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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.4 n.2 Florianópolis dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Síndrome de burnoute caraterísticas de cargo em professores universitários

 

Syndrome of Burnout and the job characteristic in college teachers

 

 

Mary Sandra Carlotto

Psicóloga. Mestre em Saúde Coletiva. Professora do curso de Psicologia da Universidade Luteraná do Brasil (mscarlotto@superig.com.br)

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou identificar a existência de associação entre as dimensões de burnoute características de cargo em professores universitários. Foram utilizados como instrumentos de pesquisa o MBI - Maslach Burnout Inventory- e a subescala de Característica de Cargo do JDS - Job Diagnostic Survey.A amostra foi constituída por 280 professores. Os resultados evidenciaram associação negativa entre as dimensões de BurnouteCaracterísticas de Cargo. A Exaustão Emocional evidenciou associação com Identificação com a tarefa, Autonomia e Potencial Motivacional do Cargo. A Despersonalização associou-se com Significado e Identificação com a tarefa, Autonomia e Potencial Motivacional do Cargo e a Baixa Realização Profissional com Significado da Tarefa, Autonomia, Feedback do Cargo e Potencial Motivacional.

Palavras-chave: síndrome de burnout,professores universitários; motivação.


ABSTRACT

This study aimed at identifying the existence of an association between the dimensions of Burnout and the job characteristic in college teachers. For the research, the following instruments were used: the MBI - Maslach Burnout lnventory, and the subscale of Job Characteristic of the JDS - Job Diagnostic Survey. The sample was made of 280 teachers. The results showed the negative association between the dimension of Emotional Exhaustion and Job Characteristic. The Emotional Exhaustion showed an association with ldentification with the Task and with the Job's Autonomy and Motivational Potential. The depersonalization was associated with Meaning and ldentification with the Task and with the Job's Autonomy and Motivational Potential. The same occurred with the association between Low Professional Fulfillment and Task Meaning, Autonomy, Job Feedback and Motivational Potential.

Keywords: burnout syndrome; college teachers; motivation.


 

 

1. Introdução

A rápida transformação do contexto social, ocorrida nos últimos anos, tem gerado um aumento das responsabilidades e exigências sobre os educadores em todos os níveis de ensino. O papel do professor tem se modificado na tentativa de atender às expectativas e necessidades da sociedade atual. Segundo Farber (1991), do ponto de vista público, a categoria de professores sofre muitas críticas, é extremamente cobrada em seus fracassos e raramente reconhecida por seu sucesso. Nenhuma categoria profissional tem sido tão severamente avaliada e cobrada pela populaçãoem geral nas últimas duas décadas como a dos professores.

Esta sofre as conseqüências da exposição a um aumento da tensão no exercício de seu trabalho, cuja dificuldade aumentou fundamentalmente pela fragmentação da atividade do professor e pelo aumento de responsabilidades exigidas, sem que, em muitas situações, houvesse meios e condições necessários para se responder adequadamente às novas demandas (Esteve, 1999).

No ensino superiorbrasileiro, de acordo com Franco (2001), o professor é, na ótica institucional, aquele cujo plano de trabalho dispõe de horas de pesquisa, mas é também aquele cujas horas em ensino são tantas que não propiciam espaço para investigações e, por vezes, nem para a preparação de aulas. Sob o ponto de vista político, é o que vive as tensões da própria área de conhecimento, não raro impregnada de corporativismo, acrescidas das tensões das demais áreas na disputa por espaços e financiamentos. Na perspectiva profissional, é permanentemente avaliado, desde o ingresso na carreira, através de avaliações sistemáticas para a ascensão profissional, da submissão de trabalhos em eventos e da apresentação de projetos e de relatórios de atividades e de pesquisa. O professor universitário caracteriza-se pela diversidade, pela pluralidade de opções, caminhos, alternativas, interesses e tensões.

