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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.10 no.2 Florianópolis dez. 2010

 

ARTIGO - REVISÃO DE LITERATURA

 

Problemas conceituais e empíricos na pesquisa sobre comprometimento organizacional: uma análise crítica do modelo tridimensional de J. Meyer e N. Allen*

 

Conceptual and empirical problems in organizational commitment research: a critical analysis of J. Meyer and N. Allen three-component model

 

 

Ana Carolina de Aguiar RodriguesI; Antonio Virgilio Bittencourt BastosII

IDoutoranda em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora Parceira do Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade Nove de Julho. anacarolina.ar@gmail.com. lattes http://lattes.cnpq.br/0610643037967949
IIDoutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB). Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFBA. virgilio@ufba.br lattes http://lattes.cnpq.br/3264748971027585

 

 


RESUMO

Na agenda de pesquisa sobre comprometimento organizacional (CO), predomina o modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991) formado pelas bases afetiva, normativa e de continuação (instrumental). Esse modelo, contudo, tem sido foco das discussões sobre os principais problemas que cercam o construto: esticamento indevido do conceito, escalas com propriedades psicométricas inadequadas e inconsistências empíricas, parcialmente decorrentes da inclusão da base de continuação, que apresenta controvérsias em sua estrutura fatorial, comportamento diferenciado dos demais fatores e correlações baixas ou negativas com variáveis desejáveis. Essa base representa também o significado de "permanência por necessidade", faceta questionável do conceito de comprometimento, sob o argumento de que constitui um tipo de vínculo diferente. Buscou-se organizar e mapear as principais questões conceituais e empíricas do modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991), a fim de apresentar o panorama necessário para uma maior compreensão do atual estado da arte e das alternativas para a agenda de pesquisa na área. Para tanto, foram articuladas investigações e discussões teóricas nacionais e internacionais sobre o comprometimento publicadas até o ano de 2009. A partir dessa análise, o estudo sugere que o modelo tridimensional seja revisado e propõe a retirada da base de continuação do conceito de comprometimento.

Palavras-chave: comprometimento organizacional, comprometimento de continuação, problemas conceituais e empíricos.


ABSTRACT

In organizational commitment (OC) research, Meyer and Allen's (1991) three-component model predominates, formed by affective, continuance, and normative components. This model, however, has been the focus of discussions on key issues surrounding the construct: undue stretching of the concept, measures with inappropriate psychometric properties, and empirical inconsistencies, partly caused by the continuance component, which presents unstable factor structure, behaviors differing from other dimensions, and poor or negative correlations with desired variables. This component also expresses the definition of "necessary continuance," a questionable attribute of the commitment concept, arguing for a different kind of attachment. The aim of this work was to organize and categorize the main conceptual and empirical issues of Meyer and Allen's (1991) three-component model, as a necessary perspective for a better understanding of current research and alternatives for the research agenda in this area. Investigations and theoretical debates about commitment, published until 2009, from Brazil and other countries, were articulated to provide an analysis that proposes the revision of the three-dimensional model and the split of the continuance component from the commitment concept.

Keywords: organizational commitment, continuance commitment, conceptual and empirical problems.


 

 

Comprometimento no trabalho e, em particular, comprometimento com a organização, tanto internacional quanto nacionalmente, mantêm-se entre os tópicos mais investigados no domínio do Comportamento Organizacional. Uma extensa agenda de pesquisa (Bastos, 1993; Medeiros, Albuquerque, Siqueira & Marques, 2002; Mowday, 1998) sustenta o trabalho de pesquisadores envolvidos em aprofundar a compreensão de questões conceituais, teóricas e empíricas ainda abertas na área. Inúmeras formas de comprometimento no trabalho têm sido investigadas, considerando-se os diferentes focos (organização, carreira, trabalho, profissão, objetivos, sindicato, entre outros) e as bases do comprometimento (afetivo, normativo, de continuação, afiliativo, alienativo, moral, calculativo, etc.). A essa diversidade, agrega-se o fato de que a própria mensuração do construto não está devidamente equacionada, com uma pluralidade de escalas, nem sempre conceitualmente bem delimitadas. Há, além disso, uma tendência a tratar o comprometimento como fonte e receptáculo de diversos tipos de vínculo, o que tem gerado dilatação do construto, imprecisão dos estudos e ameaça à validade dos resultados encontrados (Bastos, 1998; Brown, 1996; Morrow, 1983; Osigweh, 1989, Reichers, 1985). Por esse motivo, são imprescindíveis trabalhos que analisem os problemas que cercam a agenda de pesquisa da área e que forneçam alternativas para uma maior delimitação do conceito de comprometimento.

Neste estudo, a discussão segue uma via tripartite: (1) inconsistências conceituais provenientes do esticamento do construto; (2) inadequação das propriedades psicométricas das escalas utilizadas; (3) inconsistências empíricas envolvendo as bases propostas. O foco principal é dado ao modelo tridimensional, que foi proposto por Meyer e Allen (1991) na tentativa de organizar a amplitude de abordagens desenvolvidas desde 1960, reunir os conceitos elaborados e expandir o construto, com o objetivo de aumentar sua generalização.

