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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.3 n.1 Florianópolis jun. 2003
ARTIGOS
Criatividade e comprometimento organizacional: suas relações com a percepção de desempenho no trabalho.
Creativity and organizational commitment: their relationship with work performance perception
Carlos Alberto Monsores da FonsecaI; Antonio Virgílio Bittencourt BastosII
IMestre em Administração - NPGA/UFBA (carlosal@bb.com.br)
IIDoutor em Psicologia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia UFBa (virgilio@ufba.br)
RESUMO
No contexto atual, onde a regra nas organizações passou a ser a mudança, deixando cada vez mais longe a estabilidade apregoada pelos economistas neoclássicos, a criatividade, o comprometimento e uma forma adequada de estimular e avaliar o desempenho no trabalho passaram a ser não apenas desejados, mas buscados, empenhando-se as empresas em incorporá-los em sua cultura, Face à inexistência de trabalhos relacionando esses três fenômenos, buscou-se verificar possíveis relações entre o comprometimento organizacional e a percepção de estímulos e barreiras à criatividade no ambiente organizacional com o desempenho no trabalho. O estudo foi conduzido em uma empresa do setor financeiro, atingindo uma amostra aleatoriamente escolhida de 750 funcionários de agências de portes distintos em todo o país. Os dados foram coletados através de um questionário. Os resultados obtidos na investigação confirmaram a hipótese da pesquisa, indicando que, nos ambientes de trabalho em que a criatividade é estimulada e nos quais se encontram níveis significativos de comprometimento organizacional, a percepção de desempenho em relação aos pares é maior do que naqueles em que essas condições não são atendidas.
Palavras-chave: criatividade; comprometimento organizacional; desempenho no trabalho; avaliação de desempenho; inovação e mudança organizacional.
ABSTRACT
Nowadays, as change has become the rule in organizations and the stability proposed by the neoclassical economists is fading away, creativity, commitment and an adequate form to stimulate and appraise work performance are seeked by organizations, which strive to incorporate them to their culture. Due to the lack of research relating those three constructs the purpose of this study was to investigate the relationship between organizational commitment and the perception of stimulant and obstacle factors to creativity in the work environment with the work performance. The research was realized with a random sample of 750 employees of an organization in the financial sector; these subjects were selected from branches of diferent sizes ln the country. The data was collected by means of a questionnarie and the results were analyzed by means of tests of assoclation and regression. They confirmed the hypothesis that the perception one has of his or hers performance in relation to the work group where he or she works is stronger in the environments where creativity in work is stimulated and where significant levels of organizational commitment exist.
Keywords: creativity; organizational commitment; work performance; performance appraisal; innovation; change in organizations.
1. Introdução
Tratar de ternas corno criatividade, comprometimento organizacional e desempenho no trabalho exige que se estabeleça, de urna forma mais precisa, os limites em que se enquadra o trabalho, dada a extensão e complexidade que lhe são inerentes.
Ao se estabelecer urna análise em torno dos fatores que afetam o desempenho no trabalho - no caso, a percepção dos sujeitos da existência de estímulos e barreiras à criatividade e de vínculos de comprometimento em relação à organização - a complexidade aumenta, considerando-se a ausência de pesquisas anteriores que pudessem subsidiar a estruturação de urna análise mais adequada, contribuindo para um maior aprofundamento da análise dos resultados.
Considerando esses dificultadores, essa introdução busca delimitar os fenômenos abordados através de definições e suas principais características, além de apresentar, em conjunto com esse referencial teórico, os principais elementos dos três instrumentos utilizados nessa pesquisa: o ICC - Indicadores de Clima para a Criatividade (adaptado); a escala de comprometimento organizacional desenvolvida por Meyer e Allen (1997); e a GDP - Gestão do Desempenho Profissional (adaptado)1.
1.1 Criatividade
A criatividade, como afirma Bruno-Faria (1996), é um fenômeno multifacetado, envolvendo aspectos individuais (habilidades cognitivas, traços de personalidade) e do ambiente (aspectos facilitadores e inibidores), levando à formulação de urna grande quantidade de definições.
