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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2020

https://doi.org/10.4013/ctc.2020.131.06 

10.4013/ctc.2020.131.06 ARTIGOS

 

Análise do comportamento aplicada: a percepção de pais e profissionais acerca do tratamento em crianças com espectro autista

 

Applied behavior analysis: parent and professional perception about treatment in children with autism spectrum

 

 

Deborah Luiza Dias de Sousa; Annaline Luzia da Silva; Camila Maria de Oliveira Ramos; Cynthia de Freitas Melo

Universidade de Fortaleza

Correspondência para

 

 


RESUMO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) atinge cerca de 70 milhões de pessoas no mundo, assumindo um maior destaque na sociedade, e determinando a necessidade de tratamentos acessíveis e eficazes, principalmente na infância. Nesse contexto, propostas de intervenção baseadas no modelo da Análise do Comportamento Aplicada (ABA) ganham espaço de atuação no Brasil, devido a sua popularização e efetividade em outros países, e por obter resultados cientificamente comprovados. Para agregar informações, a presente pesquisa objetivou identificar a percepção dos pais e profissionais sobre a aplicação da técnica ABA em crianças com TEA. Foi realizada uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa, que contou com 17 participantes (nove profissionais e oito familiares de crianças com TEA), que responderam um roteiro de entrevista adaptado para cada grupo, cujo dados foram compreendidos por meio de análise lexical no software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Os resultados mostram que a ABA viabiliza uma melhora nas habilidades sociais e afetivas de crianças com TEA, ao reforçar comportamentos socialmente aceitos e modificar os não aceitos, reduzindo os comportamentos repetitivos e estereotipias. Conclui-se a importância da ABA como técnica eficiente para o desenvolvimento da criança e sua adaptação na sociedade.

Palavras-chave: transtorno do espectro autista; análise de comportamento aplicado; comportamento infantil.


ABSTRACT

Autism Spectrum Disorder (ASD) affects about 70 million people worldwide, becoming more prominent in society, and determining the need for affordable and effective treatments, especially in childhood. In this context, intervention proposals based on the Applied Behavior Analysis (ABA) model gain scope in Brazil, due to its popularization and effectiveness in other countries, and for obtaining scientifically proven results. To add information, this research aimed to identify the perception of parents and professionals about the application of the ABA technique in children with ASD. An exploratory research with a qualitative approach was carried out with 17 participants (nine professionals and eight family members of children with ASD), who answered an interview script adapted for each group, whose data were understood through lexical analysis using the IRaMuTeQ software (R interface for the Multilingual Analysis of Textes and Questionnaires). The results show that ABA enables an improvement in the social and affective skills of children with ASD by reinforcing socially accepted behaviors and modifying non-accepted behaviors, reducing repetitive behaviors and stereotypes. It concludes the importance of ABA as an efficient technique for the child's development and its adaptation in society.

Keywords: autistic spectrum disorder; applied behavior analysis; childish behaviour.


 

 

Introdução

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento que atinge aproximadamente 70 milhões de pessoas no mundo - 1% da população mundial (American Psychiatric Association [APA], 2013; Organização das Nações Unidas [ONU], 2016; Roane, Fisher, & Carr, 2016). Índices que determinam o aumento de interesse da comunidade acadêmica e de investimentos para a compreensão desse transtorno, com construção de ferramentas de identificação precoce e criação de tratamentos acessíveis e eficazes, principalmente na infância.

Após extensa revisão de conceitos, atualmente é possível configurar o TEA como um transtorno complexo, que possui uma ampla variação de formas, que podem variar quanto à intensidade dos sintomas e prejuízos gerados na rotina do indivíduo (Rosa, Matsukura, & Squassoni, 2019). Engloba um leque extenso de patologias, antes independentes: autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger (APA, 2013).

O Transtorno possui três características persistentes, que podem se manifestar em conjunto ou de forma isolada: (a) dificuldade de comunicação por deficiência no domínio da linguagem e no uso da imaginação para lidar com jogos simbólicos; (b) dificuldade de socialização; e, (c) padrões repetitivos e restritos de comportamento (APA, 2013; Lemos, Salomão, & Agripino-Ramos, 2014; Nascimento & Souza, 2018; Oliveira et al., 2014).

