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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.13 no.2 São Leopoldo maio/ago. 2020

https://doi.org/10.4013/ctc.2020.132.11 

ARTIGOS

 

Sentidos subjetivos de pacientes idosos na hemodiálise

 

Subjective meanings of older patients on hemodialysis

 

 

Josilene Nunes da Silva; Juliana Carneiro Torres; Alessandra Ramos Castanha

Universidade Federal de Pernambuco

Correspondência para

 

 


RESUMO

Muitos idosos com Doença Renal Crônica (DRC) são submetidos à hemodiálise. O tratamento acarreta modificações no cotidiano, além daquelas vividas na velhice. O objetivo do estudo foi analisar como a vivência com a DRC interfere nos sentidos subjetivos produzidos pelos idosos em hemodiálise. O estudo, de abordagem qualitativa, foi realizado com 10 idosos em hemodiálise num hospital universitário. Os instrumentos utilizados foram: questionário sociodemográfico/clínico e entrevista semiestruturada. Os referenciais, metodológico e teórico, foram: a Análise de Conteúdo de Bardin e a perspectiva cultural-histórica de Gonzalez Rey. Os idosos tinham entre 60 e 83 anos: feminino (sete) e masculino (três); tempo de hemodiálise entre um ano e meio e 30 anos. Os aspectos sociodemográficos e clínicos demonstraram: a dependência do suporte familiar e a presença de comorbidades prévias à DRC. Categorias temáticas: Tratamento hemodialítico: sentidos subjetivos ambivalentes; Enfrentamento de contexto vivido: suporte familiar e espiritualidade; O "ser velho". A vivência com a DRC interferiu na produção de sentidos subjetivos dos idosos em hemodiálise através das repercussões no cotidiano, modificando os papeis sociais e os planejamentos para a vida, bem como acarretou sentimentos ambivalentes em torno do tratamento e sobre eles próprios.

Palavras-chave: idoso, envelhecimento, diálise renal.


ABSTRACT

Many older adults with Chronic Kidney Disease (CKD) undergo hemodialysis. The treatment causes changes in daily life, in addition to those experienced in old age. The aim of the study was to analyze how the experience with CKD interferes with the subjective meanings produced by the older adults on hemodialysis. The study, with a qualitative approach, was carried out with 10 older people undergoing hemodialysis in a University hospital. The instruments were: sociodemographic / clinical questionnaire and semi-structured interview. The methodological and theoretical references: Bardin's Content Analysis and Gonzalez Rey's cultural-historical perspective. The older adults were between 60 and 83 years old: female (seven) and male (three); hemodialysis time between one and a half year and 30. The sociodemographic and clinical aspects demonstrated: dependence on family support and the presence of comorbidities prior to CKD. Thematic categories: Hemodialysis treatment: Ambivalent subjective senses; Confronting the lived context: family support and spirituality; The "old being". The experience with CKD interfered in the production of subjective meanings of the older adults on hemodialysis through the repercussions in their daily lives, changing the social roles and plans for life, as well as causing ambivalent feelings about the treatment and about themselves.

Keywords: older adults, aging, renal dialysis.


 

 

Introdução

O envelhecimento humano apresenta-se como um tema atual, visto que a população mundial alcançou longevidade inédita na história. Isso devido ao processo de desenvolvimento de modos de produção de alimentos, avanço na ampliação de saneamento básico, desenvolvimento de tecnologias relacionadas à saúde e implementação de iniciativas públicas governamentais (Tonelli & Riella, 2014; Leite & Araújo, 2017). Atrelada ao aumento da longevidade na população, está a maior probabilidade de acometimento pelas chamadas doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs) (Pereira, Batista, Meira, Oliveira, & Kusumota, 2017), por exemplo, a doença renal crônica (DRC).

As DCNTs são originadas da associação de fatores de risco não modificáveis e fatores comportamentais: os primeiros estão relacionados a componentes genéticos, sexo, idade; e os últimos, derivados de problemas associados ao estilo de vida, podendo ser citados o tabagismo, alimentação inadequada, sedentarismo etc. (Pereira et al., 2017). Novos tratamentos aumentaram a sobrevida das pessoas com DCNTs, entretanto, ao mesmo tempo em que conferem sobrevida, produzem impacto na qualidade de vida (Bastos, Scortegagna, Baptista, & Cremasco, 2016).

A DRC - uma das principais DCNTs - apresenta repercussões globais para a vida da pessoa, sendo o declínio gradual da função renal de início assintomática. Com a progressão da doença renal, os pacientes são encaminhados para avaliação de terapia renal substitutiva (TRS): diálise peritoneal (DP), hemodiálise (HD) ou transplante renal (TR). A HD é o tratamento mais prevalente, ou seja, 90% dos pacientes em TRS no país ingressam na HD, sendo 85% realizados por unidades conveniadas do Sistema Único de Saúde (SUS) (Oliveira et al., 2019).

A maior parte dos idosos acometidos pela DRC e que necessitam de alguma TRS, são submetidos à HD (Oliveira et al., 2019). O tratamento hemodialítico possibilita a sobrevida, pois a máquina de HD substitui a função dos rins, "(...) retirando do sangue as toxinas e os resíduos nitrogenados, para em seguida ser devolvido ao paciente. Essa terapêutica é realizada, geralmente, três vezes por semana, com duração de quatro horas cada sessão" (Frazão et al., 2016, p. 302). Entretanto, a rotina de HD acarreta modificações marcantes no estilo de vida, por exemplo, impondo restrições alimentares e de ingestão hídrica, um esquema medicamentoso ininterrupto e a dependência da máquina de HD que limita as atividades diárias, gerando um cotidiano restrito e monótono (Frazão et al., 2016; Oliveira et al., 2019).