Meyer e Allen (1991) apresentaram três bases para o comprometimento organizacional: a primeira, desenvolvida a partir da teoria dos side bets de Becker (1960), traz a ideia de continuar em determinado curso de ação após o cálculo dos custos envolvidos no afastamento dessa linha, tendo sido denominada "comprometimento de continuação" (Kanter, 1968; Meyer & Allen, 1984), "calculativo" (Etzioni, 1961/1974) e traduzida como "comprometimento instrumental" (Bastos, 1993; Medeiros, 1997), denominada "comprometimento de continuação" (Kanter, 1968; Meyer & Allen, 1984); a segunda, baseada no trabalho de Mowday e cols. (1982), traz a noção de afeto para com a organização, que estimula o indivíduo a permanecer porque gosta, compartilha valores e se envolve com os papéis organizacionais, tendo sido denominada por Allen e Meyer (1990) "comprometimento afetivo"; e a terceira, com base no estudo de Wiener (1982), sugere que, em alguns casos, o indivíduo permanece na organização por se sentir obrigado, após internalização das normas organizacionais. Sua denominação passou a ser "comprometimento normativo".

A ampliação da multidimensionalidade do comprometimento, não somente pelo modelo tridimensional, mas também por outras bases sugeridas em diferentes trabalhos (Etzioni, 1961/1974; Jaros e cols., 1993; Kanter, 1968; Medeiros, 2003; O'Reilly & Chatman, 1986; Rego, 2003), contribuiu para o que Osigweh (1989) denominou "esticamento do conceito": o que inicialmente parece um ganho em termos de extensão, causa construções confusas, resultando em conceitos menos precisos ou "pseudouniversais". No caso do comprometimento, interpreta-se que as dimensões incluídas, a partir de inúmeros estudos em contextos específicos, tenham contribuído para o crescimento amorfo do conceito, ameaçando sua generalização. Para minimizar esse esticamento, o autor propõe que, inicialmente, sejam feitas definições acerca do que o construto não é, buscando-se, dessa forma, chegar a uma definição de seus limites, a uma essência central, que tenha um maior nível de abstração e uma maior variedade de aplicações.

Para tanto, é necessário, inicialmente, estruturar os problemas mais proeminentes e as incongruências observadas na literatura da área, de modo a selecionar os pontos que estão interferindo na qualidade e na generalização dos estudos e, assim, propor alterações. A seguir, estão sistematizadas as principais questões conceituais e empíricas presentes nas discussões sobre o comprometimento organizacional, publicadas até o ano de 2009. A análise desses tópicos tem como objetivo compor um conjunto de argumentos em defesa da reestruturação e da maior delimitação do conceito de comprometimento, coma retirada do componente de continuação.

O Esticamento do Conceito de Comprometimento Organizacional

Para iniciar a discussão sobre o esticamento do construto e sobre a pertinência da base de continuação, é importante analisar as mudanças no conceito de comprometimento ao longo do tempo, especialmente no que concerne à noção de permanência. Fica claro desde o trabalho de Becker (1960) que o comprometimento está relacionado principalmente à permanência dos trabalhadores nas organizações. Porter e cols. (1974) iniciam o artigo com a afirmativa de que um dos principais problemas enfrentados pelas organizações é a rotatividade, apontando o comprometimento organizacional como o elemento que diferencia os trabalhadores que saem dos trabalhadores que permanecem. Mais de 30 anos depois, seria possível dizer que a diminuição das taxas de rotatividade continua sendo um problema para as organizações? Não seria um problema maior, considerando a intensa oferta de trabalhadores na conjuntura atual, encontrar profissionais que não estejam na organização somente por necessidade, mas por quererem agregar valor às tarefas e à equipe?

Barros (2007) faz uma revisão das alterações no contexto político e econômico mundial desde a Revolução Industrial e de suas influências sobre o comportamento organizacional. Constata que, em meados do século XX, após um longo período de inexistência da gestão de pessoas, as organizações começaram a adotar estratégias ligadas à retenção de profissionais capacitados, motivadas pela tentativa de reduzir os custos de substituição de pessoal. Essa época é marcada pelo surgimento do conceito de comprometimento, seguido de estudos visando sua operacionalização e mensuração. Contudo, a partir do final do século XX, com novas relações de trabalho estabelecidas, enxugamento das organizações e difusão do conceito de competências, a busca de permanência do empregado dá lugar, gradualmente, à necessidade de bons desempenhos, qualidade do trabalho e resultados em prol da organização.

Analisar as transformações nas demandas organizacionais é importante para elucidar o caminho percorrido na elaboração do conceito de comprometimento. Por muito tempo, o interesse em investigar a rotatividade e a permanência fez com que o desenvolvimento do construto fosse guiado pela pergunta "o que faz o indivíduo continuar na organização?", de sorte que seu conteúdo foi ampliado na tentativa de encontrar a resposta mais completa possível. Seria prudente especular, todavia, que com as mudanças do contexto, também o conceito de comprometimento tenha sofrido alterações. O "ser comprometido" que, até o final do século XX, estava associado à ideia de permanência, passa a incorporar a noção de contribuição ativa para a organização. Se a mesma lógica fosse seguida, novas dimensões deveriam ser incorporadas ao conceito de comprometimento na tentativa de explicar, por exemplo, o desempenho individual, uma vez que é esse um dos consequentes mais pleiteados pelos estudos organizacionais na atualidade (Medeiros, 2003).

