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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.7 no.2 São Leopoldo dez. 2014

https://doi.org/10.4013/ctc.2014.72.07 

PSICOLOGIA CLÍNICA E FAMÍLIA

 

Aconselhamento psicológico com casais: interlocuções entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

 

Counseling psychology for couples: a dialogue between Positive Psychology and the person-centered approach

 

 

Fabio Scorsolini-Comin

Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Departamento de Psicologia, Avenida Getúlio Guaritá, 159, Abadia, 38025-440, Uberaba, MG, Brasil. fabioscorsolini@gmail.com

 

 


RESUMO

O aconselhamento psicológico oferece subsídios para o atendimento de casais em programas de educação para a conjugalidade. O objetivo deste estudo teórico é discutir sobre os elementos que podem compor uma intervenção com casais na modalidade de aconselhamento psicológico, tendo como marco teórico as interfaces entre Psicologia Positiva e Abordagem Centrada na Pessoa. Na Abordagem Centrada na Pessoa, parte-se do pressuposto de que o ser humano está envolto em uma autonomia crescente ao longo de seu desenvolvimento. A Psicologia Positiva valoriza o ser humano em termos de suas capacidades e forças pessoais. Uma intervenção possível a partir da interlocução entre aspectos dessas abordagens teóricas consideraria o acesso às crenças e percepções acionadas pelo casal, a resiliência, o fortalecimento das capacidades e dos recursos pessoais, a construção de estratégias para enfrentamento do problema, a responsabilização pelo próprio processo de mudança e a reavaliação das expectativas quanto ao futuro. Pode-se compreender o aconselhamento psicológico com casais como uma proposta que visa a recuperar, em cada um e na díade, a tendência ao crescimento e a abertura para o bem-estar. Sugere-se que pesquisas empíricas sejam conduzidas para oferecer suporte a essas considerações.

Palavras-chaves: aconselhamento psicológico, psicoterapia, conjugalidade, terapia de casal.


ABSTRACT

Counseling Psychology offers support for Couples Therapy in educational programs on conjugality. The aim of this theoretical study is to discuss the elements that may compose an intervention among couples in the psychological counseling modality, under the Positive Psychology and Person-Centered Approach frameworks. For the Person-Centered Approach, the human being seeks increasing autonomy and Positive Psychology valorizes humans' own capacities and personal strength. Given this dialogue, a possible intervention would consider the access on the couple's beliefs, resilience, strengthening capacities and personal resources, building strategies for dealing with problems, taking responsibility for their changing process and reformulating expectations towards the future. It is possible to comprehend Counseling Psychology for couples as a proposal that aims to restore, in each one and on the dyad, the tendency for growth and openness to well being. Empirical research must be conducted in order to offer support to these considerations.

Keywords: Counseling Psychology, psychotherapy, conjugality, Couples Therapy.


 

 

O casamento no contexto brasileiro tem passado por um profundo processo de revisão. Torna-se fundamental acompanhar as mudanças que incidem sobre a família considerada tradicional, burguesa e orientada pelo casal heterossexual com filhos. Abre-se, assim, espaço para novos arranjos e possibilidades de constituição da noção de família. No bojo dessas alterações, também o casamento passa a ser questionado em aspectos como a indissolubilidade, idade com que as pessoas se unem, características que conferem ao par o status de casal, bem como outros processos relacionados, como a necessidade de existência de filhos e mesmo de coabitação (Campos, 2012; Scorsolini-Comin e Santos, 2011).

As estatísticas nos ajudam a compreender a dimensão dessas mudanças, de início, pela análise das taxas de nupcialidade e de divórcios registrados. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), em 2011, o Brasil registrou a maior taxa de divórcios desde 1984, quando foi iniciada a série histórica das Estatísticas do Registro Civil. O número de divórcios cresceu 45,6% em relação a 2010. Segundo o levantamento, são 2,6 divórcios para cada mil habitantes de 15 anos ou mais de idade, contra 1,8 separações em 2010. Em 2011, a maior proporção de dissoluções ocorreu em casamentos que tinham entre cinco e nove anos de duração (20,8%), seguida de uniões de um e quatro anos de duração, o que nos coloca diante de um cenário que confere atenção especial à transição para a conjugalidade, compreendida como um processo que atravessa a constituição do casal desde a decisão por se casar até os primeiros anos de casamento, nos quais há maior necessidade de negociação e de adaptação de cada um à nova rotina e ao novo status.

Apoiando a estatística de que a maioria dos divórcios ocorre nos chamados casais em transição para a conjugalidade, dados do IBGE (2012) ainda revelam que a proporção do divórcio por via administrativa, possível aos casais sem filhos, passou de 26,8%, em 2001, para 37,2%, em 2011. A idade média ao divorciar diminuiu para homens e mulheres entre 2006 e 2011. De 43 anos para 42 anos no sexo masculino, e de 40 para 39 anos no feminino. Em 2012, houve um pequeno decréscimo da taxa de divórcios (2,5 a cada mil) em relação ao ano de 2011.

Em contrapartida, segundo pesquisa do IBGE de 2010, o total de casamentos diminuiu entre 1999 e 2002, mas tem crescido nos últimos anos, especialmente desde 2003. O IBGE destacou que, em 2011, houve um aumento de 5% em relação ao número de casamentos registrados em 2010. Também aumentou o número de recasamentos, que representavam 20,3% do total das uniões em 2011, contra 12,3% em 2001. Assim, conclui-se que, embora as taxas de divórcios estejam aumentando no Brasil, também o número de casamentos está em expansão, constituindo um cenário importante para investigação com maiores detalhes. Embora estejam aumentando os casamentos formais, o tempo médio das uniões tem diminuído, de 17 anos em 2007 para 15 anos em 2012 (IBGE, 2012).

Isso é indicativo, portanto, de que mais pessoas têm buscado o casamento, ao passo que essas uniões têm resistido menos ao tempo. Essa consideração passa a ser um dos pilares das intervenções psicológicas realizadas com casais, com destaque para aquelas que incidem sobre os cônjuges em processos de transição para a conjugalidade e também para a parentalidade. A partir desse panorama, o objetivo deste estudo teórico é discutir sobre os elementos que podem compor uma intervenção com casais na modalidade de aconselhamento psicológico, tendo como marco teórico as interfaces entre a Psicologia Positiva e a Abordagem Centrada na Pessoa. As concepções teóricas envolvendo essas abordagens serão apresentadas em um primeiro momento a partir das principais referências disponíveis e, posteriormente, serão articuladas com as possibilidades de estruturação do aconselhamento psicológico com casais.

