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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versão On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.6 no.1 Belo Horizonte jun. 2013
ARTIGOS
Conceito e diagnóstico do transtorno de estresse pós-traumático em crianças
Concept and diagnosis of posttraumatic stress disorder in children
Juliana do Nascimento Dutra1; Bruno Kluwe-Schiavon; Rodrigo Grassi-Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil
RESUMO
Muitos estudos apontam que maus-tratos na infância estão associados a inúmeras consequências negativas no desenvolvimento de uma multiplicidade de manifestações clínicas, incluindo o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O quadro sintomatológico é complexo, o que exige um modelo explicativo sobre a síndrome pós-traumática identificada em algumas crianças. O presente estudo visa a) contextualizar historicamente o diagnóstico de TEPT em crianças; b) comparar o modelo proposto por Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu em 1995 e a proposta diagnóstica de TEPT em pré-escolares para o DSM-5; e c) discutir essas alterações em relação aos critérios diagnósticos existentes no DSM-IV-TR. Assim, verificou-se que o modelo proposto no DSM-5 mantém muito das sugestões apontadas por Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu em 1995 e difere significativamente do modelo atual do DSM-IV-TR, principalmente no que diz respeito à inclusão de sintomas que englobam questões de desenvolvimento e alterações afetivas e cognitivas.
Palavras-Chave: Transtorno de estresse pós-traumático, Infância, Trauma.
ABSTRACT
Many studies have showed that childhood maltreatment is associated with several negative consequences in the development and clinical manifestations, including posttraumatic stress disorder (PTSD). The symptomatology is complex, thus requiring an explanatory model of post-traumatic syndrome identified in some children. The present study aims to a) contextualize the diagnosis of PTSD in children, b) compare the model proposed by Scheeringa in 1995 and the DSM-5 proposed diagnosis of PTSD in preschool children, and c) discuss these changes in relation to current diagnostic criteria in DSM-IV-TR. Therefore, the model proposed in the DSM-5 retains many of the suggestions made in 1995 by Scheeringa and significantly differs from the current model of the DSM-IV-TR, especially regarding to the inclusion of symptoms which comprise development issues and affective and cognitive changes.
Keywords: Posttraumatic Stress Disorder, Childhood, Trauma.
Estima-se que, na população geral, em torno de 60% a 90% dos indivíduos serão expostos a eventos potencialmente traumáticos ao longo da vida e, aproximadamente, de 8% a 9% desses indivíduos irão desenvolver transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) (Breslau, Kessler, Chilcoat, Schultz, Davis, & Andreski, 1998). Estudos apontam que o TEPT é o quadro psicopatológico mais comum quando associado à violência (Yehuda, 2002), tendo uma alta incidência na população infanto-juvenil que, geralmente, encontra-se mais vulnerável a essas situações (Breslau, 2002; Ehlers & Clark, 2000).
No Brasil, cerca de 40% da população geral apresenta algum histórico de abuso físico na infância (Zanoti-Jeronymo, Zaleski, Pinsky, Caetano, Figlie & Laranjeira, 2009). Nos Estados Unidos, ocorre mais de um milhão de denúncias todos os anos por suspeita de algum tipo de abuso ou negligência contra crianças de até seis anos de idade (Administration of Children and Families, 2006). Tais dados corroboram estimativas mundiais, as quais apontam as crianças de até quatro anos de idade como as maiores vítimas de violência e homicídio (Organização Mundial da Saúde, 2003). Além disso, os maus-tratos na infância (abuso físico, emocional, sexual, negligência física e emocional) estão associados a inúmeras consequências negativas no desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do indivíduo (Cohen, Brown, & Smailes, 2001; De Bellis, 2005; De Bellis, Hooper, Spratt, & Woolley, 2009; Milot, Ethier, St-Laurent, & Provost, 2010; Perepletchikova & Kaufman, 2010; Springer, Sheridan, Kuo, & Carnes, 2007). Esses dados enfatizam a necessidade de se discutir e avaliar o impacto dos eventos traumáticos, principalmente em relação à nosologia e à caracterização do TEPT infantil, uma vez que essa população pode apresentar sintomas bastante distintos dos adultos (Scheeringa, Zeanah, & Cohen, 2011).
As distinções das manifestações clínicas do TEPT entre crianças e adultos podem estar relacionadas aos diferentes processos do desenvolvimento humano e suas etapas de maturação. Entre esses processos, podemos citar mudanças biológicas (endócrinas, neurológicas), cognitivas (processos de aprendizagem, funcionamento psíquico), contextuais (ambiente familiar, relações primárias) e socioeconômicas (acessibilidade a saúde, educação). Como resultado, uma experiência de extremo estresse suscitará manifestações singulares, desde sequelas emocionais agudas, crônicas ou mesmo uma adaptação positiva pós-evento (resiliência).