Como resposta à crítica de que a base de continuação é um preditor da permanência, Meyer e cols. (2002) e Powell e Meyer (2004) argumentam que o empregado pode ter a intenção de permanecer na organização devido a um forte comprometimento afetivo ou normativo. Em contrapartida, seguindo esse raciocínio, afirma-se que o comprometimento organizacional, mesmo forte, pode não ser um determinante da permanência do empregado. Tal noção encontra respaldo na afirmação de Solinger e colaboradores (2008), de que empregados comprometidos podem deixar a organização por várias razões (melhores oportunidades de carreira, circunstâncias familiares), enquanto empregados não comprometidos podem permanecer por motivos financeiros ou por falta de oportunidades no mercado de trabalho.

Barbosa e Faria (2000), ao criticarem as ideias de troca de vantagens por permanência, presentes em definições científicas do comprometimento, afirmam que permanecer não significa necessariamente comprometer-se, pois o indivíduo pode perceber na organização fatores que o interessam ou beneficiam, permanecendo por estar comprometido consigo mesmo. É possível, por outro lado, que o indivíduo se sinta comprometido mesmo após sair da organização, nos casos em que a saída seja motivada por fatores externos a interesses pessoais ou variáveis organizacionais (questões familiares, aprovação em concurso, etc).

Com base nessas reflexões, é possível conjecturar que a permanência ou não do trabalhador na organização pode ser explicada por muitas variáveis além do comprometimento e que, por isso, não deve ser tratada como uma dimensão constitutiva do construto, mas como uma de suas possíveis consequências. Klein e cols. (2009) fazem uma observação similar ao afirmar que o conceito de comprometimento enquanto continuação ou permanência se confunde com um dos seus próprios consequentes, da mesma forma que o comprometimento enquanto investimentos ou trocas se confunde com um de seus antecedentes. Portanto, em oposição à assertiva de Porter e cols. (1974), entende-se que o comprometimento não deve ser tratado como um elemento que diferencia os trabalhadores que saem daqueles que permanecem. Ainda, deve ser feita uma distinção entre a permanência por vontade e a permanência por necessidade, sendo a primeira considerada aqui um das possíveis consequências do comprometimento e a segunda melhor explicada por outros vínculos que não o comprometimento organizacional.

Não obstante as expectativas em relação ao trabalhador comprometido tenham mudado, o conceito de comprometimento ainda possui facetas que explicam tão somente a sua permanência na organização. Bar-Hayim e Berman (1992) já apontavam algumas distinções entre o comprometimento passivo (permanência por não vislumbrar melhores oportunidades) e ativo (identificação com a organização e disponibilidade para exercer esforços extraem seu benefício). Antes disso, Mowday e cols. (1982, p. 27) afirmavam que o comprometimento organizacional "[...] representa algo além da mera lealdade passiva para com a organização. Envolve uma relação ativa, de modo que os indivíduos desejam dar algo de si mesmos a fim de contribuir para o bem estar da organização". Solinger e cols. (2008) complementam essa distinção com a ideia do contínuo "construtivo e destrutivo". O cruzamento dessas formas de expressão gera comportamentos desejáveis, no campo construtivo-ativo (empenho extra, cooperação) ou construtivo-passivo (paciência, tolerância às normas) e comportamentos indesejáveis, no campo destrutivo-ativo (agressão, sabotagem, retenção de informações) e destrutivo-passivo (negligência, esquiva das tarefas).

No presente estudo, a noção de ativo está ligada a comportamentos que beneficiariam intencionalmente a organização, enquanto a noção de passivo se relaciona à inércia ou indiferença frente aos objetivos organizacionais. Questiona-se, então, o que é atualmente esperado de um trabalhador comprometido: lealdade passiva, representada por sua manutenção como empregado, ou envolvimento real, por meio de esforços em prol de bom desempenho, interesse pelas atividades e desejo de desenvolvimento da organização?

Reichers (1985) aponta como uma das lacunas dos estudos de comprometimento a distância entre as definições científicas e as percepções dos trabalhadores. Segundo o autor, muitas das conceituações e operacionalizações do construto partem de revisões da literatura e hibridizações de definições prévias, sem considerar qual o significado do comprometimento para os sujeitos a partir de suas próprias percepções. Tal limitação tem origem na tradição de estudos quantitativos e escassez de pesquisas qualitativas na área (Bastos, 1993, 1998). Na Figura 1, é apresentada uma síntese de 24 diferentes definições científicas do comprometimento.

Observa-se, como esperado, que há uma grande amplitude de facetas incorporadas ao conceito de comprometimento. Há, ainda, uma clara separação entre dimensões que representam um vínculo ativo, expresso pelo engajamento, intenção de empenho extra, afeto e identificação com a organização e as dimensões que manifestam uma relação passiva, que se resume à permanência e à relação de troca com a organização, onde se enquadra o vínculo instrumental de continuação. Algumas definições de comprometimento formaram a categoria "obrigação", posicionada no mapa de forma central, uma vez que o indivíduo pode se sentir em obrigação com a organização em função de um vínculo afetivo (ativo), ou se sentir obrigado a cumprir certos procedimentos e regras de trabalho como forma de manter o emprego ou status alcançado (passivo).

