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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.10 no.2 São Leopoldo jul./dez. 2017

https://doi.org/10.4013/ctc.2017.102.07 

ARTIGOS

 

O pedaço 'nosso' de cada sessão: um relato de experiência em psicanálise da clínica Borderline

 

Our share of every session: an experience report in psychoanalysis of the borderline clinic

 

 

Andressa MuellerI; Rosana Cecchini de CastroII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Ramiro Barcelos, 2600, 90035-003, Porto Alegre, RS, Brasil. andressalaurenh@gmail.com
IIUniversidade do Vale do Rio dos Sinos. Av. Unisinos, 950, 93022-750, São Leopoldo, RS, Brasil. rosana@pro-tecno.com

 

 


RESUMO

O presente artigo (relato de experiência) traz a vivência e os desdobramentos de um percurso inerente à formação em psicologia, consolidada pelo estágio profissional e, nesse caso, pela atuação clínica psicanalítica. Por meio de um relato da experiência clínica, a terapeuta e o seu grupo de supervisão de casos clínicos analisam a direção, a manifestação e a intensidade de sintomas que sugeriram tratar-se de uma manifestação psicopatológica dos estados limítrofes (Borderline) identificados pela relação entre a díade. Todo o processo do vínculo e da dinâmica sobre o qual o grupo se debruçou foi imbricado pelo período de aproximadamente um ano e meio de atendimento psicoterapêutico, em que não só os aspectos transferenciais foram observados, mas, sobretudo, os aspectos contratransferenciais, entre os quais pôde se observar, através da dinâmica psíquica incipiente da paciente, a convocação à terapeuta para regredi-la aos estágios de dependência, a fim de lhe ofertar uma espécie de maternagem. Esse processo necessita de auxílio reflexivo, com o qual se promova atenção à saúde, tanto da dupla terapêutica como do próprio vínculo, para dele seguir promovendo qualidade no processo terapêutico. Tal auxílio reflexivo é a própria supervisão de casos clínicos. O relato surge como uma forma de sistematizar e racionalizar essa experiência intensa e inominável vivenciada, para ascender à reflexão, transformando a experiência em conhecimento.

Palavras-chave: clínica Borderline, relato de experiência, estágio profissional.


ABSTRACT

The present article (an experience report) brings the experience and the unfolding of a journey inherent to the graduation in Psychology, consolidated by the professional apprenticeship and, in this case, through the performance on the psychoanalytical clinic. By means of a report of the clinical experience, the therapist and her supervision group of clinical cases analyzed the direction, manifestation and intensity of the symptoms that suggested to be a psychopathological manifestation of the identified bordering recognized by the relation between the dyad. All the process of bonding and the dynamics which the group have addressed to was imbricated by the period of about a year and a half of psychotherapeutic care in which not only the transfers aspects were looked upon but mainly the countertransference aspects, in which we can observe, by the patient's incipient psychic dynamics, that summoned the therapist to regress to the dependence stages to offer some kind of motherhood. This process needs a reflexive help in order to promote attention to health, both to the therapeutical dual and to the bond itself, so that to keep promoting quality in the therapeutical process. Such reflective support is the supervision of clinical cases itself. The report comes as a way of systematizing and rationalizing this intense and unnameable experience lived, raising reflection, transforming the experience into knowledge.

Keywords: Borderline clinic, experience report, professional training.


 

 

Renda-se como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender. Viver ultrapassa todo entendimento (Clarice Lispector, 1992).

Este relato de nossa experiência1 surge em razão de uma inquietação decorrente da experiência vivenciada no setting terapêutico com uma paciente cujas características se aproximam de uma estruturação psíquica Borderline. Em aproximadamente um ano e meio de atendimento psicológico semanal na clínica-escola de uma universidade privada no Rio Grande do Sul, intensos sentimentos foram experimentados, principalmente na figura da estagiária de psicologia que acompanhou o caso, em seu estágio profissional.

No serviço, o estágio profissional em psicologia tem duração de um ano e meio e, quando se encerra o processo do estagiário, se realiza a passagem para outra(o) terapeuta. O paciente que ainda precisar dos benefícios do espaço terapêutico se mantém na instituição e enfrenta a angústia de ser 'abandonado' pelo profissional. Nesse sentido, ao iniciarmos o atendimento da paciente vivenciamos uma turbulenta carga emocional, decorrente das perdas sofridas por ocasião da passagem, ou seja, da troca de terapeuta. No momento em que se iniciou o novo vínculo, tivemos o primeiro contato com o impacto que se produziu na paciente e que parece refletir não só a perda do seu irmão - motivo que a trouxe para o tratamento - mas, sobretudo, que nos fez pensar em algo que não se internaliza em seu psiquismo fragilizado. "Não seria ameaça de perda efetivamente que está em jogo, trata-se de não perder o objeto. Um estado de servidão ao outro em que o pressuposto básico seria uma falha no plano da interiorização do objeto" (Cardoso, 2007, p. 336).

Sua trama existencial movimenta nossas percepções e nosso olhar é devidamente capturado e, por consequência, paralisado, visto que ocupa significativamente nossa supervisão de casos clínicos. Esse afetamento, vivenciado pela terapeuta e compartilhado com o grupo de supervisão que escuta o padecimento e a dinâmica da relação, problematiza e elabora um saber não só sobre a paciente, mas, sobretudo, da terapeuta e as vicissitudes da relação. A experiência decorrente dessa dinâmica relacional e os sentimentos suscitados no decorrer das sessões terapêuticas, em que a estagiária/ terapeuta oferece o seu corpo, um ambiente favorável e, principalmente, coloca diante de si um espelho e resgata a paciente de um lugar de anulação, fizeram com que a terapeuta desejasse construir uma produção escrita, para pensar acerca dos encontros.

Em seguida, entendemos que é importante frisar, sobretudo, que a escrita venha refletir sobre a clínica analítica do pathos2, incluindo, além de sua mera descrição, sua teorização. O objeto dessa teorização é a memória inconsciente3. "A partir dos fragmentos de lembranças e associações aparentemente sem sentido, trazidos pelos pacientes em análise, Freud ia formulando inferências sobre os não-ditos nesta clínica" (Bento e Guimarães, 2008, p. 92).

Em início de análise, com o enquadre analítico exitosamente consolidado, o terapeuta formula uma hipótese metapsicológica considerando-a pela ação de materiais de experiências recalcadas, primordialmente do analista, que tende retornar à consciência por algo "estranhamente familiar". O caráter especular do psicopatológico do paciente, concluiu os articulistas, colabora com a reflexão da "psicopatologia da contratransferência" (Moura e Iribarry, 2000, p. 73). Nesse sentido, a escrita ressalta, em seu caráter estrutural, características, conforme Iribarry (2003), de um 'entre', situando a audácia em nos fazermos, ainda que pela via da "irracionalidade artística", provedores de um conhecimento sistemático. Assim, o texto busca o ócio infantil e o entusiasmo pelo já feito. O proposto ensaio não comenta e não classifica, mas reflete; delira e inventa coisas, onde não há. É criatividade e sensibilidade sobrepondo-se à objetividade.

