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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.1 Florianópolis jun. 2009
ARTIGOS
Assédio moral no trabalho: implicações individuais, organizacionais e sociais
Moral harassment: individual, organizationaland social consequences
Sara Maria de Melo ElgenneniI,*; Cristiane VercesiII
IPsicóloga. Mestranda em Administração PPA - UEL/UEM
IIDoutora em Psicologia. Professora do Departamento de Psicologia Social e Institucional da Universidade Estadual de Londrina - UEL
RESUMO
Sabendo que a organização do trabalho causa impacto na vida psíquica do trabalhador e tendo como objetivo analisar as implicações comportamentais do assédio moral para o indivíduo, para a organização e para a sociedade, sob o ponto de vista de um trabalhador, vítima de assédio moral, foi realizado um estudo de caso único, de âmbito individual, baseado na sua história de vida, na qual foi feito um corte seccional com perspectiva longitudinal, fazendo-se uso de várias fontes de evidências. O caso escolhido para análise foi o de um bancário do sexo masculino, que participou do processo de privatização do banco em que trabalhava, sofreu assédio moral vertical descendente, buscou ajuda no sindicato da categoria e, diagnosticado com depressão, foi afastado de seu trabalho. Como resultado, confirmou-se a teoria analisada, que define as implicações do assédio moral no trabalho em consequências individuais, organizacionais e sociais. Concluiu-se que a forma de gestão e a organização do trabalho tiveram relação com a ocorrência do assédio moral. Com isso, sugere-se um trabalho conjunto entre trabalhadores, responsáveis pelas organizações, sindicatos, profissionais da saúde e o Estado, para que adotem medidas preventivas, de forma a tornar o ambiente de trabalho isento de assédio moral.
Palavras-chave: assédio moral; organização do trabalho; modos de gestão; relações de trabalho.
ABSTRACT
It is widely known that the work organization has impact on the psychological life of workers. The objective of this paper is to analyze the behavior implications of moral harassment not only on the individual, but also on the organization and society. In order to do that, a single case was studied, on the individual level, based on a longitudinal perspective, using several sources of evidences. The case chosen for the analysis was of a male bank employee, participating in the process of privatization of the bank where he worked, who suffered vertical descendent moral harassment. This subject sought help from the labor union, and being diagnosed with depression, was removed from his duties. As a result, the theory on moral harassment was confirmed, which defines the implications of moral harassment at work as consequences at individual, organizational and social levels. Therefore, it can be concluded that forms of management and work organization have a close relationship with moral harassment. This suggests that workers, organization managers, labor unions, health professionals and society work together, adopting preventive measures so as to eradicate moral harassment from work.
Keywords: oral harassment; work organization; management forms; relations at work.
1. Introdução
O assédio moral é um tema que tem despertado interesse de pesquisadores de diversos campos de atuação, como os de administração, educação, psicologia e direito. Autores como Marie-France Hirigoyen, Margarida Barreto, Maria Ester de Freitas e José Roberto Heloani serviram de base para a pesquisa que originou este artigo.
Acredita-se que este estudo possa construir conhecimento para se somar às outras áreas de pesquisa que transitam pelo mundo do trabalho, pois busca evidenciar a relação entre as formas de organização do trabalho e seus impactos sobre o indivíduo, sobre as organizações e sobre a sociedade. A pesquisa acrescentou-se ao conteúdo já escrito sobre as consequências do assédio moral no trabalho do ponto de vista de uma vítima, e contribui para a identificação e atuação nas situações existentes de assédio moral no trabalho, com a finalidade de reduzir esse ato, mostrando caminhos para a prevenção.
Esta análise caracteriza-se por sua interdisciplinaridade e, assim, destinase a todos os profissionais que atuam nas organizações de trabalho, principalmente àqueles que ocupam cargo de gestão, bem como aos que desejam conhecer a prática do assédio moral no trabalho, suas relações com a organização do trabalho e as formas de gestão, suas consequências e meios de prevenção. Portanto, tem como razão maior proporcionar dados que lhes possibilitem contribuir para a reflexão sobre o modo de gestão atual das organizações, que propicia a ocorrência do assédio moral no trabalho, não somente na realidade bancária, mas de forma generalizada.
Entende-se que o assédio moral deve ser visto sob diversos pontos de vista e, neste estudo, não foi objetivo olhar o assédio somente sob o ângulo psicológico, tampouco apenas sob o ângulo organizacional. Nem um extremo, nem outro, uma vez que a violência existe na organização do trabalho à medida que ela permite que atos de violência, como o assédio moral, sejam praticados.