A análise de alguns estudos brasileiros qualitativos acerca do que é "ser comprometido" (Bastos e cols., 1997; Brito & Bastos, 2001; Melo, 2006; Rowe & Bastos, 2007) indica que os trabalhadores apresentam como aspectos centrais do conceito de comprometimento o engajamento, a dedicação à organização e o zelo pelo setor em que trabalham, entre outras categorias que integram a noção de vínculo ativo. Com menor peso, mas ainda representativa, observa-se uma associação feita entre "ser comprometido" e obedecer a regras e procedimentos, cumprir acordos e contratos de trabalho, pontos ligados à noção de obrigação. Por fim, de forma reduzida, aparecem as ideias de permanência e troca, que representam a noção de vínculo passivo. Dada a natureza mais periférica desse último grupo, é possível sugerir que a permanência não é uma condição essencial para que um empregado seja considerado comprometido, sob a ótica dos atores organizacionais.

Ao confrontar tais resultados com as definições científicas do comprometimento organizacional, é possível afirmar que há uma ênfase, para os trabalhadores e gestores, nas ideias de engajamento, identificação e obrigação, enquanto, tomando por base as conceituações feitas por cientistas, há, além desses aspectos, evidência nos processos de troca e permanência na organização. Conclui-se que não há um alinhamento entre o que vem sendo pesquisado e o que é esperado pelos atores organizacionais. É indicado, portanto, reavaliar a pertinência de alguns pontos tradicionalmente presentes nos estudos desse construto.

No caso do modelo tridimensional do comprometimento, Solinger e cols. (2008) caracterizam-no como um preditor de permanência, sendo este sobretudo um papel da base de continuação. O ponto de partida para a crítica traçada pelos autores é a diferenciação entre os objetos dos comprometimentos atitudinal e comportamental. Uma incorreção lógica é identificada na concepção do modelo: em um mesmo construto, estão sendo reunidas atitudes frente a um objeto (organização), que é o comprometimento afetivo, e atitudes frente a um comportamento (permanecer na organização), que são os comprometimentos normativo e de continuação. Solinger e cols. (2008) afirmam que essa inconsistência conceitual é responsável pelas diferenças encontradas nos estudos empíricos com as três bases, sendo que a base afetiva normalmente apresenta fortes associações com diversas variáveis investigadas, e a base de continuação, relações mais fracas ou negativas. Embora os autores citem a base normativa como tendo também relações mais fracas, é possível que tal resultado esteja sujeito à limitação de estudos envolvendo esse componente (Meyer e cols., 2002).

Como exemplo, Solinger e cols. (2008) citam o insucesso de alguns estudos em encontrar relações entre o comportamento de cidadania organizacional e o comprometimento de continuação (Cunha e cols., 2004; Meyer e cols., 2002). A explicação é que, nesse caso, busca-se relacionar um comportamento A (agir como um cidadão) à não necessidade ou não utilidade do comportamento B (deixar a organização). Em outras palavras, busca-se relacionar 1) o fato de um indivíduo não considerar vantajoso sair do emprego, devido aos benefícios que perderia e outros custos associados a 2) um comportamento de cidadania organizacional. Para os autores, seria mais congruente esperar relação entre o comportamento de cidadania organizacional e a utilidade relativa a agir como um cidadão.

Solinger e cols. (2008) ressaltam que a atitude frente a um objeto (no caso, a organização), pode levar a diferentes comportamentos, como permanência, desempenho, comportamento de cidadania organizacional, entre outros já verificados em trabalhos empíricos (Meyer e cols., 2002). Além disso, a manutenção da atitude ao longo do tempo não significa que o repertório de comportamentos será sempre o mesmo. Os comportamentos advindos do comprometimento atitudinal mudarão à medida que o indivíduo amadurece ou progride em sua carreira. Por outro lado, uma atitude frente a um comportamento é mais restrita, uma vez que já está especificado o comportamento resultante (no caso, permanecer na organização). Sob esse argumento, os resultados encontrados nas pesquisas com o comprometimento de continuação se tornam mais compreensíveis, uma vez que há uma restrição das variáveis com as quais apresenta relações significativas, enquanto a base afetiva, que representa uma atitude, tende a se correlacionar positiva e significativamente com muitos comportamentos desejáveis. A partir dessa discussão, Solinger e cols. (2008) sugerem, com base na teoria de Eagly e Chaiken (1993) sobre atitudes, que as bases normativa e de continuação não sejam consideradas comprometimento, mas sim antecedentes de atitudes frente a um comportamento ou, mais precisamente, diferentes classes de consequências imaginadas pelo indivíduo caso não permaneça empregado.