As redes sociais de apoio são imprescindíveis para auxiliar os idosos no enfrentamento das vicissitudes diárias. Elas estão divididas em duas categorias: redes de apoio informal e formal. As primeiras incluem familiares, amigos, vizinhos, associações, igrejas etc., fornecendo apoio emocional e nas atividades cotidianas. Já as formais incluem as organizações sociais formais (instituições, hospitais etc.) e os profissionais da assistência e cuidado (Almeida et al., 2018). Ambas as redes de apoio contribuem para a capacidade adaptativa dos indivíduos, podendo influenciar tanto na saúde dos idosos vinculados às redes quanto a dos próprios familiares (Almeida et al., 2018).

Em relação ao conceito de enfrentamento, ele está relacionado às estratégias conscientes utilizadas para o controle de demandas internas e externas, ocorrendo para minimização de sofrimento físico, emocional e psicológico (Morero, Bragagnollo, & Santos, 2018). Assim, as redes sociais de apoio funcionam como recursos de enfrentamento diante de situações estressoras, na promoção do bem-estar e segurança (Morero et al., 2018).

Isso posto, com a inconstância de energia para enfrentar os percalços em seu cotidiano, tanto os pacientes quanto os familiares buscam meios para compreender, aceitar e minimizar o desgaste gerado pelo adoecimento (Souza, 2018). No Brasil, cerca de 92,6% da população professa uma religião, podendo esta representatividade de crenças estar relacionada ao desenvolvimento da espiritualidade (Leimig et al., 2018). Portanto, é bastante pertinente abordar o assunto no âmbito também da saúde.

Assim, a espiritualidade pode ser compreendida como a forma pessoal de atribuir significados e propósitos à vida através de várias perspectivas: religiosidade e/ou crença em Deus, família, humanismo, artes, racionalismo etc. (Leimig et al., 2018). Já a religiosidade implica em um sistema de crenças, símbolos, rituais e práticas, organizado para a aproximação com o sagrado (Souza, Devezas, & Santos, 2018).

Os idosos possuem peculiaridades na fase da velhice: apresentam mais doenças crônicas e fragilidades, requerem mais custos para sobrevivência, tendo menos recursos financeiros próprios e provenientes do Estado (Veras & Oliveira, 2018). Concomitante a isso, o processo de envelhecer faz parte da dinâmica da vida, sendo inerente a todos os seres humanos e compõe uma experiência singular, diferenciada, associada a fatores biológicos, sociais e psíquicos (Mota, Oliveira, & Batista, 2017). Nesse ponto, é importante elucidar outros conceitos relacionados ao tema:

(...) compreende-se que o envelhecimento e a velhice sejam duas esferas indissociáveis e complementares. Assim, considera-se que o envelhecimento seja um processo sócio vital multifacetado e progressivo que ocorre ao longo do curso da vida, e a velhice seja o estado de ser velho, condição que resulta do processo de envelhecimento que acomete gerações, que o vivenciam com mais ou menos qualidade de vida dentro de contextos sociais, políticos e individuais. Contudo, o envelhecimento é um processo, a velhice é uma fase da vida, e o velho ou idoso é o resultado final (Santana, 2012 citado por Mota, et al., 2017, p.47).

Percebe-se, então, que a trajetória no percurso de vida do sujeito para alcançar a velhice engendra dois aspectos importantes: o primeiro engloba características comuns aos idosos, como sentir-se ativo devido à sabedoria alcançada, e, com o avançar da idade, deparar-se com um período de limitações que podem prejudicar o desempenho funcional (Veras & Oliveira, 2018). O segundo aspecto diz respeito à singularidade da experiência vivenciada de maneira individual, sendo marcada pela subjetividade (Silva, Mafra, Rodrigues, & Barros, 2018).

Nesse ínterim, diferencia-se o conceito de subjetividade de outro largamente utilizado na atualidade: o subjetivismo. Gonzalez Rey (2015) traz a definição de ambos os termos: o subjetivismo está relacionado a ideia de tomar os fenômenos humanos separados das condições da cultura, dando ênfase apenas em sua gênese intrapsíquica. Enquanto a subjetividade rompe com a noção reducionista-organicista, imbuída numa lógica patologizante, avançando para uma "ênfase no olhar voltado às possibilidades da emergência dos indivíduos e grupos sociais enquanto sujeitos de suas experiências de vida" (González Rey, 2011 citado por Oliveira, Goulart, & González Rey, 2017, p.3).

Mediante essa perspectiva, o indivíduo ou um grupo social produz sentidos subjetivos a partir de suas experiências singulares de vida. Essa produção é simbólico-emocional (Oliveira et al., 2017). Dessa forma, González Rey criou a categoria sentidos subjetivos que são constituídos por aspectos simbólicos, articulados com o emocional em um sistema de configurações indissociáveis (González Rey, 2007). Nesse contexto, simbólico refere-se àquilo que por convenção sugere ou substitui algo no sistema de representações das situações vividas.

Segundo González Rey (2003), os sentidos subjetivos produzidos nos contextos vividos podem ser identificados nas experiências autênticas das pessoas em seu cotidiano. Por intermédio dessa compreensão, a subjetividade organiza-se em dimensões que aparecem no plano individual e social simultaneamente, emergindo quando a emoção se torna sensível aos registros simbólicos, dando espaço ao sujeito para produzir sobre o mundo em que vive, em vez de apenas adaptar-se a ele (González Rey & Patiño Torres, 2017).

Os sentidos subjetivos constituem sistemas motivacionais propriamente ditos, permitindo representar o envolvimento afetivo do sujeito com uma atividade e organizam-se em configurações subjetivas. A categoria configurações subjetivas, por sua vez, expressa as redes simbólico-emocionais mais estáveis, condizentes com algum evento, pessoa ou processo marcante em uma dada situação concreta de vida (Oliveira et al., 2017).

