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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.7 no.1 São Leopoldo jun. 2014

https://doi.org/10.4013/ctc.2014.71.03 

ARTIGOS

 

Evidências de alterações neurais na terapia cognitivo-comportamental: uma revisão da literatura

 

Evidence of neural changes in cognitive behavioral therapy: a literature review

 

 

Tatiana Otto Stock; Márcio Englert Barbosa; Christian Haag Kristensen

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Av. Ipiranga, 6681, 90619-900, Porto Alegre, RS, Brasil. tatiana.ottostock@gmail.com, marcioebarbosa@gmail.com, christian.kristensen@pucrs.br

 

 


RESUMO

A neurociência vem sendo cada vez mais estudada no campo da psicologia, o que possibilitou importantes achados em relação às alterações neurais que a psicoterapia é capaz de promover. O presente estudo tem como objetivo sintetizar informações advindas da neurociência e que contribuam para o desenvolvimento da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Para isso foi realizada uma revisão de literatura sobre pesquisas que relacionaram modificações neuroanatômicas e funcionais com a aplicação da reestruturação cognitiva, uma estratégia comumente usada na TCC, que se propõe a modificar e adaptar pensamentos e crenças distorcidas do indivíduo, a fim de regularizar seu sistema emocional e comportamental. Os principais achados encontrados consistem na ativação das áreas dorsais, responsáveis pela regulação emocional, e a diminuição da atividade nas áreas ventrais, responsáveis por gerar emoções. A partir disso, pode-se afirmar que as principais regiões ativadas pela reestruturação cognitiva são as corticais, como córtex pré-frontal, que está ligado à diminuição da ativação da amígdala.

Palavras-chave: Terapia Cognitivo-Comportamental, reestruturação cognitiva, neurociência.


ABSTRACT

Neuroscience has been increasingly studied in the field of psychology, making possible important findings in relation to neural changes that psychotherapy is able to promote. The present study has the main goal of summarizing information from neuroscience which contributes to development of Cognitive-Behavioral Therapy (CBT). For this purpose it has been reviewed the literature about research studies that found relations between neuroanatomical and functional changes and cognitive restructuring, a commonly used strategy in CBT, which proposes to modify and adapt the individual's twisted thoughts and beliefs, in order to regularize his/her emotional and behavioral system. The main neurofunctional findings consist in the activation of the dorsal areas, responsible for the emotional regulation, and the reduction of activity in ventral areas, responsible for generating emotions. Based on that, it is possible to state that the main activated regions are the cortical ones, like the pre-frontal cortex, which is connected to the reduction of activation in the amygdala.

Keywords: Cognitive Behavioral Therapy, cognitive restructuring, neuroscience.


 

 

Introdução

A dicotomia entre corpo e mente possui raízes históricas, podendo ser identificada já entre os pensadores gregos. Ao longo da história, as ciências naturais ocuparam-se dos problemas do corpo, mas os problemas da mente foram pouco estudados. Na segunda metade do século XIX, predominava um modelo estritamente médico, dispensando qualquer forma de psicologia, mantendo um foco nas alterações puramente orgânicas. Já na primeira metade do século XX, com Freud, esse modelo foi substituído pela teoria de traumas psicológicos inconscientes, diminuindo a ênfase nos processos orgânicos na etiologia dos problemas da mente (Graeff, 2006). Havia, portanto, uma tendência de separar as "doenças cerebrais" e as "doenças mentais". Nos anos 1970, surgiu a necessidade de integrar essas duas abordagens para se obter uma maior compreensão do funcionamento holístico do sistema nervoso, e isso aconteceu através da Neurociência (Callegaro e Landeira-Fernandez, 2008; Peres e Nasello, 2005), quando os métodos de neuroimagem funcional se mostraram capazes de detectar alterações encefálicas ocasionadas através de processos psicoterápicos (Callegaro e Landeira-Fernandez, 2008).