O presente estudo objetivou analisar as implicações comportamentais do assédio moral para o indivíduo, para a organização e para a sociedade, sob o ponto de vista de um bancário assediado, que vivenciou o processo de privatização do banco em que trabalhava e procurou ajuda no sindicato da categoria.
Tem como pano de fundo os processos de terceirização, fusão, aquisição e privatização que ocorreram no país recentemente, acarretando mudanças tecnológicas e de condições de trabalho, principalmente no setor bancário. Nesse setor, as mudanças são mais nítidas devido à hipercompetitividade que o caracteriza, o que acarreta aumento da pressão no trabalho, alta exigência ao profissional, cumprimento de metas e instabilidade do emprego, num cenário de alta mobilidade.
Logo, entende-se que, ao mesmo tempo em que o mercado se reestrutura para se adequar às mudanças globais, também se efetivam mudanças que causam impacto direto tanto no nível organizacional como no individual. Esse processo da organização do trabalho, tanto macro e microeconômico quanto social, implicou mudanças no emprego e na escolaridade dos bancários no Brasil (Segnini, 1999).
1.1. O cenário bancário brasileiro
O setor bancário no Brasil vem sendo objeto de fusões, aquisições, reestruturações, desregulamentações e redução de custos operacionais desde a época em que se estava diante de uma crise fiscal, consequente da queda de arrecadação decorrente tanto do desemprego generalizado como da estagnação de consumo, fatos associados aos efeitos das políticas neoliberais (Chesnais, 1996, p. 308).
Dessa forma, em 1996, o governo brasileiro criou o Programa de Incentivo à Redução da Presença do Estado na Atividade Bancária (PROES), com a proposta de diminuir ao máximo a existência de instituições financeiras que tivessem vínculo com governos estaduais. Com isso, possibilitou o aumento da participação do capital estrangeiro em nosso sistema bancário.
Vale lembrar que as fusões e aquisições estão entre as mais dramáticas formas de mudança organizacional e, nos casos de privatização, os trabalhadores dos bancos estaduais são os mais diretamente prejudicados pelo PROES (Salviano Junior, 2004).
Como resultado, o mercado de trabalho bancário sofreu grande redução nos postos de trabalho e diminuição no número de agências, além de mudanças na gestão e uso das tecnologias de informação. Para se ter uma ideia, em 1993, faziam parte da rede bancária no Brasil 245 bancos, 17.194 agências e 13.326 postos de atendimento. Em 1997, eram 225 bancos, 16.418 agências e 14.859 postos de atendimento (Segnini, 1999). Já em 2003, eram 164 bancos comerciais e múltiplos (Alexandre, Lima e Canuto, 2005).
A diminuição das instituições financeiras estaduais é visível, tanto pela diminuição da participação no total de ativos, como no total de empregados do sistema financeiro, que sofreu grande queda. Dessa forma, se, em 1986, a categoria representava aproximadamente um milhão de trabalhadores, em 1996 foi reduzida para 497 mil bancários, ou seja, em dez anos, 503 mil postos de trabalho foram suprimidos. Em 2001, o número chegou a 390 mil. E em 2006, aproximadamente 415 mil.
Apesar dessa queda no número de trabalhadores, há um cenário de permanente lucratividade para os bancos, como mostram os sucessivos resultados das instituições financeiras, recordes de lucro a cada exercício contábil (DIEESE, 2006). Segundo um levantamento da Austin Rating, o lucro líquido dos bancos no Brasil, em 2006, atingiu R$ 27,5 bilhões. No primeiro semestre de 2007, o balanço semestral dos seis maiores bancos do país ultrapassou a marca de um trilhão de reais (R$ 1,4 trilhão).
Entretanto, observa-se que, ao invés de se criarem e implementarem programas para melhorar a saúde do trabalhador bancário, diante do lucro extraordinário dessas organizações, esse mesmo lucro gera doenças ocupacionais decorrentes do excesso de exigências e da sobrecarga de trabalho, o que vem desencadeando doenças psicológicas e também violência no trabalho, que podem levar à morte. Assim, "as metas e o propósito final de lucro acabam ocupando os espaços dos sujeitos nas prioridades traçadas pela empresa." (Grisci & Bessi, 2004, p.193).
1.2. Aviolência no trabalho
Quando se fala em violência, trata-se de todo tipo de violência, tanto a física, que é explícita, quanto a moral, encoberta, de difícil definição e localização na maioria das vezes.