Da escrita, no sentido de sua sistematização, tomaremos em primeiro lugar o pathos-doença e a descrição da história da doença para, em seguida, enfatizar o pathos-paixão-transferência e a descrição da história da paixão-transferência do paciente no tratamento analítico. No primeiro momento da escrita, ressalta-se o registro dos dados anamnésicos, com o intuito de compor a história clínica ou da doença. Daqui o relato da doença deve ser relacionado com os acontecimentos da história de vida da paciente. Portanto, inicialmente, a escrita versa a partir da mera "descrição da evolução da sintomatologia da paciente, desde seu aparecimento até suas manifestações atuais, antes da análise propriamente dita do caso" (Bento e Guimarães, 2008, p. 94). Nesse momento da construção do texto, citações literais da fala do paciente sobre sua doença, investigando os principais acontecimentos de sua história de vida, associando-se à aparição de seus sintomas, tornam-se relevantes.

No último momento do processo escrito, destacam-se os movimentos em torno da transferência no processo analítico, em que se faz uma descrição da história da paixão-transferência do paciente, no tratamento analítico. Aqui, nos situamos no "segundo tempo da clínica analítica" (Bento e Guimarães, 2008, p. 94).

Assim, se prioriza a descrição dos cenários transferenciais4 e contratransferenciais5, não só na situação analítica, como também a partir da supervisão. Interessante salientar que a proposta da escrita, por se tratar de uma investigação do "pathos-paixão-transferência" e o estilo do material escrito contêm propriedades de um texto romanesco. O relato da história e a descrição dos afetos, no contexto da relação paciente-terapeuta com citações literais da fala do caso, seguidas da intervenção e/ou do entendimento do terapeuta, adquirem relevância para a análise de dados do caso estudado (Bento e Guimarães, 2008).

Finalizamos, portanto, o relato de experiência, fazendo uma análise que articula os principais conceitos de Winnicott, Balint e seus contemporâneos, que subsidiam teoricamente a atividade prática, verificada no manejo clínico com pacientes Borderline, na qual a interpretação precisa ser descolada em seu sentido e, por conseguinte, enfatizar a ideia da sobrevivência à trama da falha e possibilitar qualidade de presença. O constituir-se terapeuta e a formação em psicologia também se agregam à escrita reflexiva a que nos propomos.

 

A história de Mortícia

Neste primeiro momento, caberia falar acerca das razões para a escolha do nome atribuído à paciente: Mortícia, nome que em nada corresponde à personagem da "família Adams" e que, no sentido físico em específico, remete à personagem cinematográfica extremamente "sexy", vaidosa e ardilosa. O que, talvez, tenham em semelhança, seja o interesse - ou porque não arriscar - a identificação com a morte.

Denominamos como Mortícia porque seus investimentos pulsionais são de ordem narcísica, contidas em si, autoconservação necessária que já fora nomeada por Freud como pulsão de morte. Ao longo do texto, outras razões operam em justificativas, para assim a enxergarmos.

Mortícia, atualmente, tem trinta e dois anos de idade. No entanto, aparenta ter alguns anos a mais. Esse envelhecimento, um tanto precoce, parece informar acerca de sua história, cujos sofrimentos sucessivos, desde a infância, angústias e, sobretudo, falta de esperança em sua vida, registram, em seu corpo, a dimensão astronômica da dor psíquica.

Nossa paciente tem dez irmãos, de dois pais diferentes. A primeira união que sua mãe consolidou durou cerca de trinta e cinco anos e, dessa relação, teve cinco filhos. Do segundo e atual casamento, deu à luz mais cinco filhos. Mortícia é a segunda filha a nascer dessa última relação que a mãe estabeleceu.

De acordo com os relatos de Mortícia, a família reconstitui-se e seu pai aceita os irmãos do outro casamento, configurando uma família significativamente grande. O número proporcional de filhos está inversamente proporcional aos cuidados oferecidos às necessidades de cada um dos membros dessa família. Nessa nova configuração familiar, o pai é um alcoolista que, em alguns momentos, usava de um domínio coercitivo sobre os meninos do 'outro marido', ou seja, havia, nesse contexto, violência física e psicológica.

Em uma das sessões, Mortícia relata à terapeuta, com muita dificuldade, sobre alguns eventos dos quais foi vítima. Conta que moravam e mantinham uma pensão. Nesse local, não só presenciou cenas traumáticas, como também, foi vítima de abuso sexual. Comenta que seu pai sempre estava bêbado e sua mãe aproveitava para traí-lo, com os moradores/ pensionistas. Em algumas vezes, ela aliciava Mortícia para esses sujeitos. Também, em algumas noites, ela acordava sendo "acariciada", em suas regiões íntimas, por esses abusadores. A mãe de Mortícia também aliciava o irmão menor, com aproximadamente cinco anos de diferença de idade da menina. Dizia, muitas vezes, que o menino tinha "jeitinho" (sic) para ser homossexual.

Como se pode perceber, o meio familiar tem uma dinâmica extremamente violenta. No estudo da família, encontramos entre os irmãos - incluindo Mortícia - duas mortes entre dois membros do sexo masculino: um sem conhecimento de causa, e outro, por assassinato. Também há dois casos de alcoolismo grave e duas tentativas de suicídio.

Mortícia sempre teve boa relação com o irmão que fora assassinado. Ela comunica, em diversas sessões, que os dois eram muito "grudados" (sic). Refere-se a ele como um irmão cuidador, muitas vezes, como um pai, porque mesmo envolvido no crime, para os familiares, agia como protetor. Formam, segundo ela, uma dupla para cuidar dos demais irmãos. Daqui, vamos entendendo que Mortícia, desde cedo, foi necessitando criar estratégias e cuidados para enfrentar as adversidades do contexto violento em que se desenvolveram.

Aos quinze anos de idade, Mortícia engravida de uma relação casual. Por ter engravidado, sofreu diversas outras violências do pai como, por exemplo, lhe retirarem a cama e, muitas vezes, ficar sem o que comer como forma de punição. Após dois anos do nascimento de sua primeira filha, casa-se com seu atual companheiro, dezessete anos mais velho, por quem fala não sentir amor e com quem teve um casal de filhos, atualmente, um deles com treze e o outro com doze anos de idade.

Mortícia expressa que sente um carinho "sufocador" por sua filha mais velha. Sempre demonstra medo de que ela se distancie demasiadamente de seu controle. Já se utilizou de termos em que a filha está em uma bolha. Percebe-se que Mortícia tem um sentimento peculiar a cada um de seus filhos. Evidenciamos o sufocamento e mesmo a negligência com a filha menor que, muitas vezes, lhe demanda por notória necessidade de ser percebida.

Mortícia procura por atendimento no serviço porque perdera o irmão, brutalmente assassinado. Nesse momento da perda, teve diversas manifestações psíquicas e somáticas: depressão, desmaios, sensação de falta de ar e sufocamento, devidas às intensas angústias decorrentes da perda.

A paciente foi diagnosticada com transtorno do humor bipolar pelo psiquiatra que a assistia periodicamente e que lhe receitava medicamentos psicofármacos e ansiolíticos com os quais tentou, algumas vezes, o suicídio, administrando-os abusivamente e, mais recentemente, tentou atirar-se contra um automóvel. Este "background" psiquiátrico sustenta e, ao mesmo tempo, desvela a dinâmica incipiente da paciente com as quais suas oscilações, bem como suas instabilidades emocionais, exemplificam suas problemáticas, especificamente as de ordem relacional. Mortícia tem controlado seus familiares, inclusive a terapeuta, com a ideia suicida, porque essa é a única forma que nos pareceu ser possível para manter seus objetos de amores presos à sua trama existencial.