 

Interfaces entre Psicologia Positiva e abordagem centrada na pessoa

A Psicologia Positiva compartilha e resgata conceitos e objetivos propostos na abordagem humanista, sendo que as aproximações e os distanciamentos entre essas duas correntes são destacadas em algumas publicações (Hernandez, 2003; Paludo e Koller, 2007; Sollod, 2000; Taylor, 2001). Mais do que comparar essas abordagens, este estudo compreende o aconselhamento psicológico de casais como campo de intersecção entre os pressupostos da Abordagem Centrada na Pessoa e da Psicologia Positiva, haja vista que ambas possuem como finalidade a busca e a promoção do bem-estar.

O aconselhamento psicológico teve sua origem nas primeiras décadas do século XX, sendo fortemente influenciado pela necessidade de compreender o ser humano a partir de uma visão mais tecnicista e objetiva segundo a qual este poderia ser mensurado e aconselhado segundo um plano linear e focado nos resultados e na adaptação a algum "desajuste". Ao longo dos anos e com o desenvolvimento de diferentes técnicas, metodologias e abordagens baseadas em diferentes concepções do ser humano e do que vem a ser uma relação de ajuda, o aconselhamento tornou-se um campo de estudo e de prática que leva em consideração a complexidade do humano, sua capacidade de escolha, bem como seus processos desenvolvimentais (Pupo e Ayres, 2013).

Assim, o aconselhamento pode ser compreendido como uma tecnologia de ajuda e cuidado utilizada em situações diversas que envolvem o manejo de crises e em que se busca a adaptação, a autonomia, a maior capacidade de se tomar decisões e também o crescimento pessoal (Patterson, 1959; Santos, 1982; Scorsolini-Comin e Santos, 2013; Scheeffer, 1980). O crescimento pessoal é um dos objetivos assumidos pela abordagem humanista como disparadores do processo de mudança, além de ser uma tendência em nosso desenvolvimento. É a partir desse pressuposto que a Abordagem Centrada na Pessoa, que tem como principal expoente o norte-americano Carl Rogers, compreende que o ser humano tem como uma de suas principais metas na vida a autorrealização. Neste estudo, destacamos a aproximação da Psicologia Positiva com os pressupostos humanistas a partir das considerações específicas da Abordagem Centrada na Pessoa, tomada como ponto de referência da tradição humanista na Psicologia.

A vida é força positiva que constrói o indivíduo. Todos os recursos de que alguém precisa para o seu desenvolvimento encontram-se nas experiências que ela oferece. Saber reconhecer estas experiências e aproveitá-las convenientemente é o mais fundamental que cada um dispõe para alcançar sua própria realização (Rudio, 1986, p. 12).

A partir dessa assertiva, o ser humano estaria constantemente buscando o seu crescimento pessoal e a autorrealização. A relação de ajuda, materializada, por exemplo, no aconselhamento psicológico, seria uma oportunidade de a pessoa buscar e atingir esse crescimento (Rosenberg, 1987; Santos, 1982). Rogers compreendia o aconselhamento psicológico como algo muito próximo da psicoterapia, sendo que o processo de escuta seria o mesmo em ambas as modalidades (Scorsolini-Comin, 2014). Tanto o psicoterapeuta como o profissional do aconselhamento teriam como tarefa primordial a de facilitar esse processo por meio da oferta de um espaço de cuidado, de compreensão, no qual a pessoa pudesse ser autêntica e no qual o profissional pudesse ser empático, ou seja, não apenas colocar-se no lugar daquela que busca ajuda, mas partilhar um modo de ser, de se organizar e de experienciar: "Se eu posso proporcionar um certo tipo de relação, a outra pessoa descobrirá dentro de si mesma a capacidade de usar esta relação para crescimento e mudança, e o desenvolvimento pessoal ocorrerá" (Rogers, 1977, p. 33).

Na Abordagem Centrada na Pessoa, a visão de ser humano é positiva, possuindo inclinação a atingir um funcionamento pleno. Nesse referencial de aconselhamento, a pessoa "atualiza o seu potencial e mobilizase no sentido de uma ampliação de consciência, da espontaneidade, da confiança em si mesmo e de uma orientação interna" (Corey, 1983, p. 235). Essa atualização ocorreria por intermédio da relação terapêutica, a partir do espaço de aceitação e do clima de confiança construído pela díade psicólogo e cliente. Ao aproximar-se da experiência do outro, o profissional teria condições de ajudar a pessoa em sofrimento a absorver essa experiência e amadurecer a partir dela, criando possibilidades de resolução de conflitos e de potencialização de novas escolhas, tornando-se autônomo e independente para escolher, decidir e assumir suas experiências como constitutivas de si mesmo. Nesse sentido, é importante destacar a definição de aconselhamento psicológico trazida por Rogers, de uma "relação permissiva, estruturada de uma forma definida que permite ao paciente alcançar uma compreensão de si mesmo num grau que o capacita a progredir à luz da sua nova orientação" (1974, p. 29).

Rogers destaca a necessidade de desenvolver no profissional que se dispõe a realizar o aconselhamento e a psicoterapia três atitudes consideradas básicas e que, se bem conduzidas, por si só seriam capazes de promover mudanças no cliente. A primeira atitude seria a autenticidade/congruência, que significa que o profissional tem que ser, no encontro com o cliente, o mais próximo possível do que é em todas as suas relações, ou seja, uma posição por meio da qual deve permitir-se "ser o que se é" (Rogers, 1977), estando integralmente a serviço daquele processo de ajuda e sendo coerente com o seu modo de ser, pensar, agir e se relacionar. Esse processo também se relaciona com a necessidade de que o cliente conheça a si mesmo para experimentar maior autonomia em relação ao seu crescimento pessoal, motivo pelo qual se afirma que essa abordagem se baseia "na responsabilidade e na capacidade do cliente para descobrir os meios de entrar num contato mais pleno com a realidade. Sendo quem se conhece melhor, o cliente é quem pode descobrir o comportamento mais apropriado para si mesmo" (Corey, 1983, p. 77).

A segunda atitude seria a consideração positiva incondicional, que se refere ao fato de o profissional acreditar profundamente que aquela pessoa em busca de ajuda tem condições de amadurecer e resolver seus conflitos a partir desse crescimento e da potencialização das suas capacidades. Consiste na aceitação do cliente sem reservas, julgamentos ou questionamentos sobre o seu modo de ser e das escolhas que têm tomado em sua vida. Essa atitude requer do profissional um exercício grande no sentido de aceitar o cliente com as suas possíveis incongruências e paradoxos como condição para que ele possa se sentir seguro, acolhido e respeitado no espaço do aconselhamento ou da psicoterapia.