Sobre a inclusão de bases atitudinais e comportamentais no mesmo construto, um aspecto digno de nota é que toda a revisão de literatura de Mowday e cols. (1982) perpassa a questão do comprometimento atitudinal versus comportamental, tendo como resultado a inclusão de ambas as dimensões na medida de comprometimento Organizational Commitment Questionnaire (OCQ). Mais tarde, esse modelo é refutado, e as variáveis de intenção comportamental são retiradas da escala (Bastos, 1992; Osigweh, 1989; Reichers, 1985) com o objetivo de aumentar sua precisão. No modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991), o mesmo ocorre: a escala da base de continuação traz em si itens que têm como objeto o comportamento, porém permanece na escala que inclui variáveis atitudinais (base afetiva). Não seria pertinente, assim como feito com o OCQ, retirar as variáveis que expressam uma atitude frente a um comportamento? Na seção a seguir, são discutidos os principais problemas encontrados na medida do modelo tridimensional do comprometimento.

Mensuração do CO: a Qualidade Psicométrica das Escalas

Assim como diversos conceitos foram incorporados ao construto de comprometimento, também sua operacionalização ocorreu muitas vezes sem a cautela devida, ocasionando problemas de validade e precisão. Escalas foram propostas e poucos pesquisadores se preocuparam em avaliar suas propriedades psicométricas antes de investigar sua relação com variáveis preditoras e consequentes (Mowday e cols., 1982). A medida de comprometimento desenvolvida por Meyer e cols. (1993) surgiu como uma alternativa às escalas anteriores, na busca de maiores validade e confiabilidade. Ainda que seja atualmente uma das mais utilizadas, essa medida também tem sido alvo de discussões ligadas à consistência interna e à estrutura fatorial (Dunham e cols., 1994; Ko e cols., 1997; Mcgee & Ford, 1987; Solinger e cols., 2008), conforme exposto a seguir.

Estruturas Fatoriais das Escalas

Ao tratar da estrutura fatorial das escalas propostas por Meyer e cols. (1993), um aspecto de grande destaque é a dimensionalidade da medida do comprometimento de continuação. McGee e Ford (1987) foram os primeiros a questionar a estrutura dessa base, iniciando um debate que perdura nos trabalhos mais recentes (Powell & Meyer, 2004). Os autores realizaram uma análise fatorial exploratória, que indicou a retirada de dois itens. Feita tal modificação, uma nova análise sugeriu que o comprometimento de continuação fosse composto por duas subdimensões: "alto sacrifício pessoal" e "poucas alternativas percebidas". Ainda que cada uma das subescalas tenha ficado com apenas três itens, seus índices de confiabilidade foram superiores ao encontrado na análise do modelo unidimensional. Para aprimorar a confiabilidade da medida, os autores sugeriram que novos itens fossem incluídos posteriormente.

Alguns estudos forneceram suporte empírico a essa proposta, pautados principalmente nos resultados obtidos após análises fatoriais (Carson & Carson, 2002; Dunham e cols., 1994; Jaros, 1997; Meyer e cols., 1990). Outros trouxeram argumentos contrários, atendo-se à avaliação do conteúdo dos itens e à diferença entre os ajustes fatoriais encontrados (Allen & Meyer, 1996; Hackett e cols., 1994; Ko e cols., 1997).

Meyer e cols. (1990) argumentaram, a princípio, que os itens realocados por McGee e Ford (1987) nas duas subdimensões se sobrepuseram semanticamente a ambas, uma vez que podiam refletir sacrifícios pessoais ou indicar limitação de alternativas (exemplo: "Seria muito difícil para mim deixar minha organização agora, mesmo que eu quisesse"). Contudo, após análise confirmatória, os autores observaram que o modelo de dois fatores foi mais bem ajustado, conquanto o modelo unifatorial tenha provido também um bom ajuste. Em contrapartida, Hackett e cols. (1994) e Ko e cols. (1997) afirmam que, embora a solução de quatro fatores para a escala de comprometimento organizacional seja possível, todas as diferenças de confiabilidade reportadas nos estudos são bastante modestas, e são altas as correlações entre as duas subdimensões do comprometimento de continuação.

Em consonância com McGee e Ford (1987), Carson e Carson (2002) desenvolveram um estudo a fim de aumentar a validade discriminante das subescalas do comprometimento de continuação. Foram acrescentados quatro itens, sendo dois para cada subdimensão, e retirados quatro itens da escala original, após a análise fatorial. Como resultado do estudo, os autores observaram que o fator "sacrifícios pessoais" apresentou correlação com todas as variáveis demográficas e de trabalho/organização estudadas, enquanto "limitação de alternativas" apresentou correlação apenas com as variáveis ligadas à carreira.

Tal resultado é consistente com a sugestão de Ko e cols. (1997), que levantam a possibilidade de considerar "limitação de alternativas" um antecedente do comprometimento de continuação, e não seu componente, a partir da análise de que "sacrifícios pessoais" representa melhor o que Becker (1960) denominou side bets. Essa suposição é amparada pelas relações encontradas por Meyer e cols. (2002): as duas subdimensões ("limitação de alternativas" e "sacrifícios pessoais") tiveram relações contrárias ao comprometimento afetivo (negativa e positiva, respectivamente), e o componente "sacrifícios pessoais" apresentou correlações negativas mais fortes com a intenção de saída do que "limitação de alternativas". Com base nesses resultados, Meyer e cols. (2002) concordam com a hipótese de que a subescala de "sacrifícios pessoais" seja uma melhor operacionalização da teoria de H. S. Becker e propõem um maior refinamento da medida de comprometimento de continuação.

