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Contextos Clínicos
versão impressa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.9 no.2 São Leopoldo jul./dez. 2016
https://doi.org/10.4013/ctc.2016.92.06
ARTIGOS
Coping religioso de pessoas em psicoterapia: um estudo preliminar
Religious coping of people in psychotherapy: a preliminary study
Hérica Landi de BritoI; Eliane Maria Fleury SeidlII; Sebastião Benício Costa-NetoIII
IFaculdade Alves Faria. Av. Perimetral Norte, 4129, Setor Vila João Vaz, 74445-190, Goiânia, GO, Brasil. herica_lb@hotmail.com
IIUniversidade de Brasília. Instituto de Psicologia. Campus Universitário Darcy Ribeiro, 70910-900, Brasília, DF, Brasil. eliane.seidl@gmail.com
IIIPontifícia Universidade Católica de Goiás. Escola de Ciências Sociais e da Saúde, Curso de Psicologia. Av. Universitária 1069, Bloco 402, 74605-010. Goiânia, GO, Brasil. sebastiaobenicio@gmail.com
RESUMO
Estudos têm demonstrado que crenças e práticas religiosas são mediadoras do processo saúde-doença por possibilitarem o desenvolvimento de recursos pessoais de coping. O processo pelo qual as pessoas, por meio de sua religião, tentam lidar com importantes exigências pessoais ou situacionais em suas vidas é denominado de coping religioso. Todavia, não existe um consenso acerca de como tais estudos podem ser aplicados na prática profissional durante o atendimento clínico-psicológico. Este estudo visou identificar e compreender o papel do coping religioso de pessoas em psicoterapia, bem como investigar como tais recursos religiosos foram abordados durante o atendimento, segundo a percepção dos participantes. Os objetivos específicos foram descrever e analisar os estressores presentes na vida de pessoas em psicoterapia, as modalidades de coping (religioso e não religioso) utilizadas por elas para lidar com a situação estressora; a percepção dos participantes acerca da eficácia de suas estratégias de coping religioso e da valorização dessas estratégias pelo profissional durante o processo psicoterapêutico. Foram entrevistadas oito pessoas, com base em roteiro semiestruturado, em psicoterapia cognitivo-comportamental, em relação à qual o conceito de coping tem consonância teórica. As entrevistas foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo. Os resultados indicaram que os participantes, segundo seus relatos, usaram uma variedade de estratégias de coping religioso para manejar situações de estresse, embora estas parecem não ter sido valorizadas pelos psicoterapeutas nos atendimentos. Conclui-se pela importância de se considerar o coping religioso na clínica psicológica, tanto como um recurso para regulação de emoção quanto para resolução direta de problemas.
Palavras-chave: coping, coping religioso, psicoterapia.
ABSTRACT
Studies have shown that religious beliefs and practices are mediators of the health and disease conditions as they enable the development of personal coping resources. The process by which people, through their religion, try to deal with important personal or situational requirements in their lives is called religious coping. However, there is no consensus on how such studies can be applied in professional practice during the clinical and psychological care. This study aimed to identify and understand the role played by the religious coping of people in cognitive-behavioral psychotherapy, and to investigate how they were addressed during the psychological care. The specific objectives were: (i) to describe and analyze the existing stressors of people in psychotherapy and strategies of coping (religious and nonreligious) used by them to deal with the stressful situations; (ii) to identify the participants' perception of the effectiveness of their religious coping strategies and appreciation of these strategies by the professional during the psychotherapeutic process. For such, eight people were interviewed, based on a semi-structured script, in cognitive-behavioral psychotherapy, for which the concept of coping has theoretical consonance. The interviews were recorded in audio, transcribed and submitted to content analysis. Results indicated that participants used a variety of religious coping strategies to manage stressful situations, although these don't seem to have been valued by psychotherapists. It is concluded that it is important to consider religious coping in clinical practice both as a resource for emotional regulation and direct resolution of problems.
Keywords: coping, religious coping, psychotherapy.
A literatura indica que muitas pessoas em psicoterapia lidam com suas crises e sofrimentos por meio de sua religiosidade (Cole e Pargament, 1999; Ellis, 2000; Koenig, 2012; Worthington et al., 1996). Pode-se identificar que, nos últimos 25 anos, têm aumentado o número de pesquisas empíricas que abordam a temática da religiosidade e o papel da religião na prática clínica (Peres et al., 2007; Paiva et al., 2009; Rajaei, 2010; Silva Neto, 2003). Estudos apontam que a religião dos clientes pode desempenhar um papel importante no processo psicoterapêutico (Carone e Barone, 2001; Josephson e Dell, 2004; Worthington et al., 1996), possibilitando um impacto positivo nos resultados clínicos (Gonçalves et al., 2015; Josephson, 2004; Leite e Seminotti, 2013; Peres, 2009; Puchalshi e Romer, 2000; Viftrup et al., 2013; Zeiders e Schaller, 1998) e, sobretudo, no manejo de situações de estresse (Pargament et al., 1992; Cole e Pargament, 1999; Siegel et al., 2001).