Embora vista corno um fenômeno multifacetado e complexo, a criatividade pode ser definida de forma generalizada. Pode-se dizer que "ser criativo é ver as coisas do mesmo modo que todo mundo vê, mas ser capaz de pensar de forma diferente sobre elas"2. Na acepção de Sternberg e Lubart (1999: 3), ela é entendida como uma "habilidade para produzir um ato que tanto é novo (original, inesperado), quanto apropriado (útil, adaptável às dificuldades das tarefas)". Esse ponto de vista é compartilhado por Amabile (apudGilson; May, 1999: 2) que a define como "a produção do novo e idéias úteis por um indivíduo ou um grupo pequeno de sujeitos que trabalham juntos".
A aplicação do conceito à organização não resulta em alterações expressivas quanto ao seu significado, a não ser quando se reporta à aplicação do produto criativo. Esse fato introduz o conceito de inovação. Alencar (1997) estabelece uma diferença entre os termos, afirmando que a criatividade seria o componente conceitual da inovação, e a inovação, a concretização e aplicação de novas idéias. King (1995) ainda destaca o aspecto público do processo de inovação, em razão do efeito ser voltado mais para os indivíduos da organização do que para o criador da idéia.
Um elemento importante, principalmente para a análise desse trabalho, refere-se à influência do ambiente intra e extraorganizacional sobre a criatividade. Hill e Amabile (apudBruno-Faria, 1996) afirmam que, nas últimas décadas, as pesquisas privilegiaram aspectos individuais da criatividade, ficando o ambiente social em segundo plano. O fato de as organizações não existirem apenas por si, mas estarem inseridas em um contexto, faz com que sejam afetadas pelo ambiente externo3 e, ao mesmo tempo, exerçam influência sobre ele, através de seus produtos e desempenhos organizacionais e mesmo individuais.
Isaksen e outros (2001) chamam a atenção para o fato do ambiente externo, o desempenho e as atividades organizacionais impactarem o clima dentro da organização, entendendo clima como padrões de comportamentos recorrentes, atitudes e sentimentos que caracterizam a vida naquele contexto. Bruno-Faria e Alencar (1996) identificaram, como sinteticamente apresentados no Quadro 1, os seguintes estímulos ebarreiras à manifestação de comportamentos criativos e que são a base para o estabelecimento dos fatores que constituem o instrumento ICC (Indicadores de Clima para a Criatividade).
1.2 Comprometimento organizacional
Meyer e Allen (1997) afirmam que não há um consenso com relação à definição de comprometimento, o que é ratificado por Bastos (1994) ao ressaltar a redundância, ambigüidade e imprecisão dos conceitos existentes nessas definições. Entretanto, na esfera científica, esse autor (1996) assinala que o termo assume o sentido de adesão, indicando um forte envolvimento do indivíduo com os diversos aspectos do ambiente de trabalho. Lahiry (1994) e McNeese-Smith (1996) vêem o comprometimento organizacional como o nível do vínculo psicológico de um indivíduo com a organização. Meyer e Allen (1997) também têm a mesma visão com relação à definição do construto, acrescentando que esse vínculo tem implicação na resolução do empregado em permanecer nela. Para esses autores, o que diferencia as várias definições é a descrição da natureza do estado psicológico, as quais eles rotularam como afetiva, instrumental e normativa. Adotando uma perspectiva multidimensional, desenvolveram uma escala a partir de diversas definições baseadas nesses três estados psicológicos.
A primeira perspectiva abordada na escala refere-se ao comprometimento que resulta de um vínculo afetivo em relação à organização, com o sujeito identificando-se e envolvendo-se com ela. Nessa situação, o empregado permanece na organizaçao porque quer.
A segunda perspectiva diz respeito ao comprometimento que decorre do reconhecimento dos custos em deixar a organização. Refere-se ao comprometimento instrumental uma situação onde os sujeitos permanecem porque precisam.
Por fim, a terceira perspectiva, a normativa, na qual o comprometimento reflete um sentimento de obrigação do sujeito em permanecer na organização.
1.3 Desempenho no trabalho
Azar (1995) afirma que, por muitos anos, a atenção dos psicólogos industriais e organizacionais esteve focada na habilidade cognitiva como um preditor do desempenho no trabalho. De acordo com tal ponto de vista, quanto mais brilhante a pessoa, maior a sua possibilidade de obter sucesso. Entretanto, os pesquisadores têm afirmado que a inteligência contribui apenas para uma parte dos resultados, com a criatividade, liderança, integridade, dedicação e cooperação sendo fundamentais para o desepenho no trabalho. Como afirma Hogan (apudAzar,. 1995), "( ... ) a personalidade, mais do que a inteligência, prediz tais qualidades".