Tais características afetam a capacidade de indivíduos com TEA de funcionar adaptativamente na sociedade, interferindo na integração de crianças com o transtorno dentro da família e da escola, e de adolescentes e adultos na comunidade. Isso porque possuem resistência em iniciar ou estabelecer uma conversa fluida, compreender relacionamentos e ajustar comportamentos para se adequar a um contexto social. Apresentam uma deficiência nos comportamentos comunicativos não-verbais, que consistem na dificuldade em manter contato visual com o outro e na linguagem corporal, compreensão de gestos e expressões faciais. Evidenciam também padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, que se fundamentam em movimentos motores, uso de algum objeto insistentemente e falas estereotipadas ou repetitivas, conhecidas como ecolalias (APA, 2013; Nascimento & Souza, 2018; Roane et al., 2016).

Ao reconhecer as características fundamentais do espectro e os déficits comuns nas habilidades sociais e no comportamento, faz-se necessário contribuir para uma melhor adaptação das pessoas com TEA na sociedade. Para tal, diversas técnicas, de diferentes áreas do conhecimento, têm sido propostas para intervenção e realização de tratamentos em busca, não da cura, mas de auxílio no desenvolvimento das habilidades do sujeito, melhorando suas interações e tornando-os mais independentes em todas as suas áreas de atuação (Ribeiro, 2010).

Tais modelos têm sido objeto de estudos acadêmicos, com discursos frequentemente permeados por ideologias, política e teorias em moda, muitas vezes desconsiderando ou desvalorizando as evidências científicas que respaldem sua efetividade e aplicação social. Defende-se, no entanto, que é papel da ciência lançar o olhar sobre essas possibilidades terapêuticas, dando voz aos seus atores sociais envolvidos - sujeito com TEA, familiares e profissionais, analisando suas potencialidades e entraves.

Entre as abordagens usadas como método de intervenção comportamental no tratamento dos sintomas do autismo está a Análise Aplicada do Comportamento, mais conhecida no Brasil pela sigla em inglês ABA (Applied Behavioral Analysis) (Camargo & Rispoli, 2013; Ribeiro, 2010). Existe uma variedade de metodologias de ensino intensivo da ABA para crianças com TEA, como o Modelo Denver de Intervenção Precoce (Early Start Denver Model), a Intervenção Comportamental Intensiva Precoce (Early and Intensive Behavioral Intervention - EIBI) e o Ensino por Tentativas Discretas (Discrete Trial Teaching - DTT) (Roane et al., 2016; Silva, Barboza, Miguel, & Barros, 2019).

A terapia ABA possui grande suporte científico e tem sido o método de intervenção mais pesquisado e amplamente adotado, sobretudo nos Estados Unidos e no Canadá, para promover a qualidade de vida de pessoas com TEA (Camargo; Rispoli, 2013). Ele busca avaliar, explicar e modificar comportamentos (Cartagenes et al., 2016). A Análise do Comportamento, que se estrutura sobre a ideia de que o comportamento é modelado pelo ambiente por meio das consequências. Desta forma, se um comportamento é seguido de uma consequência favorável (reforço), ele tende a continuar e até aumentar de frequência; mas se o comportamento não é reforçado, ou se o tipo de reforço usado não é mais gratificante, o comportamento tende a diminuir de frequência e até extinguir (Camargo & Rispoli, 2013, Fisher & Piazza, 2015; Nascimento & Souza, 2018, Roane et al., 2016).

As características gerais de uma intervenção baseada na ABA, envolvem identificação de comportamentos e habilidades que precisam ser melhorados, seleção e descrição dos objetivos, e delineamento de uma intervenção que envolve estratégias comprovadamente efetivas para modificação do comportamento. Ao final, a intenção é que as condutas aprendidas e modificadas sejam generalizadas para diversas áreas da vida do indivíduo (Camargo & Rispoli, 2013; Cartagenes et al., 2016; Fisher & Piazza, 2015).

Para tanto, durante as sessões de aplicação das atividades da ABA, o profissional deve realizar manejos comportamentais que são necessários para o desenvolvimento da criança, por exemplo, criar diferentes maneiras de brincar com os brinquedos, elogiar, imitar e reproduzir o comportamento da criança (Shillingsburg, Hansen, & Wrigth, 2018). Deve definir e medir continuamente os comportamentos-alvos, aumentar a motivação por meio de fornecimento variado de reforços (seja algum brinquedo, objeto que a criança goste ou elogios), fornecer instruções claras e diretas, identificar e usar instruções efetivas, reforçar toda vez que a criança se aproximar do comportamento-alvo (modelação), buscar respostas simples em comportamentos mais complexos e por fim, usar métodos explícitos para promover a generalização e a manutenção dos comportamentos, em que os comportamentos alvos sejam reproduzidos em vários contextos da vida da criança (Fisher & Piazza, 2015).