Lazarus e Folkman (1984) definem estresse como uma relação entre pessoa e contexto ambiental que é percebida como excedendo seus recursos pessoais e ameaçando seu bem-estar. Em geral, os eventos não são estressantes per se. Assim, o que vai determinar essa condição e fazer diferença no funcionamento humano é a maneira pela qual os eventos ou situações são percebidos e manejados, processo designado de coping. Numa perspectiva interacionista, coping é um conjunto de estratégias, cognitivas e comportamentais, utilizadas pelos indivíduos com o objetivo de lidar com demandas internas ou externas que surgem em situações de estresse.
Embora alguns autores brasileiros, como Faria e Seidl (2005), Paiva (2007), Seidl et al. (2001) e Faria e Seidl (2006), traduzam o termo coping por enfrentamento em seus estudos, esta é uma palavra inglesa sem tradução literal para o português, que pode significar "lidar com", "manejar" ou "adaptar-se a". Optou-se pela não tradução do termo neste artigo pelo fato de que inexiste na língua portuguesa uma palavra única que expresse adequadamente o significado desse construto (Panzini e Bandeira, 2005, 2007; Stroppa e Moreira-Almeida, 2008). Além disso, o coping pode se manifestar por fuga ou negação dos problemas, indo ao encontro do termo "enfrentar" que significa atacar, defrontar ou encarar.
Achados de estudos empíricos têm demonstrado que crenças e práticas religiosas podem estar envolvidas no processo de coping diante de situações estressantes (Koenig et al., 2001; Pargament, 1990; Pargament et al., 1992, 1994, 1998, 2001; Phelps et al., 2009). O processo pelo qual as pessoas, por meio de sua religião, tentam entender e/ou lidar com importantes exigências pessoais ou situacionais em suas vidas é denominado de coping religioso (Pargament, 1997). Coping religioso, portanto, descreve o uso da fé e de crenças religiosas para facilitar a solução de problemas e prevenir ou aliviar as consequências emocionais negativas de circunstâncias de vida que são estressantes. Conforme a sugestão de estudiosos da área (Pargament, 1997), neste artigo, optou-se por considerar apenas os termos relativos à religiosidade, como religião e coping religioso, abarcando tanto aspectos individuais quanto institucionais.
Estudos têm identificado uma variedade de estratégias de coping religioso (Pargament et al., 1990, 1988) que não são meramente defensivos (Pargament e Park, 1995), mas que incluem métodos ativos, passivos e interativos e abrangem tanto atividades focadas no problema quanto na emoção (Pargament et al., 2004). O coping focalizado no problema caracteriza-se por pensamentos e/ou comportamentos direcionados à situação causadora de estresse, na tentativa de modificá-la ou manejá-la. Por sua vez, o coping focalizado na emoção refere-se aos pensamentos e/ou ações cujo objetivo primordial é regular a resposta emocional causada pelo estressor, aliviando os efeitos deletérios do estresse, de modo que a pessoa se sinta melhor, embora não altere as condições estressoras (Lazarus e Folkman, 1984).
Quanto aos resultados que acarretam às pessoas que as utilizam, as estratégias de coping religioso podem ser classificadas em positivas e negativas. As positivas proporcionam um efeito benéfico, de modo que apresentam correlação positiva com melhor saúde física e mental, maior qualidade de vida (QV), crescimento psicológico e menores níveis de estresse e sintomas psiquiátricos como resultado do manejo da condição estressora. As negativas, por sua vez, associam-se positivamente com depressão, pior QV, percepção negativa do estado de saúde e maior nível de estresse). Dessa forma, a religiosidade pode representar tanto uma estratégia de coping adaptativa que auxilia na resolução de problemas quanto um elemento estressor que pode exacerbar problemas e tornar as coisas piores, tornando-se tanto útil quanto prejudicial no processo de coping (Pargament et al., 1990, 1994, 1998, 2001, 2011).
Entretanto, ainda não há uma clara compreensão de como a religião influencia o ajustamento durante episódios estressantes e quais são as consequências psicológicas de utilizá-la para lidar com estes, o que pode ter implicações para a psicoterapia, culminando em uma avaliação inapropriada de seu papel na vida do cliente e em um tratamento menos efetivo com aqueles que são religiosos. Uma avaliação abrangente e aprofundada das múltiplas formas das expressões da religião no coping é apropriada, e até essencial, para uma integração mais completa das dimensões religiosas e espirituais em intervenções clínicas (Propst et al., 1992; Shafranske e Malony, 1990).
Em decorrência disso, o que se observa na prática clínica, segundo Gobatto e Araújo (2013), Lima (2013), Lopez (1999, 2005), Freitas (2015a) e Pinto (2009), é que muitos profissionais psicólogos têm dificuldade em compreender e, consequentemente, de abordar, questões ligadas à temática religiosa nos atendimentos, sendo estas, muitas vezes, ignoradas e silenciadas por parte dos mesmos. Apesar disso, não há como se eximirem do fato de que a religião está presente e é parte relevante da vida de muitas pessoas que são atendidas (Cambuy et al., 2006; Pessanha e Andrade, 2009), especialmente em tempos de estresse.