Olivera-Castro, Lima e Veiga (1996: 44) levantaram uma série de variáveis capazes de impactar o desempenho no trabalho, indicando a necessidade de se ampliar a busca da fonte dos problemas de desempenho, conforme pode ser visto no Quadro 2.
Se os fatores que podem influenciar o desempenho no trabalho são diversos, criar sistemas que avaliem o desempenho do indivíduo na organização de maneira eficaz tem sido um desafio.
Tenbrunsel e outros (1996) ressaltam que diversos investigadores têm analisado as estruturas cognitivas envolvidas nos processos de avaliação de desempenho. Outros autores têm vinculado a avaliação de desempenho a pesquisas atitudinais, resultando em análises da influência das avaliações e de feedbacksobre as atitudes.
Diversos são os problemas relacionados com a avaliação de desempenho, como, por exemplo, o efeito halo, a leniência, problemas na comunicação avaliador-avaliado, entre outros.
As mudanças que ocorreram nas organizações - fazendo com que as hierarquias funcionais (com ênfase em controle) passassem a equipes multifuncionais (mais rápidas e horizontais) resultaram numa necessidade de mudança no sistema de mensuração de desempenho. Dessa forma, de um sistema de mensuração com base em resultados financeiros, passou-se a desenvolver sistemas de avaliação de desempenho com indicadores montados pelas próprias equipes. Essa sistemática permitiu o retorno de informações mais adequadas para a correção e melhoria de desempenhos (Meyer, 2000).
Compreendendo a dificuldade gerencial em abandonar indicadores financeiros, Kaplan e Norton (2000) criaram o Balanced Scorecard(BS), o qual permite uma visão rápida e abrangente da organização por juntar indicadores financeiros (os quais demonstram resultados de ações passadas) com três conjuntos de indicadores operacionais (os quais impulsionam o desempenho futuro): satisfação dos clientes, processos internos e capacidade da organização de aprender e melhorar. Esses autores afirmam ainda que o BS vai além da mensuração, por ser "( ... )um sistema gerencial capaz de motivar melhorias drásticas em áreas críticas como produtos, processos, clientes e mercados" (2000:138). Na visão desses autores, o BS faz com que a organização deixe de fazer uma avaliação de desempenho com base em controles de comportamento - gerando uma mentalidade mecanicista da era industrial -, colocando, no centro, a estratégia e a visão. O esperado é que os indicadores congreguem as pessoas em torno de uma visão geral, levando-as a agir da melhor maneira possível para a consecução dos objetivos.
O desafio do presente estudo consiste, exatamente, na tentativa de buscar relações entre três complexos fenômenos que possuem larga tradição de pesquisa, embora isoladas e sem comunicação entre si. Parte-se do pressuposto de que ambientes organizacionais geradores de níveis elevados de comprometimento e estimuladores de comportamentos criativos podem se caracterizar por níveis e qualidade superiores de desempenho. As pesquisas isoladas sobre comprometimento organizacional e criatividade dão suporte a tal pressuposto que embasa o presente estudo.
2. Desenvolvimento da pesquisa
A pesquisa envolveu a investigação de três variáveis principais: a percepção de estímulos e barreiras à criatividade; o comprometimento dos empregados com a organização; e o desempenho no trabalno percebido em relação aos pares.
O objetivo geral foi analisar fatores que afetam o desempenho no trabalho em uma organização do setor bancário, destacando o papel dos estímulos e barreiras à criatividade e do comprometimento organizacional, como preditores de diferentes níveis de desempenho das equipes de trabalho.
Crietlvidade e comprometimento organizactonal: suas relações Com a percep~o de desempenho no trabalho.
Foram levantados os seguintes problemas de pesquisa:
Nos ambientes organizacionais em que os estímulos à criatividade são superiores às barreiras, os indivíduos percebem suas equipes de trabalho como sendo mais produtivas do que naqueles em que a situação é inversa?
Nos ambientes organizacionais onde os índices de comprometimento organizacional são mais elevados, os indivíduos percebem seus pares como mais produtivos do que naqueles em que os índices de comprometimento são mais baixos?
Os indicadores de comprometimento organizacional e desempenho no trabalho são maiores nas agências em que os comportamentos criativos são mais estimulados pelo ambiente?
Dessa forma, a hipótese da pesquisa foi a de que nos ambientes organizacionais em que a manifestação de comportamentos criativos é estimulada e nos quais se identificam índices mais expressivos de comprometimento organizacional, o desempenho das equipes no trabalho é melhor avaliado pelos funcionários do que naqueles em que tais condições não são encontradas.