Além disso, a ABA é caracterizada por uma coleta de dados antes, durante e depois da intervenção. O acompanhamento dessas informações serve para analisar o progresso individual da criança e auxiliar na tomada de decisões em relação aos programas de intervenção e as possíveis estratégias que melhor promovem a aquisição de habilidades necessárias para cada criança (Camargo & Rispoli, 2013).

O método pode ser utilizado por diversos profissionais da área da saúde, desde que tenham a credencial de certificação, a Behavior Analyst Certification Board - BACB (Nascimento & Souza, 2018). O sucesso da intervenção depende de várias características principais: início da intervenção (a partir de 2 anos de idade), duração da intervenção (cerca de 2 anos), intensidade da intervenção (entre 25 a 40 horas por semana) e abrangência da intervenção (múltiplos ambientes e múltiplos objetivos de ensino) (Barboza, Costa, & Barros, 2019). No entanto, a intensidade e os custos prescritos associados a esses tipos de intervenções geralmente o tornam inacessível para uma grande proporção da população afetada, principalmente em países em desenvolvimento com pouco apoio governamental, como o Brasil.

Trata-se, portanto, de um método complexo, que promete auxiliar a maior adaptação da criança com TEA ao ambiente familiar, escolar e social, cuja eficácia deve ser constantemente avaliada. Torna-se sine qua non identificar através das experiências dos sujeitos envolvidos de que forma a ABA tem contribuído para o desenvolvimento de crianças com TEA. Tal demanda surge em função do aumento de crianças diagnosticadas com TEA, da necessidade de tratamentos efetivos, comprovados cientificamente, que ofereçam soluções práticas para o desenvolvimento, socialização e adaptação de crianças com TEA. Para agregar informações, a presente pesquisa objetivou identificar a percepção dos pais e profissionais sobre a aplicação da técnica ABA em crianças com TEA.

 

Método

Foi realizada uma pesquisa exploratória, transversal de abordagem qualitativa. A partir dessa, pode-se aprofundar a compreensão sobre determinado grupo social ou fenômeno e explicá-lo a partir de aspectos da realidade que não podem ser quantificados (Gerhardt & Silveira, 2009).

Participantes

Contou-se com a colaboração de 17 participantes, sendo 3 psicólogos, 5 estagiários de psicologia e 1 psicopedagoga que atuam com a ABA (Participantes 1 a 9) e 8 mães de crianças com TEA (Participantes 10 a 17), seguindo o critério de saturação de dados de Sá (1998). Os participantes foram contatados a partir de duas clínicas que possuem os serviços de intervenção em ABA para indivíduos que possuem algum tipo de atraso cognitivo, dentre eles, o TEA. As entrevistas foram realizadas em casa ou nas clínicas. Considerou-se como critério de inclusão para participar dessa pesquisa ser maior de 18 anos, familiar (pais ou responsáveis) de criança com TEA que faça tratamento com ABA há 6 meses ou mais, e que acompanhe o tratamento; ou ser um profissional (formado ou estagiário) que atue com a ABA em crianças com TEA há no mínimo 6 meses.

Instrumentos

Foram utilizados dois roteiros de entrevista semiestruturados. Para os profissionais, foram abordadas as seguintes categorias: (1) Dados sociodemográfico e técnico-profissional; (2) A formação na terapia ABA; e (3) A percepção sobre comportamento obsessivo-compulsivo, comportamento afetivo e habilidade social. O segundo roteiro foi utilizado com os familiares, abordando as seguintes categorias: (1)Do diagnóstico ao tratamento; (2) Percepção sobre o tratamento com ABA; (3) Outros tipos de tratamento e escolarização; e (4) A percepção sobre comportamento obsessivo-compulsivo, comportamento afetivo e habilidade social.

Procedimentos

Após aprovação de Comitê de Etica em Pesquisa, sob o parecer nº 3.215.602, os participantes foram convidados para participar da pesquisa. As entrevistas foram realizadas pessoalmente, de forma individual, com o auxílio de gravador, em local reservado escolhido pelo participante, com duração média de 50 minutos cada entrevista. Os procedimentos seguiram as diretrizes éticas para pesquisas envolvendo seres humanos propostas nas resoluções nº 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde.