Conclui-se do debate sobre a dimensionalidade do comprometimento de continuação que a medida contém problemas de validade e confiabilidade, visto que os resultados divergem ao longo dos estudos e que a escala pode não estar medindo somente o comprometimento, mas também um antecedente, no caso da "limitação de alternativas".

Menor atenção tem sido dada a um tópico também indefinido e não menos importante: a possível sobreposição entre o comprometimento afetivo e o normativo. Provavelmente, a produção mais modesta ligada a esse tema seja devido ao menor volume de investigações envolvendo a própria base normativa (Meyer e cols., 2002). Estudos apontam sistematicamente para a alta correlação entre as bases normativa e afetiva (Cooper-Hakim & Viswesvaran, 2005; Meyer e cols., 1993) e, embora alguns autores sinalizem a possibilidade de sobreposição e redundância conceitual entre essas duas dimensões (Ko e cols., 1997; Powell & Meyer, 2004), poucas pesquisas têm sido voltadas para esse aspecto.

Consistência Interna

Meyer e cols. (2002), em sua metanálise, demonstraram preocupação com a "generabilidade" do modelo tridimensional do comprometimento, realizando comparações entre resultados encontrados por estudos norte-americanos e estudos fora da América do Norte. Embora os autores tenham concluído que as diferenças não impactavam de forma significativa nos cruzamentos entre o comprometimento e variáveis antecedentes e consequentes, algumas pesquisas apontam para efeitos da cultura na consistência interna das escalas (Medeiros & Enders, 1997).

Na Tabela 1, são apresentadas médias de índices de confiabilidade reportados em diferentes pesquisas, reunidas por Rodrigues (2009). Nota-se que, em todos os casos, a consistência interna da escala de comprometimento afetivo é maior. As demais bases apresentam índices aceitáveis na América no Norte; todavia, estudos conduzidos em outros países revelam consistências mais baixas para a escala do comprometimento de continuação. Suas subdimensões apresentam, também, índices mais baixos. Tais resultados divergem dos encontrados inicialmente por McGee e Ford (1987) e por Meyer e cols. (1990) e podem ter sido influenciados pelo número reduzido de itens nas subdimensões.

Dentre os estudos brasileiros consultados, observou-se uma preocupação maior dos pesquisadores em reportar os resultados de correlação e médias de comprometimento, em detrimento do cuidado com o relato das propriedades psicométricas das escalas utilizadas (Bandeira e cols., 2000; Colossi, 2004; Cruz, 2002; Dias & Marques, 2002; Lauer-Leite, 2006).

Alguns autores argumentam que fatores culturais devem impactar nos resultados de consistência interna obtidos nos estudos dentro e fora da América do Norte, além de questões relacionadas à tradução das escalas (Meyer e cols., 2002; Medeiros & Enders, 1997). Não obstante a legitimidade desse argumento, ressalta-se que os resultados de pesquisas aplicadas em diferentes países seguem a mesma tendência: melhores soluções para a base afetiva e resultados mais críticos para as bases normativa e de continuação.

No Brasil, esforços têm sido feitos para adequar a medida à realidade local (Medeiros, 2003; Siqueira, 2001), mas os índices de confiabilidade permanecem bastante modestos. Uma exceção a essa tendência é encontrada no trabalho de Bastos e cols. (2008), que obteve índices de confiabilidade substancialmente maiores para as bases afetiva, normativa e de continuação (0,88; 0,76 e 0,80, respectivamente). Principalmente no que se refere à base de continuação, esse resultado se destaca por estar entre os poucos alcançados em estudos fora da América do Norte. Interessante ressaltar que, dos oito itens reunidos para mensurar essa dimensão, provenientes de diferentes escalas publicadas (Meyer e cols., 1993; Carson & Carson, 2002; Powell & Meyer, 2004; Rego, 2003), somente dois são classificados como "limitação de alternativas", mais um indício de que essa subdimensão não deve ser tratada como constitutiva do comprometimento organizacional.

Inconsistências Empíricas: o Padrão de Associação entre o CO e outros Fenômenos

Após a proposição do modelo tridimensional do comprometimento, inúmeros estudos buscaram avaliar as relações entre suas dimensões e variáveis antecedentes, consequentes e correlatas. Até hoje, o modelo não apresenta ainda consistência empírica, devido à divergência de resultados encontrados nas pesquisas conduzidas (Meyer e cols., 2002).

Acredita-se que a instabilidade e a incongruência dos estudos empíricos sejam consequência dos problemas abordados nos tópicos anteriores. Em primeiro lugar, têm-se as questões conceituais não resolvidas, como a falta de consenso nas definições de comprometimento pelos pesquisadores e atores organizacionais e o esticamento do construto por meio da inclusão de diversos conceitos, combinando dimensões atitudinais e comportamentais. A falta de clareza dos componentes do comprometimento se reflete no conteúdo e na estrutura fatorial das medidas, o que impacta, por conseguinte, em sua validade e confiabilidade. Enfim, seria errôneo afirmar que as inconsistências empíricas são produto de falhas operacionais, uma vez que a etapa antecedente - construção teórica/conceitual do comprometimento - ainda não foi finalizada.