Por fim, a terceira e mais complexa atitude se refere à empatia, que seria a capacidade de o profissional abrir-se à possibilidade de experienciar, juntamente com o cliente, as suas dores, angústias e apreensões, conservando a capacidade de afetar-se e de conseguir refletir claramente sobre essa experiência a partir do ponto de vista dessa pessoa em sofrimento. Essa atitude é considerada a mais difícil de ser desenvolvida pelo profissional (Santos, 1982), haja vista que há um risco de que o profissional aja de acordo com os próprios conceitos e valores, devendo este manter o foco no ponto de vista do cliente.

Essas atitudes, consideradas basilares na Abordagem Centrada na Pessoa e bastante recorrentes em estudos atuais que empregam esse referencial como suporte para intervenções em diferentes contextos (Moreno e Reis, 2013; Pupo e Ayres, 2013), possuem uma reverberação nos pressupostos da Psicologia Positiva. A expressão Psicologia Positiva foi utilizada pela primeira vez por Maslow, um dos principais expoentes do movimento humanista, em 1954, em seus estudos sobre motivação e personalidade (Snyder e Lopez, 2009). Segundo Hernandez (2003), Maslow queria desenvolver uma Psicologia Humanista Positiva, em que todo ser humano teria uma tendência a se autorrealizar a partir da satisfação de suas necessidades, sendo que somente as pessoas que atingiam esse objetivo poderiam ser consideradas saudáveis.

Assim, a Psicologia Positiva possui sua origem na Psicologia Humanista, principalmente a partir de estudos de autores como Maslow e Rogers. Feist e Feist (2008) afirmam que as três condições necessárias e suficientes para o crescimento psicológico postuladas por Rogers (autenticidade, consideração positiva incondicional e empatia) seriam precursoras da Psicologia Positiva. Além disso, Rogers (1977) já havia mencionado acreditar, a partir de sua experiência, que "[...] as pessoas têm fundamentalmente uma orientação positiva" (p. 37) e propunha a hipótese de que "[...] o fundo da natureza humana é essencialmente positivo" (p. 75). Há algumas críticas que afirmam que Martin Seligman, em 1990, nada mais teria feito do que atualizar concepções teóricas já trazidas por Maslow e Rogers (Hernandez, 2003), o que traria como consequência que a Psicologia Positiva seria, na verdade, uma abordagem que teria emergido a partir da Psicologia Humanista já vigente há bastante tempo.

Seligman (2002) destaca que a diferença fundamental entre as correntes é que a Psicologia Positiva assumiu a necessidade de comprovar científica e empiricamente os seus achados, avançando em relação às proposições de sua antecessora. Essa consideração também tem sido criticada, pois a Psicologia Humanista não se opunha à experimentação ou aos estudos empíricos para verificar a eficácia de suas técnicas (Hernandez, 2003). Ao estudar a obra de Rogers e Maslow, Paludo e Koller (2007) compreendem que a Psicologia Positiva claramente resgata conceitos e objetivos propostos pela terceira força em Psicologia:

É importante reconhecer que a Psicologia Humanista enfatizou aspectos positivos do desenvolvimento humano, no entanto, suas contribuições científicas receberam pouca atenção no passado. Inúmeros motivos podem ser apontados para justificar a preferência pelos aspectos negativos em detrimento aos positivos. Primeiro, existe uma tendência para o estudo dos fatores que afligem a humanidade, e a expressão e experiência de emoções negativas são responsáveis pela maioria desses conflitos. Em contraste, experiências que promovem felicidade, muitas vezes, passam desapercebidas (Paludo e Koller, 2007, p. 11).

Em que pesem esses embates sobre a vinculação entre as abordagens, a Psicologia Positiva considera que as pessoas que assumem um interesse ativo pela vida são psicologicamente mais saudáveis e que variáveis de saúde mental como otimismo, motivação intrínseca e autoeficácia podem não apenas estar relacionadas a uma maior satisfação de vida e rendimento, como também podem prevê-los. Partese, assim, de um pressuposto que em muito se aproxima da concepção de ser humano defendida pela Abordagem Centrada na Pessoa: a de um ser humano que não está pronto e acabado, que tende ao crescimento pessoal e que possui em si condições suficientes para uma maior autonomia e capacidade de escolher e resolver seus problemas. A crença nessa capacidade humana de buscar a autorrealização aproxima, de maneira indubitável, essas duas concepções teóricas.

Como destacado por Rogers (1974), as pessoas possuem a capacidade de resolver, por si mesmas, as suas dificuldades no processo de aconselhamento, o que amplia o poder sobre si mesmas às pessoas que buscam esse tipo de ajuda, cabendo ao profissional proporcionar uma atmosfera adequada para que se atinja esse objetivo. Desse modo, pode-se afirmar que ambas as abordagens consideram o ser humano como capacitado e potencializado para o exercício de viver, experienciar e assumir suas próprias escolhas e dificuldades. No entanto, isso não equivale a dizer que as pessoas podem, sozinhas, manejar esse sofrimento ou essas questões causadoras de dilemas, o que abre a possibilidade para que um profissional intervenha de modo a considerar essa demanda e também as potencialidades dessa pessoa.

A partir da década de 1990, a Psicologia Positiva ganhou repercussão mundial pelos estudos de muitos pesquisadores, entre eles Martin Seligman. A perspectiva da Psicologia Positiva propõe, basicamente, a modificação do foco da Psicologia de uma reparação das "coisas ruins" da vida e de estudos voltados exclusivamente para a doença mental para a construção de qualidades positivas relacionadas ao bem-estar (Delle Fave, 2006; Scorsolini-Comin e Santos, 2010; Scorsolini-Comin et al., 2013). Considerados ainda como abordagem recente, os estudos têm se intensificado ao longo dos anos a partir de investigações que tratam do bem-estar subjetivo, do bem-estar psicológico e da resiliência (Dell'Aglio et al., 2006), também com propostas de intervenções tendo como referência a necessidade de que o ser humano desenvolva a sua autonomia e recupere experiências ligadas ao bem-estar e à felicidade. Um dos elementos diretamente associados à promoção desse bem-estar é o estabelecimento de relacionamentos amorosos considerados satisfatórios, entre os quais incluímos a conjugalidade, como comprovado em diversas pesquisas nacionais e internacionais (Scorsolini-Comin e Santos, 2011, 2012; Seligman, 2002; Snyder e Lopez, 2009), como será apresentado a seguir.