Devido a esses processos dinâmicos do desenvolvimento, o TEPT na infância é caracterizado pela diversidade de sintomas e sua associação com comorbidades psiquiátricas (Câmara-Filho, & Sougey, 2001). Por exemplo, o abuso sexual na infância pode estar associado a humor deprimido, excitabilidade fisiológica, quadros alimentares e dissociativos, hiperatividade, dificuldade de concentração e déficit de atenção, enurese e encoprese, entre outros (De Bellis, Hooper, Spratt, & Woolley, 2009; McFarlane, 2010). Todos esses sintomas estão descritos em diversos transtornos presentes na 4ª edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), aumentando a possibilidade de diagnósticos equivocados (Habigzang et al., 2008).
Tentando dar contar das questões envolvidas no diagnóstico do TEPT infantil, alguns pressupostos foram questionados, como: a) a identidade nosológica do TEPT, b) a definição de trauma ou evento traumático, c) as respostas esperadas após a exposição a um trauma específico, d) o curso do desenvolvimento biopsicossocial na infância e e) a falta de dados epidemiológicos e clínicos acerca do diagnóstico. Portanto, o TEPT infantil compreende um campo bastante controverso e de difícil caracterização conceitual.
Como consequências dessas lacunas referentes ao TEPT infantil, observa-se a) uma falta de profissionais bem preparados e atentos às peculiaridades das manifestações clínicas presentes nessa população, viabilizando que tais manifestações clínicas não sejam percebidas e seus efeitos prolongados por anos e b) uma carência de protocolos de terapia com estudos de efetividade (Scheeringa, Wright, Hunt, & Zeanah, 2006). Visto que a maior parte da literatura disponível se concentra no TEPT para adultos e poucos estudos problematizam o diagnóstico do TEPT infantil, o presente artigo busca apresentar os critérios propostos para TEPT na infância para o DSM-5, assim como o modelo teórico no qual tais critérios foram baseados.
Histórico do TEPT infantil
As teorias sobre as respostas a eventos traumáticos se desenvolveram somente na segunda metade do século XIX, através do relato das neuroses histéricas ou conversões. Com as inovações tecnológicas - transportes rodoviários e ferroviários -, houve um significativo aumento no número de acidentes e de pessoas expostas a situações de perigo e estresse. Os sintomas apresentados pelas vítimas de acidentes ou traumas eram classificados como: "orgânicos", notados em trabalhos de John Erichsen e Herman Oppenheim, ou "funcionais", observados em trabalhos de Jean-Martin Charcot, Pierre Janet e Sigmund Freud (Kristensen et al., 2006).
Entretanto, foi apenas no início do século XX, com as guerras de proporções mundiais, que o TEPT começou a ser caracterizado a partir da observação de soldados. Estes apresentavam sintomas que, em um primeiro momento, foram atribuídos a danos neurológicos e, posteriormente, compreendidos como sintomas psicológicos capazes de desencadear reações fisiológicas (American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 1998). Apenas no fim da guerra no Vietnã, quando muitos combatentes retornaram ao seu país de origem apresentando inúmeras queixas relacionadas às lembranças recorrentes de suas vivências traumáticas intensas, é que se consolidou a necessidade da criação de uma categoria diagnóstica que compreendesse as consequências da exposição à guerra e a outros eventos traumáticos. Desse modo, apenas em 1980, o TEPT foi inserido na 3ª edição do DSM, que visava uma avaliação mais descritiva e multiaxial do paciente (Roberts, de Roon-Cassini, & Brasel, 2010).
Conforme Viola, Kluwe-Schiavon, Renner & Grassi-Oliveira (2010), na concepção inicial do DSM-III, o evento traumático foi definido como um estressor catastrófico fora do escopo de experiências esperadas para a vida de alguém.
Essa definição levantou uma discussão entre o que seria considerado ou não traumático, contribuindo para que o TEPT fosse reconhecido como um transtorno psiquiátrico da idade adulta, uma vez que situações extremas e catastróficas (como estupro, tortura, agressão física, combate militar, acidentes de automóveis, exposição à violência de guerra, violência civil e aprisionamento em campo de extermínio) eram consideradas situações incomuns em crianças (American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 1998; Figueira & Mendlowicz, 2003). Esse posicionamento é bastante criticado, principalmente por não abarcar a complexa sintomatologia e situações de exposição observadas em crianças e adolescentes.