Análise dos dados

As entrevistas foram compreendidas por meio do software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), um programa gratuito que busca apreender a estrutura e a organização do discurso, sendo capaz assim de informar as relações entre os mundos lexicais que são mais frequentemente enunciados pelos participantes da pesquisa. Trata-se de um software cada vez mais presentes em pesquisas qualitativas das áreas de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde, que traz dados a serem analisados com um grande volume textual e que buscam maior rigor metodológico (Camargo & Justo, 2013).

As análises foram realizadas em três etapas. Foram realizadas análises lexicográficas clássicas, para verificação de estatística de quantidade de segmentos de texto (ST), evocações e formas; a Classificação Hierárquica Descendente (CHD), para o reconhecimento do dendrograma com as classes que surgiram, onde quanto maior o χ2, mais associada está a palavra com a classe, e desconsiderando as palavras com χ 2 < 3,80 (p < 0,05); e a Nuvem de Palavras, a fim de agrupar as palavras e as organizar graficamente em função da sua relevância, sendo as maiores as que possuem maior frequência.

 

Resultados

Classificação Hierárquica Descendente

O corpus geral foi constituído por 17 entrevistas, 433 segmentos de texto (ST), com aproveitamento de 412 STs (95,30%). Emergiram 15.189 ocorrências (palavras, formas ou vocábulos), sendo 2.292 palavras distintas e 1.196 com uma única ocorrência. O conteúdo analisado foi categorizado em quatro classes: Classe 1 - Comportamento Obsessivo Compulsivo e estereotipias, com 89 ST (20,55%); Classe 2 - Técnicas da ABA, com 110 ST (25,41%); Classe 3 - Desenvolvimento dos comportamentos funcionais, com 114 ST (26,32%) e Classe 4 - Desenvolvimento das habilidades sociais e afetivas, com 120 ST (27,72%) (ver Figura 1).

 

 

Compreende 20,55% (f = 89 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 2,2 (Dois) e χ2= 28,99 (Escola). Essa classe é composta por palavras como "Obsessivo" (χ2 = 24,59); "Ecolalia" (χ2 = 20.28); "Ridigez" (χ2 = 15,35) e "Desorganiza" (χ2 = 04,01).

Nessa classe foram abordadas duas grandes dificuldades das pessoas com TEA: comportamento obsessivo-compulsivo e estereotipias. Foram citadas a rigidez na rotina, ecolalia, estereotipias em relação a movimentos motores, estereotipias de enfileirar objetos, empilhar coisas. Para Fonseca et al (2007) Além de compartilhar características comuns a outros transtornos do "espectro autista", alguns de seus principais sintomas se sobrepõem a outras condições, tais como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

"Sim, as duas crianças que atendo apresentam comportamentos assim obsessivo-compulsivo. A menor, de 3 anos, tem uma rigidez de rotina bem clara. Se eu for lá e não tiver terapia ele se desorganiza, no meu horário. Isso tem melhorado com o passar do tempo". (Participante 8 - Profissional).

"Isso depende de caso para caso, um dos meus pacientes tem o uso obsessivo com o celular. Todos eles apresentam estereotipias, uns mais outros menos". (Participante 3 - Profissional).

"A questão do contato visual, a repetição, ele tem estereotipias diversas, enfileirar objetos, empilhar coisas. [...] Se alguma criança se aproximasse pra brincar, ele tipo dava as costas como se aquela criança não tivesse ali, né? E também fazia isso com outras pessoas". (Participante 14 - Mãe).

"O que eu observei de comportamento obsessivo-compulsivo é a ecolalia, estereotipias em relação a movimentos motores, a criança que eu estou agora ele gosta muito de andar nas pontas dos pés, de fazer um barulhos específicos com a boca e balançar freneticamente os braços". (Participante 6 - Profissional).

"Ele chega até a querer brincar e interagir com as outras crianças, mas não consegue continuar a interação. E ele tem algumas estereotipias como bater palminhas, dar uns gritinhos". (Participante 16 - Mãe).

"Consigo notar alguns comportamentos obsessivos-compulsivos sim. Existe uma quantidade que têm esses padrões, mas se estivermos falando de apego à rotina, a maioria tem. E pode-se notar uma melhora desses comportamentos. O que acontece é que nós não vamos mexer nos comportamentos que não interferem na vida do sujeito, nós só intervimos nos comportamentos que afetam, que atrapalham a vida do sujeito". (Participante 7 - Profissional).