Com o aumento das pesquisas associando psicologia e neurociência, é possível uma maior compreensão sobre a neurobiologia das psicopatologias (Porto et al., 2008) e um melhor entendimento das relações entre funcionamento neural e intervenções psicoterápicas. Assim, está sendo reconhecido que intervenções psicoterápicas acarretam expressiva modificação nas crenças, nos pensamentos, nas emoções e nos comportamentos dos pacientes (Linden, 2006) e que mudanças nesses níveis estão ligadas a modificações do funcionamento neural (Linden, 2008).

As pesquisas sobre as alterações neurais têm sido desenvolvidas, em grande parte, envolvendo procedimentos de neuroimagem. Os métodos mais utilizados são a tomografia por emissão de fóton único (SPECT - Single Photon Emission Computed Tomography), tomografia por emissão de pósitrons (PET - Positron Emission Tomography), ressonância magnética funcional (fMRI - functional Magnetic Resonance Imaging) e ressonância magnética espectroscópica (MRS - Magnetic Resonance Spectroscopy) (Linden, 2006, 2008; Peres e Nasello, 2005). Esses procedimentos auxiliam no desenvolvimento de estudos neuroanatômicos e neurofuncionais, pois são capazes de captar alterações encefálicas metabólicas antes e depois do tratamento, bem como imagens encefálicas ativadas durante a exposição a estímulos (Linden, 2006).

O presente trabalho se propõe a realizar uma revisão de literatura narrativa não-sistemática sobre as modificações neuroanatômicas e funcionais ocorridas após a utilização da Reestruturação Cognitiva, com o objetivo de sintetizar informações que contribuam para o desenvolvimento da Terapia Cognitivo Comportamental (TCC). Para tanto, será apresentada, inicialmente, a caracterização da TCC e do Processo de Reestruturação Cognitiva, uma das principais estratégias de intervenção nessa abordagem terapêutica; posteriormente, são revisados estudos abordando alterações funcionais no Sistema Nervoso Central (SNC) de populações clínicas e as modificações ocorridas após a utilização de TCC. Por fim, serão abordadas, com maior ênfase, as modificações neurais associadas ao processo de reestruturação cognitiva.

 

Terapia Cognitivo-Comportamental

Desde seu início, a TCC se propõe a estudar empiricamente seus modelos de tratamento, visando obter comprovações a respeito de sua eficácia em relação a diversos transtornos mentais (Dobson e Dozois, 2006). Atualmente, a TCC é considerada um tratamento eficaz para depressão, transtorno de pânico com ou sem agorafobia, TAG, fobia social e transtorno depressivo e ansioso infantil. Possui efeito moderado em transtorno conjugal, raiva, transtorno somático infantil e dor crônica. Também tem demonstrado eficácia em casos de anorexia nervosa, transtorno dismórfico corporal, jogo patológico, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em crianças abusadas, Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) em crianças e transtorno afetivo sazonal. Apresenta eficácia como tratamento adicional para esquizofrenia e doenças de condição médica geral, oportunizando melhor qualidade de vida (Beck, 2005).

Para o entendimento do funcionamento humano, a TCC descreve um modelo cognitivo baseado num sistema de crenças centrais e intermediárias e pensamentos automáticos (Knapp e Beck, 2008). As crenças centrais são verdades absolutas desenvolvidas pelas pessoas acerca de si mesmas, do mundo e do futuro. Elas originam as crenças intermediárias, que são regras, atitudes e pressupostos formados pelo indivíduo sobre sua forma de pensar e agir. Essas crenças intermediárias, por sua vez, influenciam a forma como a pessoa interpreta situações específicas. Os eventos são inicialmente avaliados através de pensamentos que ocorrem sem necessidade de deliberação consciente, que são chamados de pensamentos automáticos. Esses afetam as reações emocionais e os comportamentais dos indivíduos (Beck, 1997).

Os pensamentos automáticos podem ser acurados e realistas, mas também distorcidos, quando não estão baseados em uma avaliação racional do evento. Essas distorções contribuem no desenvolvimento dos transtornos mentais. O objetivo da TCC é, justamente, corrigir cognições distorcidas, produzindo melhoras comportamentais e emocionais, através da reavaliação de crenças desadaptativas (Knapp e Beck, 2008).