As figuras 2, 3 e 4 apresentam sínteses de diversos estudos realizados com base no modelo tridimensional do comprometimento feitas por Cunha e cols. (2004) e por Meyer e cols. (2002). As linhas representam correlações, e a ausência de linhas entre as variáveis representa lacunas na literatura ou resultados empíricos inconsistentes. Observa-se, claramente, que as bases afetiva e normativa tendem a apresentar relações semelhantes com diferentes variáveis, enquanto a base de continuação apresenta relações na direção oposta ou não significativas.

Na Figura 2, nota-se que a dimensão afetiva apresenta altas correlações com as variáveis desejáveis, enquanto correlações mais modestas são apresentadas pelas bases normativa e de continuação. No caso desta última, em específico, a maioria das correlações possui sinal oposto ao apresentado pelas demais bases.

Uma conclusão plausível é que, sob a ótica organizacional, as ações normalmente indicadas para aumentar o nível de comprometimento do empregado (suporte organizacional, justiça, liderança transformacional, funções desafiantes, clareza do papel, etc.) apresentam relação nula ou negativa com a base de continuação. Isso significa que, hipoteticamente, uma organização que pretendesse monitorar os níveis de comprometimento dos trabalhadores, considerando os componentes propostos por Meyer e Allen (1991), observaria que as mesmas ações que estariam fortalecendo o comprometimento afetivo poderiam contribuir para a diminuição do comprometimento de continuação, sendo a recíproca verdadeira.

Seguindo essa lógica, um funcionário que apresentasse alto nível de comprometimento de continuação, poderia, ao mesmo tempo, apresentar baixos níveis de satisfação com o trabalho (Figura 3). Tal resultado poderia levar um gestor a questionar se realmente a satisfação é um correlato do comprometimento ou se é válido implantar ações para desenvolver a base de continuação. Incongruências como essa são, sem dúvida, um dos grandes obstáculos para a pesquisa e aplicação prática do construto de comprometimento organizacional.

A Figura 4 apresenta as correlações entre as três dimensões e os possíveis consequentes do comprometimento. Como dito anteriormente, a base de continuação se comporta de forma divergente das demais, com exceção para as variáveis "intenção de abandonar a organização" e "abandono efetivo" ou "rotatividade". Entende-se, portanto, que o modelo tridimensional é um bom preditor da rotatividade, conforme defendido por Solinger e cols. (2008). Outra observação relevante é que as quatro variáveis com as quais o comprometimento de continuação estabelece relação positiva podem ser classificadas como indesejáveis: absenteísmo, estresse, comportamento de negligência e conflito família-trabalho.

Além das revisões de Cunha e colaboradores (2004) e Meyer e cols. (2002), muitos estudos posteriores já reportaram o comportamento diferenciado da dimensão de continuação (Cooper-Hakim & Viswesvaran, 2005; Herrbach, 2005; Medeiros, 2003; Solinger e cols., 2008).

Cabe, aqui, retomar a questão sobre a natureza do construto de comprometimento. O que é ser comprometido com a organização? É possível que, em um mesmo construto, haja fatores que se relacionam positivamente com as variáveis desejadas e um fator que se relaciona negativamente com as mesmas variáveis? O argumento utilizado por Meyer e cols. (2002, p. 21) em defesa, talvez, da validade discriminante do modelo tridimensional é o mesmo utilizado na discussão que propõe a desintegração desse modelo:

Um importante raciocínio para o desenvolvimento do modelo tridimensional foi a crença de que, embora as três formas de comprometimento se relacionem negativamente com a rotatividade, elas se relacionam diferentemente com medidas de outros comportamentos relevantes no trabalho (por exemplo, presença, desempenho no papel, comportamento de cidadania organizacional). Mais especificamente, espera-se que o comprometimento afetivo tenha a relação positiva mais forte, seguido pelo comprometimento normativo. Espera-se que o comprometimento de continuação apresente relações nulas ou negativas com esses comportamentos desejáveis no trabalho.

Se no desenvolvimento do modelo já existe a hipótese de que o comprometimento de continuação se relacionará negativamente com variáveis desejáveis, qual o papel dessa base na formação do construto? Mais uma vez, a falta de consenso sobre o conceito de comprometimento é um impeditivo para certas resoluções. A base de continuação seria pertinente somente se o comprometimento organizacional fosse tomado estritamente como um preditor de permanência. Sobre essa dimensão, Meyer e cols. (2002, p. 42, grifo dos autores) afirmam ainda:

É importante continuar a investigar como o comprometimento de continuação se desenvolve. Uma vez que o comprometimento de continuação apresenta correlação inexistente ou mesmo negativa com comportamentos desejáveis no trabalho, o interesse em seu desenvolvimento deve ser estimulado por um desejo de evitar criar o comprometimento de continuação na tentativa de aumentar o comprometimento afetivo.