"Vou descrever como topografia e podemos qualificar como comportamento obsessivo-compulsivo [...] a maioria delas tem fixação em reforçadores e tem fixação em uma topografia de comportamento realizado com determinados estímulos. Por isso, é importante trabalhar vários comportamentos com o mesmo estímulo, para que ela não associe que somente aquele comportamento traz o estímulo. Mas apesar delas apresentarem uma rigidez, o tempo de tratamento pode flexibilizar isso". (Participante 4 - Profissional).

Classe 2 - Técnicas da ABA

Compreende 25,491 (f = 110 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 3,96 (Muita) e χ2 = 13,69 (Sempre). Essa classe é composta por palavras como "Buscar" (χ2 = 11,23); "Reforçador" (χ2 = 11,2) e "Brincar" (χ2 = 8,81).

Essa classe mostra que os profissionais tentam utilizar objetos e brinquedos que as crianças já gostam para realizar as atividades. A terapia é lúdica, com brincadeiras que possuem o objetivo de fazer com que a criança se sinta confortável, percebendo a terapia como algo interessante, para assim ter melhor adesão e resultados no desenvolvimento pretendido, sem tornar-se algo cansativo e monótono. Os brinquedos entram como reforçadores para obter a atenção das crianças, quanto maior for a magnitude do reforçador, melhor e maior será o rendimento durante a sessão. Como pode ser observado nos relatos a seguir:

"Sim, noto ele ser muito obcecado por números e brinquedos musicais. Por exemplo, sempre durante o atendimento, o objeto reforçador dele são números de EVA". (Participante 2 - Profissional).

"Essa criança que eu estou há 6 meses, ela tem sinais maiores desses comportamentos. Ela tem um cofrinho onde ela fica tirando e colocando as moedas dentro o tempo todo, o que pode ser usado como reforçador, pois ele gosta muito". (Participante 5 - Profissional).

"Desde que eu comecei a ser aplicadora dele na ABA, a gente começou a trabalhar com coisas mais funcionais, por exemplo, pra ele montar um quebra-cabeça ou então a gente brinca de algo bem social, por exemplo, faço cócegas ou faço ele correr atrás de mim, brincamos de 'achou'". (Participante 2 - Profissional).

"A ABA está sendo muito importante para o desenvolvimento do meu filho, antes ele não conseguia obedecer comandos, mas hoje ele aprendeu a sentar e ficar sentado, melhorou a atenção, melhorou os pedidos, forma de se comunicar. Mas isso só aconteceu quando começou a ABA naturalístico, pois o tradicional era muito ruim, muito regrado, ele se estressava demais e não rendia. O naturalístico ele adora, leva na brincadeira e aprende bem mais. Hoje ele tem mais interesse no outro do que antigamente". (Participante 17 - Mãe).

Classe 3 - Desenvolvimento dos comportamentos funcionais

Compreende 26,32% (f = 114 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 2,27 (Por) e χ2 = 22,59 (ABA). Essa classe é composta por palavras como "ABA" (χ2 = 22,59); "Aprender" (χ2 = 16,32); "Atividades" (χ2 = 14,6) e "Birra" (χ2 = 11,56).

Aqui os participantes falam um pouco de como a ABA foi capaz de promover uma melhora do quadro geral do TEA. Dessa forma, tanto os pais como os profissionais, relatam que pela ABA ser uma metodologia de ensino intensiva, este possibilita observar melhoras em muitos aspectos como em comportamentos incomuns socialmente, ou seja, as "birras", a concentração, a atenção, as habilidades sociais, interação, autonomia e a ampliação do repertório comportamental, onde é possível notar grandes dificuldades dos indivíduos com TEA.

"Ele se desenvolveu muito nesse tempo que estive com ele aplicando a ABA, não tive contato com a AT anterior, então não sei falar da evolução dele, mas ele aprendeu diversos comandos, diversos outros programas, principalmente de imitação. Ele é muito bom em imitação e tudo. Ele avançou demais, a atenção dele agora é muito boa". (Participante 2 - Profissional).

"Melhorou a autonomia, né? Por exemplo, eu tracei alguns objetivos, eu falei que gostaria que ela me ajudasse nessa questão dele se vestir... ele tinha dificuldade pra colocar o sapato e pra tirar e colocar a blusa, e ele já tá fazendo essas coisas, às vezes ele se enrosca um pouco, mas já tá fazendo". (Participante 13 - Mãe).