 

Processo de reestruturação cognitiva

As alterações propostas pela TCC podem ser alcançadas através da reestruturação cognitiva, processo no qual o terapeuta instiga o indivíduo a questionar se seus pensamentos estão de acordo com a realidade, permitindo a reavaliação da situação e regulando, então, seu estado emocional (McAnulty e Wright, 2007; Porto et al., 2008). Essa estratégia permite o desenvolvimento de pensamentos mais funcionais e flexíveis, modificando o padrão de comportamento do indivíduo e substituindo crenças irracionais por crenças mais adaptativas (Beck, 1997; D'el Rey e Pacini, 2006; McAnulty e Wright, 2007; Porto et al., 2008).

O uso da reestruturação cognitiva é considerado uma opção eficaz em casos de fobia social (D'el Rey e Pacini, 2006), homens perpetuadores de violência doméstica (Norman e Ryan, 2008), raiva (Deffenbacher et al., 2000; Whiteman et al., 1987), TEPT (Bryant et al., 2008; Peres et al., 2007), dependência de tabaco (Shobola, 2007), compras compulsivas (Filomensky e Tavares, 2009) e regulação da emoção como em fobias e transtorno de ansiedade (Porto et al., 2008).

 

Neuroanatomia funcional e evidências de alterações no SNC associadas aos transtornos mentais

Pesquisas mostram que opiniões e expectativas são capazes de alterar o sistema neurofisiológico e neuroquímico nas áreas do cérebro relacionadas à percepção, à dor e à emoção (Beauregard, 2007). Por exemplo, o uso de placebo em pacientes com transtorno depressivo pode causar alterações neurais semelhantes ao uso de fluoxetina, aumentando o metabolismo da glicose cortical e diminuindo-o nas regiões límbica-paralímbica (Mayber et al., 2002).

Davidson et al. (1999) verificaram, a partir de uma revisão literária, que ocorre um aumento na ativação da amígdala em grande parte dos transtornos de ansiedade. Por exemplo, pessoas com fobia específica de aranha, quando expostas a imagens de aranhas, possuem significativa ativação na amígdala quando comparada à exposição de estímulo neutro. Pacientes com TOC, ao tocarem objetos que poderiam estar contaminados, ativam o sistema córtico-límbico, em especial, a amígdala e a ínsula, que comanda a sensação de nojo (Linden, 2008; Taylor e Liberzon, 2007), podendo ser esse o motivo da repulsa pelo objeto (Linden, 2008). Nos casos de TEPT, estudos apontam a ocorrência de uma hiperativação no córtex orbitofrontal, no córtex cingulado anterior, no núcleo caudado e na amígdala (Taylor e Liberzon, 2007). Ao mesmo tempo, ocorre baixa atividade nas regiões de controle emocional, que não se conectam eficazmente com as demais regiões hiperativadas. A região dorsal é responsável, basicamente, pelo controle emocional e ela é ativada durante a realização de tarefas que exigem maior controle emocional. O córtex pré-frontal dorsolateral e parietal lateral, os quais são partes dessa região, ativam-se durante o cumprimento de tarefas mais especificas (Taylor e Liberzon, 2007).

A amígdala também é uma das regiões responsáveis pela aquisição do medo aprendido, desenvolvida quando a reação neuroquímica provocada pelo estímulo condicionado passa dos núcleos basolaterais diretamente para o núcleo central da amígdala. O córtex pré-frontal medial regula a expressão de medo, inibindo a amígdala e promovendo a inibição do medo. A atividade entre essas regiões também pode ser modulada através do hipocampo (Sotres-Bayon et al., 2006).