Soboll (2006) afirma que os comportamentos de violência psicológica mais frequentes estão relacionados à pressão exagerada para cumprir metas; à supervisão constante e rígida; ao uso de estratégias de exposição constrangedora de resultados e comparação entre membros do mesmo grupo; à competitividade para além da ética; à avaliação de desempenho somente pelos resultados e não pelos processos; à ameaça de demissão constante; e às humilhações direcionadas para o grupo de trabalhadores diante de resultados abaixo do esperado.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a violência psíquica tem aumentado de forma vertiginosa no ambiente de trabalho em todo o mundo, e nenhum grupo de trabalhadores, setor ou indústria está livre dela.
Da mesma forma, o assédio moral não é um fenômeno recente, mas sua ocorrência e divulgação crescente têm levado a uma preocupação em estudá-lo, na medida em que as práticas de gestão são vivenciadas em um clima de rivalidade, competição, concorrência e individualismo.
2. O Assédio Moral no Trabalho
O assédio moral no trabalho foi primeiramente definido pelo psicólogo do trabalho Leymann (1996) no início dos anos 80, quando ele identificou um tipo de comportamento hostil, similar a um ataque rústico e grosseiro (observado em animais, na etologia) contra trabalhadores em locais de trabalho. E ele o definiu como uma forma através da qual um indivíduo (pode ser mais de um) é atacado sistematicamente por um ou mais indivíduos em uma intensidade quase diária e por período de vários meses. Para ele, a frequência deve ocorrer pelo menos uma vez na semana, por, no mínimo, seis meses.
Marie-France Hirigoyen, psiquiatra e psicanalista francesa, publicou, em 1998, um livro intitulado Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano, no qual apresenta uma visão de "vitimologia", devido à sua formação. Nele, define o assédio moral no trabalho como "... qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho." (Hirigoyen, 1998, 2006, p.17).
No Brasil, Margarida Barreto (2006), em extensa pesquisa com trabalhadores de diversas indústrias, fala da violência moral e do assédio moral como atos e palavras que ferem e magoam, amedrontam, desestabilizam emocionalmente, até que o trabalhador desista do emprego.
Maria Ester de Freitas também o define como "...uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que visa a diminuir, humilhar, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou grupo, degradando suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e comprometendo a sua integridade pessoal e profissional." (Freitas, 2007, p.1).
Roberto Heloani acrescenta que "... o assédio moral caracteriza-se pela intencionalidade; consiste na constante e deliberada desqualificação da vítima, seguida de sua consequente fragilização, com o intuito de neutralizá-la em termos de poder." (Heloani, 2004, p. 5).
Assim, o assédio moral é um problema estrutural e não individual, uma vez que suas manifestações, nas organizações, crescem proporcionalmente ao aumento da submissão coletiva, construída e alicerçada no medo do desemprego.
Portanto, é preciso ter cautela ao se definir assédio moral, pois nem todos os que afirmam serem assediados realmente o são. Existem semelhanças e diferenças tanto na forma de ocorrência como nas consequências. Por exemplo, entre o sofrimento no trabalho e o assédio moral, a semelhança é a predominância da vergonha e da humilhação, e a diferença é que, no sofrimento no trabalho, a pessoa consegue se recuperar quando é dele afastada. Já no caso do assédio, os efeitos são marcantes e podem evoluir do estresse pós-traumático para uma vergonha recorrente ou mudanças na personalidade da pessoa, que, mesmo afastada do agressor, pode se tornar frágil, medrosa e não acreditar em mais nada.
A repetitividade e a intencionalidade são alguns dos elementos que caracterizam a ocorrência do assédio moral e, assim, o diferenciam das agressões psicológicas pontuais e dos conflitos nas relações interpessoais. Más condições de trabalho, imposições profissionais, gestão por injúria, violência externa, violência física e violência sexual também não são consideradas como assédio moral.
Segundo Hirigoyen (2005), o assédio moral no trabalho pode ser de diferentes tipos. Aforma mais frequente e com consequências mais graves para a saúde é o assédio moral vertical descendente, que ocorre quando um subordinado é agredido por um superior, situação em que a vítima se sente isolada e tem mais dificuldade para achar uma solução.
No assédio horizontal, as agressões podem ser originadas de uma simples inimizade, passando pela competitividade e chegando até ao racismo e ao sexismo. Ocorre quando um colega de trabalho agride outro do mesmo nível hierárquico.
Já quando um superior é assediado por um ou vários subordinados, ou seja, no assédio ascendente, pode ocorrer uma falsa alegação de assédio sexual ou reações coletivas de grupo para com o assediado.
Em todos os casos acima relatados, é preciso procurar ajuda, denunciar a agressão, identificar o agressor, tomar ações para que o assédio cesse e tomar medidas preventivas para evitar que ocorra novamente.