"Sim! O maior avanço da ABA pra mim foi diminuição das birras e dessa forma ele pode se desenvolver melhor, pois está aprendendo a se comunicar melhor [...] A ABA está sendo muito importante para o desenvolvimento do meu filho, antes ele não conseguia obedecer comandos, mas hoje ele aprendeu a sentar e ficar sentado, melhorou a atenção, melhorou os pedidos, forma de se comunicar". (Participante 17 - Mãe).

"Tenho gostado muito da ABA, principalmente, na parte de comportamento, da educação. Quando é pedido para que fiquem sentados numa mesa eles ficam, antes tinham dificuldades, o brincar, como interagir melhor, agora passam a participar melhor das atividades dos dias". (Participante 10 - Mãe).

"Pouco a pouco ela foi trabalhando e ele já tá expressando muito mais o pensamento dele por desenhos. [...] isso significa muito... porque se ele tá desenhando, se ele tá escrevendo ele se integra mais na escola, ele se integra mais com as emoções dele, porque ele se expressa...". (Participante 13 - Mãe).

"Vejo que a ABA melhorou muito a concentração dela, ajudou ela a conseguir ficar parada, começar e terminar uma atividade. A ABA melhorou demais a comunicação dela e por isso, diminuiu birras e comportamentos auto-lesivos. Ela aprendeu a se organizar melhor para se relacionar com o mundo, ter paciência de terminar uma atividade e tá aprendendo a esperar, mas notei sim melhoras significativas". (Participante 11 - Mãe).

Classe 4 - Desenvolvimento das habilidades sociais e afetivas

Compreende 27,72% (f = 120 ST) do corpus total analisado. Constituída por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 2,39 (Quanto) e χ2 = 18,31 (Afeto). Essa classe é composta por palavras como "Afeto" (χ2 = 18,35); "Desenvolvimento" (χ2 = 12,69) e "Habilidade" (χ2 = 10,00).

Nessa classe, tanto os profissionais quanto os pais mostram que a ABA trouxe aprendizado de comportamentos que as crianças com TEA apresentavam dificuldades. Vale ressaltar que esses são importantes para interação social, como por exemplo responder a ordens, saber se portar socialmente de acordo com o contexto, aumentar o repertório de habilidades sociais, demonstrar afeto, compartilhar objetos, demonstrar comportamentos estereotipados, dentre outros.

"Total, vejo um desenvolvimento no quadro geral do TEA com as duas crianças. Com a pequena mais, porque eu atendo ela a mais tempo. Então tenho mais dados no qual basear as minhas respostas, tanto como repertório social, colaborativo. Ele tinha muita dificuldade em compartilhar os objetos de interesse, em manter contato visual, para fazer atenção compartilhada. Ele tinha algumas dificuldades para imitar. E hoje ele imita muito bem. Ele não falava quase nada. Tinha dificuldade para ecoar e hoje ecoa, emite mandos, faz pedidos, ele nomeia. Já fala frases. Então num período de tempo de outubro para cá eu vi um "Boom" de desenvolvimento, de crescente bem bacana, frutos de muito trabalho que é bem gratificante poder observar as intervenções dando resultados". (Participante 8 - Profissional).

"Sim, notei sim um desenvolvimento, ele se tornou mais aberto a mudanças e diminuiu as estereotipias". (Participante 12 - Mãe).

"Notei um desenvolvimento na habilidade social sim. Notei que ela se sente mais segura no sentido de como se comportar com outras pessoas". (Participante 11 - Mãe).

Verificou-se, de acordo com os relatos acima, que as crianças possuem um comportamento afetivo, principalmente, com pessoas mais próximas do núcleo familiar, por meio de demonstração de carinho, abraços, beijos e querer ficar próximo a pessoa. No entanto, foi observado que durante a terapia, a criança soube demonstrar esse afeto através de outras maneiras, diminuindo os comportamentos socialmente inadequados (birras), e passando a aceitar melhor o afeto vindo de outras pessoas.

"Sim, você é ambiente a mais para a criança e fornece reforçadores, onde ela provavelmente sentirá afeto vai sentir necessidade da sua presença e afeto. Lembro do meu paciente que eu atendia, que ele ia me buscar na porta e sempre dizia 'Tia [xx]'. Quando você vai embora, a criança fica falando para não ir embora". (Participante 3 - Profissional).

"Sim, com a família ele é bem afetivo e comigo ele [criança] também passou a demonstrar mais afeto, dando abraços, pega na mão e coisas do tipo". (Participante 8 - Profissional).