Nos transtornos de ansiedade, o processamento da informação do estímulo ansiogênico vai do tálamo para a amígdala em um processo que não chega à consciência. Para que o indivíduo consiga assimilar essa informação conscientemente, esse processo precisa de uma via mais longa, que ocorre através de estruturas corticais, possibilitando uma melhor avaliação do estímulo (Callegaro e Landeira-Fernandez, 2008). Há indícios de que a diminuição da atividade nas regiões do córtex pré-frontal esquerdo e do direito está relacionada com déficits no sistema emocional, que é a principal dificuldade dos indivíduos com transtorno de ansiedade (Davison et al., 1999). Isso acaba fortalecendo a ideia de que a atividade dessas regiões corticais auxilia na regulação emocional, e que, ao avaliar um estímulo, essas regiões são ativadas. Beauregard et al. (2001) realizaram um estudo no qual induziram homens à excitação sexual por meio de filmes eróticos; e, num segundo momento, os mesmos voluntários foram submetidos à observação de filmes eróticos, mas em condição de supressão, isto é, controlando a excitação sexual. Em um segundo estudo, desenvolvido por Lévesque et al. (2003), mulheres foram induzidas a sentir tristeza; e, num segundo momento, a suprimir esta emoção (condição de supressão). Ambos os estudos detectaram, através de fMRI, ativação na amígdala e no lobo temporal anterior durante a condição emocional e ativação no córtex pré-frontal lateral direito durante a condição de supressão. Com isso, percebe-se que a ativação do córtex pré-frontal lateral direito é necessária para a modulação de qualquer estado emocional, seja ele positivo ou negativo (Beauregard, 2007). Porém, a ativação do córtex pré-frontal direito, no caso de sujeitos com determinados transtornos de ansiedade, deve resultar no aumento da vigilância, um atributo peculiar do estado ansioso (Davidson et al., 1999).

Na depressão, foi identificada uma menor ativação do córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo e do córtex temporal anterior esquerdo, resultando na geração do afeto negativo. Essas regiões são responsáveis pela emoção positiva e pela motivação, e a hipoatividade dessas regiões acarreta problemas comportamentais e emocionais (Davidson et al., 1999). Além disso, pacientes com depressão tem o córtex cingulado anterior subgenual e a amígdala com a ativação aumentada (Taylor e Liberzon, 2007).

 

Evidências de modificações neuroanatômicas e funcionais no SNC relacionadas ao processo psicoterápico

Atualmente, há evidências demonstrando que as intervenções psicoterápicas produzem significativas mudanças no tecido neural e nas conexões sinápticas (Callegaro e Landeira-Fernandez, 2008). O sistema representacional do ser humano está diretamente ligado ao funcionamento do SNC e o padrão de conexões entre células nervosas pode ser modificado por meio de diversas abordagens psicoterápicas (Callegaro e Landeira-Fernandez, 2008). Algumas alterações diferem-se de acordo com o foco dado no decorrer do processo terapêutico, sendo compatíveis com o tipo de psicoterapia e seus objetivos (Beauregard, 2007). Essa relação entre as mudanças cognitivas e comportamentais decorrentes do processo psicoterápico e as modificações no SNC configura uma importante conexão entre a psicoterapia e a Neurociência (Peres e Nasello, 2005).

A TCC possibilita alterações significativas na atividade neural em diversos transtornos mentais, como fobia social (Peres e Naselo, 2005), TOC, transtorno depressivo maior, fobia específica e TEPT (Beauregard, 2007; Peres e Naselo, 2005). Concomitantemente a essas alterações, ocorrem modificações no fluxo sanguíneo encefálico e na normalização das dinâmicas neurais.

Uma das estratégias de intervenção da TCC no tratamento para transtornos de ansiedade é o processo de extinção, que consiste no reforço ao estímulo condicionado concomitante à ausência do estímulo incondicionado (Sotres-Bayon et al., 2006). As principais estruturas envolvidas durante esse processo são o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipocampo. Quando ocorre o processo de extinção, a capacidade do estímulo condicionado de controlar a resposta condicionada do medo é regulada pelo córtex pré-frontal ventromedial, através da comunicação entre a amígdala basolateral e o núcleo central. Em uma meta-análise sobre neurofuncionalidade em fobias específicas, Ipser et al. (2013) verificaram que, após TCC baseada em exposição, ocorreu diminuição de ativação do córtex frontal direito, do sistema límbico, dos gânglios da base e do cerebelo, além de aumento de ativação no tálamo. Estes dados sugerem que os efeitos da TCC decorrem de modificações nos mesmos circuitos cerebrais responsáveis pela aprendizagem do medo condicionado e da extinção.

