprofundamento do caso e intensidade do atendimento, o que decorre da primeira característica, já que a psicoterapia permite uma investigação mais minuciosa e a longo prazo; (c) demanda apresentada, sendo o aconselhamento mais voltado para situações contextuais e mais pontuais, com foco no presente, que envolvem sofrimento emergencial e necessidade de alívio de tensões e acolhimento; (d) as intervenções em aconselhamento focam a ação, mais do que a reflexão, e são mais centradas na prevenção do que no tratamento; (e) o aconselhamento é mais focado na resolução de problemas.

Devido à importância da obra de Rogers (1973) na construção dos saberes relacionados tanto ao aconselhamento como à psicoterapia, há que se destacar que, para esse autor, o foco do atendimento psicológico não está na resolução de problemas, mas no processo de permitir que o cliente adquira maior autonomia e liberdade para buscar o seu crescimento pessoal e a autorrealização. Quando destacamos o foco no problema, recuperamos outros autores clássicos do aconselhamento que não se alinham estritamente à abordagem centrada na pessoa (Corey, 1983; Scheeffer, 1980; Patterson e Eisenberg, 1988), mas que constituem importantes referências para a área, inclusive no interesse em diferenciar aconselhamento e psicoterapia, o que constitui um dos pilares do presente estudo teórico. As diferenças entre esses autores foram assinaladas ao longo deste estudo, de modo que se torna premente, a partir dessas considerações, desenvolver estratégias de apoio psicológico que possam se nutrir desse exercício teórico, buscando formas de estar com outro de um modo renovado, atento às potencialidades tanto do aconselhamento como da psicoterapia.

Bond (1995) destaca que o conselheiro deve facilitar o processo de mudança e ajudar o aconselhando a mantê-la. As semelhanças referem-se ao escopo do processo de ajuda, das atitudes do psicólogo e da necessidade de desenvolvimento de recursos terapêuticos para estabelecimento de uma relação de ajuda que possa ser considerada efetiva e para atingir os objetivos delineados no início do processo.

Atualmente, observa-se que muitos psicólogos são formados sem que a disciplina de aconselhamento psicológico seja oferecida ou que suas práticas sejam desenvolvidas em projetos de extensão, pesquisa ou em práticas de estágio. Isso ocasiona a dificuldade de constituir um campo de pesquisa em aconselhamento psicológico no Brasil, como atestado por Scorsolini-Comin e Santos (2013), em análise da produção científica na pós-graduação. O entrelaçamento entre essas áreas e suas práticas é enfatizado na maioria das publicações (Rogers, 1942; Santos, 1982; Scheeffer, 1980; Schmidt, 2012; Strang, 1949), de modo que, no contexto brasileiro, deve ser mais investigada a atuação em aconselhamento psicológico, quando comparamos a produção nacional a de outros países, como a dos Estados Unidos.

Internacionalmente, o campo do aconselhamento é mais sólido, com a oferta de mestrados profissionais abertos a profissionais não psicólogos, por exemplo, e importantes periódicos são responsáveis por mostrar as contribuições das pesquisas para o fortalecimento dessa área (Journal of Counseling Psychology, The Counseling Psychologist, por exemplo) (Bowden, 2010). No Brasil, pelo contrário, são expressivos os periódicos voltados à psicoterapia e à Psicologia Clínica (como Psicologia Clínica, Contextos Clínicos, Clínica & Cultura), com pouco espaço para publicações acerca de experiências exclusivas de aconselhamento. Desse modo, observa-se um constante interesse na veiculação de estudos e intervenções em aconselhamento nos Estados Unidos, o que contrasta com a realidade nacional, mais influenciada pela Psicologia Clínica, o que remete à própria constituição do saber psicológico em nosso país (Hutz-Midgett e Hutz, 2012). Algumas técnicas do aconselhamento acabaram por ser incorporadas a outras áreas, como acontece com a Orientação Profissional e de Carreira (Souza e Scorsolini-Comin, 2011).

Embora o movimento ocorrido nos Estados Unidos, de maior destaque para o aconselhamento, deva ser assinalado, isso não nos autoriza a afirmar que o mesmo processo deva ocorrer no cenário nacional, ou seja, de maior investimento no aconselhamento psicológico. No Brasil, a própria construção do conceito de plantão psicológico, amplamente utilizado em instituições e serviços-escola, constitui um desdobramento dos pressupostos do aconselhamento, de modo que esses contextos de produção devem ser considerados como convites à reinvenção de práticas e possibilidades de oferta de ajuda (Schmidt, 2012). As inovações em curso e vindouras devem, no entanto, partir do necessário diálogo com a produção científica em diferentes contextos, guardadas as devidas especificidades.

Independentemente das aproximações e dos distanciamentos existentes, destacamos a proposição de Schmidt (2012, p. 20), que destaca a prática do aconselhamento psicológico como de fronteira, justamente por se constituir entre o modelo médico e a educação e por "ser capaz de acolher, num primeiro momento, a ação de vários e diferentes profissionais tais como educadores, psicólogos, assistentes sociais, religiosos, entre outros, configurando-se como área multiprofissional". Além disso, é uma área que busca articular polos diferentes, como o instituído e o instituinte, os saberes psicológicos e os de outras áreas, a fim de levar à aprendizagem significativa. O psicólogo, nesse sentido, funcionaria como um facilitador que oferece um tempo e um espaço nos quais a elaboração da experiência ocorre por meio da escuta e do diálogo.

Outra definição de Schmidt (2012, p. 17) parece especialmente importante na caracterização da área como algo dinâmico e em construção na contemporaneidade: a do aconselhamento psicológico como "campo de invenção das práticas que, na singularidade das situações, propiciam a expressão do vivido de indivíduos e grupos e sua elaboração compreensiva". Assim, o psicólogo construiria com o aconselhando caminhos próprios para a escrita das trajetórias desenvolvimentais. O espaço de criação possibilitado pelo aconselhamento fortaleceria os aspectos positivos do aconselhando, levando-o a identificar e reconhecer seus problemas, seus recursos e suas potencialidades, tendo, na figura do psicólogo, um apoio nesse reconhecimento e, no aconselhamento, um espaço de expressão e de abertura para a mudança.

Essas considerações, endereçadas ao aconselhamento psicológico, também podem se estender à psicoterapia em suas diversas abordagens. Assim, concluímos com a necessidade de fortalecer ambos os campos do saber, reforçando suas características e recomendações, sem interromper o debate e sem esquecer, a exemplo de Rogers (2001), do papel fundamental do profissional na sua relação com o cliente: o que ambos constroem nesse relacionamento pode ser potencialmente esclarecedor para a oferta de ajuda qualificada e atenta ao humano, suas vicissitudes, demandas e possibilidades de percursos.

 

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Submetido: 09/03/2014
Aceito: 22/04/2014

 

 

1 Apoio: CNPq.

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