A maioria dos estudos que investigaram o papel da religião no coping (coping religioso) teve participantes que não estavam em processo psicoterapêutico no momento da pesquisa, de modo que a extensão pela qual seus achados são generalizáveis para uma amostra clínica é indeterminado (Worthington et al., 1996). Ademais, a população religiosa não tem sido adequadamente representada na maioria da população clínica estudada na literatura de coping, e o processo de coping é pouco conhecido em amostras clínicas (Propst et al., 1992). Deve-se ressaltar, ainda, que é praticamente inexistente a literatura brasileira que descreve a presença e o papel do coping religioso no processo psicoterápico, bem como literatura que descreva como tais recursos podem ser incorporados no mesmo.
Considerando tais lacunas teóricas e empíricas nesse campo de estudo - e frente à constatação de que questões envolvendo a religiosidade se fazem presentes na clínica psicológica (Cambuy et al., 2006; Gobatto e Araújo, 2013) e que podem desempenhar um papel relevante para clientes religiosos lidarem com situações de estresse (Cole e Pargament, 1999) - considera-se relevante desenvolver estudos com o intuito de integrar a teoria de coping religioso com pesquisas em psicologia clínica, principalmente conduzidas com amostras brasileiras.
Diante do exposto, este artigo tem como objetivo descrever e identificar o papel do coping religioso de pessoas em processo psicoterapêutico, bem como investigar como tais recursos religiosos são abordados durante o atendimento clínico. Os objetivos específicos são descrever e analisar os estressores presentes na vida de pessoas em psicoterapia, as modalidades de coping (religioso e não religioso) utilizadas por elas para lidar com a situação estressora; a percepção das mesmas acerca da eficácia das suas estratégias de coping religioso e da valorização destas pelo terapeuta durante o processo psicoterapêutico.
As contribuições de Pargament (1997) foram adotadas como referencial teórico condutor da investigação do tema, devido o seu reconhecimento nacional e internacional em estudar as manifestações específicas do fenômeno religioso diante de situações de estresse, ou seja, o coping religioso.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa oito clientes, dois homens e seis mulheres, em processo psicoterapêutico atendidos por terapeutas/ estagiários em uma clínica-escola, que oferece estrutura para o cumprimento do estágio curricular obrigatório como pré-requisito para a conclusão do curso de Psicologia de uma universidade da cidade de Goiânia. A idade dos pacientes variou de 28 a 62 anos. Seis eram católicos, um evangélico e um espírita. Todos se consideravam religiosos e devotavam tempo seja para o comparecimento a instituições religiosas, seja para atividades religiosas privadas, tais como a oração. Seis dos participantes relataram que já haviam feito terapia anteriormente. Adotou-se a letra P para designar os participantes e o número sequencial (de 1 a 8) para identificá-los.
A seleção dos participantes foi intencional e por conveniência. Os critérios para a definição da inclusão dos mesmos foram: estar em processo psicoterapêutico com profissional que adota referencial da psicoterapia cognitivo-comportamental, por esta ser a abordagem em que a teoria de coping está inserida (Panzini e Bandeira, 2007), e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), independentemente de afiliação religiosa. Os critérios de exclusão da participação foram: ter diagnóstico psiquiátrico e/ou recusar assinar o TCLE.
Instrumentos
Foram utilizados os seguintes instrumentos elaborados para o estudo: A - Questionário sociodemográfico: para levantar informações com relação a variáveis demográficas e socioeconômicas dos participantes; B - Roteiro de entrevista semiestruturado: composto por eixos temáticos pré-definidos na seguinte sequência: 1- estressores; 2- estratégias de coping; 3- estratégias de coping religioso; 4- percepção da eficácia do coping religioso; 5- valorização das estratégias de coping religioso pelo terapeuta.
Procedimentos de coleta e análise de dados
Após a avaliação e aprovação do projetode pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da clínica-escola, buscou-se contato com professores supervisores do estágio em Clínica Psicológica desta instituição de ensino superior e seus respectivos alunos/psicoterapeutas para apresentar o projeto de pesquisa e solicitar que encaminhassem a possíveis participantes uma carta convite impressa que descrevia a investigação e convidava para um primeiro contato pessoal com os pesquisadores, caso fosse de interesse. Foi esclarecida a natureza do estudo, método, objetivos, uso de informações transmitidas e confidencialidade com aqueles que aceitaram participar. Posteriormente, solicitou-se a assinatura do TCLE, bem como a autorização para a gravação e transcrição das entrevistas. A coleta de dados ocorreu conforme a disponibilidade de tempo dos participantes. Especificamente, foi realizada uma entrevista com cada um deles, em consultórios individuais da clínica-escola, com duração média de 30 minutos. As mesmas foram gravadas em áudio, transcritas literalmente e submetidas à análise temática de seus conteúdos, no referencial de Bardin (2008).
