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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.13 no.1 Florianópolis abr. 2013

 

Os desafios éticos na gestão de instituições financeiras de grande porte: a percepção de executivos do banco do Brasil

 

The ethical challenges in managing large financial institutions: perceptions of executives of banco do Brasil

 

 

Marcelo Bedani

Banco do Brasil S.A

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

No mercado financeiro, ser visto como uma empresa ética é atributo fundamental para a consolidação de uma relação de confiança com os clientes. Nesse domínio específico da atividade humana, altamente globalizado e interdependente, as consequências negativas dos comportamentos antiéticos são potencializadas, prejudicando o relacionamento entre funcionários, clientes, stakeholders e até a economia mundial, como visto recentemente. Apesar da relevância desse setor econômico e do grande número de pessoas nele empregadas, raros são os levantamentos realizados sobre ética corporativa em bancos. Assim, buscando amenizar tal lacuna, este artigo teve por objetivo identificar os desafios éticos na gestão de instituições financeiras de grande porte. Para atingir esse propósito foi realizada uma pesquisa eminentemente qualitativa: para coleta de dados foram realizados seis grupos focais que contaram com a participação de 89 executivos do Banco do Brasil. Os dados coletados foram analisados por meio da técnica da análise de conteúdo. Os resultados apontaram oito categorias temáticas de desafios éticos. Entre estas, aliar o discurso da ética às práticas organizacionais foi a categoria que apresentou a maior frequência de manifestações. Os resultados obtidos possibilitaram traçar um amplo panorama das dificuldades percebidas pelos gestores com relação à ética corporativa, destacando-se a natureza multifacetada dos desafios éticos encontrados no cotidiano das organizações.

Palavras-chave: Ética Corporativa, Desafios Éticos, Instituições Financeiras.


ABSTRACT

Being seen as an ethical company in the financial market is a fundamental attribute to for consolidate consolidating a trust relationship of trust with customers. In this particular area of human activity, highly globalized and interdependent world, the negative consequences of unethical behavior are enhancedheightened, harming damaging the relationship between employees, customers, stakeholders, and even the world economy, as seen recently. Despite of the relevance fromimportance of this economic sector and the large number of people it employs, there are very few researches studies on corporate ethics in banks. Thus, this study seeking aimed to mitigate fill this gap, this study aimed to by identifying ethical challenges in managing large financial institutions. Aiming to achieveTo achieve this purpose, a predominantly highly qualitative survey was conducted. Data were collected through six focus groups that included the participation of 89 executives of Banco do Brasil. Collected These data were analyzed using the content analysis technique. Results showed eight thematic categories of ethical challenges. Among these, to ally the discourse of ethics to thewith organizational practices was the category with thethat came up highest most frequency frequentlyof events. The Results results turned out showing a broad picture of the difficulties perceived by managers concerning corporate ethics, in which has been highlighteding the multifaceted nature of the ethical challenges encountered in the everyday daily operation of organizations.

Keywords: Corporate Ethics, Ethical Challenges, financial Institutions.


 

 

De modo geral, o conceito de ética se relaciona diretamente com os valores e as regras morais considerados desejáveis por determinada sociedade, os quais fornecem direcionadores ou padrões ideais que deveriam guiar toda ação humana.

Mesmo tendo uso corrente e amplamente disseminado, Valls (1993) lembra que a ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que é, mas não é fácil de explicar quando alguém pergunta. Essa dificuldade, para explicar ou conceituar ética, replica-se quando ela é operacionalizada no âmbito das organizações. Situação parcialmente explicada pelo fato de que a ética corporativa é apenas uma faceta aplicada do conceito de ética geral, disciplina cujas correntes teóricas raramente convergem para a unanimidade. Apesar de focar um tipo específico de organização humana, que são as empresas ou corporações, a ética organizacional ou corporativa é decorrente, está ligada e se apropria frequentemente do arcabouço da ética geral (Cañas-Quirós, 1998).