Já atendida por três terapeutas diferentes, iniciou seus dois atendimentos psicoterapêuticos juntamente com seus familiares, em uma clínica de referencial teórico sistêmico. A última terapeuta dessa abordagem teórica procura uma das supervisões da teoria psicanalítica, onde, naquele tempo, a terapeuta que se propõe a realizar essa escrita estava inserida. Encaminham Mortícia à clínica mais vivencial, para que possa vincular-se. Foi o seu primeiro tratamento individualizado, com a intenção de promoção de vínculo e de processo de sua demanda de sofrimento, impedido de se manifestar no espaço terapêutico no qual se inseriam todos os membros da família.

Nossos primeiros encontros foram muito difíceis, sessões pesadas em que Mortícia falava das preocupações, um tanto obsessivas que costuma ter com os cuidados de seus irmãos, todos adultos. Nem mencionava, inicialmente, seus filhos. Mortícia tinha uma fantasia que, se tivesse falado com o seu irmão, um dia antes do assassinato, o mesmo não teria morrido, de forma trágica. Começa com um cuidado excessivo como forma de reparação e de evitação de novos eventos traumáticos. Mortícia parecia se identificar com situações e pessoas para as quais pudesse ser útil e prestar cuidados, sem olhar a quem. Desses relatos, sempre ficava a sensação de que Mortícia transformava-se em um ambiente extremamente previsível e acolhedor, como uma forma de reparar algo que não lhe fora ofertado e que ainda necessita; uma espécie de restauração da falha ambiental no início de seu desenvolvimento.

Em diversas sessões, apenas falava de morte, de medo, sempre relatando situações de tragédias, em que essas lhe faziam mal, de acordo com as angústias relatadas. Porém, percebia-se uma necessidade de produzir esses discursos para, em seguida, controlá-los. Essa retórica parecia lhe retroalimentar, como compulsão à repetição de uma falha de um ambiente- mãe. Queixa-se que todas as pessoas são culpadas por se sentir dessa forma, porque sempre a chamavam para resolver tais assuntos. Em determinados momentos, sentia-se responsável por todos que padeciam no mundo; em outros momentos, uma sensação de invasão lhe acometia. Relata que, algumas vezes, seu esposo necessitava convidar as pessoas para que se retirassem de sua casa, porque apresentava angústias intensas.

A paciente costumava ser mais prestativa com os irmãos do que com os próprios filhos. Às vezes, nos indagávamos com o fato de que Mortícia, frequentemente, não estava ligada ao seu grupo familiar, mas presa à família de origem. Em outros momentos, igualmente, certo estranhamento de que sua mãe havia falecido, era presente. No entanto, com o tempo, essa figura materna começou a ser incorporada em nossos encontros. Mortícia sempre questionava o comportamento de sua mãe, desvalorizando-a, continuamente. Desejava que sua mãe correspondesse a um comportamento que reparasse a real falha ambiental pela qual pas-sou no início da vida.

 

O Encontro Terapêutico: A terapeuta "Amélie Poulain" e as vicissitudes do encontro com "Mortícia"

Para ascendermos à discussão contratransferencial no presente relato, faz-se necessário contextualizar, entre diversos conceitos psicanalíticos existentes do fenômeno em questão, com base nas ideias de Figueiredo (2008), quando alude a uma forma peculiar no entendimento contratransferencial, a qual denominou de contratransferência primordial, entendida como:

Um deixar-se colocar diante do sofrimento antes mesmo de se saber do que e quem se trata; corresponde justamente à disponibilidade humana para funcionar como suporte de transferências e de outras modalidades de demandas afetivas e comportamentais profundas e primitivas, vindo a ser um deixar-se afetar e interpelar pelo sofrimento alheio no que tem de desmesurado e mesmo de incomensurável, não só desconhecido como incompreensível (Figueiredo, 2008, p. 128).

Em outras palavras, terapeuta e paciente seriam afetadas uma pela outra, desencadeando um processo existencial e complexificando, de forma ampla, o entendimento do mundo e da experiência do existir.

A terapeuta no seu primeiro dia de estágio profissional, encontra-se muito ansiosa, por conta das passagens pelas quais iria se submeter com pacientes e seus respectivos terapeutas, em fase de conclusão de estágio. Ela sabia que isso se atravessaria entre a relação da dupla terapêutica e, possivelmente, não seria muito bem aceita pelo paciente que, ainda, se vê tomado pelas sensações e fantasias da perda. No entanto, ao ser chamada para conhecer a sua primeira paciente, depara-se com demonstrações intensas em relação à despedida: o choro convulsivo de Mortícia e a negação do estado de luto pelo qual passa, dificultam o primeiro contato entre elas. A terapeuta sai do primeiro encontro com sensação de muito medo e, assim, sente seu corpo acionar defesas que a protegeriam dos ataques que viriam a seguir. Ao iniciar seu percurso como terapeuta, necessita construir abruptamente um lugar que sirva como 'para-raios' das forças intrusivo-agressivas de Mortícia. Por conseguinte, fica evidente que a escuta clínica e seus desdobramentos, inicialmente, circulam como um furacão, cuja intensidade não permite outro movimento senão o de se proteger!

O lugar ocupado pela terapeuta, nessa experiência, lembrava a personagem "Amélie Poulain" - do filme O fabuloso destino de Amélie Poulain- já o da paciente, "Mortícia", assim como o nome em alusão à pulsão de morte deflagra o destino de seus investimentos pulsionais. O filme O fabuloso destino de Amélie Poulain retrata o cenário contemporâneo do mal-estar vivido pelo vazio, assim como ilustra a forma de se subjetivar com traços narcísicos na pós-modernidade. Entre diversas personagens traremos, para o presente artigo, apenas dois deles: Amélie Poulain e o homem de vidro. Para Amélie, a reclusão em si mesmo aparece como estratégia de sobrevivência contra a qual se luta das invasões intempestivas de forças difusas e constituintes. Por sua vez, o homem de vidro condenado às dinâmicas das relações por causa de uma doença congênita nos ossos conecta-se à pintura, à arte e, ao pintar suas obras, relaciona-se com a própria produção. Fala, na trama, da sensação de que os olhares das personagens por ele pintados mudam em direções que o confundem, algumas vezes; entretanto, existe uma menina que fica no centro de sua obra, de quem ainda não conseguiu compreender o enigmático olhar.

Mortícia é nossa personagem principal, porém, deslocada de contexto, propositalmente, para representar a constituição de falso self, verificado em pacientes Borderline (Winnicott, 1983 [1960]). Dessa forma, é importante que o leitor possa compreender que as personagens como Amélie Poulain, homem de vidro e a Mortícia, respectivamente venham a representar, na escrita de estilo romanesco, a terapeuta, o grupo de supervisão de casos clínicos e a paciente.