Resultados e discussão
A partir do roteiro de entrevista e análise flutuante do corpus, os resultados foram apresentados mediante as seguintes categorias identificadas: estressores e suas implicações; estratégias de coping; estratégias de coping religioso; percepção da eficácia do coping religioso; e valorização do coping religioso pelo psicoterapeuta.
Estressores e suas implicações
Quando questionados acerca dos eventos defrontados nos últimos três meses e que são percebidos como particularmente estressantes, um amplo escopo de eventos foi relatado pelos participantes da pesquisa. Estes abarcavam a vida familiar, conjugal, laboral, morte de um familiar próximo e a dificuldade de perder peso, conforme se observa em alguns trechos de relatos: "Eu acho muito difícil lidar com o namoro do meu filho" (P8); "Eu tenho certa dificuldade em lidar com pessoas que são hierarquicamente superiores" (P5); "Como eu estou com excesso de peso, você sabe que você não deveria comer, só que acaba que você come e isso é difícil pra mim lidar" (P6).
A partir do relato dos participantes, constatou-se que tais eventos estressores desencadearam uma série de emoções negativas, tais como rancor, amargura, mágoa, raiva, tristeza, angústia, frustração, sentimento de solidão, autocobrança, saudade e sensação de vazio.
Em termos cognitivos, observou-se a presença do medo de engordar, da separação do cônjuge, da dependência, de perceber-se como injustiçado e autoculpabilização.
Ademais, os participantes citaram aumento de sintomas de ansiedade, de atividades realizadas e do peso corporal como decorrência desses estressores. Trechos de relatos ou unidades de registros - UR (Bardin, 2008) revelaram algumas dessas consequências: "Tô sentindo muita falta dela" (P4); "Subi na balança e vi que eu engordei dois kg" (P4); "Eu fico com rancor armazenado (P5); "Eu sinto triste e angustiado" (P1); "Me sinto frustrada, injustiçada" (P2).
Estratégias de coping
Para lidar com as situações estressantes, os dados revelaram a coexistência de estratégias de coping tanto focadas no problema quanto na emoção (Seidl et al., 2001). No que se refere às estratégias focalizadas no problema (Tabela 1), os participantes da pesquisa, em alguns casos, tenderam a resolver os problemas de forma direta, agindo sobre a situação estressante com o objetivo de mudá-la ou manejá-la.
No caso das estratégias focalizadas na emoção (Tabela 2), estas se referiram a tentativas de administrar ou regular as reações emocionais ao estresse. Nesses casos, utilizaram estratégias cujo objetivo era impedir a ocorrência de emoções negativas para permitir maior controle emocional. As Tabelas 1 e 2 descrevem tais estratégias e exemplificam cada uma delas, apresentando-as de forma decrescente conforme a frequência dos relatos nas entrevistas. As estratégias de enfrentamento identificadas se basearam no referencial teórico de Lazarus e Folkman (1984).
Como previsto por Lazarus e Folkman (1984), as estratégias focadas na emoção ocorreram em situações de difícil controle, nas quais os indivíduos avaliaram que pouco ou nada podia ser feito para alterar a situação e que seus recursos seriam insuficientes para atender suas demandas. Perdas de entes queridos e situações que simplesmente devem ser aceitas foram condições que, por não permitir uma oportunidade de ação direta, favoreceram a utilização de estratégias de coping focadas na emoção. Convém acrescentar que, apesar de poder evitar algumas ações diretas, o coping focado na emoção pode ser útil na manutenção do senso de bem-estar, de integração e de esperança.
Estratégias de coping religioso
Para entender e/ou lidar com as exigências pessoais e situacionais que estavam emergindo em suas vidas, os participantes fizeram uso da dimensão religiosa, de modo que uma variedade de estratégias de coping religioso foi relatada pelos participantes da pesquisa (Pargament et al., 1988, 1990, 2001; Pargament, 1997) em frequência maior do que as estratégias não religiosas. Em conformidade com os achados de Pargament et al. (1990), é importante notar que tais estratégias foram utilizadas de forma interrelacionada. Exemplos dessas estratégias e suas descrições, bem como exemplos de relatos estão apresentados na Tabela 3.
A presença de coping religioso era esperada nesta pesquisa, já que as pessoas mais propensas a envolver a religião no processo de coping são aquelas com uma orientação religiosa/espiritual e que a percebem como fonte de solução para problemas da vida (Pargament, 1997; Pargament et al., 2001). De fato, a amostra deste estudo foi composta de pessoas com crenças religiosas, que acreditavam que tais crenças auxiliavam no enfrentamento do estresse, sendo um aspecto importante para ajudá-las a lidar com o manejo diário de situações estressantes que vivenciavam.
Conforme descrito por Pargament et al. (2001), os participantes deste estudo fizeram uso consideravelmente maior de estratégias positivas de coping religioso do que o negativo. Apenas P3 apresentou um único método de coping negativo, denominado descontentamento religioso, no qual conflitos com Deus foram relatados e pareciam constituir-se em fonte de sofrimento e dúvidas.