Quando se limita o conceito de ética corporativa a um norteador do comportamento humano no trabalho, ela pode ser compreendida como um conjunto de valores e normas que possibilitam saber distinguir não só o bem e o mal, o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o lícito e o ilícito, o conveniente e o inconveniente, mas também o honesto e o desonesto no cotidiano da organização. Desse modo, a ética fornece os princípios que determinam quais comportamentos serão considerados aceitáveis ou inadmissíveis no ambiente de trabalho. Contudo, a concepção atual de ética corporativa extrapola essa visão disciplinar/comportamental.

Assim, para Cortella e La Taille (2009, p. 35) "ética é a perspectiva de uma vida boa, para e com outrem, em instituições justas". Subjaz à aparente simplicidade dessa definição, um programa completo ao relacionar a perspectiva de uma vida boa à participação do outro. Nota-se que a participação do outro ocorre, concomitantemente, de duas formas: "com o outro" (agregando a ideia do grupo, da cooperação) e "para o outro" (enfatizando a ideia da benevolência, da generosidade humana). Adicionalmente, essa definição também contempla uma dimensão que contextualiza a ética: "instituições justas". Dessa forma, ética se refere a viver uma boa vida em contexto coletivo. A ética não existe no isolamento, pelo contrário, ela se realiza no ambiente organizacional por meio do relacionamento interpessoal.

Essa aproximação entre ética corporativa e bem viver também está presente na definição proposta por Ferrell, Fraedrich e Ferrell (2001). Para esses autores, ética corporativa é a apresentação de comportamentos - para além do estrito cumprimento das leis e dos regulamentos - que visam o bem-estar tanto dos empregados, quanto da comunidade e da sociedade em geral. Essa definição ressalta outra característica importante: atualmente, a questão da ética corporativa, além de comportar a tradicional visão filosófica do tema, que em essência busca discernir o que é bom do que é mau, também se relaciona - pragmaticamente - com a tríade de sustentabilidade (social, ambiental e econômica), com a produtividade da força de trabalho, com os princípios de governança corporativa, com a gestão dos ativos intangíveis e, no limite, com a capacidade das empresas de realizar negócios e gerar resultados.

Hoje, para satisfazer essa expectativa dilatada da sociedade com relação à responsabilidade ética de cada empresa, as organizações vêm implementando programas específicos para gestão da ética. Verifica-se que, os grandes bancos brasileiros como Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Itaú possuem programas de gestão da ética. Constata-se também a inclusão do tema ética em certificações que tanto avaliam a funcionalidade de tais programas quanto repercutem positivamente na imagem da organização junto a seus stakeholders. Entre essas certificações podem ser destacadas: o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa (ISE), o Índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI) e a Lei Sarbanes-Oxley (SOX).

Essa visão ampliada do conceito, que extrapola as fronteiras da organização, explica o porquê da literatura mais recente sobre o tema, vincular a questão da ética à responsabilidade social das organizações. Nesse sentido, a responsabilidade social pode ser entendida como a aplicação - efetiva - dos valores e princípios éticos declarados pela organização em todas as suas ações e relacionamentos. Em suma, uma atuação empresarial ética significa não mais do que respeitar os princípios morais da sociedade, convergindo esforços na busca do bem ou interesse comum da empresa, dos funcionários, dos demais stakeholders e do país como um todo.

Entretanto, Meira (2010) ressalta o fato de que essas novas demandas sociais de ordem moral implicam em demandas práticas para as corporações, tendo em vista que representam um novo fator contingencial a confrontar as empresas, as quais, todavia, se encontram despreparadas para lidar com a questão da ética. Desse modo, as organizações têm a necessidade de serem ensinadas, treinadas e reestruturadas sob o prisma da ética, pois seus gerentes não aprenderam a lidar com problemas dessa espécie nas escolas de administração. Apesar de certas características individuais dos gestores serem indispensáveis para a promoção da ética nas organizações, apenas esses atributos pessoais são insuficientes para o exercício de uma liderança eticamente efetiva (Treviño & Brown, 2005).