"Sim, é possível notar uma melhora na demonstração de afeto. E não só isso, por exemplo, a gente ensina a nomear sentimentos e identificar os sentimentos e quando eles aprendem ficam mais fácil eles manejarem". (Participante 7 - Profissional).

"Quando eu estou atendendo ele, um dos reforços sociais que eu utilizo é justamente a questão do beijo, do abraço, da cosquinha, do carinho, ele gosta muito. Ultimamente ele tem algumas estereotipias bem acentuadas, por exemplo, quando ele está muito eufórico ele chega a beliscar alguma pessoa que esteja perto dele. E eu tentei, né, tive algum sucesso de certa forma, em impedir que ele fizesse isso, para em vez de ele beliscar, ele fazer carinho na pessoa. Então se ele tá indo beliscar e você falar "não, carinho" ele faz carinho na pessoa. Notei que ele teve um avanço bom com relação a demonstração de afeto, como falei ali em cima"> (Participante 2 - Profissional).

Um dos aspectos no qual os entrevistados percebem que as crianças obtêm maior desenvolvimento é nas habilidades sociais. Essa área manifesta o maior déficit do indivíduo com TEA - na comunicação, interação social e reciprocidade socioemocional.

"Sim, nós começamos a ensinar as habilidades básicas sociais para essas crianças tentando manter contato visual, brincar paralelamente sem nenhum comportamento disjuntivo, buscar o contato físico". (Participante 3- Profissional).

"Consigo notar uma melhora nas habilidades sociais. Com o passar do tempo, as duas crianças passaram a lidar melhor com a troca de profissionais, claro que não é um progresso enorme, mas só de eles estarem receptivos a pessoas novas já mostra um ponto positivo". (Participante 8 - Profissional).

"Sim, sem sombra de dúvidas é possível notar um desenvolvimento da habilidade social, é um dos nossos maiores focos, comunicação e comportamento social". (Participante 7- Profissional).

Nuvem de palavras

Foi analisada a nuvem de palavras obtida por meio dos relatos dos próprios participantes, verificando-se que as palavras mais utilizadas foram: "Criança", "Comportamento", "Contato", "Social", "ABA", "Notar", "Desenvolvimento" e "Estar", demonstrando que um dos maiores desenvolvimentos da ABA é no contato social e comportamental das crianças (ver Figura 2).

 

 

Constata-se que a Nuvem de Palavras corrobora os resultados explanados anteriormente nos discursos dos pais e profissionais que convivem com crianças com TEA, mostrando que a ABA é capaz de promover muitos ganhos à criança, desenvolvendo principalmente as habilidades sociais e comportamentais destas, diminuindo os impactos negativos que o transtorno causa na vida da criança, confirmando a pesquisa realizada por MacDonald et al. (2014).

 

Discussão

Os resultados mostram que entre os déficits de crianças com TEA, as duas maiores dificuldades detectadas por pais e profissionais referem-se ao comportamento obsessivo-compulsivo e estereotipias. Esses comportamentos são constituídos por padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, que se fundamentam em movimentos motores, uso de algum objeto insistentemente e falas estereotipadas ou repetitivas, conhecidas como ecolalias. São marcados pela dificuldade em modificar a rotina, e manutenção de padrões ritualizados. Dessa forma, se alguma modificação for feita, pode trazer grande sofrimento ao indivíduo, pois eles se desorganizam cognitivamente (APA, 2013; Mergl & Azoni, 2015; Nascimento & Souza, 2018; Roane et al., 2016; Zanon et al., 2014). Esses comportamentos são as principais barreiras para a sociabilidade e adaptação da criança com TEA, e por isso representam a principal característica que os pais desejam melhoria.

Os dados mostram que a percepção dos pais e profissionais confirmam o lugar da ABA como método de intervenção que busca identificar, avaliar e modificar comportamentos e habilidades que precisam ser melhorados ou diminuídos (Cartagenes et al., 2016). Reforçam ainda que um dos diferenciais da ABA e que facilita a adesão dos pacientes é que ele envolve aspectos voltados para o brincar e realizar engajamento como, por exemplo, criar diferentes maneiras de brincar com os brinquedos, elogiar, imitar e reproduzir o comportamento da criança (Shillingsburg et al., 2018). A criança percebe e aceita o atendimento pelo modo lúdico que lhe é apresentado, conseguindo aumentar o grau de rendimento e a eficácia da metodologia.