Esta nova configuração do trabalho docente, por um lado, pode conduzir a situações de enriquecimento e motivação para o trabalho, mas por outro pode ocasionar ou incrementar determinados fatores de estresse de trabalho. Estes estressores, se persistentes, podem levar à Síndrome de Burnout.Esta síndrome é definida por Harrison (1999) como o resultado do estresse crônico, típico do cotidiano do trabalho, principalmente quando neste existe excessiva pressão, conflitos, poucas recompensas emocionais e pouco reconhecimento.

Burnouté considerado um fenômeno psicossocial constituído de três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e sentimento de baixa realização profissional (Maslach, Jackson, 1981; Maslach, 1993; Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001).

Na perspectiva de burnoutcomo processo, a primeira dimensão a manifestar-se é a da exaustão emocional, geralmente relacionada às excessivas demandas provenientes do exercício do trabalho. Como estratégia defensiva, surge o afastamento psicológico do profissional em relação à sua clientela, emergindo então, como fase ou dimensão subseqüente, a despersonalização ou desumanização. Como última fase ocorre a baixa realização profissional, evidenciando declínio no sentimento de competência e êxito (Maslach, 1982; Gaines e Jermier, 1983; Leiter e Maslach, 1988; Cordes; Dougherty, 1993; Maslach e Leiter, 1997; Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001).

O modelo proposto por Maslach é o mais reconhecido e amplamente utilizado em grande parte dos estudos dedicados ao burnout.Este enfatiza a importãncia das características do trabalho como fatores causadores da síndrome (Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001).

Burnouttem atingido várias profissões, mas tem seu foco de estudo especialmente vinculado a profissões ligadas ao ensino e serviços de saúde, por serem atividades que envolvem intenso contato com pessoas (Maslach e Jackson, 1984; Maslach e Leiter, 1997). A severidade da síndrome entre os profissionais de ensino é superior à dos profissionais de saúde (lwanicki e Schwab, 1981; Farber, 1991). Demo (1997) refere que nenhuma profissão se desgasta mais rapidamente do que a do professor.

A ocorrência de burnoutem professores é considerada atualmente um problema social de extrema relevância, e vem sendo estudada em vários países. Burnoutse vincula a grandes custos organizacionais, deyido a rotatividade de pessoal, absenteísmo, problemasde produtividade e qualidade do serviço prestado. Também se associa a vários tipos de disfunções pessoais, como o surgimento de problemas psicológicos e físicos (Guglielmi e Tatrow, 1998). Professores com burnout sentem-se emocionalmente e fisicamente exaustos, estão freqüentemente irritados, ansiosos, com raiva ou tristes. As frustrações emocionais provocadas por este fenômeno podem levar a sintomas psicossomáticos como insônia, úlceras, dores de cabeça e hipertensão, bem como ao uso abusivo de álcool e medicamentos, incrementando problemas familiares e conflitos sociais (Farber, 1991).

Nos aspectos profissionais, o professor pode apresentar planejamento de aula menos freqüente e cuidadoso, pouco entusiasmo e criatividade em sala de aula, sentir menos simpatia pelos alunos e menos otimismo quanto à avaliação de seu futuro. Pode também sentir-se facilmente frustrado pelos problemas ocorridos em sala de aula ou pela falta de progresso de seus alunos, desenvolvendo um grande distanciamento com relação a estes. Costuma, segundo Edelwich e Brodsky (1980), utilizar muito tempo de seu intervalo denegrindo alunos, reclamando da administração, arrependendo-se de sua escolha profissional e planejando novas opções de trabalho.As conseqüências de burnoutem professores não se manifestam somente no campo pessoal e profissional, mas também trazem repercussões para a instituição de ensino. Há um processo de deterioração da qualidade dos serviços e da adoção de atitudes negativas por parte dos professores na relação com os receptores de seus serviços (Moreno, Bustos, Matallana e Mirrales, 1997; Rudow, 1999). Professores com burnoutinfluenciam o ambiente educacional e interferem na obtenção dos objetivos pedagógicos (Guglielmi e Tatrow, 1998).