Sendo assim, pesquisas subsequentes acumularam evidências de que alguns eventos estressores também poderiam ser desencadeados por situações da vida cotidiana e produzir efeitos comparáveis àqueles gerados pelas vivências de guerra (Viola, Kluwe-Schiavon, Renner & Grassi-Oliveira, 2010). O foco se deslocou de fatores externos (os quais eram representados pelo critério A1, que definia os eventos traumáticos) para fatores internos e subjetivos das pessoas e como estas respondem emocionalmente ao evento traumático específico, culminando na inclusão do critério A2 (resposta do indivíduo deve envolver intenso medo, impotência ou horror) no DSM-IV.
Nas décadas de 80 e 90, surgiram estudos baseados em experiências clínicas que questionaram se o diagnóstico de TEPT até então vigente seria adequado em casos de eventos estressores crônicos ou mesmo para adolescentes e crianças (Scheeringa, Zeanah, Drell, & Larrieu, 1995; Van der Kolk & Courtois, 2005). Em relação à exposição crônica ou única ao estresse, Terr (1991) assinalaram que o tipo de exposição ao evento traumático vivenciado pela criança pode interferir na sintomatologia (Terr, 1991). Crianças que vivenciaram eventos únicos (denominados Tipo I) apresentariam memórias detalhadas e completas do trauma, buscando por explicações e descrevendo percepções distorcidas dos fatos (Borges, 2010). Crianças expostas a eventos crônicos (Tipo II) apresentariam sintomas de negação e entorpecimento psíquico, dissociação, sentimentos de raiva e irritabilidade (Borges, 2010).
A partir dessas diferenciações, estudos subsequentes acerca de traumas Tipo II levaram o comitê organizador do DSM-IV a considerar como correlato ao TEPT o Transtorno de Estresse Extremo sem Outra Especificação (DESNOS) (Viola, Kluwe-Schiavon, Renner & Grassi-Oliveira, 2010). Esse quadro, cujo objetivo é caracterizar sintomas manifestados após a contínua exposição a eventos estressantes, salientou a necessidade de investigar os efeitos adversos que as experiências traumáticas poderiam suscitar no desenvolvimento infantil. Por fim, esses estudos culminaram em uma nova categoria diagnóstica denominada Transtorno de Desenvolvimento Traumático (DTD), que visa caracterizar os sintomas de crianças e adolescentes expostos a maus-tratos, negligência e abusos (Viola, Kluwe-Schiavon, Renner & Grassi-Oliveira, 2010).
Entretanto, sobre o diagnóstico de TEPT em adolescentes e crianças, Pynoos, Steinberg, Layne, Briggs, Ostrowski & Fairbank (2009) salientaram várias peculiaridades em relação ao diagnóstico em adultos e defendem a inclusão de critérios que levem em conta as fases do desenvolvimento infantil para cada cluster do diagnóstico. O diagnóstico de TEPT é dividido em clusters A, B, C, D e F. Os critérios A (A1 e A2) se referem à exposição a um evento traumático, o critério B se refere aos sintomas de revivescência, o critério C aos sintomas referentes a comportamentos de esquiva, o critério D diz repeito a sintomas de excitabilidade, enquanto o C e o F se referem à duração dos sintomas e sofrimento percebido pela pessoa respectivamente.
Quanto ao critério B, referente à revivescência, os autores atentam a necessidade de compreender as brincadeiras e jogos repetitivos das crianças como comportamentos de reconstituição e angústia (Pynoos, Steinberg, Layne, Briggs, Ostrowski & Fairbank, 2009). Apontam também que a perda de interesse em atividades anteriormente prazerosas, desmotivação, estar ou sentir-se só poderiam sugerir sintomas de evitação em crianças, referentes ao Critério C (Pynoos, Steinberg, Layne, Briggs, Ostrowski & Fairbank, 2009). Por fim, sinalizaram que os transtornos de sono, surtos de irritabilidade e raiva, hipotenacidade e hipervigilância são aspectos importantes a serem considerados no Critério D, referente à excitabilidade (Pynoos, Steinberg, Layne, Briggs, Ostrowski & Fairbank, 2009).