O processo de envelhecimento, a fase da velhice e o adoecimento são fenômenos naturais, intrínsecos aos seres humanos, podendo ser exemplificados como configurações subjetivas, pois são eventos no decurso da vida. Desse modo, a velhice pode ser melhor compreendida mediante a perspectiva da pessoa que a vivencia, principalmente quando atrelada a uma situação específica de adoecimento crônico (Silva et al., 2018).

Assim, corrobora-se a relevância desse estudo que tem o objetivo de analisar como a vivência com o adoecimento renal crônico interfere na produção de sentidos subjetivos de pacientes idosos em tratamento hemodialítico. Essa investigação poderá ampliar o olhar para essa população, dando visibilidade à experiência por parte daqueles que a vivenciam.

 

Método

O estudo configurou-se em uma pesquisa descritiva, com caráter exploratório e de abordagem qualitativa, ou seja, tendo como principais objetivos levantar opiniões, crenças e atitudes de uma determinada população cujas informações são interpretadas, desejando-se o entendimento do fenômeno social (Lira, 2014). A pesquisa foi realizada no setor de hemodiálise (HD) de um hospital universitário em Recife - PE, Brasil, cuja capacidade era de 72 pacientes. Os idosos estavam inseridos nesse contexto de tratamento, perfazendo cerca de 38% há época da pesquisa. O referido setor apresentava 12 leitos regulares e dois leitos para pacientes agudos, com três turnos para realização das sessões, diariamente, menos aos domingos. Os pacientes realizavam as sessões em dias alternados. O período de coleta aconteceu entre abril e agosto de 2019.

Participantes

Pacientes idosos, de ambos os sexos, na faixa etária a partir dos 60 anos de idade, como preconizado pelo Estatuto do Idoso (Brasil, 2003). Todos realizavam as sessões de HD no hospital especificado. Nessa pesquisa, o fechamento da amostra deu-se por saturação teórica, ou seja, "(...) interrompe-se a coleta de dados quando se constata que elementos novos para subsidiar a teorização almejada, ou possível naquelas circunstâncias, não são mais depreendidos a partir do campo de observação" (Fontanella et al., 2011, p. 389).

Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram os seguintes: a) Questionário Sociodemográfico e Clínico, com objetivo de caracterização da amostra; b) Entrevista semiestruturada individual, com perguntas que permitiram a abordagem de questões consideradas importantes para o alcance dos objetivos no qual o projeto estava consubstanciado. As questões norteadoras da entrevista semiestruturada foram as seguintes: Fale sobre a hemodiálise na sua vida; Quais sentimentos o (a) Sr. (a) atribui à sua fase de vida atual? Como está sendo envelhecer? Como é seu dia a dia fora do hospital?

Procedimentos

As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, com cada participante, em sala privativa dentro do hospital, utilizando-se de um gravador de voz. Cada entrevistado levou em média vinte e cinco minutos para responder aos questionamentos. Para aqueles com dificuldade de leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, a pesquisadora procedeu com a leitura e explicação sobre a pesquisa antes da gravação de áudio. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital das Clínicas da UFPE/Ebserth, vinculada à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), com base na Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS, 2012). A aprovação pelo CEP aconteceu no dia 12 de fevereiro de 2019 com o CAAE 05440919.4.0000.8807 e número de parecer 3.142.820. Todos os participantes aderiram voluntariamente à pesquisa e assinarem o TCLE, bem como o Termo de Autorização de Uso de Imagem e Depoimento. Garantiu-se ao participante o direito de retirar seu consentimento, interrompendo a sua participação em qualquer fase da pesquisa. O material obtido foi mantido sob sigilo institucional e devidamente arquivado.

A análise dos dados deu-se através do referencial metodológico Análise de Conteúdo de Bardin (Bardin, 2016). As fases contempladas foram as seguintes: 1) Pré-análise - organização inicial na qual esteve incluída a transcrição das entrevistas, na íntegra, e a apreciação do conteúdo encontrado; 2) Exploração do material - estabeleceu-se as unidades de registro (as palavras que exprimiam sentidos subjetivos com conteúdo simbólico emocional, repetidas ao longo das respostas dos entrevistados) e unidades de contexto (relação das unidades de registro, agrupadas por cada questionamento da entrevista) e, assim, selecionadas as unidades de classificação (relação das unidades de contexto com os objetivos do estudo, formando as categorias temáticas); 3) Tratamento dos resultados - momento da inferência e interpretação dos dados. O referencial teórico utilizado foi a perspectiva cultural-histórica proposta por Gonzalez Rey (2003), com ênfase na emergência dos indivíduos e grupos sociais enquanto sujeitos de suas experiências de vida.

 

Resultados e Discussão

A amostra foi composta por 10 idosos: sete mulheres e três homens, com idades entre 60 e 83 anos de idade. Todos os idosos residiam com o núcleo familiar mais próximo e dependiam de seus cuidados, como pode ser visto na Tabela 1:

A Tabela 2 apresentou a continuidade dos aspectos sociodemográficos. Quanto à escolaridade, cinco idosos tinham o Ensino Fundamental, entre completo e incompleto, sendo um não alfabetizado.

Em relação à origem da renda, cinco idosos dependiam de auxílio-doença, recebendo um salário mínimo e, apenas dois, tinham aposentadoria por tempo de serviço, exibindo renda de dois salários mínimos. Contudo, a autoavaliação da situação econômica se deu da seguinte forma: cinco idosos, média; quatro, boa e um, ruim. Concernente ao aspecto religioso, todos professaram uma religião, expressando a relevância dessa dimensão da espiritualidade para esses idosos.