Amélie reconhece em si características de Mortícia, porém as percebe apenas como traços em sua personalidade. Contudo, em Mortícia, ainda por certa inflexibilidade em se constituir pelo encontro, necessita utilizar-se de defesas rígidas, como estratégia única de sobrevivência! Mas, possivelmente, ao refletir, nesse momento, sobre as razões que levam não somente a terapeuta; mas, sobretudo, o grupo de supervisão de casos clínicos a escrever o presente artigo, constatou-se que algo do recalcamento da terapeuta parece retornar e necessitar novas acomodações para atender Mortícia. O clímax do filme ocorre quando Amélie cria estratégias para auxiliar os outros a se depararem com a vida que levam; marcadas, na maioria das vezes, por um lugar de reclusão, de ressentimento e de evitação. Inexoravelmente, Amélie compreende os conflitos alheios como possibilidades de envolver-se, não só com um outro diferente de si, mas, sobretudo, a partir das trocas suscitadas na experiência do campo relacional/existencial, para resgatar e perlaborar algo de seus conflitos e sofrimentos, visto que também se identifica e incorpora, em seus movimentos de vida, algo da ordem de autoconservação. No entanto, não imaginava que, ao construir um significado de vida a outro sujeito desejante, estaria, ainda que indiretamente, (re)visitando suas problemáticas e aventurando-se em compreender as vicissitudes da experiência subjetiva, decorrentes do sofrimento.

Em determinado momento do filme, Amélie encontra, atrás da parede de sua casa, uma pequena caixa com objetos característicos da infância, cujo dono seria um antigo morador da casa, quando criança. No entanto, quando vai à procura do proprietário do pequeno tesouro, aparentemente singelo e distante de seu universo, Amélie sente que o mesmo pode lhe proporcionar um novo significado de vida, que remonte sua própria infância e resgate afetos. As relações que vai construindo, pois, permitem, para além da palavra, um movimento de vinculação e, com esse, um restaurar de seus afetos, de seus desejos e, principalmente, de sua confiança. Se caso percebesse que o efeito fosse potencializador, estaria disposta a ajudar a tantos outros.

Do contexto cinematográfico ao processo clínico de Mortícia - que, em nossa supervisão, muitas vezes, ocupou nosso centro por tempos infindáveis com a intensa demanda que emerge de suas problemáticas - como na pintura do homem de vidro, ela estava no centro, todavia, seu olhar era difícil de ser capturado e era necessário sensibilidade para apreendê-lo. Faz-se evidente que, em nossa supervisão, ao relatar as questões próprias da paciente, por muitas vezes a terapeuta cede o seu corpo, sua fala - legítimo processo de laboratório de atores que emprestam o corpo para mostrar outro ser, que não ele, em sua totalidade. Estamos querendo enfatizar que o olhar, aqui, da supervisão, recaia diretamente à Mortícia, mas, entre eles, havia o corpo da terapeuta, que intermediava esse processo. Portanto, o homem de vidro captura o olhar de Mortícia, que se "reapresenta" como lentes de contato em Amélie.

Após certo período de atendimentos, ficou o questionamento sobre seu sofrimento. Será esse padecimento, a que está submetida, decorrente única e exclusivamente pela perda brutal de seu irmão ou a perda representa aquilo que tem lhe caracterizado, enquanto um ser que sofre pelo vazio da alma? O temor da perda ecoa com o vazio nascido de uma impossibilidade de introjeção do objeto absolutamente necessário6, que pode ser entendido a partir de Winnicott (1982 [1963]), com a reflexão em torno da necessidade do bebê de sustentação, para que esse desenvolvimento da dependência absoluta, passe pela dependência relativa até que, por fim, a independência ocorra. No tempo da dependência absoluta, o lactante ainda não separou o eu do não-eu: é um ser imaturo, que permanece à beira de uma angústia impensável - que, mais tarde, Winnicott vem a chamar de agonia primitiva - e que acontece, de forma possível, graças à presença dos pais, que lá estão para ver, ouvir, sustentar e manejar o bebê (Winnicott, 1982 [1963]; Abram, 2000; Newman, 2003).

Na história de Mortícia, esses cuidados iniciais foram negligenciados por um ambiente/ objeto absolutamente necessário, que não lhe ofereceu, de forma adequada, essa progressão psíquica do processo maturacional, enquanto bebê. A reação do lactente, diante de um ambiente intrusivo ou mesmo negligente - ao qual não conseguiu desadaptar-se gradualmente - constitui-se em um choque e em um trauma para a sua psique, pois, ele ainda não está preparado para recebê-lo, não há ego suficiente, não podendo ainda compreendê-lo como uma experiência completa e integrá-la (Winnicott, 1982 [1963]). Como função materna, a mãe suficientemente boa, que responde à onipotência do bebê e, de certa forma, lhe dá sentido, possui, também, uma função simbólica, já que supre e, gradualmente, falha, em sua capacidade de dar respostas. É importante que ela suporte e sustente, pelo tempo suficiente, o gesto pelo qual o desejo tenta se escrever com o corpo. Assim, um elemento autêntico no self se constrói sobre a identificação com o objeto, no campo relacional (Winnicott, 1978a [1945]).

Amélie, aos poucos, reconhece as necessidades de Mortícia por aquilo que ela oferta deliberadamente aos outros e que lhe falta desde o princípio: a confiança. O contaste ataque ao vínculo identificado por Amélie ressalta as necessidades reais de Mortícia por aquilo que não é possível ser dito e sim atuado, principalmente, por conta de um imperativo de recursos defensivos, como o do falso Self. Um discurso pronto, nada refletivo que sugeria a uma defesa psíquica inversa ao desejo inconsciente da busca por um objeto que sustente a ilusão onipotente. Trata-se da forma de, como no processo terapêutico, a paciente, através da relação/vínculo que estabelece, vai anunciando algo da ordem de uma constituição de um falso self (Winnicott, 1983 [1960]).

Para nos auxiliar, Naffah Neto (2007) - quando se dedicou ao estudo do falso self, a partir dos pressupostos teóricos winnicottianos, pode compreender o falso self cindido em pacientes Borderline, enquanto defesa esquizofrênica. O falso self cindido surge como consequência defensiva, para reagir à mãe insuficientemente boa, que não supriu as necessidades básicas do filho, no tempo e nas formas apropriadas. Como cisão, enquanto função protetora, impele, por conseguinte, que novos eventos/experiências sejam agregados à sua psique, sendo apenas em alguns casos processados, de forma lacunar ou parcial.

Para Naffah Neto (2007) ocorre uma divisão em dois subtipos de pacientes Borderline: o primeiro por ele denominado de "Personalidade esquizóide" e, o segundo, denominado por Helen Deutsch (1942 in Naffah Neto, 2007), como Personalidade "como se", ambas as formas em descrevê-las sugerem comportamento de defesa ao caos no ambiente. Ou seja, "as falhas de adaptação do ambiente ao bebê podem atingir diferentes níveis, com consequências diversas" (Naffah Neto, 2007, p. 80). Daqui, destacam-se os processos em que houve, ainda que minimamente, a constituição de um objeto subjetivo e de ilusão de onipotência, em que o sujeito se relaciona com a realidade obscuramente. Trata-se, portanto, da personalidade esquizoide:

A relação com o objeto subjetivo foi protegida e colocada fora de contato com o ambiente, permanecendo circunscrita a uma dinâmica onipotente. Para funcionar como pára-choque frente ao seio aterrorizante foi criado um falso self por hipertrofia e cisão da função mental, que passou então a vigiar e controlar, por vias intelectuais, os acontecimentos ambientais (Naffah Neto, 2007, p. 81).