Na maioria das vezes, o assédio é vertical descendente (assim, a hierarquia é um elemento inibidor da ação comunicativa), mas a degradação das relações de trabalho atua associada à alta competitividade nas organizações, implicando, entre outras consequências, competição entre os trabalhadores, individualismo e medo de ser o próximo excluído. Isso faz com que o número de casos de assédio horizontal ou entre pares esteja aumentando consideravelmente.
Hirigoyen (2005) e Freitas (2001) descrevem várias formas utilizadas pelos agressores para agredir e para calar suas vítimas. Uma dessas formas é o atentado contra a dignidade, no qual, geralmente, as agressões são observadas por todos, mas eles acusam a vítima como responsável pela ocorrência. Ou seja, querem desacreditar a pessoa através da utilização de argumentos falsos, mal entendidos e não ditos.
Pode ocorrer também um esforço para ridicularizar o outro, humilhá-lo, cobri-lo de sarcasmo até fazê-lo perder a confiança em si, com o uso de difamações, calúnias, mentiras e subentendidos maldosos. Nesse caso, quando a vítima está esgotada ou deprimida, justifica-se o assédio.
A desqualificação da vítima é praticada de maneira subjacente, sutil, insinuante e não-verbal, através de suspiros, dar com os ombros, olhares de desprezo, fechar os olhos e balançar a cabeça, não cumprimentá-la e fazer alusões desestabilizadoras ou malévolas. As palavras do agressor escondem malentendidos que se voltam contra a vítima e normalmente a levam à dúvida sobre sua competência profissional, questionando-se se está sendo muito sensível ou paranoica.
Outra categoria é a deterioração proposital das condições de trabalho, cuja intenção é a de fazer a vítima parecer incompetente, fazendo-lhe críticas para poder demiti-la.
Já a prática de incitar o outro a cometer uma falta caracteriza-se pela desqualificação da vítima para, em seguida, criticá-la e justificar o seu rebaixamento, além de levá-la a ter uma má imagem de si mesma. Com uma atitude de desprezo e de provocação, normalmente o agressor leva a vítima a um comportamento agressivo, impulsivo ou colérico. Esse comportamento é utilizado para afirmar que a vítima é desequilibrada e perturba o trabalho dos colegas.
O isolamento da vítima também é uma forma de agressão, pois objetiva a quebra de todas as alianças possíveis. Como ocorre quando a vítima almoça sozinha na cantina ou restaurante, não é convidada para as reuniões informais, pode ser privada de informações e até de reuniões formais. Ou quando é posta em quarentena e pode ser privada de acessos privilegiados no computador da empresa.
A recusa de comunicação direta é outra forma de agressão, expressa por atitudes de desqualificação, em que o conflito não é aberto, e a vítima não pode se defender, pois não sabe definir bem contra o quê deve lutar. É uma maneira de dizer sem usar palavras e, como nada foi dito, o agressor não pode ser repreendido.
Outro modo usado é vexar e constranger a vítima, delegando-lhe tarefas inúteis e degradantes, com objetivos inatingíveis, ou mesmo solicitando um trabalho extra (à noite ou no fim de semana), descartado depois pelo agressor.
Quando o assédio já está bem declarado e visível para todos, podem ocorrer outras formas de violência, como a verbal, a física ou a sexual.
As formas de caracterizar o assédio moral descritas acima não são as únicas e nem sempre ocorrem isoladas, de forma que o agressor pode se utilizar de várias delas para atingir seu objetivo contra a vítima.
Apesar de ter tido uma postura de vitimologia em seu primeiro livro, no segundo (Mal estar no trabalho: redefinindo o assédio moral, reeditado em 2005), Hirigoyen afirma que as vítimas não são doentes como o assediador perverso tenta mostrar, uma vez que o assédio, muitas vezes, é iniciado diante da reação da vítima a situações de autoritarismo do chefe, ou mesmo na recusa de desqualificação por parte dele.
Segundo Heloani (2004), embora os agressores tentem desqualificar as vítimas, normalmente elas não são pessoas doentes ou frágeis. São transparentes e sinceras, posicionam-se e não têm aptidão para o fingimento. Normalmente, por não se deixarem dominar, ou por não se curvarem a uma autoridade sem questionamento sobre o acerto de suas determinações, tornam-se alvos das agressões.
Para Moura (2006), as vítimas são escolhidas justamente por suas qualidades, as quais o agressor perverso quer para si, pois não as têm. Com isso, destrói as vítimas para também destruir o que não tem, como a integridade, a saúde, a honestidade, a competência, a criatividade, a dedicação ao trabalho e os sensos de culpa, de justiça e de equidade.