Ressalta-se na Tabela 3, referente aos aspectos clínicos, a caracterização de múltiplos adoecimentos crônicos por pessoa. Em relação ao tempo de HD, nove idosos faziam há seis anos ou menos e um idoso realizava o tratamento há 30 anos.

As Tabelas 1, 2 e 3 mostraram que todos os idosos dependiam de suporte familiar para cuidados decorrentes das comorbidades e situação de tratamento hemodialítico, mesmo que não tivessem dependência financeira exclusiva de outros. Outro dado foi a totalidade dos idosos referir o aspecto religioso e apresentar comorbidades prévias ao adoecimento renal crônico.

Em relação às entrevistas realizadas, foram identificadas três categorias temáticas: (1) Tratamento hemodialítico: sentidos subjetivos ambivalentes; (2) Enfrentamento de contexto vivido: suporte familiar e espiritualidade e (3) O "ser velho".

(1) Tratamento hemodialítico: sentidos subjetivos ambivalentes

Os idosos do presente estudo reconheceram a importância do tratamento para, não só manter a vida, mas também para o controle de sintomas, por exemplo, o descontrole da pressão arterial. Assim, eles discorreram sobre a hemodiálise em suas vidas:

"Sem hemodiálise eu tinha morrido" (Pau-brasil).

"A hemodiálise na minha vida é muito importante. Eu falei que certamente já teria morrido porque eu não urino mais. Como é que eu iria viver sem urinar?" (Pinheiro).

"Bem, eu to me sentindo melhor, neh. Às vezes só é a pressão que baixa um pouquinho, mas eu já sei que é ela e nem me incomodo muito, sabe. É um tratamento muito bom, eu acho" (Castanheira).

Pau-brasil e Pinheiro são categóricos ao atestar a função da HD para a sobrevivência; e Castanheira integra os efeitos colaterais sentidos à rotina de tratamento, pondo em perspectiva o benefício da HD em detrimento do malefício do adoecimento. O convívio rotineiro com doenças crônicas e tratamento contínuo e invasivo, tal qual visto na HD, tem como outras consequências a degradação física e psicológica de pessoas idosas (Silva et al., 2018). Essa afirmação dos autores confluiu com os achados encontrados a seguir:

"Não digo que é doloroso porque na realidade, não sente dor. Mas é cansativo. Você não tem liberdade, pelo menos nessa fase agora, neh. Eu me sinto uma pessoa parada de tudo! (Angelim Vermelho).

"Não é nem boa, nem ruim. Porque venho toda vez pra cá, neh?! Queria ficar em casa mesmo. Eu queria que meus rins fossem bons, neh!" (Jequitibá).

"Muito triste! Porque eu era uma pessoa trabalhadora: fazia as coisas na minha casa, lavava roupa. Nem varrer uma casa, eu varro! Não gosto da minha vida assim... parada! Dá uma agonia muito grande!" (Peroba).

"Minha fia, não acho bom nada! Sofro do intestino, prisão de ventre, nem urino, nem posso tomar água. Tudo isso! Aí... eu vivo nessa situação. Eu me deito na cama e as meninas fura com duas agulhas em cada buraco e puxa as linhas pra cima e eu passo quatro horas de hemodiálise e não aguento mais. Vou fazendo, mas não to aguentando mais... e é muito sofrer!" (Oliveira).

A perspectiva desses idosos acerca do tratamento exprime a insatisfação e o sofrimento através dos sentimentos de cansaço, tristeza, falta de liberdade, estagnação,

agonia e desejo pela volta ao estado de saúde anterior. Outro aspecto são as sensações das dores no corpo, como tão explicitamente atestado por Oliveira ao descrever as furadas das agulhas e o tempo prolongado das sessões. Esses sentimentos com teor de tristeza também foram encontrados no estudo de Ferreira, Agra e Formiga (2017), posto que os pacientes em HD também se sentiam frágeis e submetidos a muitas privações.

A pesquisa de Viana, Boechat, Lugon e Matos (2019) converge com as informações do presente trabalho, no tocante às limitações físicas e emocionais serem semelhantes entre os idosos mais jovens e aqueles com idade próxima dos 80 anos ou mais. Entretanto, em relação à dependência dos indivíduos durante as atividades cotidianas, Viana et al. (2019) encontraram em sua amostra uma pior capacidade funcional nos mais idosos. No presente estudo, a limitação e a dependência estiveram presentes também na maioria dos idosos mais jovens, decorrentes das várias comorbidades apresentadas. Evidencia-se que a velhice, quando acompanhada de agravos crônicos, gera um processo de diminuição da independência e autonomia do indivíduo (Silva et al., 2018).

Dessa forma, a convivência dos idosos com a DRC é atravessada pelo sofrimento psíquico, pois há o rompimento da rotina, da autonomia e independência, fazendo com que se deparem com um novo modo de ser no mundo (Almeida & Palmeira, 2018). Assim, experimentam a ambivalência entre a luta pela vida - integrando as etapas desafiadoras do tratamento - e a reorganização da percepção de si mesmo, a partir de um novo contexto pessoal, social e familiar.

"Eu me acostumei porque eu não passo mal. Pelo menos é um dia que eu saio de casa, embora que seja 'pra' vir 'pro' médico. Mas é um dia que passo fora de casa: saio, dou um passeio. Os companheiros que vem também na van, aí eu não tenho o que dizer. Pra mim é ótimo! Pra mim foi ótimo!" (Figueira).

"Hemodiálise?! Eu fiz um bicho de sete cabeças quando foi pra mim entrar, mas depois que eu entrei, que eu me acostumei, não tenho o que dizer! É boa! Porque as meninas (equipe do setor), aqui mesmo, são boas. Os médicos até hoje, graças a Deus, são muito bons!" (Sequoia).