O que se evidencia, muitas vezes, na experiência clínica com esse tipo de paciente, é o discurso deliberado e retórico: ele parece viver um drama existencial em relação ao ambiente. Se, por um lado, não valoriza o ambiente; por outro, a disponibilidade é tão intensa, que parece perder a identidade individual. Assim, Amélie compreende como Mortícia sente-se culpada com a morte do irmão, porque é de seu funcionamento controlar o ambiente e as situações, como garantia de segurança. Em seu pensamento, visivelmente onipotente, fantasia que, se tivesse falado com o irmão antes da tragédia da qual foi vítima, teria evitado tanto a morte de seu ente, quanto, e principalmente, o sofrimento decorrente dessa perda.

Fica evidente o quanto Mortícia está presa em uma lógica relacional por onipotência e, por conseguinte, o nosso trabalho incide sobre essa cisão, por um espaço potencial entendido:

Como um campo onde o aparecimento dos objetos transicionais (Winnicott, 1978b [1951]) (nem exatamente internos, nem externos) precede e abre caminho para os processos de simbolização e representação do mundo e possibilita a emergência da discriminação entre eu e não-eu (Bezzerra Junior, 2007, p. 42).

Dessa forma, é possível que se apresente uma nova identificação objetal/objeto absolutamente necessário, encontrado na relação com Amélie, que se coloca como um objeto transicional - a primeira posse não-eu da criança, que promove a construção articuladora com a alteridade em sua psique - visto que se coloca no ambiente para ser encontrada por Mortícia, que viabiliza, ativamente, a experiência ilusória de onipotência, ao mesmo tempo em que a confronta, com os limites impostos pela alteridade do mundo externo. O objeto transicional é resistente, porém, a criança age sobre ele pela ação criadora, oportunizando, gradualmente, o reconhecimento de autonomia, ao dar expressão externa às suas fantasias e aos seus desejos (Winnicott, 1978b [1951]).

Amélie, no início dos encontros, construía pontuações favoráveis, para que Mortícia pudesse pensar sobre o lugar que ocupava nas relações. Tentava lhe produzir estranhamentos, quanto à necessidade de ficar controlando e se vinculando obstinadamente aos outros, de forma a não enxergar-se. Relacionava-se, o tempo todo, por uma ligação de dependência, em que produzia e, ao mesmo tempo, sentia como intrusiva; verdadeiro ato de compulsão à repetição, como bem sinaliza Kusnetzoff (1982), ao retomar o comportamento do repetir como necessidade de elaboração ativa do padecimento que se processou passivamente, como a perda de algo. Nesse caso, pensamos na falha do objeto primordial e o comportamento repetitivo como necessidade de perlaboração.

Em uma de suas pontuações, Amélie questiona sobre seus desejos, de modo que pudesse fazê-la perceber seu vazio existencial. Acreditamos que Amélie não foi feliz nessa colocação, visto que é uma paciente a ser tratada pela necessidade e não pelo desejo que é algo mais elaborado. Mortícia, assim, esteve diante de um paradoxo em formular hipóteses para o seu desejo, de fazer escolhas e, também, renúncias as quais tratam justamente de um lugar de perda, representação concreta de seu sofrimento, que aumentou suas resistências. Dessa forma, entendemos as considerações de Figueiredo e Cintra (2004), quando sustentam que existiria, a partir da linguagem, uma impossibilidade em usá-la, no sentido de sustentar o seu desejo, visto que isso exige e comporta experiências insuportáveis; esse fato a incomodou significativamente. Chegou à sessão posterior muito brava, dizendo à Amélie que não havia se sentido bem. Esse efeito, entretanto, proporcionou a grande virada, no sentido de desconstruir aquela linearidade do discurso de Mortícia.

Mortícia fica muito mobilizada quando não consegue falar sobre seus desejos. Ela se depara com o vazio de sua existência. Amélie não a enxerga como uma pessoa indefesa, sem controle total de suas ações. Dissera-lhe, em um de seus encontros, que a percebia com muita energia e força e que apenas deveria potencializá-las, a fim de que pudesse usá-las, de forma a se beneficiar. Nos primeiros momentos da aventura decorrente dessa relação, Amélie se dá por conta de que fez o papel de lhe impor limites, de não cair na forma padronizada como todos a enxergam, como uma desequilibrada à beira da loucura. Se, por um lado, tentou provocar-lhe estranhamentos, por outro, parecia lhe dar um destino ou, de certa forma, uma bússola, ao encontro de uma suposta cura de seu sofrimento.

Dessa forma, Mortícia se preenchia pelo excesso de presença de Amélie. Justamente por Mortícia causara sensação de que não existe e construir um espaço potencial, ou seja, se fazer desejante, lhe causa estranhamentos. Mortícia, muitas vezes, coloca entre a relação com Amélie um espelho, que serve para que ela possa visualizar a dinâmica da psicoterapia, visto que, inicialmente, a paciente apenas correspondia ao que a terapeuta considera, ingenuamente, um processo de tratamento. Um fazer existir inclinado à uma espécie de doutrinação. Portanto, é necessário enfatizar que Amélie, primeiramente, comunica-se com o falso self de Mortícia, visto que ela correspondia às expectativas da terapeuta, com intuito de seduzi-la, corresponder a um eu ideal, compreendido em Laplanche e Pontalis (2004 [1982], p. 139) "como semelhante ao Ego Ideal concebido como um ideal narcísico de onipotência não se reduz à união do Ego com o Id, antes compreende uma identificação primária com outro ser, investido da onipotência, isto é, com a mãe". Após pontuações do homem de vidro, sobre os excessos de Amélie no processo terapêutico, altera-se a 'homeostase' da dinâmica da interação.

Amélie configura outro processo de escuta, que a coloca diante de uma posição de reserva, em que se transforma em terapeuta - ambiente, em favor de lhe oferecer segurança necessária e promover a regressão à dependência, a fim de restituir, no seu tempo, as falhas que, em seu processo narcísico primário, lhe foram interrompidas por uma mãe-ambiente insuficientemente boa.

Quando há uma 'ausência de ausência' ou uma 'presença de presença', o que no fundo é a mesma coisa, pois ambas desconhecem o vazio, o processo de constituição psíquica fica obstruído, o 'primeiro tempo' não se consuma e o 'segundo tempo' não se instala (Figueiredo e Cintra, 2004, p. 20).

Presença na reserva, entendida por Figueiredo (2008, p. 112) como "uma presença côncava do analista, ou seja, um modo de estar presente em que se constitui e mantém uma reserva de espaço potencial no qual o paciente pode vir a ser", possibilitou um setting mais existencial, no qual Mortícia vai se permitindo explorar os limites do ambiente e, também, da relação, fazendo desse espaço uma possibilidade importante de integração entre o falso self com o seu verdadeiro.

É interessante notar como, aos poucos, Mortícia vai falando do que pensa acerca do meio (espaço físico), do setting, do quanto ameaçador lhe parecem os estímulos externos. Em praticamente todas nossas sessões, ao chegar, Amélie deixa as poltronas do consultório ao centro. Ao recebê-la, como de costume, Mortícia arrasta a dela para o canto da parede, elemento ao qual se formula a interpretação do quão inseguro e desprotegido seu ego possa se encontrar. Assim, nossas percepções apontam para a hipótese de suas conflitivas residirem em torno de uma falha básica.