 

Conjugalidade como campo de interface entre abordagens

Com a maior divulgação da Psicologia Positiva a partir da década de 1990, os questionamentos voltados para o desenvolvimento positivo das pessoas passaram a se aplicar também aos relacionamentos interpessoais, entre eles o casamento. Em termos da saúde, os pesquisadores começavam a investigar não mais as razões pelas quais as pessoas adoeciam, mas quais eram os seus recursos para o enfrentamento das doenças e como as instituições poderiam trabalhar na linha da promoção da saúde, modificando o foco nos mecanismos desadaptativos para uma abordagem centrada nos aspectos positivos (Fredrickson, 2009; Seligman, 2002, 2011; Sheldon e King, 2001). Seguindo o mesmo raciocínio de mudança de foco, os autores dessa corrente em expansão não mais se perguntavam por que as pessoas estavam se divorciando, mas por que, a despeito do aumento das taxas de divórcio, mais pessoas buscavam o matrimônio (Diener et al., 2000; Reis e Gable, 2001).

O casamento pode ser um espaço de desenvolvimento das individualidades, sendo um processo de individuação entre os parceiros (Féres-Carneiro, 1998; Féres-Carneiro e Ziviani, 2009). Para esses autores, a constituição e a manutenção do casamento contemporâneo são muito influenciadas pelos valores do individualismo, sendo que os ideais contemporâneos de relação conjugal enfatizam mais a autonomia e a satisfação de cada cônjuge do que os laços de dependência entre eles. Em contrapartida, constituir um casal demanda a criação de uma zona comum de interação, de uma identidade conjugal ou conjugalidade. Apesar de a conjugalidade ser um tema bastante investigado, notadamente na perspectiva da clínica de família e de casal (Féres-Carneiro, 2003), na literatura científica, ainda poucos estudos debruçam-se sobre a importância da transição para a conjugalidade.

A transição para a conjugalidade recobre um período que vai desde a decisão por se casar até os primeiros anos de casamento. Nesse período, ficam mais evidentes os processos de mudança e adaptação pelos quais os casais deverão passar para que possam constituir a conjugalidade. Consideramos que as intervenções na transição para a conjugalidade envolvem tanto os programas pré-nupciais (auxiliam os casais na preparação para o casamento) quanto os matrimoniais ou conjugais (auxiliam cônjuges com até cinco anos de matrimônio) (Wagner e Mosmann, 2012).

As intervenções que ocorrem nesses dois momentos da transição para a conjugalidade podem ser compreendidas como de caráter preventivo tanto por terem maiores índices de eficácia quanto por instrumentalizem os cônjuges para que não atinjam "níveis de conflito que exijam intervenção terapêutica" (Wagner e Mosmann, 2010). Ainda segundo essas autoras, as intervenções conjugais baseiam-se fortemente no modo como esses casais resolvem seus conflitos e não nas características desses conflitos.

Tais intervenções devem considerar, ainda, que, nos relacionamentos amorosos, há fatores que não podem ser modificados (como a história das famílias de origem, a história do relacionamento do casal) e outros, de caráter dinâmico, que podem ser contemplados nesses programas, como as expectativas sobre o casamento, padrões de relacionamento, habilidades para a resolução de conflitos, abertura para a mudança e melhoria dos processos de comunicação (Fincham et al., 2007; Mosmann e Falcke, 2011; Wagner e Mosmann, 2012).

Além disso, mostra-se relevante conhecer as motivações para a conjugalidade, a fim de que desenvolvam estratégias educacionais mais amplas para a vida conjugal que possibilitem maior satisfação nesses relacionamentos (Silva Neto et al., 2011). Nesse sentido, o aconselhamento psicológico, como tecnologia de ajuda, pode oferecer subsídios para o atendimento de casais em programas de educação para a conjugalidade. No entanto, não são ainda tão frequentes os relatos de intervenções nessa área utilizando os pressupostos do aconselhamento. Ao refletir sobre esses elementos que podem constituir as intervenções na conjugalidade é que sugerimos aproximar a Abordagem Centrada na Pessoa da perspectiva da Psicologia Positiva, como descrito a seguir.

 

Contribuições da Psicologia Positiva e da abordagem centrada na pessoa para o aconselhamento psicológico com casais

"Na situação concreta da psicoterapia, acreditar no ser humano significa aceitar a sua capacidade de dirigir-se a si mesmo" (Rudio, 1986, p. 58).

O aconselhamento de casais, também conhecido como aconselhamento conjugal ou matrimonial, faz parte do rol de intervenções que priorizam a díade como locus de compreensão e de mudança, sendo abarcado por um termo mais amplo, que é a terapia de casal, hoje largamente divulgada e empregada em nosso contexto (Féres-Carneiro e Ponciano, 2005). Tais intervenções no domínio conjugal podem ser conduzidas a partir de diferentes referenciais teóricos, sendo os mais mencionados na literatura científica e também pelos profissionais da área a psicanálise e a sistêmica (Prati e Koller, 2012).

No entanto, o humanismo também é evocado por meio do aconselhamento conjugal, que se refere a um processo de ajuda dirigido a um casal que busca atendimento psicológico a partir de alguma demanda experienciada na relação a dois, como relatos de crises, dificuldades de comunicação, diminuição do desejo, afastamento emocional, conflitos de difícil resolução, ou seja, uma vasta gama de possibilidades. No bojo humanista, a Abordagem Centrada na Pessoa lançou sua contribuição ao campo, sobretudo com a publicação da obra "Novas formas do amor" (Rogers, 1985), em que são compilados diversos casos atendidos nessa abordagem, com foco no aconselhamento conjugal. Nas décadas de 1960 e 1970, Rogers passou a ouvir diferentes casais e suas histórias, tentando apreender os aspectos mais positivos desses relatos e que pudessem justificar a experiência da conjugalidade, a fim de compreender as chamadas alternativas do casamento, o que envolve a convivência, o compartilhamento e também as narrativas de sofrimento e de dificuldades no domínio dessa relação.