Alocar a responsabilidade pela ética organizacional exclusivamente na área de gestão de pessoas, ainda que esta, normalmente, seja a responsável pela gestão das políticas e programas relacionados ao tema, parece ser estratégia equivocada quando o objetivo é envolver toda a organização na temática da ética. Assim, para que a ética permeie efetivamente a conduta dos funcionários, as práticas, as políticas, a gestão e as relações da empresa com seus diversos stakeholders, faz-se necessário um esforço integrador das diversas áreas que compõem a organização, dos gestores e do corpo funcional. A ética organizacional ou corporativa deve ser tratada de forma sistêmica para ser efetiva, uma vez que não é construto facilmente operacionalizável no contexto organizacional, pois resulta de uma interação complexa entre estágio de desenvolvimento moral, projeto estrutural e cultura da organização, características individuais e relevância com que a questão da ética é considerada em cada contexto específico (Pedroso, 2007).

Especificamente na área financeira, ser percebido pelos clientes como uma empresa ética é fundamental para consolidar uma relação de confiança nos negócios, pois a natureza dessa atividade potencializa as consequências negativas dos comportamentos antiéticos. Nesse ramo, a falta de ética representa virtual fonte de risco, que pode comprometer a sobrevivência da instituição, o mercado e, até mesmo, a sociedade. O setor bancário é um dos que mais sofre e mais prontamente responde aos efeitos da globalização. O cenário de atuação dessas organizações é de competitividade acirrada, disputa feroz pelos mercados, demanda crescente por escala operacional. A pressão constante para cumprimento de metas e obtenção de resultados é algo habitual no ambiente de trabalho dessas organizações. Além desses fatores, nos últimos anos, multiplicaram-se os escândalos envolvendo a falta de ética na gestão de instituições financeiras, os quais prejudicaram milhões de investidores pelo mundo e a própria economia mundial.

Considerando-se a relevância e a complexidade do setor financeiro, a realização de pesquisas científicas sobre ética em bancos não é fato comum. Visando contribuir com os estudos sobre ética corporativa, nesse domínio específico, este trabalho tem por objetivo identificar os desafios éticos na gestão de instituições financeiras de grande porte.

Para Whitaker (2007), os desafios éticos da organização podem ser considerados sob duas perspectivas: a primeira extrapola os limites das organizações, envolve a projeção dos seus valores para o exterior e se relaciona com a noção de empresa cidadã, ou seja, aquela organização que respeita o meio ambiente, realiza benefícios para a comunidade e promove ações de sustentabilidade. A segunda dimensão se relaciona com o público interno da organização, como executivos, acionistas, empregados, fornecedores. Nessa perspectiva, os esforços são direcionados para a criação de um sistema que assegure um modo ético de operar, respeitando os preceitos éticos da organização e os princípios do direito e da moral.

 

Abordagens para o estudo da ética corporativa

Kreitlon (2004) indica três abordagens principais que norteiam os estudos sobre ética corporativa: normativa, contratual e utilitarista, cada uma delas partindo de diferentes arcabouços e propondo análises distintas sobre o assunto.

A abordagem normativa, permeada por uma visão filosófica do tema, fundamenta-se na ideia de que as organizações, como qualquer outra esfera da atividade humana, estão sujeitas a serem avaliadas sob o prisma da ética. Dessa maneira, as empresas, enquanto agentes sociais conscientes, devem se sujeitar ao mesmo regramento moral que os demais indivíduos. Kreitlon (2004) indica que essa abordagem estuda a ética em três níveis distintos: 1) nível do sistema: busca as justificativas morais para compreensão do sistema econômico, as variações dos contextos institucional e cultural e sua relação com a ética e os negócios; 2) nível organizacional, nesse nível se estudam as políticas, valores e práticas adotadas pelas organizações; e, 3) nível individual, o foco de análise são os valores e o comportamento das pessoas em situação de trabalho.

A abordagem contratual segue uma perspectiva sociopolítica, enfatizando a interdependência que se estabelece entre empresas e sociedade. Esses atores compõem um único sistema, disciplinado por um contrato social que, visando o bem comum, regula direitos, obrigações e sanções. Como uma instituição social, as empresas são legitimadas pela sociedade; portanto, é natural que esta crie expectativas sobre o que considera ser um comportamento corporativo adequado (Wood, 1991).

A abordagem utilitarista instrumentaliza a ética, apregoando a ideia de que esta pode se constituir em mais uma ferramenta de gestão estratégica. Para essa perspectiva, empresas preocupadas com seu desempenho ético garantem uma vantagem competitiva diferenciada, correlacionada à percepção de uma organização socialmente responsável, repercutindo favoravelmente em imagem da empresa junto aos seus diversos públicos de relacionamento.