Balint (1993), como termo falha, reporta-se exatamente à palavra usada por muitos pacientes, que dizem sentir a existência de umafalha que precisa ser corrigida, dentro de si. É descrito como uma falha e não como uma posição ou situação, não apresenta a estrutura de um conflito ou um complexo. O autor sugere o termo básico, pois sua influência se estende amplamente por toda a estrutura psicobiológica do sujeito, envolvendo a mente e o corpo, em diferentes graus.

Há necessidade de um trabalho que vislumbre, inicialmente, uma capacidade de o terapeuta engendrar estratégias em que o sujeito possa regredir e tornar-se dependente novamente. Na prática clínica com pacientes pré-edípicos, o ambiente torna-se um elemento muito importante. A partir disso, introduziu-se o termo de holding, cunhado por Winnicott, que remete à compreensão de um ato de sustentação, que é fundamental para o manejo clínico, significando a oferta de um ambiente que sustente e permita o processo de integração do sujeito (Winnicott, 1990a [1988]). De fato, o holding fornece confiança na realidade e nos contatos humanos para o paciente (Januário, 2008). Apenas em condições seguras o sujeito pode aliviar-se de sua reação compulsivamente defensiva e experimentar, na transferência, outras formas de relação de objeto (Balint, 1993).

O enquadre analítico, que pressupõe um vínculo íntimo criado entre dois psiquismos, é similar à situação vivenciada pela mãe e seu bebê em que a mãe exerce a função de continente (holding) para as pulsões ou excitações externas sentidas pelo bebê. Em outras palavras, o analista deve ter a capacidade de se identificar às necessidades de seu paciente, assim como uma mãe suficientemente boa se identifica a seu bebê e proporciona um espaço transicional entre eles em que a realidade psíquica do bebê pode se construir (Zornig, 2000, p. 98).

Talvez, daqui, Amélie esteja vivenciando o paradoxo mesmo que é ser terapeuta, porque, pela transferência, ocupa um lugar de mãe em que nunca esteve, e não enxerga como sendo de sua potência. Mortícia lhe delega os cuidados paulatinamente e, sem saber que lugar, de fato, seria esse, foi se percebendo mobilizada por sua demanda. A cada sessão, bem no término, estava Amélie na ponta da poltrona, como se quisesse pegá-la nos braços e lhe oferecer a segurança para continuar seu caminho, tão sofrido.

Na sessão anterior ao dia das mães, Mortícia, no final desse encontro, pergunta à Amélie se ela é mãe. Mortícia conclui que não, antes mesmo que Amélie verbalizasse algo, visto que ela era nova demais. No entanto, Amélie lhe disse que tinha alguns meses a mais de vida do que ela. Dias após essa sessão, Mortícia teve uma crise intensa, chegou a ser levada para um pronto atendimento em psiquiatria, onde administraram diversos medicamentos e, inclusive, um antipsicótico potente. Veio para o atendimento, na semana seguinte, muito confusa e ainda a brigar com Amélie, porque esta era jovem. Identificamos que o desejo de Mortícia se expressa com o incômodo da idade de Amélie, pois, se ela fosse mais velha, ocuparia, no campo real, o lugar de mãe. Porém, pela transferência, Amélie já estava autorizada a ocupar esse papel e algo daqui desencadearia uma relação de proporções intensas, entre essa díade.

Com esse advento, Amélie vai experimentando as vicissitudes desse encontro, em que precisou reviver os seus traumas maternos. A cada necessidade de Mortícia (vivida pela ausência, na ausência do objeto absolutamente necessário), ressuscitam suas marcas, da mesma forma traumática, de um objeto excessivo que fez de seu corpo uma extensão. O impasse desse encontro produziu, em Amélie, inquietações, medos e diversas fantasias. No entanto, de alguma forma, acordar seus fantasmas, vê-los em outro plano que não o mesmo do passado, solidifica sua capacidade de estar nesse lugar, sem ser invasiva e, muito menos, ausente.

A análise de sete anos a qual Amélie se submete, colabora decisivamente para deixar que a alteridade e o desejo alargassem sua percepção da realidade e, hoje, exerce esse lugar de terapeuta, de forma continente. Trazendo Naffah Neto para a discussão, em que ele afirma "que os psicoterapeutas concordarão comigo, muitos talvez, ao lembrarem que o primeiro impulso para a profissão surgiu da necessidade de cuidarem da própria neurose" (Naffah Neto, 2007, p. 23), após sobreviver à sua experiência materna e ressignificá-la, percebemos que a forma de acolher e responder à demanda de Mortícia colocou Amélie diante de outra forma de escuta e de atenção que, por consequência, foram possibilitando um novo repensar sobre si mesma, hoje, vivenciado pelo desejo de ser mãe.

Como se percebe, Amélie faz a maternagem de Mortícia, realizando condições favoráveis para intervir em sua organização patológica, cuja carência de adaptação à função materna, na fase de dependência absoluta, sofreu severas interferências (Winnicott, 1982 [1963]). Nesse sentindo, Amélie experiencia, na transferência, o lugar materno: o papel do espelho, ofertado pelo rosto da mãe em que o bebê vê a si mesmo e, ao identificar-se com a mãe, descobre o que ele próprio sente ao ver isso, refletido no rosto da mãe, ou seja, o semblante materno constitui a formação do self (Mello, 2008). Essa posição entre Amélie e Mortícia de fusão, como a de um bebê/mãe, deve ser compreendida como um processo importante para que a segunda etapa, caracterizada pela individuação, constitua-se; mas, para que ocorra, é de extrema importância que o bebê/paciente não necessite reagir ao ambiente e possa experienciar a sua espontaneidade (Winnicott, 1990b [1987]).

Mortícia sempre fala do rosto e, principalmente, do olhar de Amélie, em algumas sessões. Relata que teme por ele, mas, o temor centraliza-se em ter que reviver o vínculo materno. A experiência da regressão a esse estágio de dependência absoluta é tão intensa para o terapeuta quanto para o paciente, porque se vivencia, no setting, experiências muito primitivas em que sempre há um nível de sofrimento.

Amélie, portanto, vai construindo uma relação em que introduz Mortícia num mundo subjetivo, em relação ao qual a paciente exerce um controle onipotente, visto ter a ilusão de que suas necessidades são atendidas por sua força mágica criadora (Winnicott, 1982 [1963]). Entre tantas formas de manipular o ambiente e, por conseguinte, Amélie – talvez a que mereça notoriedade – recai sobre sua última tentativa de suicídio, que coincide com o aniversário de sua mãe. Mortícia já havia anunciado que, em todas as vezes em que tentou cometer o ato suicida, sempre foi sua mãe a quem tentou agredir. Fala, reiteradas vezes, que queria que sua mãe a 'enxergasse' e lhe oferecesse os cuidados que nunca lhe prestou. Nessa ocasião, Amélie vai ao encontro de Mortícia no hospital e, ao chegar ao local, Mortícia se atira no chão, como se fosse um bebê. Nota-se, daí o quanto Amélie se coloca nesse lugar de aparecer como produto de criação ilusória de Morticia, que necessita encontrar, no ambiente, as suas necessidades, porque precisa iludir-se de que o mundo contém o que lhe é necessário. Essas repetições da experiência de onipotência é que irão gerar o sentimento de confiabilidade no ambiente (Winnicott, 1982 [1963]).