O cotidiano do tratamento acaba promovendo entre os pacientes um convívio diário, um senso de comunidade onde as experiências são partilhadas, como percebido no relato de Figueira. Já Sequoia expressa que a comunidade dos pacientes renais é muito mais abrangente: engloba também a equipe de saúde. Nesse sentido, é primordial que os profissionais atuantes nos serviços de HD se coloquem à disposição para ouvir os idosos e familiares, adotando um olhar assistencial para além da patologia (Galvão, Matsuoka, Castanha, & Furtado, 2019).

Nas falas dos idosos, distinguiu-se os significados das situações vividas, no contexto partilhado da HD, pela via das emoções identificadas. A característica dessa produção de sentidos subjetivos, em torno do tratamento hemodialítico, demonstrou ambivalência: os idosos compreendiam o papel da HD como mantenedora da vida, mas também, caracterizaram o tratamento como desafiador e limitante.

Essa ambivalência dos idosos diante da HD coaduna-se com a relação dual dos pacientes em relação ao tratamento, encontrada na pesquisa de Galvão et al. (2019, p.669): "ainda que tenham dificuldades com relação ao tratamento, os pacientes buscam meios de segui-lo de forma adequada, pois reconhecem os benefícios do mesmo para a sua condição física". Assim, o tratamento hemodialítico se constitui como um fator relevante nos sentidos subjetivos produzidos por esses idosos.

As vivências dos idosos com a DRC e a HD, no presente estudo, convergem com os dados da pesquisa de Everling et al. (2016): há uma relação direta entre o impacto provocado pela doença na vida do idoso e a forma como este enfrenta a doença e o tratamento. Por conseguinte, as formas de organização subjetiva dos sujeitos reúnem sua história singular e o aspecto social. Entretanto, o sujeito não é diluído no social, ele atua no social de maneira ativa e geradora de sentidos (González Rey, 2003).

O conceito de sentido subjetivo possibilitou compreender essas pessoas como parte de um fenômeno não mais fragmentado, e sim, um sujeito ativo e gerador de subjetivos relacionados diretamente com o espaço social no qual vivem (González Rey, 2003).

(2) Enfrentamento de contexto vivido: suporte familiar e espiritualidade

Cada paciente possui uma maneira própria de enfrentar os medos, as dores, e de tentar integrar as mudanças inevitáveis causadas pela DRC em suas vidas e na reconfiguração de suas rotinas (Souza, 2018). Sobressai nos depoimentos a seguir, o impacto das mudanças ocasionadas pelo adoecimento, confirmando os achados recentes de Almeida, Cerqueira e Rabinovich (2018) no que tange às modificações no estilo de vida impostas pela DRC e HD para o idoso. É possível observar também a reconfiguração familiar para ofertar ao idoso adoecido o aparato de cuidados instrumentais e afetivos necessários, criando uma rede de apoio familiar.

"E eu vou me acalmando porque eu me reclamo muito porque a minha vida como é e como era, mas de todo jeito minha vida não pode ser a que era, num é?! Eu não posso mais ser independente. Tudo é minhas filhas. Tudo é elas que resolvem" (Figueira, Suporte familiar).

"Bem, de manhã eu acordo... sempre cedo. Fico lá sentada esperando o povo acordar pra me dar o café, pra me dar injeção. E os comprimidos, tem que dá, dizem: "- Porque a senhora pode tomar aquele que não é certo". Tem o tempo pra o meu marido se acordar, ele se aposentou por causa da minha doença. Eu vivo assim em diálise, aí tem o cuidado em casa e o cuidado de me levarem pra cá... dia de sábado elas trabalham, aí ele tem de me trazer" (Jequitibá, Suporte familiar).

De acordo com Almeida et al. (2018), o cuidado se constitui como um conjunto de atividades instrumentais, relacionadas à resolução de situações práticas ou operacionais do cotidiano, em prol de beneficiar alguém. Esse aparato de cuidados advém, sobretudo, do núcleo familiar mais próximo, cônjuge e/ou dos filhos, abrangendo as atividades da própria terapêutica e o apoio emocional (Almeida et al., 2018).

Atualmente, as famílias são configuradas não apenas por laços consanguíneos, mas também incluem uniões sedimentadas por sentimentos e valores assumidos para si e para o grupo constituído (Almeida et al., 2018). Apesar das modificações na composição da família, ela é mantida como a principal instituição cuidadora dos idosos e faz parte da rede social de apoio informal (Jacobi et al., 2017).

"Ninguém fala alto, só digo assim, querem controlar a água que eu quero beber e não querem me dar. Porque o comer também eles têm de controlar... a comida: tudo é controlado! Café da manhã é controlado. O almoço é controlado. O café da noite é controlado. Pronto" (Jequitibá, Suporte familiar).

Jequitibá mostra o quanto a família está presente no dia a dia para auxiliar na rotina de cuidados relativos ao controle metabólico da idosa. Pode-se inferir a presença da equipe de saúde como rede de apoio formal na continuidade do tratamento junto à família, com as informações de educação em saúde e recomendações necessárias para o controle de sintomas. Esse depoimento confluiu com o estudo de Bastos, Almeida e Fernandes (2017) no que se refere a importância do suporte familiar como recurso de enfrentamento da doença e das vicissitudes inerentes a mesma (Bastos et al., 2017).