Sua crítica estava dirigida aos estudos que tratavam do casamento sem, contudo, compreender as experiências concretas de pessoas casadas, o que justificou o seu mergulho nas histórias de diversos casais que entrevistou ao longo do tempo, muitas delas reunidas nesse livro publicado originalmente em 1972 (Becoming Partners: Marriage and Its Alternatives). Nessa obra basilar, Rogers afirma que a união será mais enriquecedora quanto mais os cônjuges puderem afirmar a sua própria personalidade, ou seja, que é preciso descobrir a si mesmo, em um primeiro momento, desenvolvendo a autoaceitação, para poder abrir-se à experiência de um outro e favorecendo, então, o espaço conjugal. Quanto mais a pessoa aceitar a si própria em suas dificuldades, em seus medos e em suas limitações, mais estará disposta a também aceitar essas dimensões em seu parceiro, promovendo uma união mais autêntica. Assim, podemos pensar que as intervenções não podem apenas se basear na díade e sua interação, mas em aspectos que devem ser compreendidos a partir das experiências de cada cônjuge, o que nos permite afirmar que, para ser um casal, é preciso antes ser uma pessoa integrada, autêntica e que aceite profundamente a sua personalidade. Essa consideração retoma os princípios da Abordagem Centrada na Pessoa: para tornar-se um casal, é preciso, antes, tornar-se pessoa.

Rogers (1985), a partir da escuta desses casais, sumariza em quatro pontos principais os aspectos que deveriam estar presentes em um relacionamento amoroso satisfatório: (a) dedicação e compromisso, que retoma tanto a dimensão individual (cada um é que assume o compromisso) quanto a coletiva, que envolve o dedicar-se ao outro, preocupar-se, cuidar, estar engajado na relação; (b) comunicação, que envolve compartilhar sentimentos como uma expressão do que somos; (c) dissolução dos papéis, não assumindo posicionamentos cristalizados que tenham como ponto de referência as expectativas sociais e culturais a respeito de como cada cônjuge deve ser; (d) tornandose uma personalidade separada, que envolve a consideração de que, para ambos crescerem e se desenvolverem no casamento, é preciso haver um processo de individuação, a fim de que o cônjuge possa aceitar a si e, posteriormente, o outro. Este último ponto é o que parece, à primeira vista, mais paradoxal na proposição de Rogers: para desenvolver a conjugalidade (o ser "a dois") é necessário desenvolver o simesmo e investir nessa dimensão individual.

Como já mencionado, na Abordagem Centrada na Pessoa, parte-se do pressuposto de que o ser humano está envolto em uma autonomia crescente, tendendo ao crescimento a partir do estabelecimento de uma relação compreensiva, valorizadora e honesta, o que significa que o profissional deve estar aberto a experienciar os significados construídos pelos outros, sendo capaz de se colocar a serviço da relação (Amatuzzi, 2012; Rosenberg, 1987). Embora a Psicologia Positiva não trate especificamente desses aspectos ao destacar as características de suas intervenções, é preciso considerar que, por meio de sua herança humanista, há, nessa corrente, uma valorização do ser humano em termos de suas capacidades e forças pessoais que podem encontrar na conjugalidade um espaço não apenas para sua manifestação, mas também como forma de manejar os conflitos existentes nessa relação de casal.

A literatura científica destaca um consenso acerca do fato de que o casamento está diretamente relacionado a uma maior taxa de bem-estar. Díaz Llanes (2001) afirma que as pessoas casadas ou que vivem em união consensual, de ambos os sexos, apresentam maiores níveis de bem-estar do que aquelas que nunca foram casadas, as divorciadas e as viúvas. Dados semelhantes também foram encontrados por Argyle (1999), Diener et al. (2000), Diener e Lucas (2000) e Lee et al. (1991). Esses achados convergentes podem ser um indicativo de que uma relação conjugal com adequado nível de comunicação provê o casal de relações sociais significativas e nível apropriado de apoio material, emocional, econômico, instrumental e de informação.

Segundo pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Europa, ter um cônjuge é um forte preditor de satisfação com a vida e, em contraste, as pessoas não casadas demonstram níveis superiores de depressão. O casamento tende a reforçar a autoestima do indivíduo, oferecendo situações de maior intimidade, por meio de relações duradouras e de apoio. Pesquisas apontam para associações significativas entre domínios do bem-estar subjetivo e a satisfação nos relacionamentos amorosos, sugerindo que a conjugalidade está envolvida com os aspectos responsáveis pela saúde e o bem-estar das pessoas (Galinha, 2008; Hong e Duff, 1997; Myers, 1999; Scorsolini-Comin e Santos, 2011, 2012).

Em termos terapêuticos, a abordagem da Psicologia Positiva destaca a possibilidade de prevenção e os aspectos da clínica que valorizam os elementos saudáveis do funcionamento daqueles que buscam ajuda (Prati e Koller, 2011). A chamada terapia positiva (Seligman, 2002) permitiria tanto recuperar o que está enfraquecido quanto fortalecer o que está forte. A clínica apoiada na Psicologia Positiva busca o fortalecimento dos aspectos saudáveis das pessoas, o reconhecimento de suas forças pessoais e o acesso a recursos que permitam uma mudança saudável (Paludo e Koller, 2007; Prati e Koller, 2011).

No atendimento a casais, deve-se fortalecer os fatores de proteção e os riscos devem ser trabalhados para fortalecer as pessoas para os períodos de mudanças e reajustes (Feinberg, 2002; Prati e Koller, 2011). A partir desse cenário, a Psicologia Positiva, apesar de constituir uma abordagem relativamente recente e ainda em desenvolvimento, pode ter expressiva atuação nos processos terapêuticos (Prati e Koller, 2011), e sugerimos que esta concepção seja acrescida ao processo de aconselhamento psicológico voltado a casais em processo de transição para a conjugalidade.

A Psicologia Positiva, ao se debruçar sobre as virtudes e forças humanas como estratégias responsáveis pelo bem-estar e pelo desenvolvimento positivo, tem proporcionado a compreensão da conjugalidade a partir do viés apreciativo, ou seja, o reconhecimento das potencialidades dos cônjuges como estratégias para uma vivência conjugal considerada saudável. O foco nas estratégias desenvolvidas pelos cônjuges é uma forma de compreender de que modo as pessoas constroem recursos para a manutenção do casamento. Estratégias são "ações que têm caráter relacional e não individual" (Garcia, 2004, p. 14), podendo modificar-se em função dos atores e/ou do contexto nos quais tais ações se desenvolvem.

Opta-se por não utilizar a expressão estratégias de enfrentamento justamente por se partir do pressuposto de que o cotidiano conjugal não é algo a ser enfrentado e combatido necessariamente, mas sim compreendido em termos de suas características, permanências e rupturas ao longo do tempo. Nesse sentido, adota-se, neste estudo, o termo "estratégias" com referência aos seus aspectos relacionais, às ações e aos recursos adotados e/ou desenvolvidos diante das situações (problemáticas ou não) observadas no cotidiano conjugal.