Funciona a partir de um plano individualizado de habilidades para cada criança, para entender quais os comportamentos alvos se desejam alcançar e quais necessitam ser diminuídos. Dentre os principais protocolos a serem seguidos pode-se destacar programas como o contato visual, imitações, comunicação funcional entre outras atividades. A principal característica da técnica ABA é o uso de reforçadores, no caso, o objeto de maior interesse da criança (Camargo & Rispoli, 2013).

Entre os principais benefícios da ABA, pontuou-se o fato de reforçar comportamentos socialmente aceitos, bem como a modificação de comportamentos não aceitos e que atrapalham de alguma maneira a vida desses sujeitos, conforme sinaliza a literatura (Camargo & Rispoli, 2013; Cartagenes et al., 2016; Fisher & Piazza, 2015). Compreende-se que a ABA apresenta muitos ganhos para as crianças com TEA, por ser capaz de fazer com que elas aprendam e ampliem repertórios comportamentais importantes e habilidades necessárias para o seu desenvolvimento e autonomia, ainda que estas possuam dificuldade em aprender (APA, 2013).

A maior parte desse aprendizado relaciona-se a situações básicas do cotidiano, com foco sobre habilidades que elas ainda não possuem, mas são essenciais para o desenvolvimento e interação social, com foco em promover um aumento do repertório social. São trabalhadas a atenção compartilhada, o contato visual, o fato de conseguir ficar sentado numa cadeira sem se levantar, conseguir iniciar e finalizar uma atividade, obedecer a comandos, melhorar o foco em alguma atividade, atender a chamados, interagir melhor com outros, dentre outros (Fisher & Piazza, 2015). Nota-se pelos relatos dos participantes, que a ABA tem sido muito eficiente em auxiliar no desenvolvimento da criança em diversos aspectos e diminuir os déficits, trabalhando o que a criança necessita, de modo lúdico e divertido, por meio do vínculo criado com os acompanhantes terapêuticos (Barboza et al., 2019).

 

Considerações finais

A partir dos resultados obtidos na presente pesquisa, em diálogo com os estudos realizados nas obras de diversos autores que tratam sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a Análise Aplicada do Comportamento (ABA), é possível concluir que os profissionais e pais de crianças com TEA percebem o avanço que este método representa para a intervenção no tratamento de crianças com autismo. Isso se deve, principalmente, ao fato de que eles identificam resultados efetivos em diferentes áreas do desenvolvimento das crianças com TEA, apresentando comportamentos mais adaptativos, o que contribui para a melhora na qualidade de vida da própria criança e de sua família.

As crianças que apresentavam algum tipo de dificuldade em interagir com outros, principalmente fora do seu núcleo familiar, com o tratamento com a ABA foram capazes de apresentar uma melhora no comportamento social, como por exemplo, interagir melhor com outras pessoas, lidar melhor com a troca de profissionais, o que mostra uma abertura para interagir com pessoas mais desconhecidas. Aprenderam a obedecer aos comandos, se expressar melhor, melhoraram atenção compartilhada, dentre outros.

Observou-se ainda que o comportamento obsessivo está presente no relato de pais e profissionais sobre o comportamento de crianças com TEA de diversas maneiras, tais como: obsessão por objetos, ecolalias, comportamentos repetitivos e estereotipias. No entanto, a ABA tem se mostrado capaz também de melhorar esses comportamentos. Além disso, auxilia a criança na apresentação de comportamentos afetivos, ensinando diferentes maneiras de interação.

Ressalta-se que este trabalho vem contribuir para a ciência de forma a ampliar a discussão sobre as potencialidades do ABA no tratamento de crianças com TEA, a partir da percepção dos principais sujeitos envolvidos nesse processo - pais e profissionais de saúde. Possui a limitação de abordar os resultados de forma transversal, e por isso sugere-se que possam ser feitas pesquisas longitudinais, de acompanhamento contínuo, desde o início do tratamento, verificando o processo de evolução. Pontua-se o mérito da presente pesquisa de compreender a temática em profundidade, a partir de diferentes atores sociais envolvidos - profissionais e familiares de crianças com TEA. Espera-se com isso proporcionar uma maior compreensão e estimular o estudo sobre os avanços da ABA no desenvolvimento social, cognitivo e comportamental de crianças com TEA.

 

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Correspondência para:
Cynthia de Freitas Melo
Av. Washington Soares, 1321, Bloco E, Sala E-01 - Edson Queiroz
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E-mail: cf.melo@yahoo.com.br

Submetido em: 29.10.2019
Aceito em: 27.02.2020

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