No que concerne ao serviço de HD propriamente dito, ele é uma rede social de apoio formal percebida pelos idosos como um lugar de sociabilidade onde estabelecem relações de ajuda e amizades; muitas vezes sendo um espaço de apoio e segurança, estendido também aos familiares (Bastos et al., 2017). Outro achado importante sobre o enfrentamento do contexto vivido é que muitas pessoas encontram os subsídios, a partir da espiritualidade e vivência da fé, para entender e integrar em sua realidade as vivências difíceis (Leimig, Lira, Peres, Ferreira, & Falbo, 2018; Souza, 2018). Compreende-se, nas falas de Figueira e Angelim Vermelho, as maneiras de lidar com as limitações do adoecimento, sendo a busca através da fé, um dos elementos fundamentais para suportar a inevitabilidade das consequências do adoecimento:

"Eu às vezes me reclamo de mim mesma porque não posso fazer as coisas, que isso é vida de ninguém! Eu me reclamo muito! Mas eu digo: '- Oh, Jesus, mas eu vou parar de reclamar. Tu me conforta pra eu não tá reclamando porque eu sei que tu não gosta!'" (Figueira, Espiritualidade).

"Mas sempre quando a gente bota Deus no comando: Deus, tu tais na frente, o propósito pra mim tu tem. E é muito bom você se sentir assim: sem ta só! (...) É por isso que eu vou levar até o fim. Se vier transplante por aí, eu encaro! O que vier é Deus que ta planejando! É por isso que eu to tranquila. (Angelim Vermelho, Espiritualidade).

Depreendeu-se do discurso das idosas, o papel da espiritualidade como recurso de enfrentamento com significativo potencial terapêutico na vivência diária das dificuldades (Leimig et al., 2018). Assim, a espiritualidade - contemplando aspectos da própria religiosidade - funciona como recurso de enfrentamento de atribulações da vida (Leimig et al., 2018).

"Acerca de vinte e cinco anos, eu conheci o espiritismo. Eu adquiri mais conhecimento ainda, porque eu sou aquele tipo de gente que acha que se eu pratico alguma coisa, eu tenho que estudar aquilo que eu to praticando. E eu leio muito. No momento, eu não to lendo mais porque eu to com dois problemas nos olhos: tenho que fazer duas cirurgias. E eu adoro o espiritismo! Eu me eduquei bastante!Deixei a rebeldia de lado porque até essa fase eu era rebelde, muito rebelde" (Pinheiro, Espiritualidade).

"Só passo mal! Quando eu 'to' tendo tempo, eu durmo bem. Mas tem um tempo que eu me deito e não durmo. Esse é o pior! E... "assanoite" eu dormi. Agora, não sei hoje. Hoje eu vou tomar remédio quando chegar em casa de novo 'pra' ver se faço amanhã (no caso defecar). E assim, minha fia, eu continuo a caminhada 'encangada' com Jesus. Meu pai, me acuda! Meu pai, me socorra! Meu pai, me levante porque eu 'tô' caída! Meu pai, me sustente nas tuas mãos. Meu pai, tem pena de mim! Cuida de mim, Jesus! E devagarzinho eu vou levando" (Oliveira, Espiritualidade).

Para Pinheiro, a vivência da espiritualidade assumiu o teor de aprendizado adquirido através do conhecimento. Isso culminou na ressignificação de experiências de limitação e sofrimento. Oliveira apontou a repetição da rotina de limitações, exacerbando o sofrimento experienciado. Ela tentou superar a realidade atroz através da personificação de um cuidado maior durante uma oração, ou seja, a figura de "Jesus". Assim, buscou tornar a esperança de melhora mais factível.

A seguir, outro relato de Oliveira demarcou com profundidade o sofrimento mediante as condições do adoecimento nas quais estava sobrevivendo.

"Eu como mais dado do que pela minha mão. Porque o braço não tem mais força. Os braços, as pernas, o corpo todo... quando eu caio na cama já caio quase morta. Tem noite que eu me deito e eu digo que eu não vou amanhecer viva. Tem dia que eu passo o dia e digo: meu Deus, hoje eu não vou anoitecer viva. E nessa batalha eu vou. Meu Deus, me ajuda! Me acuda, me ajuda 'pra' eu vencer essa batalha. Porque essa batalha é muito perigosa, é muito grande, é muito..." (Oliveira, Espiritualidade).

Oliveira, mais uma vez, esmiuçou em suas palavras a magnitude de seu sofrimento diante de uma batalha "muito perigosa" e "muito grande" contra os sintomas que tomavam seu corpo, permeando a possibilidade da morte. As pessoas em situação de sofrimento são capazes de contornar um cotidiano cansativo e estressor ao cultivar algum tipo de espiritualidade, experimentando alívio em momentos que outros modos de enfrentamento são insuficientes (Souza, 2018). Mesmo com trajetórias de vida diferentes, os idosos partilharam a magnitude da experiência do adoecimento renal crônico e a convivência no serviço de HD.

(3) O "ser velho"

Destaca-se nas entrevistas, a significação das emoções singulares dentro dos contextos semelhantes de perdas de entes queridos: a conformação resignada diante da inevitabilidade da perda por parte de Sequoia e a tristeza que chegou ao ponto de disparar o choro em Castanheira. Assim, pode-se interpretar os trechos que se seguem a partir do arcabouço teórico de González Rey, no que concerne a cada vivência não se reduzindo a outra, preservando as inter-relações das diferentes emoções em situações simbolicamente organizadas:

"Pra mim, graças a Deus, é até meio difícil dizer isso, mas eu não sinto dificuldade. Até agora, graças a Deus, nunca tive dificuldade... porque... como é que se diz: sofrimento de 'perca' de família, isso aí a gente tem, é claro! Todos nós, neh! Mas... a gente vai levando. E a vida continua!" (Sequoia)

"Eu me sinto triste, neh, porque perder isso tudinho é muito ruim! Só tenho mesmo meus filhos e meus sobrinhos todos que eu tenho. Mas eu me sinto muito ruim porque tem noite que eu procuro assim: meu Deus, não tenho uma mãe, não tenho ninguém, não tenho pai... (choro) Mas eu vou levando a vida assim mesmo, neh, até quando Deus quiser" (Castanheira).