Moura (1997), ao investigar burnoutem professores de escolas particulares, identificou níveis médios em todos os subgrupos: ensino infantil, médio, fundamental e universitário. Refere, ainda, que o estrato professores universitários não foi O que atingiu menores níveis de burnout,totalizando 17,8% da amostra. Resultado este não esperado pela autora, uma vez que supunha ser esta categoria profissional a que trabalha com as melhores condições concretas de ensino. Byrne (1991) investigou burnoutem professores canadenses de níveis de ensino semelhantes no Brasil, como o fundamental, médio e universitário, encontrando resultado semelhante ao de Moura (1997). O estudo canadense identificou estressores comuns a todas as categorias de ensino, identificando também algumas diferenças, principalmente em professores universitários. Independentemente do nível de ensino de atuação do professor, todos dividem frustrações similares: pressão do tempo, classes com grande número de alunos, excessivas demandas burocráticas, falta de suporte administrativo e exercício de vários papéis. No que diz respeito ao professor universitário, a pressão para o desenvolvimento de pesquisas e para a publicação científica foi apontada como o principal fator gerador de estresse e burnout.Esta situação também foi apontada em estudo realizado por Mosquera e Stobäus (2003) com professores universitários brasileiros.

Dentre as diversas variáveis que vêm sendo pesquisadas e associadas ao burnout,uma delas tem merecido destaque: a motivação no trabalho. Estudos têm encontrado evidências de associação entre determinados fatores motivacionais e burnout(Maslach, 1976; Anderson e Iwanick, 1984; Schwab et al.,1986; Smylie, 1999).

Para Smylie (1999), um dos modelos mais aceitos atualmente sobre motivação no trabalho é aquele desenvolvido por Hackman e Oldham (1975,1980). Neste, determinadas condições de trabalho dão origem à motivação interna. As tarefas enriquecidas se associam a um aumento dos níveis de satisfação, motivação e produtividade no trabalho. Apresenta como aspectos centrais o significado do trabalho, a responsabilidade por resultados e o feedback recebido em relação ao desempenho. O trabalho desenvolvido pelo indivíduo deve ser importante não só para si, mas também para seus colegas, clientes e para os resultados globais da organização. O trabalho deve ser desafiador, fazendo com que o indivíduo tenha oportunidade de utilizar e desenvolver as suas habilidades. Perceber o seu trabalho como parte importante dos resultados organizacionais é a essência da experiência da responsabilidade. Contudo, para Smylie (1999), em níveis moderados, estas condições podem gerar aprendizagem e desempenho motivado, mas quando vivenciados em excesso, podem ser causa de estresse e, posteriormente, de burnout.

Maslach e Jackson (1981) utilizando o JDS - Job Diagnostic Survey,e o MBI - Maslach Burnout Inventory,encontraram relações significativas entre a variável "Feedback(ou retroinformação) recebido pelo trabalho executado" e as três dimensões de burnout.Estudo desenvolvido por Elloy, Everett e Flynn (1991) concluiu que os sujeitos que desempenhavam postos com maior variedade de tarefas, com uma estrutura interna definida e informações sobre a eficácia de seu desempenho através do conhecimento acerca dos resultados de sua execução obtiveram menores níveis de burnout.Pomaki e Anagnostopoulou (2003) identificaram em estudo com professores que a variável "significado percebido no trabalho" associava-se a Síndrome de Burnout.

Considerando o exposto, este estudo do tipo epidemiológico observacional analítico, de corte transversal (Crimes e Schulz, 2002), buscou identificar em uma amostra de professores universitários a existência de associação entre as dimensões de burnoutecaracterísticas de cargo, o que se constitui em uma das dimensões que caracteriza a motivação no trabalho no modelo proposto por Hackman e Oldham (1980). Esta investigação não pretendeu a generalização de seus resultados, mas sim o estudo do movimento destas variáveis em um grupo específico de professores de uma universidade particular.