No mesmo sentido, Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu (1995) consideram as diferenças desenvolvimentais nas expressões sintomáticas do diagnóstico de TEPT na infância e adolescência (Scheeringa, Zeanah, & Cohen, 2011; Scheeringa, Zeanah, Drell & Larrieu, 1995). O autor e colegas, que constituem parte do corpo editorial do DSM-5, acreditam que a baixa frequência do diagnóstico de TEPT em crianças expostas a severas situações traumáticas - abuso sexual, sequestro, furacões, acidentes e guerras - pode ser devida a dois fatores principais: a) imaturidade cognitiva e perceptual da criança e b) pouca sensibilidade dos critérios diagnósticos (Scheeringa et al., 2011). Em 1995, Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu então propuseram modificações diagnósticas para o TEPT infantil que vêm sendo revisadas e reconsideradas (Scheeringa, Zeanah, Drell & Larrieu, 1995). Contudo, outros estudos empíricos apontam que crianças mais novas expostas a eventos traumáticos têm menos diagnóstico de TEPT em relação a adolescentes, também expostos a eventos traumáticos, quando diagnosticados com o DSM-IV (Egger, Erkanli, Keeler, Potts, Walter, & Angold, 2006). Esses dados corroboram a ideia de que esses critérios precisariam ser revistos e mais ancorados em aspectos comportamentais e desenvolvimentais, principalmente em pré-escolares.
Proposições para o DSM-5
O DSM-5 visa propor uma nova categoria diagnóstica específica para o TEPT na infância, denominada TEPT em Crianças Pré-Escolares, diferenciando-se, assim, do DSM-IV-TR, que apenas acrescenta notas referentes a essa população nos critérios de TEPT. Essa nova proposta diagnóstica irá se fundamentar no modelo de Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu (1995), que propuseram uma nova conceitualização diagnóstica para o TEPT infantil, principalmente para crianças com menos de quatro anos de idade (Tabela 1). Além disso, cabe ressaltar que o próprio entendimento do transtorno será modificado, de modo que o DSM-5 irá conceituar como um transtorno da categoria de Trauma e Estresse, enquanto o DSM-IV-TR entende o TEPT como um transtorno de ansiedade.
Em relação às modificações específicas dos critérios, Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu em 1995 propôs que o critério A (referente à exposição ao trauma) fosse revisado em relação à necessidade da criança vivenciar com intenso medo ou horror o evento traumático, sugerindo a retirada do critério A2. No DSM-5, esses pontos foram levados em consideração, entretanto, os autores discutem a inclusão de dois novos critérios, entendendo que crianças podem ser testemunhas de eventos estressantes ou até mesmo percebê-los como eventos próximos, ou seja, que podem acontecer a familiares e amigos. Cabe colocar que, em relação ao critério diagnóstico de adultos, o TEPT infantil não exigirá o relato de detalhes aversivos do evento. Essas modificações focam a percepção subjetiva da criança sobre o evento, evitando a dicotomização sobre o que seria considerado ou não um evento traumático.
Em relação ao critério B, Scheeringa et al. (1995) propuseram que brincadeiras reencenativas (jogos repetitivos em que aspectos do trauma aparecem associados à agitação motora com ou sem conteúdos relacionados ao trauma) poderiam ser consideradas formas de revivescência do trauma e salientando o sofrimento à exposição ao relembrar o evento. Posteriormente, no DSM-5 as questões relacionadas a brincadeiras foram consideradas e incluídas como critério. Apesar de haver outras semelhanças, o DSM-5 também traz a reatividade fisiológica como critério de revivescência, excluindo o intenso sofrimento à exposição da memória traumática. A justificativa para as mudanças se baseia em estudos que demonstram que memórias em crianças pré-escolares não são necessariamente perturbadoras.
Tanto nas primeiras concepções de TEPT infantil como no DSM-5, no critério C, são apresentados sintomas de esquiva. Ambos os critérios trazem o isolamento social como um importante sintoma a ser observado, entretanto, a proposta de 1995 sugeriu a faixa de afeto restrita e a perda de habilidades desenvolvimentais pré-adquiridas. Esses sintomas não foram incluídos no DSM-5. Porém, essa versão acrescenta alterações no afeto que serão incluídas no critério D (alterações nas cognições e afeto).