Por outro lado, também podem ser utilizadas técnicas que objetivam a modificação do processo emocional mal adaptativo, partindo da ideia de que através da cognição se reavalia a emoção. Visto que a psicoterapia propõe a regulação emocional do paciente, sugere-se que o tratamento com esse foco aumente a ativação em regiões dorsais relacionadas ao controle (Taylor e Liberzon, 2007), em especial, no córtex pré-frontal, pois ele é capaz de inibir as demais estruturas cerebrais, sobretudo estruturas subcorticais, promovendo maior controle emocional (Silva e Slachevsky, 2005). Essa regulação emocional pode ser controlada e modulada através da capacidade cognitiva do indivíduo (Beauregard, 2007) que é trabalhada e desenvolvida na psicoterapia através de técnicas e intervenções psicológicas específicas.

A TCC também parece influenciar a neurogênese. Em um estudo atual, pacientes com TOC foram divididos em dois grupos: um deles foi tratado com fluoxetina e o outro com TCC em grupo. Antes do tratamento, os pacientes com TOC apresentavam menor substância cinzenta no putâmen esquerdo, no córtex orbitofrontal medial bilateral e no córtex cingulado anterior esquerdo em comparação com os controles. Após o tratamento, tanto pacientes tratados com fluoxetina quanto TCC não apresentavam diferença em relação aos controles na quantidade de substância cinzenta no putâmen esquerdo (Hoexter et al., 2012).

Outros estudos têm apontado que os efeitos terapêuticos da TCC estão relacionados com modificações no metabolismo energético cerebral. Um recente trabalho avaliando portadores de TOC submetidos à TCC intensiva observou que o aminoácido N-Acetil-Aspartato (NAA) no córtex cingulado pregenual anterior apresentava-se em níveis abaixo dos controles. Após 4 semanas de psicoterapia intensiva, houve aumento desse metabólito nessa região. Em relação à concentração de glutamato no córtex cingulado medial anterior, observou-se redução em seus níveis após tratamento. Concentrações elevadas de NAA pré-tratamento apresentaram correlação com maiores índices de melhora pós-tratamento (O'Neill et al., 2013). Já a concentração do metabólito (mio-) inositol no córtex orbito-frontal se mostrou fator preditor de boa resposta à TCC para o TOC. Concentrações mais elevadas dessa substância antes do início do tratamento estão relacionadas com maior redução dos sintomas após a terapia (Zurowski et al., 2012).

 

Alterações neurais durante a reestruturação cognitiva

Peres et al. (2007) analisaram a estrutura neural antes e depois da psicoterapia, através de SPECT, em dezesseis indivíduos que vivenciaram situações traumáticas, mas não apresentavam todos os critérios necessários para o diagnóstico de TEPT. Após quinze sessões de psicoterapia, utilizando a exposição e a reestruturação cognitiva, foi observado que, comparado ao grupo-controle, que apresentava as mesmas características do grupo experimental, mas que, ao invés de receber tratamento, aguardou em lista de espera, os sujeitos submetidos à psicoterapia, apresentaram aumento na atividade do córtex pré-frontal esquerdo, no hipocampo esquerdo e no lobo parietal após a psicoterapia. No término do tratamento, houve melhora da expressão narrativa da memória, que está diretamente relacionada ao aumento da atividade do córtex pré-frontal esquerdo e à diminuição na amígdala.

Felmingham et al. (2007) desenvolveram uma pesquisa com oito sujeitos que apresentavam sintomas de TEPT. Os pacientes foram submetidos a oito sessões semanais com exposição imaginária e reestruturação cognitiva. Foi usado o MRI durante o processo, captando as imagens encefálicas enquanto eram expostas, sequencialmente, a cento e vinte expressões de medo e cento e vinte expressões neutras aos sujeitos da pesquisa. Após o tratamento, foi detectada expressiva redução dos sintomas e aumento da atividade no córtex cingulado anterior e redução na atividade da amígdala durante o processo do medo.