Assim, normalmente, os alvos para o assediador são pessoas excessivamente competentes, que se destacam mais que o agressor e, com isso, ele tenta rebaixá-las ou afastá-las de perto de si, uma vez não admite existir alguém com mais talento do que ele (Hirigoyen, 2005).
Pessoas atípicas ao grupo, ou seja, aquelas que têm diferenças marcantes, como o sexo e a cor da pele, ou as que resistem às normas "aéticas", também são alvos, pois são extremamente honestas, têm dificuldades de adaptação à estrutura da empresa, e sua personalidade perturba os outros. As que fizeram as alianças erradas ou não têm a rede de comunicação certa normalmente são "sacrificadas" em nome de uma rivalidade de grupo, assim como os trabalhadores protegidos (representantes dos empregados, grávidas e empregados do setor público), que não podem ser demitidos. Pessoas menos "produtivas" têm um ritmo de trabalho menor que o do grupo e, por isso, são isoladas e sofrem grande rejeição por parte dos colegas de trabalho, que se tornam menos tolerantes, e também pessoas temporariamente fragilizadas, que podem ser alvo de colegas que querem tomar o seu lugar.
Independentemente do perfil de vítima, os trabalhadores que atuam em organizações com tecnologia de ponta são os que primeiramente sentem os impactos da mundialização e acabam por sofrer as consequências das mudanças na saúde física e mental antes de outras categorias de trabalho. Um exemplo são os bancários, que inicialmente sofreram com a LER/DORT. Nos últimos cinco anos, meio milhão de Comunicações de Acidentes de Trabalho (CAT) foram emitidas ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) por esse motivo.
No que diz respeito à estatística da prática de assédio moral na categoria bancária, um projeto realizado pelo Sindicato dos Bancários de Pernambuco, em parceria com a Contraf (Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro) e com o FIG (Fundo para Igualdade de Gênero) concluiu que quase 40% dos bancários sofrem ou já sofreram assédio moral no trabalho. Apesar desse alto índice, somente 5,2% falaram sobre isso com alguém, geralmente da família, e um dos motivos desse silêncio é o medo paralisante diante do empregador (Maciel e col., 2006), que tem uma enorme habilidade em articular e comandar interesses econômicos e políticos, diante do montante financeiro que detém.
2.1. As consequências do assédio moral
De um modo geral, o assédio moral acarreta consequências não somente para a vítima do assédio, mas também para a organização de trabalho e para a sociedade.
Para Cassito (2003), as consequências do assédio moral para o trabalhador e sua família podem englobar explosões de raiva e violência, queixas de desconforto físico, existência de doenças e consequentes despesas médicas.
Além disso, pode ocorrer o afrouxamento de laços familiares e das relações de amizade, o que pode levar ao abandono de compromissos sociais.
Também podem ocorrer: falta de compromisso no papel de pai, esposa e (ou) filho e suas responsabilidades; intolerância aos problemas familiares; problemas conjugais, divórcio e litígio; perda de renda e perda de projetos compartilhados.
A vítima pode encontrar dificuldades para se qualificar para outros empregos, e as crianças podem apresentar queda no rendimento escolar.
Já para a empresa, as consequências do assédio moral, descritas por Cassito (2003), podem provocar: absenteísmo, devido a doenças, aumento do número de pessoas inaptas para o trabalho, incremento de custos adicionais de aposentadoria, transferências frequentes de pessoal, aumento da rotatividade, com os consequentes custos de substituição de pessoas e de treinamento de novos funcionários, bem como aumento dos custos com litígio.
Ainda podem ocorrer: redução na competitividade, redução da qualidade do produto, queda da produtividade individual e grupal, declínio da motivação, satisfação e criatividade, degradação do clima interpessoal, perda de pessoas qualificadas, chegando até a incapacidade produtiva. Além disso, podem ocorrer a redução do número de clientes e danos à imagem da empresa.
Já para a sociedade, as consequências podem envolver: potencial perda de trabalhadores produtivos, aumento de custos médicos e possíveis hospitalizações, aumento de custos com benefícios e bem estar para aposentadorias precoces, aumento de custos com invalidez e com o desemprego, bem como aumento no número de suicídios.
3. Metodologia
Para atingir os objetivos da presente pesquisa, foi realizado um estudo de caso único, de âmbito individual, a partir de entrevistas, tendo como unidade de análise o comportamento do entrevistado. Para tanto, foi utilizado um corte seccional com perspectiva longitudinal, ou seja, a coleta foi feita no momento das entrevistas e anotações, resgatando-se dados e informações do passado, focalizando-se o fenômeno e a forma como se caracterizou no momento da entrevista (Vieira & Zouain, 2006).