Nesse mesmo episódio, Amélie segurou as mãos de Mortícia, dando-lhe a sustentação necessária - como preconiza a noção de holding por Winnicott (1990a [1988]) e reiterada por Mello (2008, p. 43) com a passagem da citação: "função primária de segurança e diz respeito ao modo cuidadoso com a qual a mãe se disponibiliza para dar suporte aos processos de subjetivação". A confiança de que Mortícia necessita, nesse momento, diz respeito à sobrevivência da mãe/terapeuta à sua agressividade, o que implica, fundamentalmente, numa não-retaliação. O outro se torna confiável porque permanece vivo e resiste, ali.

Por identificação projetiva, o bebê introduz na mente materna o estado de angústia, o qual ainda não tem representação e que, por isso mesmo, é vivenciado como insuportável. Bion, por similaridade, teoriza, em 1962, os conceitos de continente/conteúdo e de função alfa para falar dessa função materna que segura, contém, desintoxica e confere significado(s) aos estados emocionais iniciais do bebê (Sá, 2009). Nesse sentido, Amelie, ao se colocar como mãe/terapeuta, nesse momento de intensa agressividade decorrente da experiência suicida de Mortícia, cede o corpo às pulsões agressivas dela e, de alguma forma, incorpora as sensações destrutivas de conteúdo projetivo de Mortícia. Segundo Segal (1981), quanto à identificação projetiva: uma parte do ego do paciente é projetado, em fantasia, no objeto, controlando-o, usando-o, e projetando nele suas próprias características.

Daqui, emerge a mais intensa das experiências contratransferenciais dessa relação, visto que Amélie retém os registros da agressão e, antes de entendê-las, coloca-se em situações limítrofes; todas, indubitavelmente, remetem à forma como Mortícia sentia-se, na ocasião da necessidade de dar um fim em sua vida.

Amélie coloca-se, por alguns dias, em situações de suscetibilidade física e psíquica, entretanto, sem saber o quê, de fato, estava ocorrendo em seu comportamento. Tomada por uma sensação de vazio e de finitude, experiencia comportamentos de risco. De acordo com Persano e Ventura (2006), o paciente Borderline suscita respostas contratransferenciais no analista, decorrentes de suas características, situadas entre perturbações no ajuste dos afetos, no controle dos impulsos e na capacidade de representabilidade psíquica. Dessa intensidade de emoções, o terapeuta pode encontrar dificuldades para pensar o material clínico. Mortícia, em estado de fusão com Amélie, projeta a fragmentação de sua alma, a partir da intensa experiência suicida e, por conseguinte, convoca, inconscientemente, Amélie a sentir a incipiência de seu narcisismo, cuja contratransferência é percebida para Rosenfeld (1971 in Persano e Ventura, 2006). Se, na idealização do self, houver invasão por idealizações agressivas, a consequência possível é o surgimento de condutas auto agressivas, que podem comprometer a vida.

O homem de vidro entrega a Amélie um pequeno tesouro. Uma caixa pequena vazia; porém, ao abri-la, revela sua especificidade maior: como feixes luminosos, atravessam os sentidos de Amelie, realizando uma espécie de 'interdição' e a faz perlaborar a experiência do suicídio, como resposta contratransferencial. Ressalta-se, desse ponto em particular, a importância da supervisão na clínica psicanalítica, visto que, à medida que a terapeuta pode entrar em contato com o sofrimento de seu paciente, torná-lo compreensivo, "metabolizá-lo" e, portanto, ascender ao nível representacional, conduz um processo eficaz. O homem de vidro devolve a Amélie sua capacidade de rêverie, correspondendo a um estado mental da mãe, descrito por Sá (2009), como de calma e de receptividade, para sentir e acolher o que lhe chega do bebê, atribuindo-lhe um significado.

A mente materna, em estado de rêverie, pois, cumpre, então, uma verdadeira função de transformação da violência fundamental em estados emocionais toleráveis, que podem, então, ser reintrojetados pelo bebê, assim como a própria função, desenvolvendo-se no seu interior um aparelho para conter as emoções (Sá, 2009). De fato, Amélie, no momento da internação de Mortícia, apenas se fez presente no ambiente, sustentando, como boa mãe, suas pulsões agressivas.

Após esse evento da hospitalização, depois de algum tempo para retornar aos atendimentos clínicos no ambulatório da clínica-escola da universidade, Mortícia volta às sessões e verbaliza que sua mãe vem realizando todos os cuidados que desejou, durante anos de sua vida: recebeu atenção, foi cuidada com devida dedicação e carinho; porém, em seguida, fala que não era sua mãe que estava ao seu lado. Diz que era outra pessoa "encarnada", que estava prestando os cuidados de que necessitava. Em seguida, Mortícia comete um ato falho bastante significativo, quando diz: "tudo aquilo que eu pedia para ti". Ela queria ter dito: "tudo aquilo que falava para você que desejava dela (mãe), aconteceu!".

Em sessões subsequentes, Mortícia vai anunciando à Amélie que nunca pensou que ela estaria próxima, em um momento tão delicado e de intensa necessidade! Relata, diversas vezes, emocionada com o fato da presença de Amélie naquele momento tão crucial, as emoções que experimenta no período de internação e lembra, principalmente, do instante em que Amélie chega ao local e segura suas mãos. Diz que, muitas vezes, a ajuda de que precisa não necessariamente chegaria até ela pelos cuidados de sua mãe real, concreta. Nesse momento, Amélie apenas confirma as sensações de sofrimento pelas quais Mortícia passou, visto que as sentiu de forma intensa e fragmentada, em sua psique. Ao compartilharem momentos de reflexão pós-internação, Mortícia escuta de Amélie a reciprocidade afetiva e, consequentemente, mostra que algo se transforma na relação e adquire extrema importância, visto que o objeto primordial pode ser deslocado para Amélie, que acolhe e desintoxica suas pulsões agressivas, se faz presente sem ser intrusiva e, por conseguinte, oportuniza uma relação materna, como restauradora de suas experiências traumáticas. Parece haver uma viabilidade em trabalhar o luto do objeto primordial, pela transferência. Esse vínculo fortalecido, bem constituído, permite pensar e mesmo operacionalizar a construção de um segundo tempo: o processo de desilusão.

 

Considerações finais

O processo do desiludir-se, verdadeira ascensão à realidade externa, encontra eco com o tema que deste artigo emerge, já que o pedaço nosso de cada sessão é a produção, a sistematização de um espaço potencial, que vislumbre, necessariamente, o verdadeiro self, articulando as experiências subjetivas intolerantes, de modo que possa introjetá-las, através da reconstrução criadora, o que nos certifica, de igual forma, a ampliação dos recursos egoicos. O papel do terapeuta é organizar um campo de interação empática com o paciente, um ambiente de comunicação não necessariamente verbal, mas que promova uma experiência de confiança e, principalmente, do sentimento de sentir-se real, cujo self retoma por um funcionamento mais espontâneo (Winnicott, 1990b [1987]).

A clínica do desiludir-se deve ser compreendida por um rompimento gradual da ilusão de onipotência, desenvolvida na experiência com Mortícia, na fusão na qual se envolveu com a terapeuta, numa díade semelhante a um bebê/ mãe, em que se valorizou, durante o processo clínico, a reconstrução psíquica da paciente, inscrito através da sustentação do olhar, de um setting organizado e pelas intervenções dirigidas, não ao plano dos conflitos e das defesas inconscientes, mas, ao reconhecimento do phátos, da experiência de sofrimento (Bezzerra Junior, 2007). Por isso, ressaltamos que, para essa clínica, a interpretação necessita ser deslocada de seu sentido correlato à neurose clássica.