De acordo com Pargament et al. (1998), o padrão de coping religioso positivo é expressão de um relacionamento seguro com Deus, de uma crença de que existe um sentido maior a ser encontrado na vida e de um senso de conectividade espiritual com os outros. Seus métodos abrangem estratégias que proporcionam efeito benéfico ao indivíduo, como buscar apoio/suporte espiritual (Ex: "olhei para o apoio, força e orientação divina"); resolver problemas em colaboração com Deus (Ex: "trabalhamos junto com Deus, como parceiros"), redefinir o estressor de forma benevolente (Ex: "Deus pode estar tentando me fortalecer com essa situação"), buscar ajuda/conforto na literatura religiosa, perdoar e ser perdoado, orar/ rezar pelo bem-estar dos outros, buscar ajuda do clero e de membros da instituição religiosa, entre outros.
Em contraste, o padrão negativo reflete uma relação desconfiada e menos segura com Deus, senso de desconectividade com a comunidade religiosa, uma visão de mundo tênue e ameaçadora e um esforço religioso para encontrar e conservar o significado da vida. Os métodos de coping religioso negativo sugerem a presença de estresse emocional, tais como questionar a existência, amor e atos de Deus (descontentamento religioso), presença de conflitos interpessoais com membros do grupo religioso, duvidar dos poderes de Deus para interferir na situação estressora, delegar a Deus a resolução dos problemas, redefinir o estressor como punição divina (Ex: "Deus estava me punindo por meus pecados") ou forças do mal e súplica por uma intercessão direta, por exemplo (Pargament et al., 1998).
De acordo com Pargament et al. (2001), o nível reduzido de expressão de coping religioso negativo, face a eventos estressantes, pode ser devido à relutância de muitas pessoas quanto a emitir um olhar crítico para questões valorizadas e centrais para sua identidade, tal como a fé. A literatura indica que as pessoas são mais prováveis de ver Deus e sua congregação como fonte de amor e suporte do que fonte de dor e punição (Pargament et al., 1998), o que parece ser menos ameaçador ao bem-estar psicológico do indivíduo. Daí a suposição de que as estratégias negativas tenham um tempo de utilização curto, coincidindo com as crises de fé em função de situações ou resultados desfavoráveis.
Dado que estratégias religiosas negativas podem ser precursoras de problemas relacionados à saúde, da mesma forma que indicadoras de estresse imediato, autores alertam para a necessidade de ajuda no processo de coping. Diante da identificação de pacientes que experimentam decepções e lutas espirituais, sugere-se encaminhá-los para a psicoterapia religiosamente integrada, para evitar resultados ainda mais prejudiciais e para prevenir sofrimento psicológico. Do ponto de vista qualitativo, é possível pensar que as estratégicas de coping religioso negativas podem ser utilizadas de forma breve, sem implicações negativas na saúde mental. Outra possibilidade é que a expressão de dor e conflito religiosos, quando acompanhado de estresse, pode ter efeitos benéficos em longo prazo. Assim, estratégias de coping negativo podem ser danosas para algumas pessoas, mas fonte de crescimento e transformação pessoal para outras (Gall e Guirguis-Younger, 2013; Pargament et al., 1998; Phelphs et al., 2009).
Ainda que o coping religioso seja, usualmente, considerado um coping focado na emoção e, portanto, criticado, por impedir o desenvolvimento da autoeficácia dos indivíduos para lidar com os problemas da vida, na mesma direção dos achados de Pargament et al. (2001), os dados do presente estudo identificaram que, em algumas circunstâncias, o mesmo teve função instrumental e de ação direta, favorecendo a resolução de problemas, já que crenças e práticas religiosas guiaram o indivíduo no processo de seleção das possíveis soluções e atribuição de significados a eventos críticos da vida (Pargament e Park, 1995; Pargament et al., 1988, 1992). Portanto, focar a investigação científica apenas nos níveis afetivos e cognitivos do processo de enfrentamento de estressores parece ser uma atitude reducionista, obscurecendo a influência direta e comportamental do coping religioso em atividades diárias.
A concepção amorosa que os participantes mantêm de Deus poderia explicar a presença do coping religioso colaborativo, redefinição benevolente do estressor e procura de apoio de líderes e membros religiosos. Segundo Ellis (2000), isso ocorre porque as pessoas que abraçam o modelo de Deus amoroso (que não é suscetível de punir ou permitir que um dano ocorra para as pessoas que vivem de forma responsável) tendem a vê-lo como um parceiro que trabalha com eles para resolver problemas, visualizam situações difíceis como oportunidades de crescimento espiritual e acreditam que seus líderes religiosos e membros da congregação dão a eles o apoio que eles precisam em momentos difíceis.
Percepção da eficácia do coping religioso
Na tentativa de fornecer ordem e compreensão a situações tidas como fora do controle humano - como a morte -, a reavaliação religiosa, que pressupõe a crença numa outra vida, teve papel fundamental para alguns participantes em termos de ajudar a manejar a situação: "Quando você atravessa pela questão de uma morte, isso é um momento muito difícil da vida [...] e quando você acredita que essa vida é uma passagem e você vai ter uma vida muito melhor depois, você tem um conforto maior" (P6). Sem a crença numa outra existência, a experiência da morte poderia parecer completamente sem sentido para uma das participantes e deixá-la inconsolável como esse trecho aponta: "Se eu acreditasse que eu nunca mais ia ver a minha mãe, isso seria um sofrimento terrível, mas como eu acredito numa vida futura, então fica muito mais fácil" (P4).