Em outro estudo sobre TEPT, pacientes portadores dessa patologia apresentaram aumento no volume hipocampal e na expressão do gene FKBP5, um modulador do receptor de glicocorticoide, quando comparados aos controles, que sofreram trauma, mas não desenvolveram o transtorno. Após o tratamento com TCC, o grupo com TEPT deixou de apresentar diferenças estatisticamente significativas quanto a esses dois fatores em relação ao grupo controle (Levy-Gigi et al., 2013). Paquette et al. (2003) realizou estudo com mulheres que apresentavam fobia de aranha. O tratamento constituiu-se de quatro semanas de terapia em grupo, sendo uma vez por semana durante três horas, com foco na exposição gradual e na reestruturação cognitiva. Após as quatro semanas de tratamento com TCC, todos os sujeitos apresentaram melhora clínica, associado à diminuição da ativação do córtex pré-frontal dorsolateral e giro parahipocampal. Essas áreas eram responsáveis, antes do tratamento, pelo comportamento de manutenção do medo, ativando-se quando os sujeitos esforçavam-se para conter sua ansiedade diante de cenas de aranha.

Fumark et al. (2002) avaliou as modificações neurais em dezoito pacientes com fobia social em relação ao comportamento de falar em público. Os pacientes foram divididos em três grupos: um tratado com citalopram, outro com TCC grupal e o grupo controle. O tratamento com TCC foi focado em exposição gradual e reestruturação cognitiva. Tanto no tratamento com TCC, quanto com citalopram, percebeu-se a diminuição do fluxo sanguíneo nas regiões da amígdala, hipocampo e áreas corticais próximas, regiões essas envolvidas na reação a estímulos ameaçadores. No grupo controle, não foi identificado qualquer alteração neural. Essas alterações constatadas ocorreram apenas nos sujeitos que responderam ao tratamento.

No transtorno depressivo maior, o tratamento baseado em reestruturação cognitiva provocou um aumento na ativação do córtex pré-frontal ventromedial. Também levou ao aumento da discriminação de itens emocionais e neutros na amígdala e no caudado, com maior ativação dessas estruturas para estímulos emocionais do que para os neutros. Por fim, após o tratamento, ocorreu um aumento da atividade para estímulos positivos versus neutros no lobo temporal anterior esquerdo (Ritchey et al., 2011).

A reestruturação cognitiva vem se mostrando capaz de influenciar o sistema neural através da ativação do córtex pré-frontal e a diminuição da ativação da amígdala (Felmingham et al., 2007; Mocaiber et al., 2008; Peres et al., 2007; Porto et al., 2008). Através do estudo de Urry et al. (2006), entende-se que o córtex pré-frontal ventromedial exerce uma influência inibitória sobre a amígdala, pois é a estrutura com maior ativação em situações que estimulam a redução do afeto negativo, concomitante à redução da ativação da amígdala.

 

Considerações finais

A partir da revisão realizada, pode-se concluir que existem padrões neuroanatômicos e funcionais que se mostram relacionados a psicopatologias, e que parte deles podem ser modificados através de intervenções psicoterápicas (Beauregard, 2007; Callegaro e Landeira-Fernandez, 2008; Peres e Naselo, 2005; Silva e Slachevsky, 2005; Sotres-Bayon et al., 2006; Taylor e Liberzon, 2007). A ativação do fluxo sanguíneo nas regiões dorsais aumenta a capacidade de controle emocional a estímulos ameaçadores, permitindo, assim, uma resposta eficaz e adaptativa (Callegaro e Landeira-Fernandez, 2008; Silva e Slachevsky, 2005).