A pesquisa foi realizada numa empresa do setor financeiro, uma instituição que conta com 7.972 pontos de atendimento, sendo 3.026 agências. Tendo como base uma população de aproximadamente 80.000 funcionários, foram encaminhados 5.478 questionários, com vistas a atingir a amostra necessária de 620. Foram recebidos 750, portanto uma amostra 25% maior do que a necessária. Essa amostra foi composta unicamente por funcionários lotados nas agências bancárias, em razão das atividades serem mais homogêneas e esse segmento comportar o maior número de funcionários da organização.
O instrumento utilizado foi um questionário único, dividido em quatro partes, sendo as três primeiras com perguntas fechadas e utilizando uma escala Likert (1 - discordo plenamente a 5 - concordo plenamente).
A primeira parte foi constituída por uma adaptação do ICC, com uma escala composta por 6 fatores (barreiras: bloqueio a idéias novas; excesso de serviços e escassez de tempo; resistência a idéias novas; - estímulos: incentivo a idéias novas; liberdade de ação; ações da chefia e da organização em apoio a idéias novas). A segunda parte foi constituída pela escala de comprometimento organizacional de Meyer e Allen, traduzida e validada para o contexto brasileiro por Medeiros (1997). Da escala originalmente composta por 3 fatores, utilizaram-se apenas 2 - comprometimento afetivo e comprometimento instrumental -, em razão de se ter verificado, na análise fatorial, que os itens do fator normativo agruparam-se com o fator afetivo ou apareceram com valor negativo. A terceira parte foi constituída por uma adaptação do instrumento GDP - Gestão do Desempenho Profissional4, englobando 5 fatores: estratégia e operações; resultado económico; satisfação do cliente; comportamento organizacional; e processos internos. A quarta e última parte referiu-se aos dados biográficos e funcionais.
A análise dos dados envolveu vários procedimentos estatísticos descritivos e inferenciais, todos realizados através do SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 10.0. Após a criação das variáveis centrais da pesquisa, foram calculadas estatísticas descritivas simples (médias e desvios-padrão), medidas de associação entre variáveis categóricas (teste de qui-quadrado), análises de variância (teste F) para testar associação entre variáveis categóricas e variáveis contínuas. Para a criação das variáveis padrão do ambiente e padrão de comprometimento utilizou-se análise de cluster.
3. Resultados
A apresentação dos resultados da pesquisa segue a seguinte estrutura: apresentação dos dados descritivos da amostra; resultados de cada uma das três variáveis centrais da pesquisa; resultados das relações observadas entre as mesmas; e, por fim. o teste do modelo teórico da pesquisa, buscando-se responder a hipótese que guiou o estudo.
Na análise descritiva realizada, verificou-se que, dentre os respondentes, 71% eram do sexo masculino e 29% do sexo feminino. Quanto ao estado civil. os casados representaram o grupo majoritário (63,9%), seguidos pelos solteiros (27,6%), separados/divorciados (5,7%), viúvos (0,1 %) e outros (2,3%).
Verificou-se uma distribuição bastante próxima de participantes pelas distintas faixas de idade, com ligeira predominância do grulpo de 41 a 45 anos (21%), seguida da faixa de 36 a 40 anos (17%). Quanto à escolaridade, 43,9% possuem superior completo; acrescentando superior incompleto e mestrado chega-se a um índice de 82,1%. Quanto ao tempo de atividade na organização, a amostra concentra-se na faixa de mais de vinte anos, seguida daquela que representa o grupo com menos tempo na organização (até seis meses).
As agências da empresa em análise são segmentadas em quatro níveis5, havendo uma maior participação de funcionários das agências de nível 2 (n=254) e 3 (n=245).
3.1 Estímulos e barreiras à criatividade no ambiente de trabalho
A percepção da população estudada revela uma tendência a considerar que o contexto apresenta mais estímulos à criatividade (3,87) do que barreiras (3,27). Os escores médios e desvios-padrão dos fatores que integram o ICC encontram-se na Tabela 1, a seguir.