As ideias da Psicologia Positiva têm composto programas de intervenção clínica em diversos países, entre eles o Brasil. Desse modo, alguns elementos utilizados na clínica a partir dessa abordagem podem compor um modelo de atuação com os casais tendo em vista os pressupostos do campo do aconselhamento psicológico, como o estabelecimento de uma relação de ajuda, consideração positiva acerca do cliente e adoção de técnicas não diretivas. Em suas intervenções, a Psicologia Positiva trabalha com a potencialização primária (estabelecer funcionamento e satisfação ótimos) e com a potencialização secundária (sustentar e construir a partir de funcionamento e satisfação ótimos).

A potencialização primária refere-se ao processo de investimentos/envolvimento em relações que possam ser satisfatórias e constituir fontes de prazer. Nessa categoria, destacam-se as relações com o parceiro amoroso, com os familiares, vizinhos, amigos, redes de apoio, a existência de trabalho gratificante, atividades de lazer e apreciação. O enfoque apreciativo envolve pensamentos e ações que visam apreciar e amplificar uma experiência positiva de algum tipo. A apreciação pode conduzir a pessoa a experimentar satisfação por esperar a ocorrência de um evento vindouro que seja muito positivo, realizar alguma atividade prazerosa ou mesmo experimentar sentimentos positivos quando se lembra desses eventos (Bryant e Veroff, 2006; Snyder e Lopez, 2009).

A partir dessas aproximações, os aspectos dessa abordagem que podem ser considerados no aconselhamento psicológico com casais, a partir de evidências disponíveis na literatura da área (Gillham e Seligman, 1999; O'Hanlon e Weiner-Davis, 1997; Paludo e Koller, 2007; Prati e Koller, 2011; Seligman, 2011; Snyder e Lopez, 2009), são:

(a) Acesso às crenças, percepções e práticas colocadas em ação. Nesse passo, deve-se investigar com o casal as suas concepções sobre o casamento, o papel desse relacionamento na vida de cada um, bem como de que modo tem sido a rotina conjugal. Trata-se de uma aproximação do profissional acerca da história do casamento, a fim de tentar compreender de que modo o casal passou a entrar em conflito. Nessa fase, é importante delimitar qual a demanda trazida pelo casal (que pode diferir no relato de cada membro da díade), a fim de compreender qual o problema emblemático daquele par, as fontes de sofrimento e as atitudes de cada um que interferem na configuração desse problema. O esclarecimento da demanda é um dos principais pontos do aconselhamento de base humanista (Rudio, 1986), porque essa clarificação pode já apontar para algumas decisões necessárias no percurso do processo de amadurecimento do casal com vistas ao seu crescimento.

(b) Desenvolvimento da capacidade de resiliência (superação de adversidades frente a um novo evento estressor). A resiliência também se refere ao processo em que cada membro do casal, a despeito das dificuldades que ocorrem em seu cotidiano, busca uma forma de reagir a essas dificuldades, enfrentando-as e não escamoteando-as. Isso equivale a afirmar que a resiliência não consiste em um "apagamento" do passado ou dos eventos considerados ruins ou desadaptativos, mas a capacidade de enfrentá-los e superá-los. Nesse sentido, a resiliência não pode apenas ser uma característica ou uma potencialidade individual, mas fundamentalmente um recurso do casal. Essa capacidade pode ser desenvolvida a partir de exercícios como o da exploração das principais adversidades ocorridas no espaço conjugal e de como os cônjuges podem ultrapassá-las a partir de uma maior aceitação do outro, envolvendo aspectos como a identificação das causas desses problemas, a mediação de conflitos, bem como a resolução dessa situação a partir de um diálogo franco e aberto. Isso nos remete às proposições da Abordagem Centrada da Pessoa no sentido de que a compreensão do outro e a consideração positiva acerca deste é fundamental em qualquer processo de ajuda. No caso dos casais, a capacidade de reconhecimento do outro como constitutivo da dimensão da conjugalidade (Féres-Carneiro, 1998) oferece uma oportunidade de reconhecer-se e de visualizar o outro no espaço conjugal, assumindo essa dimensão como uma responsabilidade de ambos. A resiliência nessa experiência é, pois, uma capacidade de ambos e deve ser ampliada de modo compartilhado pelo casal no aconselhamento.

(c) Processo terapêutico com vistas à sensação de aumento de força pessoal. É preciso que o acompanhamento terapêutico propiciado no aconselhamento seja capaz de recuperar em cada membro da díade a capacidade de olhar e perceber as suas forças pessoais, bem como as forças emergentes a partir da união dessas pessoas, o que equivale a reassegurar e reafirmar a força do casal surgida a partir do potencial trazido por cada um. A relação de ajuda estabelecida com o profissional deve possibilitar esse aumento de força pessoal a partir não apenas do reconhecimento das potências de cada um e do casal, como considerado pela Psicologia Positiva, mas também por meio de uma análise de situações pregressas e da consideração positiva incondicional, tal como proposta na Abordagem Centrada na Pessoa. Ao considerar o casal como suficientemente preparado para modificar-se e passar pelo processo de aconselhamento, pode-se encorajar o par a reconhecer o seu valor e as suas potencialidades a partir de uma esfera de aceitação e de confiança.

(d) Fortalecimento das capacidades e recursos pessoais. Trata-se de um passo intimamente relacionado ao anterior. Aumentar a força pessoal (item c) passa indubitavelmente pelo reconhecimento e fortalecimento das capacidades e dos recursos pessoais. Como apregoado em algumas técnicas da Psicologia Positiva, deve-se propiciar ao casal que reconstrua situações nas quais puderam empregar essas capacidades na resolução de alguma problemática. Conhecer e reconhecer esses recursos pode significar um passo importante nesse processo, considerando que as pessoas fazem muito pouco o exercício de se olharem com vistas ao reconhecimento das potencialidades (Seligman, 2011). A partir de exercícios simples, orientados pelo profissional do aconselhamento, pode-se propor que as pessoas visualizem suas qualidades e seus recursos, bem como que reconheçam no parceiro as potencialidades trazidas por este. Dar um espaço para esse reconhecimento é fundamental no aconselhamento e no fortalecimento dessas capacidades para o enfrentamento de diversas situações conflituosas que podem emergir no espaço conjugal, desde crises emocionais a impasses na educação dos filhos, por exemplo.