Os estudos revisados evidenciam a eficácia do tratamento psicoterápico em diferentes transtornos mentais, em que a reestruturação cognitiva se encontrava entre as principais estratégias utilizadas. Em alguns casos, ela foi usada como único foco da terapia, ora em terapia individual, ora em terapia grupal. Porém, na maioria dos estudos analisados, ela foi utilizada concomitante à técnica de exposição. Outros estudos de revisão de literatura (Mocaiber et al., 2008; Porto et al., 2008) indicaram resultados muito semelhantes aos estudos analisados, sugerindo que, quando bem sucedida, a estratégia de reestruturação cognitiva ativa regiões do córtex pré-frontal e diminui regiões do sistema límbico, em especial, a amígdala (Tabela 1).

A amígdala e o córtex pré-frontal estão entre as principais áreas envolvidas na reestruturação cognitiva. A amígdala é responsável, entre outras estruturas, por gerar emoções, e é a de maior ativação durante situações ansiogênicas, pois sua estimulação costuma implicar a sensação de medo (Sternberg, 2010), sendo também a de maior diminuição da atividade após tratamento (Felmingham et al., 2007; Peres et al., 2007; Paquette et al., 2003; Fumark et al., 2002). Já o córtex pré-frontal - que tende ao aumento da ativação após tratamento - é, em sua maior parte, responsável pelo controle emocional, sendo capaz de promovê-lo através de sua inter-relação com mecanismos límbicos (Silva e Slachevsky, 2005). O córtex é a área que ocupa maior parte do cérebro humano e nos permite organizar o pensamento e planejar ações (Sternberg, 2010).

Esses resultados contribuem para a compreensão dos mecanismos neurobiológicos responsáveis pela modificação no padrão cognitivo e na diminuição da sintomatologia de populações clínicas. Por outro lado, faz-se importante que o desenvolvimento de técnicas cognitivas e comportamentais de utilização clínica se utilizem do avanço da neurociência para aprimorar ainda mais as intervenções. Essa contribuição de dupla via entre as áreas tende a beneficiar tanto pacientes com transtornos mentais, que receberão melhor tratamento, quanto com o avanço da ciência básica.

Salienta-se que os estudos revisados abordaram diferentes populações clínicas. Ainda que todos, com a exceção do estudo de Ritchey et al. (2011), tivessem como foco o tratamento de transtornos classicamente classificados como transtornos de ansiedade, a grande variação de patologias e suas respectivas alterações neuroanatômicas e funcionais podem ser um fator de confusão na compreensão dos efeitos da psicoterapia sobre o funcionamento do SNC. As técnicas de neuroimagem utilizadas nos estudos revisados também variaram, ainda que todas elas sejam técnicas frequentemente utilizadas na área. Esses dois pontos são limitações do presente trabalho.

Ainda são poucos os estudos que relacionam os resultados terapêuticos da TCC e modificações biológicas, mas estes são fundamentais para o aprimoramento da TCC, através da melhor compreensão da neuroquímica dos processos cognitivos (Zinbarg et al., 2010). Avanços tecnológicos e científicos futuros possivelmente contribuirão com o crescimento do conhecimento sobre as relações entre a TCC e suas influências no funcionamento neuronal. Se, por um lado, muito ainda se tem para avançar, por outro, os dados revisados no presente trabalho apontam evidências de que as técnicas cognitivas e comportamentais impactam no funcionamento cerebral. A mudança na sintomatologia dos pacientes, percebida pelos clínicos após intervenções em TCC, vem sendo, dessa forma, também constatada em nível cerebral através de estudos de neuroimagem, sugerindo que funcionamento cerebral e mental não podem ser compreendidos de forma dicotômica, seja ele saudável ou patológico.

A presente revisão teve como propósito descrever os possíveis impactos da psicoterapia na neurobiologia, focando-se principalmente na localização das áreas influenciadas por esse processo. Este trabalho, assim, não pretende esgotar o assunto em estudo, mas evidenciar o crescente conhecimento de que, graças à neurociência, os psicoterapeutas podem se valer para embasar sua prática clínica.

 

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Submetido: 01/10/2013
Aceito: 25/02/2014

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