Percebe-se, na Tabela 1, que a variável ações da chefia e da organização em apoio a idéias novasfoi a que obteve a maior média (3,96), enquanto que a variável excesso de serviços e escassez de tempoobteve a menor (2,78). Analisando essa variável de bloqueio, verifica-se que os indivíduos têm mais dificuldades em implementar novas idéias do que dificuldades com tempo ou quantidade de serviços para realizar. Outros dois aspectos podem ser ressaltados: o primeiro que, embora os indivíduos percebam a existência de resistências a idéias novas, também notam o apoio fornecido pela chefia em relação a elas, o que as médias claramente demonstram; segundo, a diferença significativa entre as médias já citadas de apoio a idéias novas e excesso de serviços.
Comparando os fatores que compõem os construtos de barreiras e estímulosà criatividade com a escolaridade dos indivíduos, observou-se que o único fator cujo índice de diferença foi significativo foi ações da chefia e da organização em apoio a idéias novas,tendo a maior média (4,1 I) recaído sobre as pessoas que possuem o segundo grau completo. Nesse sentido, o encorajamento por parte das chefias, o apoio da organização são elementos importantes para a estimulação da criatividade (Amabile, 1999; Faria; Alencar, 1996). Para Wagner III e Hollenbeck (1999), é a liderança encorajadora que permite a expressão do "talento criativo".
Para integrar os resultados de cada participante quanto às percepções de barreiras e estímulos, utilizou-se a análise de cluster, cujos resultados encontram-se na Tabela 2. Foi identificado que os participantes se constituíram em quatro subgrupos, com ligeira predominância (36,4%) daqueles que viram mais barreiras do que estímulos à criatividade. Em seguida, com proporções bem próximas (em torno de 25%), aparecem os dois grupos que perceberam seus contextos com muitas barreiras e estímulos (B+ E+) e mais estímulos do que barreiras (B- E+). Na mesma Tabela 2, pode-se observar os escores médios das duas escalas - barreiras e estímulos - de cada um dos subgrupos identificados pela análise de cluster.
3.2 Comprometimento organizacional
As médias gerais de comprometimento afetivo e instrumental demonstraram que os trabalhadores da organização estabelecem um vínculo mais afetivo do que instrumental com a empresa, como pode ser visto na Figura 1.
A partir do mesmo procedimento de análise de cluster foram identificados padrões de comprometimento, considerando as suas bases instrumental e afetiva. Observa-se, na Tabela 3, que os participantes se concentram em dois grupos, com claro predomínio (45,7% da amostra) daqueles que têm elevado comprometimento afetivo e níveis moderadamente positivos de comprometimento instrumental (grupo denominado "duplo comprometimento"). Em seguida, encontra-se o grupo em que predomina claramente o comprometimento afetivo, com baixo escore de comprometimento instrumental (grupo denominado "mais afetivo", com 37,1%). Os dois grupos restantes agregam apenas 8% dos casos, cada um.
3.3 Desempenho no trabalho
As médias gerais de desempenho demonstraram uma percepção das pessoas em relação ao seu grupo de trabalho muito aproximada entre os cinco fatores utilizados para mensurar essa variável da pesquisa, como se observa na Figura 2.
O cruzamento dos fatores de desempenho com a variável nível atual da agênciaapresentou diferença significativa em todas as médias, como pode-se observar nos resultados da análise de variância constante na Tabela 4. Os sujeitos que tiveram uma percepção mais favorável em relação à sua equipe de trabalho quanto aos itens analisados foram os que pertenciam às agências categorizadas como nível quatro.
Considerando-se que, em geral, na medida em que sobe o nível da agência, menor o número de funcionários, vale considerar a afirmação de Wagner III e Hollenbeck (1999), os quais afirmam que o tamanho do grupo pode ter um efeito positivo sobre a produtividade. Esses autores afirmam que o fato de pequenos grupos possuírem menos pessoas resulta em um menor número de interferências mútuas e menor congestionamento do espaço físico. A possibilidade de distrações, em geral, também é menor, com menos influência sobre a seqüência de comportamentos importantes para o resultado da tarefa. Há menos necessidade de coordenação, diminuindo o dispêndio de tempo e energia necessários para a conservação do grupo. Outro aspecto, é que o mascaramento social se torna menor, porque fica mais fácil observar os comportamentos dos membros. Por fim, a percepção de vínculo de responsabilidade em relação à tarefa é maior do que nos grandes grupos, onde o escapismo em relação à atividade é mais acentuado.