Diante das dificuldades, Deus foi visualizado como uma figura de apego sempre presente com a qual se pode apoiar ou buscar ajuda, o que contribuiu para que os participantes não se sentissem abandonados ou sem alguém com quem pudessem contar: "Sempre nos momentos difíceis eu tenho Deus pra mim segurar na mão dele" (P1), e desempenhou o papel de reduzir o senso de isolamento (alívio da solidão), visto que os participantes perceberam Deus como um ser próximo com o qual se pode manter uma relação de intimidade (P8: "Eu converso com ele como amigo mesmo").
Acreditar na existência de um ser superior, para o qual se voltaram no processo de coping, favoreceu o aumento do senso de controle por meio da visualização do evento como menos ameaçador (P2: "Por mais que as coisas todas do mundo e ao meu redor estejam difíceis e conflituosas e são muralhas, são problemas eu sei que existe alguém muito maior que esses problemas que é o meu Deus") e mais positivo e benevolente (P3: "E rezando, depois eu fui ver que, às vezes, esse acontecimento te faz crescer").
As atividades religiosas privadas, tais como as orações, contribuíram para a redução da sensação de perda de controle da situação, na medida em que acreditar em um Deus todo poderoso, amoroso e sensível forneceu ao cliente uma sensação de que se pode alterar sua própria condição pela possibilidade de influenciar Deus para agir em seu nome (P7: "Eu peço muito a ajuda de Deus para chegar nos meus objetivos").
Diante dos eventos estressantes, a crença em uma divindade que trabalha no sentido de um propósito maior, independentemente de quais circunstâncias ou dificuldades existam no momento, foi fundamental para a manutenção de um senso de significado (P2: "Eu vejo Deus em todas as coisas que acontecem na minha vida, pode ser ruim, pode ser bom, se aconteceu, foi por que ele permitiu"). A visualização dos eventos como parte do plano de Deus contribuiu, ainda, para o controle emocional, no sentido de proporcionar uma sensação de segurança, tranquilidade e conforto afetivo diante das situações: "Por mais que eu não consiga é porque meu tempo ainda não chegou e tudo tem um propósito de Deus, por isso que eu sinto no momento de angústia, a esperança que Deus traz pro meu coração, a confiança e conforto, e eu volto a ter fé pra poder lutar novamente" (P2).
A visualização dos acontecimentos críticos como sendo situacionais e contingentes a um período no tempo, e não como algo permanente ou imutável em suas vidas, também foi subsidiada pela fé e contribuiu para a horizontalização da esperança de que, no futuro, o evento negativo seria solucionado e o sofrimento não duraria para sempre: "A fé traz esperança de que, quando eu tenho problema, eu vou conseguir passar por isso" (P7); "Ele nos dá esperança para que amanhã tenha um dia melhor" (P1).
Por fim, a religião teve papel crucial no coping, no sentido de potencializar o sujeito, oferecendo força para confrontar a realidade negativa de forma destemida e prosseguir, sem desistir, amparado na sua fé religiosa (P6: "É a questão de você procurar forças aonde você não tem [...] é em Deus que você procura essa força e acaba achando pra poder conseguir vencer suas dificuldades na vida").
Em suma, no que concerne à eficácia de suas estratégias de coping religioso, os participantes sustentaram que sua religião os ajudou a compreender e lidar com situações de estresse, oferecendo orientação, apoio, esperança, alívio e consolo (Pargament e Park, 1995). Pode-se dizer, ainda, que esta contribuiu para a redução da ansiedade e aumento do senso de bem-estar, significado e propósito na vida (Koenig et al., 2001). Crenças e práticas religiosas reduziram o senso de perda de controle e desamparo associados a situações de estresse, além de dotarem tais eventos críticos da vida com algum tipo de valor (Zeiders e Schaller, 1998). Além disso, as crenças religiosas, ao justificarem o controle por Deus, permitiram às pessoas manter esperança para si mesmas e regular emoções negativas, quando nenhuma estratégia de coping parecia possível.
Valorização do coping religioso pelo psicoterapeuta
Resultados promissores têm sido demonstrados na literatura internacional, demonstrando eficácia de intervenções que integram a religiosidade do cliente (Gonçalves et al., 2015; Josephson e Dell, 2004; Koenig, 2012; Viftrup et al., 2013). Tarakeshwar et al. (2005) avaliaram a eficácia de uma intervenção cujo objetivo era aumentar a frequência de coping religioso positivo em 13 adultos que vivem com HIV/aids. Os dados do estudo sugerem que abordar questões espirituais em psicoterapia de grupo facilitou a integração da espiritualidade do indivíduo com outras dimensões da personalidade. Após a intervenção, os participantes relataram maior religiosidade, menor utilização de coping espiritual negativo, depressão inferior e mais uso de coping espiritual positivo. Diferentemente desses achados, bem como dos de Shafranske e Malony (1990), na percepção dos participantes, seus psicoterapeutas não valorizaram o papel de sua religião como fonte de ajuda diante das dificuldades, posto que estes não abordaram questões relativas à sua religiosidade durante o processo psicoterápico, nem quando as temáticas religiosas foram levadas pelos clientes, como se observa: "Eu já trouxe questões religiosas, mas ele não trabalhou a parte religiosa [...] ainda não foi tão discutido, mas é um tema levantado" (P2). Tais dados sugerem que a religiosidade não era tratada como uma variável clinicamente relevante.