Uma das principais diferenças do DSM-5, em relação a todos os transtornos nele descritos, refere-se à inclusão de distorções cognitivas e alterações do humor como critérios diagnósticos. A proposta inicial de Scheeringa mantinha o critério D como sintomas de excitabilidade sem maiores alterações com o DSM-IV-TR, no entanto, o DSM-5 irá propor alterações negativas na cognição e humor associados ao evento traumático. Nesse sentido, sentimentos de medo, culpa, tristeza, vergonha ou confusão, ou ainda redução persistente na expressão de emoções positivas, aparecem como sintomas dessa categoria. Em adultos, os sintomas são diferenciados e ampliados, sendo consideradas crenças sobre si, dos outros e do mundo como: culpa distorcida persistente, própria ou de outros sobre a causa ou as consequências do evento traumático, sensação de distanciamento ou estranhamento dos outros, persistente incapacidade de vivenciar as emoções positivas. Entretanto, esse critério poderá abarcar distorções também presentes em crianças quanto à culpa e sentimentos de ambivalência emocional com o abusador, sendo de grande valia para o planejamento de intervenções psicoterapêuticas.
O critério E apresentado por Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu (1995) aponta o surgimento de novos medos após o evento traumático. Esses medos podem não ter relação direta com o conteúdo do trauma, manifestando-se como medo do escuro ou medo de ir ao banheiro sozinho, por exemplo. Outros sintomas como hipervigilância, problemas de concentração e perturbações do sono, que estavam presentes no critério D proposto anteriormente por Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu (1995), estarão presentes no critério E no DSM-5 como sintomas de excitação e reatividade.
O critério F foi excluído no primeiro modelo proposto por Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu em 1995. No DSM-5, esse critério poderá estar presente caracterizado pela duração das perturbações (sintomas dos critérios B, C, D e E), que deve ser superior a um mês. O DSM-5 ainda acrescenta o critério G, propondo que o transtorno causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no relacionamento com os pais, amigos, irmãos ou outros cuidadores ou comportamento escolar. Esse critério era anteriormente o critério F no DSM-IV-TR, mas excluído pelo primeiro modelo de Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu (1995).
Conclusão
Este trabalho buscou apresentar as principais manifestações em termos de sinais e sintomas relacionadas ao TEPT infantil, baseando-se principalmente no DSM-5 e comparando-o ao modelo proposto por Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu (1995). De modo geral, percebe-se que o DSM-5 acatará sugestões já mencionadas em 1995 por Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu, revisando-as e modificando-as sob a luz de estudos mais recentes sobre trauma. O modelo alternativo proposto por Scheeringa, Zeanah, Drell e Larrieu (1995) apresenta uma avaliação clínica mais acurada em relação às manifestações sintomatológicas do TEPT infantil quando comparado ao DSM-IV-TR. Essa sensibilidade se perpetua no DSM-5, uma vez que este irá manter parte das modificações sugeridas no primeiro modelo, somado a novas proposições clínicas. Entre as mudanças mais significativas estão à concepção de que o evento traumático poderá ser revivido através de jogos e brincadeiras, e a inclusão de distorções cognitivas associadas a sentimentos de culpa e vergonha. Além disso, mais especificamente, existe uma significativa mudança no critério A2, uma vez que não há evidências suficientes de que esse critério afetaria significativamente o diagnóstico, constituindo um desafio até mesmo para o diagnóstico de TEPT em adultos.
Esse aspecto possibilitará um avanço nos estudos sobre o TEPT em adultos e crianças, uma vez que nem sempre a resposta imediata será de intenso medo ou horror, especialmente em crianças, cujo vínculo com o abusador poderá gerar sentimentos ambivalentes. Da mesma forma, no critério B, uma nota será acrescentada em relação às recordações aflitivas mencionadas no DSM-IV-TR, demonstrado que essas memórias não são necessariamente perturbadoras em pré-escolares. O critério C foi bastante modificado no DSM-5, uma vez que irá apontar importantes alterações nas cognições e sistemas de significados.
Compreender essas modificações permite não apenas desenvolver e elaborar intervenções psicoterapêuticas em crianças expostas a situações traumáticas, mas também propor medidas de prevenção e avaliação desse diagnóstico. Entre as medidas de avaliação, o uso combinado de diferentes métodos, como entrevista com a vítima, pais e demais cuidadores, além de observação comportamental, pode ter grande valia no processo diagnóstico do TEPT infantil (Scheeringa, Peebles, Cook, & Zeanah, 2001).
Ainda que pesquisas estejam sendo desenvolvidas para validar alguns desses critérios, essas discussões representam um avanço importante na categorização e entendimento clínico das manifestações do trauma na infância. Esse entendimento também possibilitará uma melhor avaliação do TEPT infantil, levando a redução de tempo entre a identificação e o atendimento psicológico. Diminuindo esse período, os efeitos do trauma podem ser minimizados, evitando a cronificação dos sintomas.
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Recebido em: 19/06/2012
Aceito em: 18/02/2013
1 Contato: grassirod@gmail.com