3.4 Associação entre padrões do ambiente criativo e percepção do desempenho
Ao se verificar a associação entre padrões de avaliação do ambiente para a criatividade - aqui, denominado padrões do ambiente criativo - e desempenho no trabalho, observou-se, através da análise de variância (vide Tabela 5) uma associação estatisticamente significativa entre a percepção do ambiente e todas as sub-escalas de avaliação do desempenho da equipe. E, de forma consistente, os funcionários que avaliam o ambiente como mais estimulador do que restritivo à criatividade (B- E+) apresentam os maiores escores em quase todos os fatores de avaliação de desempenho. Essa avaliação é muito próxima daquela feita pelo grupo que vê o ambiente tanto como estimulante quanto inibidor da criatividade (B+ E+). O grupo que percebe o ambiente como pouco estimulador e restritivo (B- E-), por outro lado, faz as avaliações mais críticas do desempenho dos colegas de equipe.
3.5 Associação entre padrões do ambiente criativo e níveis de comprometimento afetivo e instrumental
Ao se associar padrões do ambiente criativo com os níveis de comprometimento afetivo e instrumental, verificou-se,como se vê na Tabela 6, que há uma associação significativa entre percepção do ambiente e comprometimento afetivo, o que nao ocorre em relação a comprometimento instrumental. Os funcionários que tendem a ver o ambiente com mais barreiras e mais estímulos apresentam o escore médio mais elevado de comprometimento afetivo, seguidos daqueles que vêem o ambiente como tendo mais estímulos do que barreiras.
Em um dos estudos realizados por Livingstone, Nelson e Barr (1997), foi identificada uma relação direta entre demanda por comportamentos criativos e comprometimento. Dessa forma, na medida em que incorria um aumento na demanda por criatividade, o comprometimento também aumentava. Yong (apudBruno-Faria, 1996) apresenta um posicionamento que é complementar a este, afirmando que o reforço para a expressão de comportamentos criativos que as pessoas criativas recebem no ambiente de trabalho resulta em um maior comprometimento com a organização.
3.6 Associação entre padrões de comprometimento e percepção do desempenho
A Tabela 7 apresenta resultados da análise de variância para testar a associação entre padrões de comprometimento e percepção do desempenho da equipe, nos seus diferentes fatores. Em todos os fatores, as diferenças observadas foram estatisticamente significativas. Ao se associar padrões de comprometimento e percepção do desempenho, percebe-se que todas as avaliações mais positivas referem-se àqueles que possuem um padrão mais afetivo do que instrumental de comprometimento com a organização. As segundas maiores médias estão associadas com o padrão duplo comprometimento.
E interessante ressaltar que as médias dos indivíduos duplamente descomprometidos e dos que possuem um comprometimento mais instrumental são praticamente as mesmas e sempre mais baixas.
3.7 Associação entre padrões do ambiente criativo, padrões do comprometimento e desempenho no trabalho
Ao se analisar as relações entre as três variáveis centrais da pesquisa - padrões de comprometimento, padrões do ambiente criativo e desempenho no trabalho(Tabela 8) -, venficou-se que as pessoas que percebem um melhor desempenho da sua equipe, são aquelas que possuem um comprometimento mais afetivo com a organização e que, simultaneamente, percebem mais estímulos à criatividade no seu contexto de trabalho.
As duas menores médias obtidas estão associadas, uma delas, com duplo descomprometimento e baixos índices de barreiras e estímulos à criatividade; e, a outra, com comprometimento mais instrumental e também baixos índices de barreiras e estímulos à criatividade, O fato de o indivíduo perceber mais estímulos criativos no ambiente, independentemente de ter percebido menos ou mais barreiras, está associado a uma percepção de melhor desempenho da equipe de trabalho, com exceção daqueles que possuem um comprometimento mais instrumental
3.8 Análise de regressão (teste do modelo)
Com a finalidade de se avaliar as hipóteses apresentadas no presente trabalho - análise de possíveis relações entre criatividade e comprometimento organizacional com o desempenho no trabalho - utilizou-se a regressão múltipla, método padrão, na qual todas as variáveis independentes são consideradas na equação e são avaliadas em razão do que cada uma adiciona à predição da variável dependente. A finalidade deste tipo de análise é identificar o menor número de variáveis preditoras necessárias para predizer a variável critério (Tabachnick; Fidell, 1996).
A primeira regressão envolveu, como variável independente, as variáveis biográficas, funcionais e as que compõem os construtos criatividade e comprometimento organizacional; como variável dependente, as que compõem o construto desempenho no trabalho.