Como estratégia de pesquisa, utilizou-se a história de vida, uma vez identificada uma vítima do sexo masculino através de um pedido de intervenção feito pelo sindicato, caracterizada como um "caso exemplar." Um caso exemplar engloba todas as características que identificam uma população. Assim, descreve-se resumidamente sua história, que justificou a escolha desse caso para análise.
Justino, como foi chamado o sujeito, trabalhava em um banco público, privatizado no fim da década passada. Participou efetivamente da mudança de bandeira e exercia o cargo que mais sofreu cortes na categoria. Teve suas funções alteradas, o que foi feito quase sem treinamento. Buscou ajuda não correspondida entre seus pares na empresa. Adoentou-se. Sofria humilhações e desqualificações constantes e intencionais por parte de superior hierárquico, que tinha nível de escolaridade inferior ao dele. Em duas ocasiões, foi operado durante suas férias. Apresentava baixa autoestima, teve queda de produtividade. Com relação à sua saúde, tinha problemas de sono e de ansiedade, visão turva durante a jornada de trabalho e apresentava paralisia facial momentânea, embora, fisiologicamente, "não houvesse nada errado". Ao buscar medicamentos para dar continuidade ao seu trabalho, foi diagnosticado com depressão e, a pedido médico, afastou-se do trabalho por noventa dias. Nesse período, buscou ajuda no sindicato e, então, descobriu que muito do que estava ocorrendo era decorrência do assédio moral vertical descendente que vinha sofrendo há três anos aproximadamente. Em decorrência desse fato, teve problemas que causaram impacto em sua vida pessoal, familiar, profissional e social. No momento das entrevistas, buscava reconhecimento e se questionava se entraria com um processo na Justiça do Trabalho contra a empresa, pois tinha medo de perder seu emprego caso entrasse com a ação. Por fim, também foi diagnosticado com LER/DORT, fato que relutava em admitir, pois achava que dificilmente arrumaria outro emprego com esse diagnóstico.
Para a validade do constructo da pesquisa, foram utilizadas várias fontes de evidências, tais como: informação viva, resultante dos encontros; ficha do sujeito; diário de campo; gravações de voz em local de trabalho; cartas, comunicações internas e memorandos da empresa; documentos; relatório elaborado pelo sujeito, de acordo com as práticas de assédio moral sofridas no ambiente de trabalho ou fora dele, quanto afastado; estudos ou avaliações do local e da organização em questão; e recortes de jornal e notícias publicadas na mídia sobre o contexto da época, possibilitando, assim, o encadeamento das evidências.
Assim sendo, as entrevistas foram realizadas com a anuência do entrevistado. Utilizou-se o procedimento de história de vida, através de entrevista semidirigida, como monólogo. Ao todo, foram realizados doze encontros, que ocorreram no segundo semestre de 2006.
A análise dos dados foi feita pela técnica de análise de conteúdo. As categorias gerais de análise foram definidas em dois momentos. No primeiro deles, a partir dos objetivos da pesquisa, e, num segundo momento, após a coleta de dados, com a finalidade de classificar os dados obtidos para que fossem comparados. Não foi objetivo analisar as implicações monetárias do assédio moral no trabalho, tampouco as judiciais.
Como categorias gerais, foram consideradas as consequências descritas por Freitas (2007): individuais (personalidade, identidade e autoestima); organizacionais (afastamento de pessoal por doenças e acidentes de trabalho e o reforço ao comportamento negativo dos indivíduos perante a impunidade); e sociais (incapacitação precoce de profissionais, elevação do nível de suicídios na sociedade, aposentadorias precoces e desestruturação familiar e social das vítimas). Do mesmo modo, foi considerada a relação entre as formas de gestão e a organização do trabalho com a ocorrência de assédio moral, descritas por Freitas (2001) e Hirigoyen (2005).
4. Resultados e discussão
Através do material colhido e analisado, foram evidenciados vários fatos que possibilitam compreender as implicações do assédio moral nas três esferas analisadas (individual, organizacional e social).
Verificou-se também que existiram alterações na forma de gestão e na organização do trabalho. Assim, tanto a organização do trabalho como a condição de trabalho sofreram alterações após a privatização do banco.
Na medida em que a forma de gestão foi sendo alterada, os requisitos necessários dos cargos também sofreram modificações. Neste estudo, encontrou-se uma realidade em que a instabilidade, o grande número de demissões, a ameaça de perder o emprego e a exigência de atitudes que beneficiem o lucro da organização são constantes e, apesar da existência de um código de ética na empresa, os princípios éticos foram esquecidos.