 

2. Método

A amostra se constituiu de 280 professores universitários que exercem atividades de ensino, pesquisa e/ou extensão em uma universidade particular da região metropolitana de Porto Alegre-RS. A maior parte do grupo pertence ao sexo feminino (55,4%), é casada (63,9%), possui filhos (58,9%) e encontra-se na faixa etária de 31 a 50 anos (71,8%). Os docentes trabalham, na sua maioria, de 20 a 40 horas semanais, distribuídas com maior freqüência em dois turnos de trabalho. O tempo médio de exercício profissional no ensino superior é de 12 anos (Dp=9,62), sendo que na instituição pesquisada é de 5 anos e 9 meses (Dp=4,75).

Esta investigação faz parte de um estudo mais amplo sobre burnoutem professores de instituições particulares de ensino. Assim, os instrumentos utilizados foram respondidos pelos professores como parte de um questionário mais abrangente. Os instrumentos utilizados neste estudo foram:

1. Questionário para o levantamento de dados demográficos e profissionais.

2. Maslach Burnout Inventory -MBI de Maslach, Jackson, Leiter (1996) para identificar os índices das dimensões de burnout. Este é composto de 22 itens que indicam a freqüência das respostas com uma escala de pontuação variando de 1 a 7. Para este estudo, foi utilizada a adaptação feita por Tamayo (1997), que emprega escala de 5 pontos.

3. Job Diagnostic Survey- JDS de Hackman e Oldham (1980), subescala de características de cargo, com adaptação brasileira realizada por Rodrigues (1994). A subescala utilizada no presente estudo avalia as Dimensões Básicas do Cargo: variedade de habilidades (VH-variedade de habilidades a serem utilizadas no desenvolver das atividades do cargo), identidade das tarefas (IT-atividade desenvolvida pela pessoa utilizando o maior número de operações dentro da totalidade do serviço executado). significado da tarefa (ST - grau de impacto que o desempenho da tarefa causa nas pessoas dentro ou fora da organização), autonomia (AT - nível de independência para planejar e executar seu trabalho), feedbackintrínseco (FI - nível em que a execução do trabalho proporciona informações sobre a eficácia do desempenho), feedbackextrínseco (FE - grau com que a pessoa recebe informações claras de seus superiores, colegas e clientes sobre o seu desempenho), contato social (CS - grau com que o com que o trabalho exige que o indivíduo trate diretamente com outros membros da organização ou clientes) e potencial motivacional (PM - potencial de um cargo para proporcionar a motivação intrínseca).

Os instrumentos foram entregues aos professores em seu diário de classe, sendo que a coleta foi realizada através de urnas colocadas no apoio docente de cada centro universitário. Os dados coletados foram analisados através do SPSS e submetidos a análise descritiva e inferencial (Teste de Correlação de Pearson paraanalisar a magnitude e a direção do relacionamento entre as dimensões da Síndrome de Burnoute as dimensões das características de cargo).

 

3. Resultados

Com relação ao burnout,verificou-se que a dimensão de "exaustão emocional" apresentou maior índice médio (2,21; Dp= 0,67), indicando a existência de desgaste emocional "algumas vezes ao mês". Na "despersonalização", o índice médio obtido foi de 1,48 (Dp=0,51), indicando baixa freqüência de referências de endurecimento emocional no relacionamento interpessoal. Com relação ao sentimento de "baixa realização profissional", o índice obtido pelo grupo foi de 1,53 (Dp=0,46), demonstrando que o trabalho vem sendo percebido somente "algumas vezes ao ano" como elemento de não realização profissional. (Gráfico 1).