Mais uma vez, os autores do modelo tridimensional contribuem para a argumentação em favor de sua desintegração. Se a base de continuação apresenta relações negativas com variáveis desejáveis e positivas com variáveis indesejáveis, como é possível que o seu estímulo possa contribuir para um maior comprometimento organizacional? É congruente tratar como comprometimento um fator que deve ser evitado? Afinal, o que é o comprometimento? A base de continuação faz parte desse construto?

Outros autores já afirmaram que a escala de comprometimento de continuação de Meyer e cols. (1993) parece medir razões para que o profissional permaneça como membro e não o comprometimento propriamente dito (Brown, 1996; Solinger e cols., 2008). Sendo assim, é apropriado especular se essa dimensão estaria relacionada à permanência do trabalhador na organização, mas não necessariamente a comportamentos esperados de um trabalhador comprometido. Alguns estudiosos vão além e não apenas sugerem a retirada da base de continuação do CO, como também afirmam que o construto seria mais bem representado como um fenômeno puramente afetivo (Solinger e cols., 2008; Herrbach, 2005).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou se inserir no rol de estudos que investigam mais detidamente os problemas conceituais do modelo tridimensional do comprometimento. Buscou também apresentar uma perspectiva de ajuste, destacando a dimensão de continuação e expondo-a ao escrutínio teórico e empírico, que revelou sua condição de vínculo distinto do que se entende por comprometimento organizacional. O sentido implicado na base de continuação (ou permanência) indica que o indivíduo continua ou permanece na organização por razões alheias à sua vontade, em geral ligadas ao cálculo das perdas e sacrifícios relacionados à possível saída. Pesquisas revisadas neste trabalho revelaram que esse tipo de vínculo está relacionado a variáveis indesejáveis tanto pelo trabalhador como pela organização e que tem sido desencorajado pela maioria dos pesquisadores (Cooper-Hakim & Viswesvaran, 2005; Cunha e cols., 2004; Meyer e cols., 2002). Ora, como é possível que dimensões antagônicas façam parte do mesmo construto, e que o comprometimento organizacional, que na teoria apresenta correlações positivas com variáveis como satisfação com o trabalho, comportamentos de cidadania organizacional e envolvimento, abrigue uma dimensão que contradiz essa expectativa? Como é possível que a base de continuação, ao se configurar como um vínculo que mantém o indivíduo sem o interesse de contribuir para o alcance dos objetivos organizacionais, seja considerada parte de um construto que contém em sua definição o compartilhamento dos objetivos da organização pelo trabalhador?

Nesse ponto, é importante enfatizar que a definição do comprometimento organizacional também tem sido alvo de grandes controvérsias (Klein e cols., 2009). Varia da concepção de que explica a permanência do indivíduo para a ideia de que é um vínculo que se traduz em empenho extra, identificação, lealdade, aquiescência, trocas, alienação, sentimento de obrigação, compartilhamento de metas, motivação, atitudes, comportamentos ou que seja simplesmente um elo entre indivíduo e organização. Diante de tantas possibilidades, este trabalho buscou atender à orientação de Osigweh (1989) e se limitar a descrever o que o comprometimento não é, em lugar de apresentar mais uma definição que poderia contribuir para o inchaço do construto.

Portanto, o presente trabalho defende que o comprometimento não é a permanência por necessidade, não é a continuação no curso de ação pelo motivo da perda de investimentos, sacrifícios pessoais ou limitações de alternativas. Entende-se, aqui, que esse seja realmente um possível vínculo estabelecido entre o indivíduo e a organização, mas que não se inclui no conceito de comprometimento organizacional.

Com a finalidade de encontrar alternativas que possibilitem uma maior delimitação conceitual e empírica do CO, pesquisas atuais têm investigado outros vínculos possíveis até então incluídos no conceito de comprometimento. É o caso do entrincheiramento organizacional, definido como a tendência do indivíduo a permanecer na organização devido a possíveis perdas associadas à sua saída (Rodrigues, 2009). Sua proposição foi inspirada no mesmo construto com foco na carreira (Carson e cols., 1995) e em teorias organizacionais ligadas à permanência por necessidade (Becker, 1960; Mowday e cols., 1982), com a pretensão de fornecer maior sofisticação teórica e empírica ao vínculo hoje denominado comprometimento de continuação. Estudos que confrontem essa base com o entrincheiramento poderão fornecer evidências de que ambos são o mesmo construto, distinto do comprometimento organizacional.

Em síntese, o presente estudo comunica, a partir das discussões apresentadas, a necessidade de revisar o modelo tridimensional de J. Meyer e N. Allen. Sugere a retirada da base de continuação e a avaliação da possibilidade de tratar o comprometimento como um construto unidimensional. Para tanto, pesquisas empíricas devem ser desenvolvidas a fim de fornecer suporte a essas suposições formadas com base na literatura produzida até então.

 

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Recebido em: 12.06.2009
Aprovado em: 22.03.2010
Publicado em: 28.03.2011

 

 

* Este trabalho é baseado na dissertação de mestrado apresentada pela primeira autora ao POSPSI/UFBA, sob orientação do segundo autor. Agradecemos ao CNPq e à Fapesb pelo apoio financeiro.

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