Para Winnicott (1988 [1956]), a mãe suficientemente boa, necessariamente falível, necessariamente em erro ou inadequada, pressupõe qualidade da presença do objeto: falível, porém inadequado. Disso, é necessário lembrar que, implícito às qualidades relatadas para essa figura suficientemente boa, se faz importante destacar que existe um modo muito especial de estar presente, um modo que promove um duplo movimento de negação: para dentro e, outro, para fora, proporcionando a negatividade dos objetos e estruturando o enquadre psíquico (Figueiredo e Cintra, 2004). Dessa forma, quando se quebra o espelho, inevitavelmente, teremos que nos relacionar com diversas outras imagens, que perpassam a imagem da mãe.

O tempo de um ano e meio do estágio já anunciava o imperativo inevitável da ruptura terapêutica. Em nossos últimos encontros, Mortícia faltou mais do que o habitual. Sabíamos de que nos depararíamos com o término de nosso vínculo. Como já estava sendo acompanhada por tempo significativo no serviço da clínica-escola, Mortícia se dava por conta que a pessoa com quem se vinculou, muito em breve a 'abandonaria' (sic), pois calculava os semestres, aguardando ansiosa por esse momento. Mortícia enfatizava que nenhuma das pessoas com as quais se vinculou no serviço a deixou qualquer contato para seguir sendo acompanhada. Entendemos que Mortícia, com essas palavras, anuncia que não estaria preparada para a ruptura e que, todas as vezes, a lógica que predominava sobre a direção do tratamento era um o movimento institucional contra o qual pouco poderia ser feito no sentido de lhe ofertar a oportunidade de se distanciar da terapeuta em seu momento psicológico. Fez com que Amélie prometesse que deixaria dados de contato para que, quando Mortícia estivesse organizada financeiramente, retomasse os atendimentos. Ela deixou bem claro à Amélie, em uma das sessões finais, que não queria iniciar novo processo de acompanhamento psicológico novamente. Isso reflete algo importante, pois ela conseguiu nomear essa decisão e, Amélie comentou que poderia acompanhá-la, quando assim desejasse e que a questão financeira não seria o problema para interferir nesse processo, entendido por Amélie como o momento mais necessário para que um novo trauma de abandono não tomasse Mortícia com a intensidade que no início, Amélie presenciara.

Fizemos uma reunião de equipe para discutirmos o caso, pois nos exigiu sensibilidade e atenção ao cuidado de Mortícia. Como ela estava sendo acompanhada pelo serviço de Nutrição na clínica, considerou-se importante que a frequência à instituição reforçaria positivamente, pois o ambiente seria como um organizador psíquico onde Mortícia sabia que poderia acionar pelo serviço de psicologia em qualquer momento em que precisasse. Porém, ela nos convenceu de que não iria iniciar novo processo, por ter o meu novo endereço e telefone. Isso foi necessário para que a despedida fosse menos intensa. Mas, claro, vivenciamos uma fase muito triste de desvinculação. Contudo, Amélie sentia que havia um sentimento de luto constituído, e isso foi revelado pelas lágrimas decorrentes da dor do término de um processo. As emoções percebidas por Amélie no início dos atendimentos com Mortícia não se apresentaram da mesma forma nessa nova experiência de ruptura, o que registra a constituição de novos elementos à sua psique, alargando-a e abrindo-se a novas experiências.

Mortícia nunca chegou a procurar por Amélie no consultório privado. Em algumas atividades acadêmicas, Amélie foi até o local e tomou conhecimento de que Mortícia estava bem. Ela estaria realizando movimentos de vida, como por exemplo, a separação conjugal. Tinha perdido alguns quilos e sua aparência a revelava mais jovial. Iniciou atividades profissionais depois de cinco anos sem nenhuma atividade. Os relatos dos técnicos que acompanharam todo o processo de tratamento entre Amélie e Mortícia, salientaram que a Mortícia tinha morrido. Não concretamente, mas que esse nome dado pela Amélie, já não correspondia com o novo momento de vida que construiu.

 

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Submetido: 15/03/2016
Aceito: 28/08/2016

 

 

1 O Projeto para a consolidação deste artigo foi, anteriormente, aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa em 27/09/2011, sob o nº CEP 11/123, e segue todas as resoluções com vistas aos princípios éticos estabelecidos.
2 Queiroz (1999) constrói um entendimento significativo em torno do sentido de pathos entre pensadores gregos, principalmente com o advento do teatro grego. A terminologia pathos, a partir da tragédia grega, revela a existência do homem enquanto ser trágico, sofredor e mortal. Pathos, portanto, para os gregos, deve ser compreendido desde o lugar de uma afecção, em que pressupõe qualidade do ser de poder ser alterado, ainda que ele seja passivo ao processo de padecimento. Seria o significado de sofrimento, padecimento atribuído à condição mortal do sujeito. O teatro grego teria a função de apresentar o sofrimento à sociedade e permitir um processo de reflexão através da retórica aristotélica em que temor e compaixão, alternadamente, são formadores de uma consciência dilacerada, geradora de sentimentos contraditórios. Assim, também pathos adquire status importante para os gregos, visto que ela produz experiência que se adquire, através da dor. Essa experiência está relacionada com vínculo social em que há necessidade de diminuir as paixões do sujeito e civilizá-lo.
3 Coutinho (1998 in Bento e Guimarães, 2008, p. 93) salienta que "no campo do conhecimento, memória é marca, é inscrição do prazer e da dor". Daqui que a escrita do caso em psicanálise toma forma, uma vez que o trabalho se constitui em transformar o prazer bem como a dor da inscrição em escrita. Dessa forma, se evidencia os significados inconscientes das palavras, das ações, das produções imaginárias de um sujeito.
4 Em Laplanche e Pontalis (2004 [1982], p. 514) "o termo transferência designa em psicanálise o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre determinados objetos no quadre de um certo tipo de relação estabelecida com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui de uma repetição de protótipos infantis, vivida com um sentimento de atualidade acentuada. É à transferência no tratamento que os psicanalistas chamam, a maior parte das vezes, transferência, sem qualquer outro qualitativo. A transferência é classicamente reconhecida como terreno em que se dá a problemática de um tratamento psicanalítico, pois, são a sua instalação, as suas modalidades, a sua interpretação e a sua resolução que caracterizam este".
5 Em Laplanche e Pontalis (2004 [1982], p. 102) "o termo contratransferência designa conjunto das reações inconscientes do analista à pessoa do analisando e, mais particularmente, à transferência deste".
6 "Essa noção foi descrita por André Green (1990), psicanalista franco-egípcio, que desenvolveu uma ampla pesquisa sobre as relações de objeto a partir de um outro referencial, que supõe as bases da constituição do aparelho psíquico assentadas sobre a relação com o objeto absolutamente necessário, que para ele é representado pela mãe. Trata-se de um pressuposto que por sua vez norteará sua teorização acerca dos casos-limite, ou Borderline" (Zilberleib, 2006, p. 54). O conceito de objeto absolutamente necessário ecoa com as contribuições de Winnicott (1988 [1956]), em torno do conceito de Preocupação materna primária (grifo dos autores).

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