(e) Reconhecimento das potencialidades e construção de estratégias para enfrentamento do problema. A partir do exercício mencionado no item "d", parte-se para uma fase na qual esses recursos e essas capacidades devem se converter em estratégias de enfrentamento das situações problemáticas enfrentadas pelo casal, por isso a importância de reconhecer primeiramente os recursos para, então, pensar no emprego dessas potencialidades para tentar resolver ou diminuir os problemas enfrentados no âmbito da conjugalidade. Por exemplo, pode se indagar: de que modo a objetividade de um dos parceiros ou a apurada capacidade de escuta do outro podem ser empregados para resolver os conflitos trazidos pelo casal? Como esses recursos podem ser ampliados, constituindo fatores protetores do relacionamento? Essas são questões que podem ser discutidas no espaço do aconselhamento, a partir de um adequado manejo por parte do profissional. As estratégias de enfrentamento devem ser orientadas não apenas pela sua capacidade de resolver os conflitos no âmbito do casal, mas de preservar as forças pessoais dos cônjuges e a crença de que podem atingir um maior grau de autonomia e amadurecimento, assim como proposto por Rogers (1977). Quando os cônjuges sentem que eles mesmos podem refletir sobre os problemas enfrentados e buscar formas de resolução que impliquem o desenvolvimento de ambos, maiores são as chances de um processo de aconselhamento bem-sucedido (Mosmann e Falcke, 2011; Wagner e Mosmann, 2012), retomando as considerações tanto da Psicologia Positiva quanto da Abordagem Centrada na Pessoa.

(f) Responsabilização pelo próprio processo de mudança. Essa fase nos faz retomar os apontamentos da Abordagem Centrada na Pessoa, no sentido de que o profissional do aconselhamento é considerado um facilitador dessa mudança ao oferecer uma atmosfera adequada para que a pessoa reconheça seus problemas e os recursos para o seu enfrentamento (Corey, 1983; Santos, 1982). Assim, pode-se afirmar que é a pessoa em busca de ajuda que promove essas mudanças, alterando radicalmente a compreensão que classicamente se possui sobre a atividade do conselheiro. O profissional é responsável pelo processo de aconselhamento, mas é a pessoa que pode e deve operar as mudanças necessárias ao seu crescimento pessoal, o que nos leva a afirmações por vezes até consideradas radicais, como "o saber do psicólogo de nada serve" (Amatuzzi, 2012, p. 12). Ao fazer essa afirmação a partir da leitura de Rogers, esse autor destaca que os conhecimentos do psicólogo devem contribuir para o processo de mudança almejado pelo cliente, mas que os seus conhecimentos sobre a dinâmica psíquica, por exemplo, pouco contribuem para esse processo, forçando-nos a olhar para a importância da relação e para a sabedoria que emerge quando as pessoas estão em comunicação aberta e plena (Amatuzzi, 2012).

(g) Busca por recursos utilizados na sua história pessoal e familiar, bem como a reconstrução das expectativas em relação ao futuro. O processo de analisar as experiências pregressas é fundamental para se reconhecer padrões de funcionamento e o modo de manejá-los, a fim de possibilitar uma melhor adaptação e, consequentemente, maior satisfação do cliente. Orientar o pensamento para o futuro é a possibilidade de que a pessoa sintonize-se com as próprias expectativas que construiu ao longo do tempo. O que foi planejado e que não pode ser realizado? Essa não realização tem alguma associação com a conjugalidade? Como a conjugalidade e a força do casal podem ser empregadas para a modificação dessa situação? Elaborar as expectativas e construir planos para o futuro podem ser exercícios valiosos no sentido de reconhecer os desejos do par, mas, acima de tudo, em uma relação conjugal, é importante compreender de que maneira aqueles planos estão sintonizados com o casamento.

Ao invés de apresentar o casamento como um dificultador da realização de alguns desejos pessoais (por exemplo, estudar, fazer uma faculdade ou buscar um emprego), pode-se pensar em como desenvolver a conjugalidade como um espaço que potencialize essa realização pessoal. A parceria amorosa pode ser um suporte no enfrentamento das dificuldades e possibilitar que planos e perspectivas possam também ser compartilhados e realizados conjuntamente. As expectativas construídas por ambos os cônjuges também podem ser experienciadas por meio do compartilhamento de ideias e desejos e do reconhecimento de que o crescimento pessoal do outro pode ser acompanhado pelo próprio crescimento daqueleque busca ajuda. É nessa consideração que se sustenta também o posicionamento de Rogers (1985): quanto mais a pessoa se aceita, mais estará disposta a aceitar também o outro, favorecendo a assunção de um relacionamento baseado no respeito, na troca e na consideração de que ambos só podem formar um casal se forem, individualmente, respeitosos e congruentes em relação ao seu próprio eu.

Tendo como norte essas fases, construídas a partir da literatura científica (Gillham e Seligman, 1999; O'Hanlon e Weiner-Davis, 1997; Prati e Koller, 2011), e ancoradas em pressupostos humanistas e da Psicologia Positiva, pode-se compreender o aconselhamento psicológico junto a casais como uma proposta que visa recuperar, em cada um e na díade, a tendência ao crescimento pessoal e a abertura para a manifestação do bem-estar. Como proposto por Seligman (2011), o bem-estar é composto (e também promovido) por cinco fatores: emoção positiva, engajamento, sentido, relacionamentos positivos e realização. A busca pela realização, que envolve o engajamento da pessoa em situações prazerosas e capazes de promover um sentido à existência, encontram ressonância clara na Abordagem Centrada na Pessoa, ou nas palavras de Rogers (1977, p. 159): "Se ser verdadeiramente si mesmo exige e é processo, fluido, contínuo, de mudança, então isso implica que um eu cresça e se desenvolva". Por isso, deve-se "[…] elevar ao máximo a capacidade de transformação e de crescimento". Os relacionamentos positivos destacam a necessidade de que as pessoas estabeleçam relações saudáveis para alcançarem o bem-estar e são considerados fontes de apoio em momentos de angústia e também como suportes para o compartilhamento de momentos de êxtase e de alegria.

O florescimento, condição que permite o desenvolvimento pleno, saudável e positivo dos aspectos psicológicos, biológicos e sociais (Keyes e Haidt, 2003), na Psicologia Positiva, envolve o aumento da emoção positiva, do engajamento, do sentido, dos relacionamentos positivos e da realização, além de uma existência provida de maior sentido. Pode ser ampliado justamente pela potencialização desses elementos considerados essenciais e de características adicionais como autoestima, otimismo, resiliência, vitalidade e autodeterminação. Tais características podem ser desenvolvidas e aprimoradas constantemente por meio de treinamentos e intervenções específicas, o que torna o bem-estar um construto que pode ser constantemente fomentado, em contraposição a perspectivas deterministas também criticadas pela Abordagem Centrada na Pessoa (Scorsolini-Comin et al., 2013).