Dentre as variáveis independentes incluídas na análise, seis se revelaram como preditoras do desempenho no trabalho, contribuindo, em conjunto, com 46,5% da variância (R2m).
Ações da chefia e da organização em apoio a idéias novasapresentou uma relação positiva com a variável critério, indicando que, quanto maior o suporte obtido, maior a percepção quanto ao desempenho no trabalho da equipe.
Alguns autores abordam a importância do suporte recebido no ambiente de trabalho e sua influência sobre o desempenho. Swanson e Holton III (1999) afirmam que um dos preditores de desempenho é o incentivo a sugestões de empregados, constituindo-se como um dos direcionadores de desempenho vitais para o sucesso da organização. Lynch e outros (1999) e Armeli e outros (1998) também ressaltam a importância do suporte organizacio.nal sobre a performance dos funcionários.
A variável incentivo a idéias novasapresentou uma relação positiva com a variável critério, indicando que, quanto maior o incentivo recebido, maior a percepção de desempenho em relação à equipe de trabalho.
A variável biográfica escolaridadeapresentou relação negativa com a variável critério, indicando que, quanto maior a escolaridade, menor a percepção de desempenho em relação ao grupo de trabalho.
Resistência a idéias novasapresentou relação positiva indicando que, quanto maior a percepção quanto a resistências na implantação de novas idéias, maior a percepção quanto ao desempenho na equipe de trabalho.
Função comissionadatambém apresentou relação positiva, indicando que ser comissionado aumenta a percepção quanto ao desempenho.
A variável comprometimento afetivoapresentou relação positiva, indicando que, quanto maior este comprometimento, maior a percepção quanto ao desempenho da equipe.
Glomb e Hulin (1999) afirmam que, além do suporte organizacional (aqui, entendido como salário, oportunidades de treinamento e benefícios) recebido pelo empregado, uma outra resposta cognitiva que tem implicação direta sobre o desempenho é o comprometimento organizacional. Meyer e Allen (1997) também ressaltam que diversas pesquisas têm demonstrado que empregados com um forte comprometimento afetivo têm um desempenho melhor em seus trabalhos do que aqueles com um fraco comprometimento.
4. Conclusão
O propósito principal do presente trabalho foi o de verificar se em ambientes em que a criatividade é estimulada e em que se encontram níveis significativos de comprometimento organizacional percebem-se índices elevados de desempenho no trabalho.
Para atingir esta finalidade, utilizou-se a percepção das pessoas quanto ao desempenho da sua equipe de trabalho, sem a preocupação de verificar o desempenho da dependência em termos de negócios realizados.
O primeiro problema indaga se, nos ambientes organizacionais onde os estímulos à criatividade superam as barreiras, a percepção de produtividade por parte das pessoas da equipe é maior do que naqueles em que a situação é inversa. Os dados obtidos indicam uma concordancia nesse sentido. Não só a média geral de desempenho associada a este padrão de ambiente criativo (baixo índice de barreiras e alto índice de estímulos) foi a maior média obtida, mas também todas as médias (menos uma) dos fatores que o compõem foram maiores.
O segundo problema, semelhante ao primeiro, também aborda a percepção do sujeito em relação ao grupo de trabalho, apenas alterando a variável preditora para comprometimento. Dessa forma, a indagação diz respeito a se a percepção de um desempenho é maior quando os índices de comprometimento organizacional obtidos são mais elevados do que quando são mais baixos. Novamente, os dados indicaram concordância, com as maiores médias associadas ao padrão de comprometimento mais afetivoe as segundas maiores médias ao padrão duplo comprometimento.
A indagação que constitui o terceiro problema levantado refere-se a se nos ambientes de trabalho em que os comportamentos criativos são mais estimulados os indicadores de desempenho e comprometimento são maiores. Os dados, mais uma vez, indicaram concordância. Os maiores desempenhos estao associados aos indivíduos que mais percebem estímulos à criatividade e possuem o padrão de comprometimento mais afetivo.
Os resultados obtidos fornecem evidência de que a hipótese levantada neste trabalho é sustentável. Ou seja, nos ambientes em que os comportamentos criativos são estimulados e onde os índices de comprometimento organizacional são mais altos, a percepção de desempenho em relação às equipes de trabalho é maior do que naqueles em que aquelas condições não são encontradas. Há, contudo, que se ponderar sobre as possíveis relações entre os três fenômenos estudados - comprometimento, criatividade e desempenho - sobretudo por tê-los mensurado a partir de percepções e julgamentos dos trabalhadores. Análises estatísticas avançadas, em estudos posteriores, devem explorar em que medida essas três categorias de cognições não integram um construto de ordem superior.