 

 

A "exaustão emocional" evidenciou associação significativa e negativa com as dimensões de característica de cargo: "identificação com a tarefa", "autonomia" e "potencial motivacional do cargo". A "despersonalização" associou-se de forma significativa e negativa com "significado" e "identificação com a tarefa", "autonomia" e "potencial motivacional do cargo". Também foi negativa a associação encontrada entre a "baixa realização profissional" e "significado da tarefa", "autonomia", "feedbackdo cargo" e "potencial motivacional".

 

 

4. Discussão

Os dados referentes à exaustão profissional em professores universitários nos forneceram alguns indicadores importantes acerca da prática docente e a dimensão de burnoutestudada. Nesse sentido, um aspecto relevante é que quanto menor o grau de autonomia e de identificação da tarefa do professor universitário com atividade docente, maior é sua exaustão emocional. Este resultado pode refletir o momento atual do docente universitário, pois, de acordo com Morosini (2001), os últimos anos foram marcados pela expansão do ensino universitário privado e pela presença marcante do Estado Avaliativo decorrente da mais recente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 1996. Assim, o professor universitário vive em constante processo de avaliação e controle de suas atividades. O franco processo de intensificação do modelo tecnocrático e empresarial nas instituições de ensino privado também vem acarretando modificações importantes no trabalho do professor, afastando-o das funções de concepção e planejamento, reduzindo sua capacidade de controle sobre o seu trabalho e sua carreira e mantendo-o na pendência das decisões e indicações de especialistas e administradores (Enguita, 1989; Teles, 1992; Moura, 1993; Costa, 1995; Kelchtermans, 1999; Arroyo, 2000). Esta visão de educação sob a perspectiva mercantil, de acordo com Fraga (1999), causa prejuízo ao professor, com sérias conseqüências para sua qualidade de vida no trabalho. Segundo Farber (1991), a falta de autonomia e participação nas definições das políticas de ensino tem se mostrado um significativo antecedente de burnout.

O professor enfrenta, hoje, um profundo e exigente desafio pessoal e profissional. Os novos paradigmas do cenário social, também presentes na educação, deflagram um processo de mudança, não só nas características de suas atribuições, mas também de papel e postura frente a este novo contexto. Na perspectiva de Esteve (1999), este desafio ocorre principalmente para os que se propõem a responder às novas expectativas projetadas sobre eles. Para o autor, a mais significativa modificação ocorrida no papel do professor está relacionada com o 'avanço contínuo do saber', sendo que esteaspecto não diz respeito somente à necessidade de atualização contínua, mas também à renúncia a conteúdos e a um saber que vinha sendo de seu domínio durante anos. Assumir estas novas funções supõe o domínio de habilidades pessoais que não estão somente vinculadas ao ãmbito da acumulação do conhecimento. Assim, no grupo de professores investigado, questionamentos e conflitos com relação ao seu papel podem estar ocasionando dificuldades de identificação com as novas demandas e exigências profissionais, tendo como conseqüência a elevação dos níveis de exaustão e desgaste emocional decorrente da situação de trabalho. Neste sentido, o autor adverte sobre as desastrosas tensões e desorientações provocadas nos indivíduos quando estes se vêem obrigados a passar por uma mudança excessiva em um período de tempo demasiadamente curto. Ou seja, podemos pensar na dificuldade que representa para o professor o intento em consolidar uma identidade profissional estável em meio a um campo que se caracteriza, fundamentalmente, por mudanças profundas e constantes.

Estas questões são refletidas na avaliação que o professor faz sobre o potencial motivacional de sua função, aspecto também associado à dimensão de exaustão emocional. Há que se destacar estes resultados, pois a exaustão emocional, segundo modelo de Maslach, é a dimensão precursora da Síndrome de Burnout e, neste grupo, apresenta o maior índice das três dimensões.