Abreu e Sorj (2002), Chesnais (1996) e Segnini (1999), dentre outros, apontam como consequência das privatizações os altos índices de demissão e instabilidade no emprego dos bancários, abrindo espaço para o medo do desemprego frente à competitividade do setor e levando à mudança do perfil, tendo como objetivo, porém, tornar as pessoas dóceis, sem questionar as normas nem a organização e, assim, elas se sujeitam a essas práticas organizacionais para manter seu emprego e para não se sentirem excluídas.
Os colegas de trabalho de Justino reconheciam que algo estava errado, contudo, como isso não os estava atingindo, nada faziam. Dessa forma, o individualismo também foi identificado como consequência das formas de gestão descritas por Barreto (2001; 2006), Dejours (2000), Grisci e Bessi (2004), Haroche (2005) e Heloani (2003).
Além do individualismo, a violência também se tornou presente pela prática do assédio moral. Neste estudo, as atitudes de violência contra os funcionários são explicadas pela "necessidade do banco", como se fosse algo que não pode ser contestado. A violência é imposta, inquestionável e legitimada, tornando-se a única palavra, sem possibilidade alguma de diálogo.
O fato é que a violência é uma resposta do sistema, e não uma ação individual. Dejours (2000) afirma que a violência infligida no contexto de uma imposição de trabalho pode se colocar ao lado do bem.
Assim, Justino teve implicações do assédio moral em sua vida pessoal, social, profissional e familiar. Observou-se que tanto a personalidade, quanto a identidade e a autoestima do sujeito sofreram modificações, de forma que ele se viu envolvido em sentimentos de medo de perder o trabalho, vergonha por não ter agido contra o assédio, raiva quando descobriu a agressão, rememoração do trauma, esmagamento e falta de visão de futuro para si próprio.
Percebeu que, no momento das entrevistas, era diferente do que era antes da agressão e sentia culpa por isso. Os vínculos sociais do sujeito foram prejudicados, uma vez que ele escondeu o fato de seus vizinhos, parentes e amigos e acabou por se afastar deles.
Também teve problemas no seu casamento, e seu filho, em idade escolar, teve sintomas de agitação e ansiedade na escola no mesmo período em que o pai estava sofrendo a agressão no trabalho, como se o sofrimento do pai estivesse se refletindo no filho. Quando Justino se afastou do trabalho e a causa do sofrimento cessou, os sintomas do filho também cessaram. Dejours (1996) afirma que a angústia dos pais torna-se problema para as crianças, que lutam contra esse sofrimento como se fosse delas, sem saber sua origem.
Justino buscou, reconhecimento pelo fato ocorrido junto à organização de trabalho e aos profissionais da saúde, contudo não obteve apoio. Pelo contrário, o médico lhe negou um laudo que estabelecesse o nexo da doença, apesar de afirmar verbalmente que esse nexo existia. Isso lhe causou grande revolta. Barreto (2006) fala que, quando as pessoas encontram a indiferença nos profissionais de saúde, quando não encontram um espaço para conseguir colocar sua dor, sentem desamparo, revolta, incapacidade para se expressar e para realizar seu potencial.
Justino também apresentou pensamentos suicidas através de atitudes que colocavam sua vida em risco. Barreto (2006) também reforça a necessidade de os médicos compreenderem a situação das vítimas, uma vez que a incompreensão é fonte de humilhação e pode levar ao suicídio.
Autores como Freitas (2007) e Cassito (2003) remetem à perda de capacidade do trabalho como consequência dessa violência, como também se percebeu no caso estudado.
Dessa forma, a empresa arcou com custos de queda na motivação, na satisfação e na criatividade para o trabalho, degradação do clima organizacional, queda de produtividade e qualidade no atendimento, além de custos com afastamento, relocação de funcionário, desligamento e ação trabalhista.
Contudo, apesar dessas implicações, houve impunidade da agressora e falta de ação dos colegas de trabalho e dos superiores hierárquicos. Assim, a impunidade contra atos que agridem o outro no ambiente de trabalho estimula o aparecimento e a manutenção de comportamentos que margeiam a ética a tal ponto, que a vítima virou motivo de piada para colegas que não reconheciam seu sofrimento diante da violência.
Durante todo o período de coleta de dados Justino buscava justiça para seu caso. Guareschi (1995, p.17) afirma que a justiça é uma "relação que tem a ver com igualdade, respeito, direitos iguais." Assim, "a regra básica da justiça é a igualdade." Dessa forma, não conseguindo reconhecimento na empresa, no sindicato e na relação médico-paciente, e sentindo-se inferior aos demais, busca justiça através da Justiça, para que a relação possa ser de igualdade.