De acordo com relatos dos participantes, seus psicólogos já tinham investigado sua afiliação religiosa (P6: "Houve um questionamento no começo e perguntou a minha religião, mas a gente nunca se aprofundou"), o que não é suficiente em uma avaliação clínica (Puchalski e Romer, 2000; Moreira-Almeida et al., 2006), pois diz pouco sobre o que é a religiosidade e quão importante ela é, ou não, na vida de alguém. Na concepção de Pargament e Park (1995), quando os clínicos abordam apenas se e em que grau seus clientes são religiosos, eles deixam de fazer questões mais refinadas sobre os papéis que a religião pode desempenhar em suas vidas, sejam úteis e/ou prejudiciais.
A não abordagem de tais questões na psicoterapia dos participantes pode refletir uma visão geralmente negativa da religião, prevalente entre psicólogos e psiquiatras, que têm silenciado sobre esse tema, considerando-a um tópico não científico (Rajaei, 2010). Pode ser que, pelo fato de os psicólogos terem tido pouco ou nenhum treinamento e formação acadêmica quanto a como trabalhar tais assuntos na prática clínica, tenham dificuldade de compreender crenças e comportamentos religiosos de seus clientes (Gobatto e Araújo, 2013; Moreira-Almeida et al., 2006; Peres, 2009; Shafranske e Malony, 1990). Outra possibilidade é apresentada por Lopez (1999, 2005), que afirma que os psicólogos ficam sem referenciais científicos para abordar a questão nos atendimentos, na medida em que a maioria das teorias psicológicas não contempla a questão da religiosidade.
Apesar disso, em conformidade com achados de Puchalski e Romer (2000), Koenig (2012) e Zeiders e Schaller (1998), muitos participantes demonstram querer que suas necessidades religiosas sejam consideradas e suas crenças religiosas, discutidas. Ou seja, a religião e a espiritualidade foram consideradas temas que podem ser e que gostariam que fossem abordados durante o processo psicoterapêutico pelos clientes, porém, estes não observaram seus terapeutas abertos para a discussão desses domínios.
Segundo os participantes do estudo, e em acordo com Viftrup et al. (2013), ao se abordar a questão das crenças religiosas durante as intervenções psicológicas, os terapeutas poderiam ajudá-los a usar a religião, enquanto um recurso disponível, de forma mais efetiva diante de dificuldades, potencializando efeitos positivos, tal como o trecho seguinte indica: "Se o terapeuta fala: busca se fortalecer na sua fé e dá algumas dicas para essa pessoa, ela vai ter mais forças para poder enfrentar, porque todos os problemas que eu já enfrentei na minha vida foi a fé que me ajudou" (P8).
E, nesse sentido, não se trata de uma apologia ao uso da religiosidade no manejo do estresse, mas sim de sua valorização quando o cliente já possui crenças religiosas e, em virtude disso, já as utiliza em suas vidas (Pargament, 1997). Entretanto, inserir dimensões espirituais e religiosas da vida dos clientes durante a psicoterapia requer profissionalismo ético, conhecimento e habilidades para integrar as informações coletadas sobre as crenças e valores em benefício do processo terapêutico (Moreira-Almeida et al., 2006; Peres et al., 2007; Stroppa e Moreira-Almeida, 2008). Assim, o aprimoramento da prática profissional requer capacitação e treinamento adequados para a abordagem da temática religiosa/espiritual em atendimentos psicológicos (Gobatto e Araújo, 2013).
Freitas (2015b), Gobatto e Araujo (2013), Lima (2013) e Pinto (2009) recomendam que os profissionais de saúde reflitam sobre suas próprias crenças, para estarem abertos à experiência do paciente, inclusive as de cunho religioso e espiritual. Isso implica, idealmente, que a postura do profissional em um processo psicoterapêutico deveria promover acolhimento da religiosidade, atuando de modo a respeitar e considerar valores e crenças - também os de cunho religioso e espiritual - de seus clientes ou pacientes.
Os benefícios resultantes de lidar com as crenças religiosas na terapia podem derivar em parte de redirecionamento da atenção de um foco sobre a perda e preocupação consigo mesmo, para processos positivos, como gratidão, altruísmo e generosidade. Por exemplo, os participantes podem ter culpa obsessiva sobre o pecado ou castigo, relatar dúvidas religiosas, ou querer discutir os elementos cognitivos e emocionais de sua fé. Essas são questões consideradas aceitáveis como parte de uma psicoterapia que integre crenças religiosas, incluindo uma ênfase em recursos de coping religiosos. Em outras palavras, essas terapias ensinam os clientes a usar seus próprios ensinamentos e doutrinas religiosas (com base na tradição de fé da pessoa) para minar pensamentos irracionais e aumentar relações de apoio (Koenig, 2012).