O casamento faz parte do rol dos relacionamentos interpessoais considerados importantes para a construção do bem-estar, uma vez que envolve elementos significativos da dimensão humana. Pesquisas recuperadas por Seligman (2011) destacaram que pessoas mais solitárias tendem a relatar menor nível de bem-estar, ao passo que aquelas que se envolvem afetivamente com outras (em relações de amor, amizade ou de coleguismo) tendem a desenvolver estratégias mais adaptativas para enfrentarem situações consideradas difíceis. Posto isso, a conjugalidade apresenta-se como potencializadora do bem-estar ao promover não apenas o estabelecimento de uma relação interpessoal positiva, mas também a manifestação de emoções positivas e levar à realização pessoal nas situações em que o casamento é associado a esse sentido de vida.

O aconselhamento psicológico inspirado na Psicologia Positiva pode e deve compreender a conjugalidade como potencializadora dos relacionamentos interpessoais positivos e, consequentemente, do bem-estar. As repercussões dessa compreensão teórica, no entanto, devem ser trabalhadas no aconselhamento de casais tendo em vista o fortalecimento do vínculo para o enfrentamento de problemas no cotidiano conjugal, abrindo espaço para o diálogo - e também a escuta - acerca de como a conjugalidade tem sido construída, afetada e ressignificada ao longo do tempo e das experiências de vida. Reconhecer o espaço da conjugalidade como uma possibilidade de reconstrução da própria experiência conjugal pode contribuir para o desenvolvimento de intervenções em aconselhamento psicológico que se norteiam pela oferta de ajuda que vise o esclarecimento da demanda e a compreensão de que ambos os cônjuges estão implicados no processo de mudança almejado. Sendo a conjugalidade uma dimensão criada e recriada constantemente pelo par (Féres-Carneiro, 1998), há que se implicar os cônjuges nesse processo de assunção de responsabilidade e de potencialidade para a adoção de atitudes e comportamentos considerados mais adaptativos e promotores de bem-estar na relação.

Ao final deste percurso, sumarizamos, no Quadro 1, as principais intersecções entre as abordagens destacadas neste estudo, bem como suas possíveis implicações para as intervenções com casais. Esse quadro tem como objetivo auxiliar os pesquisadores e terapeutas de ambas as abordagens no sentido de aprimorar técnicas, em busca da promoção de melhores condições para o estabelecimento de relacionamentos satisfatórios. Obviamente que as interfaces não se esgotam neste estudo, mas podem e devem ser refletidas constantemente, tendo em vista que ambas as abordagens buscam, em última instância, a promoção do bem-estar e da autorrealização. No caso, essas experiências de realização deveriam ser pensadas também em relação ao casal, haja vista que a conjugalidade pode contribuir para que o indivíduo atinja esses estágios, nunca desconsiderando a individualidade dos parceiros.

 

Considerações finais

Este estudo teórico pretendeu apresentar os elementos que podem compor uma intervenção com casais na modalidade de aconselhamento psicológico, utilizando como marco teórico as interlocuções entre a Psicologia Positiva e a Abordagem Centrada na Pessoa. Ao reivindicar que os pressupostos dessa primeira corrente ancoram-se fundamentalmente na herança humanista, avançando em relação a intervenções mais pontuais e objetivas, envolvendo alto grau de planejamento, algumas diretrizes podem ser sumarizadas para uma atenção que considere as interlocuções aqui apresentadas. A consideração positiva pelo outro, ponto de encontro entre essas abordagens, oferece suporte para que o aconselhamento com casais seja desenvolvido sem pré-julgamentos acerca do que é um casamento bem-sucedido ou de como devem ser manejados os conflitos que incidem sobre a conjugalidade, tratando de compreender o espaço conjugal como uma construção do casal visando o crescimento de cada um. A conjugalidade, nesse sentido, seria um indicativo importante para o compartilhamento, o engajamento e o estabelecimento de relacionamentos interpessoais mais positivos, tendo como norte o necessário investimento no domínio pessoal de cada cônjuge, a fim de que este possa também expandir a sua aceitação para o parceiro.

Em relação aos pontos de distanciamentos entre as abordagens, notadamente no que se refere às intervenções aqui assinaladas, pode-se pensar que a Psicologia Positiva coloca maior ênfase no processo terapêutico realizado pelo casal, pouco mencionando a importância do conselheiro ou do psicoterapeuta. Já na Abordagem Centrada na Pessoa, embora o conselheiro seja um facilitador do processo de mudança, a relação estabelecida entre ele e os aconselhandos (no caso, os cônjuges) é considerada essencial no processo de crescimento do casal justamente por oferecer uma atmosfera de confiança e de segurança emocional, permitindo que a própria liberdade promovida pela possibilidade de comunicação real e aberta possa disparar mudanças ou o reconhecimento da necessidade de se transformar.

Assim, podemos pensar em um processo de aconselhamento de casal que mantenha uma organização e um planejamento prévios, por meio de técnicas e treinamentos sugeridos pela Psicologia Positiva e que também seja flexível para se abrir à necessidade de reflexão constante sobre a relação de ajuda que está se desenvolvendo, em uma clara menção à abordagem humanista. O terapeuta que trabalha com casais também deve estar atento para o fato de que a sua relação profissional atravessa não apenas um outro, mas sim um casal, de modo que o processo de facilitação deve considerá-los como iguais (em termos de relações de poder) e como pessoas em busca de bem-estar. Como afirmado por Seligman (2011), as relações sociais (nas quais incluímos as conjugais) aparecem de modo cada vez mais destacado, ultrapassando a consideração do bem-estar como algo exclusivamente individual.

Em um cenário no qual as intervenções com casais operam-se, na maioria, a partir de modelos psicodinâmicos e sistêmicos (Prati e Koller, 2012), o aporte na interface entre Psicologia Positiva e Abordagem Centrada na Pessoa pode conduzir a novas possibilidades e questionamentos na área. A clínica de família e de casal deve estar constantemente aberta a esses diálogos, que podem e devem promover reflexões sobre o modo como compreendemos a conjugalidade, sua estruturação e sua abertura para a transformação. Considera-se que os apontamentos aqui compartilhados devem ser empregados em intervenções que tragam uma prática qualificada e uma condizente análise, a fim de que possam ser estabelecidas comparações com os modelos existentes, na consideração da complexidade inerente à clínica de família e casal no marco da pós-modernidade. Essa limitação do estudo, no entanto, deflagra uma importante e necessária sugestão para que intervenções sejam realizadas, discutidas, apresentadas e construídas tendo como meta o florescimento do casal.

 

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Submetido: 30/03/2014
Aceito: 11/09/2014

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