Um aspecto interessante observado nos resultados refere-se à variação de determinadas médias (estímulos à criatividade, barreiras à criatividade, comprometimento afetivo e desempenho) em relação ao nível da agência. Verificou-se que, quanto menor a agência, maior as médias obtidas com relação a estímulos e barreiras à criatividade e comprometimento afetivo e instrumental. Uma resposta possível para isso é que quanto menor o grupo de trabalho, maior a possibilidade de coesão entre as pessoas.
A partir da análise de regressão realizada, foram identificados seis preditores para a percepção do desempenho da equipe no trabalho. O principal preditor encontrado foi ações da chefia e da organização em apoio a idéias novas,o qual explicou 42% da variância total.
O comprometimento afetivo também foi um dos preditores para desempenho no trabalho. Em um trabalho anterior realizado na mesma organização, Campos (1998) identificou a dimensão afetiva como o vínculo mais forte entre os funcionários e a organização. Contudo, ao contrário de seu estudo, as medidas não indicaram um padrão tridimensional.
Todo trabalho tem suas limitações e este não fugiu à regra. Um dos maiores problemas enfrentados diz respeito à complexidade e diversidade das variáveis envolvidas quando se aborda criatividade, comprometimento e desempenho no trabalho.
Criatividade e comprometimento organizacional: suas relaçóes com a percepção de desempenho no trabalho.
Algumas variáveis importantes deixaram de ser investigadas, em razão de no instrumento desenvolvido por Bruno-Faria (1996) possuírem baixa consistência interna. Foram as seguintes: estímulos à criatividade (disponibilidade de recursos materiais; ambiente físico adequado; clima social favorável entre colegas de trabalho; atividades desafiantes; e salário e benefícios adequados); barreiras à criatividade (problemas organizacionais). Consideramos que a não inclusão destas variáveis resultou em perda de informações valiosas para uma melhor análise dos resultados. Dessa forma, novas pesquisas correlacionando os três construtos deveriam incluir as variáveis do ICC que ficaram ausentes, após alteração e validação dos itens citados.
O procedimento de não identificação dos respondentes, que visou manter a privacidade e facilitar atingir a média de confiança da amostra, impediu que se pudesse estabelecer um comparativo com o número de negócios realizados, com a pesquisa de clima existente na organização e mesmo com aquelaslas obtidas através do sistema GDP. Pesquisas realizadas dentro da organização deveriam ser conduzidas de tal forma a permitir a utilização desses indicadores.
Também deveriam ser realizadas pesquisas com um número menor de agências, mas em que se pudesse colher dados do ambiente organizacional através da sua observação direta. Neste caso, a aplicação de pesquisas qualitativas, medidas de criatividade e desempenho individuais seriam de grande valor.
Referências
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Recebido: 18/12/02
Revisado: 26/04/03
Aceito: 13/05/03
1 O ICC foi desenvolvido por Bruno-Faria (1996) a partir do WEI (Work Enviromnent Inventory),um instrumento desenvolvido por Amabile e Hill, o qual teve seu nome posteriormente alterado para KEY. AGDPé um instrumento de referencial de gestão e de avaliação de desempenho, desenvolvido e utilizado na organização em estudo.
2 Center for Studies in Creativity,homepage capturada em 10.12.1998.
3 Ambiente externo, aqui, é entendido como condição ou situação fora da organização (mercado, condições financeiras mundiais, governo, sistemas políticos sociais e tecnológicos, desenvolvimento científico) que exerça influência sobre o desempenho.
4 O sistema GDP foi desenvolvido e aplicado na organização a partir do BS de Kaplan-e Norton. Tem por finalidade promover açóes que vinculem o desenvolvimento profissional dos empregados aos objetivos da empresa por meio de um sistemade informações, direcionando o desempenho para o alcance de resultados.
5 As agências bancárias da organização são segmentadas em quatro níveis (I a IV), obedecendo à seguinte distribuição percentual: I - 7%; II - 26%; III - 38%; e IV - 29%. A metodologia para classificação é
baseada na ordenação de indicadores externos (ROM - receita orçamentária do município) e internos (complexidade na condução de negócios e administrativa).