Resultado semelhante foi identificado com relação à despersonalização. Além da identificação com a tarefa, a autonomia e o potencial motivacional do cargo, já refendos anteriormente, destaca-se a associação com o significado da tarefa. A medida em que professores percebem o seu trabalho como pouco significativo, tendem a sentir-se emocionalmente distantes de seus alunos, colegas e instituição. Segundo Harrison (1999) e Pomaki e Anagnostopoulou (2003), a falta de significado no trabalho é um dos importantes fatores associado à síndrome. Para Farber (1999), está na relação aluno-professor a maior fonte propiciadora de estresse, bem como de grandes oportunidades de recompensas e gratificações. Professores precisam sentir-se importantes, tendo o reconhecimento das pessoas para as quais eles trabalham. Pines (1993), que entende burnouta partir de uma perspectiva existencial, refere que sua origem repousa na necessidade das pessoas de acreditarem que suas vidas são significativas, e suas ações importantes. Quando elas sentem que fracassam ou falham em seu trabalho e que ele não é significativo, podem desenvolver burnout.

O significado da tarefa também demonstrou influência na dimensão de baixa realização profissional. O sentimento de que o trabalho é frustrante e não corresponde às expectativas profissionais se eleva na medida em que os professores não percebem a sua relevância no contexto educativo. O mesmo ocorre com a falta de autonomia, o feedback intrínseco e o potencial motivacional do cargo. O feedback intrínseco, que se associa somente nesta dimensão, indica que o professor necessita de retorno sobre a eficácia do seu desempenho para elevar o sentimento de realização profissional. Segundo Cherniss (1993), os sentimentos de sucesso e competência no trabalho podem reduzir burnout.

Ser uin professor universitário não é apenas executar um trabalho; estes profissionais sentem-se proprietários do trabalho porque estão emocionalmente e profundamente imersos nele. O professor universitário possui necessidades de desafios, estimulação intelectual, ou seja, fatores motivacionais intrínsecos (Mooney, 1989; Kelly, 1991).

 

5. Conclusão

Os resultados encontrados neste estudo confirmam o modelo teórico proposto por Maslach, de que burnoutestá relacionado às características do trabalho, corroborando, também, outros estudos que se dedicam a verificar esta associação (Leiter e Maslach, 1988; Maslach e Schaufeli, 1993; Leiter e Harvie, 1996; Maslach e Leiter, 1997; Maslach e Godberg, 1998; Maslach, Schaufeli e Leiter, 2001; Smith e Leng, 2003).

A busca poridentificar resultados que atendem a este modelo justifica-se no sentido de minimizar o sentimento de culpa do professor, pois atenua a percepção de que as conseqüências do estresse, entre elas a Síndrome de Burnout,são decorrentes de fragilidades e inabilidades pessoais de lidar com o trabalho e que a resolução dos eventos estressantes é uma responsabilidade essencialmente de caráter individual. Essa visão individualista, de certa forma já consolidada em nosso meio, está geralmente vinculada às teorias de estresse, o que tem contribuído para o aumento do estresse percebido, o sentimento de vitimização e a insatisfação no e com o trabalho, ampliando a possibilidade de abandono real ou psicológico por parte da categoria profissional de professores.

Os resultados encontrados sinalizam questões relevantes da esfera microssocial do trabalho docente, ou seja, as dimensões básicas do trabalho, principalmente nos aspectos de autonomia e avaliação favorável do potencial motivacional do cargo, fatores que influenciam as três dimensões de burnout.

Sabe-se que a intervenção neste campo, vinculada à saúde mental no trabalho, deve contemplar ações conjuntas entre indivíduo e organização, visando à busca de alternativas para possíveis modificações na ampla gama de fatores que envolvem o trabalho humano (Carlotto e Gobbi, 2000). Além disso, não é possível desvincular o trabalho do docente universitário em universidades privadas de questões mais amplas, de caráter macrossocial. As diversas mudanças no campo do trabalho afetam este profissional de forma especial, posto que, em função das própnas atribuições da atividade, é possível identificar um descompasso no sentido da incorporação de novas praxis e exigencias.

 

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Recebido: 15/09/03
Revisado: 09/09/04
Aceito: 18/11/04

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