Por fim, Peres et al. (2007), com base em publicação de 2006 da Associação Psiquiátrica Americana, recomenda alguns procedimentos para abordar temas referentes à espiritualidade e religiosidade nos atendimentos psicoterapêuticos: identificar se variáveis religiosas e espirituais são características clínicas relevantes às queixas e aos sintomas apresentados; identificar o papel da religião e da espiritualidade no sistema de crenças; identificar se idealizações religiosas e representações de Deus são relevantes e abordar clinicamente essa idealização; demonstrar o uso de recursos religiosos e espirituais no tratamento psicológico; realizar entrevistas para acessar o histórico e envolvimento com religião e espiritualidade; treinar intervenções apropriadas a assuntos religiosos e espirituais; e atualizar a respeito da ética sobre temas religiosos e espirituais na prática clínica. Ademais, uma abordagem de integração não deve julgar o indivíduo com base no que a pessoa mantém como verdade religiosa, mas deve valorizar como a pessoa é capaz de integrar sua religião com as demandas da vida (Pargament, 1997; Weber e Pargament, 2014).
Considerações finais
O método qualitativo com entrevista semiestruturada permitiu acessar, no discurso dos participantes, aqueles eventos percebidos por estes como estressantes, bem como as modalidades de coping utilizadas para lidar com tais eventos críticos, e se mostrou adequado para investigar o modo com que clientes em processo psicoterapêutico utilizam sua dimensão religiosa para lidar com situações de estresse, bem como seu papel no processo de coping.
Os achados sublinham que a religião é um recurso de coping dos participantes, contribuindo para várias funções nesse processo, embora não seja o único, uma vez que os mesmos relataram o uso concomitante de coping não religioso. Apesar disso, ela não é uma temática abordada e discutida por parte dos psicoterapeutas no setting terapêutico. O fato de não apreciarem essa dimensão de seus clientes, e a forma que a religiosidade poderia ou não contribuir para o processo de coping, leva a supor que não a consideram uma temática relevante em sua atuação como psicólogos clínicos. Desse modo, parece importante desenvolver intervenções psicoterápicas que contemplem e integrem suas questões e recursos religiosos. Assim, a teoria de coping poderia ser integrada no arcabouço teórico-prático da psicologia clínica, com o intuito de desenvolver estratégias psicoterápicas que considerem a religião como um recurso de enfrentamento diante das dificuldades.
Limitações devem ser apontadas nesse estudo. Os resultados podem ter tido vieses, pelo desejo de alguns participantes de evidenciar uma imagem favorável da religião no processo de coping. Além do mais, pessoas tendem a lembrar de resultados melhores no retrospecto e podem ser mais prováveis de olhar favoravelmente para a religião e construir uma história em que a responsabilidade pelas boas coisas que têm acontecido é atribuída a esta. Aparentemente, aqueles que investem mais em sua religião derivam mais benefícios disso, relatando maiores resultados positivos. Além disso, a utilização de diferentes estratégias de coping pode ocorrer em função de características da personalidade, que não foram avaliadas neste estudo.
Os dados e a carência relevante de estudos com enfoque em recursos religiosos de clientes em processo psicoterápico para o manejo das situações estressantes, bem como na sua abordagem em contexto psicoterapêutico, constituem-se em fatores relevantes para a continuidade da exploração do tema. Pesquisas adicionais poderiam ser feitas para determinar se os resultados deste estudo se aplicam para outras abordagens psicoterapêuticas, utilizando amostras maiores.
Ademais, o fato de os terapeutas estarem em formação permite supor que fossem pouco experientes. E, por isso mesmo, mais inseguros para abordar um tema tão polêmico sobre o papel do psicólogo, e pouco explorado ao longo da formação. Conclui-se, então, pela necessidade de preparo profissional ao longo da graduação para aplicabilidade ética da religiosidade e espiritualidade na prática clínica. Sugere-se que novos estudos contemplem o grau de operacionalidade de diferentes estratégias de coping religioso para o ajustamento a situações estressantes, bem como comparar a eficácia dessas com as estratégias de coping não religioso na redução dos níveis de estresse em clientes em processo psicoterapêutico. Tais investigações poderiam, ainda, ser realizadas em estudos longitudinais, para verificar a estabilidade dos níveis de estresse e das atividades de coping religioso ao longo do tempo.
Quanto às implicações deste estudo, acredita-se que o mesmo possa contribuir para a psicologia clínica e da saúde, uma vez que amplia a compreensão acerca do papel da religião no coping. Os resultados sublinham a importância de psicoterapeutas e pesquisadores reconhecerem a presença e a influência do coping religioso na vida de clientes em atendimento psicoterapêutico.
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Submetido: 16/05/2016
Aceito: 26/08/2016