Sequoia e Castanheira lidaram de maneira diferente com as perdas de entes queridos ao longo da vida e com a autopercepção da condição atual. A primeira, compreendeu a existência de perdas de familiares como inerentes a uma longa vida, integrando a existência desse sofrimento à vivência longeva. No entanto, Castanheira expressou um sentimento de tristeza perene pela perda dos pais, sobrepondo-se à satisfação pela presença da família que construiu. Ambas escolheram continuar "levando" a vida, mas imbuídas de emoções diferentes como parâmetro para viver a situação atual.

Assim, o sujeito pode ser criativo em suas opções, capacidade de ruptura e ações, ou seja, a sua ação atual e os efeitos que advém dela são constituintes da própria subjetividade (González Rey, 2003). O sujeito e o social representam estruturas ativas como elementos produtores de sentido: o primeiro, designado como estrutura interna e o segundo, como configuração geradora de sentidos, que não podem isolar-se dos sentidos produzidos no curso da experiência do sujeito (González Rey, 2003).

Nesse ínterim, a experiência da velhice pode ser interpretada por meio da subjetividade, estando referida ao sistema de valores predominantes num período (Mota et al., 2017). Portanto, o consenso predominante sobre a velhice satisfatória é a existência de um equilíbrio tênue entre as limitações e as potencialidades do sujeito para lidar com as perdas associadas ao envelhecimento e os ganhos, poucas vezes realçados nesse processo (Neri, 1993; Braga, 2011 citados por Mota et al., 2017; Dardengo & Mafra, 2018). Nota-se nos depoimentos de Figueira e Oliveira a dissociação entre a velhice e o adoecimento:

"Eu não tenho nem o que falar porque to velha: não penso! Eu só penso porque eu adoeci e fiquei desse jeito. Somente" (Figueira).

"Ah... se não fosse a hemodiálise, se não fosse essas doenças todas, minha fia, eu não tava me sentindo mal da velhice. Mas é muita dor na boca do estômago, nesse peito" (Oliveira).

Ambas as falas das idosas demarcaram a diferenciação entre suas produções de sentidos subjetivos acerca da velhice e das consequências decorrentes do adoecimento. No senso comum, a percepção daqueles que falam sobre a velhice, sem vivenciá-la, é de confundir a própria velhice com a ausência de vitalidade, saúde e presença de negatividade (Silva et al., 2018).

O "ser velho" engendra, em grande medida, classificações e estereótipos não condizentes com a realidade de muitos idosos (Mota et al., 2017). A tendência é formar um juízo de valor a priori, encarando-os como de estrutura rígida de personalidade, tecendo classificações como: "intransigente", "igual a uma criança", "não pode mais escolher por si mesmo", "não tem mais o que viver" (Mota et al., 2017).

O conceito velhice - socialmente construído - também incorpora uma realidade individual, na qual "os atributos pessoais e a influência do meio são decisivos no processo de envelhecer" (Dardengo & Mafra, 2018, p. 18). Salienta-se, na descrição pormenorizada de Oliveira, o percurso feito em busca de uma melhor solução que atendesse às condições específicas de saúde identificadas por ela:

"Eu já fui internada no (Instituição de Saúde)1 de Caxangá, no (Instituição de Saúde): comecei a fazer hemodiálise lá. No (Instituição de Saúde) passei oito meses. De oito meses eu levantei a cabeça pra cima e falei com a Assistência Social de lá pra me transferir pra aqui porque aqui é hospital, né. Eu só vivo morrendo. Só vivo internada e lá não tem internamento: é uma clínica" (Oliveira).

O depoimento de Oliveira, 83 anos, exprimiu um processo ativo no planejamento e execução dos encaminhamentos necessários diante de seu contexto de tratamento. De acordo com González Rey (2003), a categoria de sujeito concerne profundamente com a de participação, posto que sempre está situada na região da prática social, imbricada no reconhecimento do caráter social da subjetividade individual. A principal característica do sujeito em sua atividade consciente é o exercício constante da atividade pensante, reflexiva, entretanto não é um processo cognitivo, mas um processo de sentido (González Rey, 2003).

Nessa perspectiva, as mudanças experimentadas pelos sujeitos em qualquer idade "podem ser lentas ou abruptas, conscientes ou inconscientes, culturais, históricas, sociais, psicológicas ou biológicas" (Mota et al., 2017, p. 50). Um confronto e um diálogo são requeridos entre a situação vivida, presente e passada, além de ser necessária uma visão de futuro renovada, quando as mudanças se tornam conscientes e assumem um sentido (Mota et al., 2017). Torna-se claro, a partir da valorização do momento de envelhecimento expresso por Sequoia e Pinheiro, o entrelaçamento entre os sentidos de autoestima e vivência de mudanças ao longo do tempo:

"É outra coisa que eu não tenho do que reclamar! Eu gosto de mim mesma! (risos) Tem gente que se maldiz por qualquer besteirinha. Qualquer coisa: ai, ai, ai, quero morrer! Eu não! Só vou no dia que Ele me chamar. Não tenho do que reclamar" (Sequoia).

"Ah, eu gosto! É muito importante o envelhecimento! Porque eu adquiri e continuo adquirindo certos ensinamentos; foi muito importante. Só nessa fase é que eu adquiri isso" (Pinheiro).

A partir dos depoimentos acima, a velhice ou o "ser velho" configurou-se como fase de vida valorizada como processo natural e agregador de sabedoria. Sequoia demonstrou um sentido de autovalorização. Pinheiro atestou uma continuidade em seu processo de aprendizado: "eu adquiri e continuo adquirindo certos ensinamentos", enfatizando que a velhice não é sinônimo de terminalidade. "A saúde, física e mental, está muito relacionada à capacidade do sujeito de produzir sentidos ante seus conflitos" (González Rey, 2003, p. 239). Do contrário, pode-se entrar num processo progressivo de desorganização emocional, ocasionando o adoecimento psíquico (González Rey, 2003).