Desse modo, querer justiça é querer estar no nível de igualdade com a organização do trabalho e o agressor. Através da Justiça, o indivíduo pode voltar a se sentir igual aos outros, pode se reconstruir, pois, estando em igualdade, é possível haver comunicação.
5. Considerações Finais
As mudanças ocorridas na forma de gestão das organizações financeiras causaram impacto na organização do trabalho, nas condições de trabalho e, consequentemente, no indivíduo, mudando sua realidade laboral. No caso estudado, percebeu-se uma relação direta entre a forma de gestão e organização do trabalho, com a ocorrência de violência no trabalho, o que levou ao assédio moral.
Com relação às implicações individuais, a teoria de Freitas (2007) foi confirmada, de forma que a pessoa que sofreu assédio moral sofreu impacto na sua personalidade, na sua autoestima e na sua identidade. No que diz respeito às implicações no âmbito organizacional, a teoria estudada também foi confirmada, pois organização teve um funcionário afastado do trabalho por motivo de doença durante um longo período, o que reforçou o comportamento negativo do agressor perante a impunidade.
Já quanto às implicações no âmbito social, confirmaram-se a incapacitação precoce de trabalho, a existência de pensamentos suicidas e a desestruturação familiar e social da vítima. Não foi identificada a necessidade de aposentadoria precoce. Todavia, como o estudo foi feito a partir de um corte seccional, não é possível afirmar que, no futuro, essa necessidade não se fará presente.
Uma ação coletiva necessária para cessar a violência, nesse caso, foi insuficiente e trouxe mais humilhação para o indivíduo, contribuindo ainda mais para uma sociedade individualista.
Assim, a perda precoce da capacidade de trabalho pode agravar o quadro de desemprego e criar mais uma forma de exclusão social e discriminação dos que sofreram assédio e ficaram incapacitados para o trabalho, mesmo que temporariamente.
Dessa forma, diante deste estudo, pode-se concluir que a sociedade sofre com a incapacitação precoce, temporária ou não, desses profissionais, que se encontram no auge de sua produção profissional, arcando com as despesas de afastamento do trabalho e o possível aumento do número de suicídios. Os indivíduos vítimas dessa violência sofrem com implicações na sua vida pessoal, social, profissional e familiar, enquanto que as organizações financeiras arcam com custos de afastamento por doenças e acidentes de trabalho, custos de ações trabalhistas e com perda de produtividade e absenteísmo, embora mantenham o crescente lucro obtido.
Assim, diante deste estudo, também se comprova a teoria estudada de Freitas (2001) e Hirigoyen (2005), segundo a qual situações específicas nas organizações (cultura e clima permissivo da organização, com desconfiança e competição exacerbada; supervalorização das estruturas hierárquicas; processos de reestruturação organizacional sem transparência e com ameaças generalizadas; ingresso de profissionais com qualificação superior ao da chefia; desumanização das relações de trabalho; onipotência da empresa e tolerância ou cumplicidade para com o agressor) podem ser terreno fértil para o surgimento do assédio moral.
Uma vez que o assédio moral deriva de interações sociais, sugere-se um trabalho conjunto entre as pessoas, através de ações que tenham a finalidade de cessar e prevenir a ocorrência do assédio moral no trabalho. O fim dessa situação depende da vigilância constante das condições de trabalho, da comunicação, da informação e da educação, através da mobilização dos trabalhadores (tomadores de decisão, gerentes, profissionais de recursos humanos e supervisores) e envolvimento tanto dos sindicatos como dos profissionais da saúde, advogados, antropólogos, sociólogos, organizações não governamentais, bem como a participação do Estado, através de políticas públicas.
Efetivamente, em caráter preventivo, as organizações podem adotar caminhos para informar e treinar gerentes e funcionários através da educação e informação. Isso pode ocorrer através da elaboração de um código de ética e de condutas, da realização de treinamentos, do encorajamento a um comportamento ético, do profissionalismo, da confiança, do clima de tolerância e da liberdade de atitudes, além de desencorajar recusa de colaboração e comportamentos inadequados.
Já quando o assédio está presente na organização, faz-se necessário estabelecer um confidente e um mediador, além de criar ações voltadas para a restauração da saúde e da dignidade.
Na verdade, como se verificou neste estudo, é preciso que o assédio moral seja visto como algo que envolve interações sociais complexas e, como tal, não é um problema individual. Pois, se o que favoreceu o assédio foi a organização do trabalho e a gestão, elas precisam ser repensadas, dando-se maior importância aos seres humanos que trabalham na organização, e não somente ao fator econômico, como foi verificado.
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