A velhice - assim como a infância e a adolescência - é um tempo de vida construído socialmente, tendo seu significado sofrido variações de acordo com cada sociedade e cada época histórica (Dardengo & Mafra, 2018). Envelhecer não tem uma correspondência necessária com o adoecer, a não ser que haja alguma situação específica de adoecimento (Oliveira et al., 2019). Cada pessoa é singular e desenvolve o seu próprio processo de envelhecimento, relacionado à variação das necessidades, capacidades físicas e sociais que podem ser diversificadas (Mota et al., 2017).

 

Considerações finais

Compreendeu-se, através do estudo, como a vivência com o adoecimento e a experiência da hemodiálise interferiram na produção de sentidos subjetivos dos idosos: eles distinguiam a fase da velhice do estado de adoecimento e buscavam formas de enfrentar as adversidades. Portanto, é indissociável a confluência entre esses fatores como atuantes na singularidade de cada sujeito em si e do grupo social como um todo com características partilhadas.

Na categoria (1) Tratamento hemodialítico: sentidos subjetivos ambivalentes, os resultados encontrados revelaram que o tratamento hemodialítico repercutiu na vida dos idosos. Tanto nesse estudo quanto em estudos correlacionados, a hemodiálise trouxe limitações e interferiu nas atividades básicas e instrumentais da vida dessas pessoas. Foi identificada ambivalência em relação aos sentidos subjetivos produzidos diante da rotina da hemodiálise, ou seja, os pacientes compreendiam o papel da hemodiálise como mantenedor da vida, embora encarassem o tratamento como cansativo, desafiador e limitante.

Na categoria (2) Enfrentamento de contexto vivido: suporte familiar e espiritualidade, sobressaiu-se o suporte familiar tanto como apoio emocional quanto para lidar com as dificuldades vivenciadas no cotidiano. Já a espiritualidade apareceu como recurso para integrar as consequências inevitáveis do adoecimento crônico com a perseverança em continuar a luta pela vida.

Na categoria (3) O "ser velho, verificou-se que não há uma correspondência necessária entre o processo de envelhecer e o de adoecer na perspectiva daqueles que vivenciam a fase da velhice. Salienta-se que a genética e o modo de vida dos sujeitos podem interferir na qualidade das alterações biológicas, fisiológicas, patológicas, cognitivas e socioeconômicas das pessoas durante o curso de vida. A velhice ou o "ser velho" é o produto decorrente do processo de envelhecimento. A idade longeva configurou-se como fase de vida valorizada pelos idosos como processo natural e agregador de sabedoria.

Dessa forma, os entrevistados produziram sentidos subjetivos sobre a realidade vivida, pondo em perspectiva: as consequências dos adoecimentos, inclusive o tratamento hemodialítico, as escolhas feitas no passado e a inevitabilidade de sofrimentos advindos da própria vida. Os sentidos subjetivos organizaram-se em configurações subjetivas, expressando as redes simbólico-emocionais relacionadas à confluência entre o "ser velho", o estar adoecido e o enfrentamento da situação vivenciada dentro da convivência com outros no contexto hospitalar, familiar e social mais amplo.

O aporte teórico do psicólogo cubano Fernando Luís González Rey foi decisivo para que se analisasse os sentidos subjetivos produzidos pelos idosos, englobando a singularidade das vivências, amalgamada com o compartilhamento das relações tecidas no contexto social. Isso porque a teoria assume uma perspectiva dialética dentro de uma representação histórico-cultural, considerando a investigação qualitativa como processo dialógico entre o investigador e o investigado de maneira participativa, ativa e reflexiva.

O estudo tem a relevância de valorizar essa parcela da população como sujeitos ativos dentro do contexto histórico-cultural, colocando em evidência a experiência vivida pelos próprios idosos. Assim, pode-se evitar os estigmas negativos perpetuados sobre essa fase da vida, abrindo momentos de discussão com a equipe de saúde e familiares, no ambiente hospitalar, para debates sobre preconceitos e tabus sobre a velhice.

As limitações que emergiram relacionam-se ao cuidado com a generalização dos dados obtidos, pois tratou-se de uma pesquisa descritiva, com caráter exploratório e de abordagem qualitativa realizada em um local específico da Nefrologia. Outra questão se refere ao número limitado da amostra, mesmo que tenha sido alcançada através da saturação teórica. Isso permite considerar os resultados encontrados apenas para a população do estudo. Dessa forma, é preciso haver adequação na transferibilidade dos dados e análises desenvolvidas para contextos de estudos sobre outras doenças crônicas e em outros âmbitos acerca da velhice.

Ademais, as discussões eliciadas tem o potencial de promover novas perspectivas para os profissionais de saúde sobre a pessoa idosa nas Instituições e o direito delas a participação nos planejamentos em saúde e eventuais tratamentos, bem como a inclusão do apoio de familiares. Estimula-se, também, o fomento a novas pesquisas com essa temática, notadamente, intervenções no campo das Políticas Públicas de Saúde direcionadas aos idosos com adoecimento renal crônico.

 

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Correspondência para:
Josilene Nunes da Silva
Universidade Federal de Pernambuco. Programa de Residência Multiprofissional Integrada em Saúde
Avenida Professor Moraes Rego, 1235
Cidade Universitária, Recife, 50670-901, Pernambuco, PE
E-mail: josilene.silva01@gmail.com

Submetido em: 20.05.2020
Aceito em: 06.10.2020

 

 

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