Adicionalmente, ainda permeados por essa visão utilitarista, estudos têm demonstrado que a gestão da ética corporativa pode contribuir para mitigar desgaste nos ativos intangíveis e prevenir perdas nos ativos reais. Conforme será demonstrado nas próximas seções, os desvios éticos representam potencial fonte de prejuízos. Nesse sentido, preconiza Cohen (2003), se a ética pode contribuir para maximizar os resultados da empresa, a falta dela pode comprometer consideravelmente o seu desempenho.

Naturalmente, a ética corporativa manuseada como um bom negócio ou como ferramenta de gestão pode gerar críticas e questionamentos, inclusive quanto à própria eticidade dessa abordagem. Indaga-se, por exemplo, se a preocupação das organizações com o viés moral não constituiria apenas um expediente publicitário autolátrico, utilizado para divulgação de seus supostos valores, bem como de programas de gestão da ética, direcionados a camuflar práticas cada vez mais agressivas e antiéticas. Não obstante tais implicações, a abordagem utilitarista é conscientemente adotada como referência por este trabalho. Ora, acredita-se que a aproximação da ética às ferramentas de gestão contribui para que a questão da ética não seja retirada da agenda das corporações, fomentando tanto a discussão quanto a disseminação do tema; essa dispersão, virtualmente, potencializaria a introjeção de preceitos éticos na cultura organizacional, influenciando positivamente o comportamento no nível dos indivíduos, dos grupos e da própria organização.

Consonante com essa opção pela abordagem utilitarista, neste trabalho, o funcionalismo constituirá a teoria de base que norteará as análises sobre o relacionamento entre ética e cultura organizacional. Em decorrência dessa escolha teórica, serão utilizados alguns dos pressupostos que norteiam as concepções de cultura corporativa e da abordagem objetivo-funcionalista. Assim, assume-se que a cultura representa uma variável interna da organização, desempenha um papel normativo que mantém a estabilidade e coesão do sistema social, determina os comportamentos considerados adequados a cada contexto organizacional, fornece os padrões básicos que determinam o que é certo ou errado, pode ser parcialmente administrada ou influenciada pelos gestores, compõe-se de elementos latentes (como os valores compartilhados) e manifestos (como as práticas), apesar de sua natureza privilegiar a estabilidade, não exclui a possibilidade de mudança, sendo passível de se transformar, ao longo do tempo, com vistas à adaptabilidade e sobrevivência organizacional (Bedani, 2008).

Desse modo, teoriza-se que, de forma tautológica, o tratamento instrumental da ética, ao longo do tempo, facultaria a internalização de valores éticos pela cultura, os quais passariam a conferir significado, direcionando, incentivando e reforçando convenientemente comportamentos e práticas organizacionais.

 

Desvios de conduta ética

As organizações são constituídas por muitos indivíduos, milhares, em alguns casos, cada qual com um sistema próprio de valores e convicções que dificilmente chegarão a um consenso sobre diversas questões éticas ou situações que envolvem interesses pessoais (Godoy, Mascarenhas & Pinto, 2007). Por outro lado, as exigências impostas pela concorrência acirrada do mercado, que determinam metas agressivas, pressão constante por prazos e outras exigências relacionadas à sobrevivência e perenidade da organização, induzem as empresas a atingirem seus objetivos a qualquer preço. Dessa relação imbricada, que envolve múltiplos interesses (nem sempre congruentes), é natural que emerjam conflitos, no nível individual ou organizacional, envolvendo, principalmente, comportamentos e atitudes desviantes dos padrões éticos.

Desvio de conduta ética pode ser entendido como a prática de atos intencionais e deliberados, os quais violam os valores e as regras organizacionais/sociais e cujas consequências oneram os ativos tangíveis e intangíveis das empresas. Variadas são as classificações possíveis para os desvios de conduta ética mais comumente detectados no ambiente organizacional. Para Ferrell e colaboradores (2001), esses desvios éticos se classificam em:

Conflito de interesses: o indivíduo tem de optar entre promover seus próprios interesses, os interesses da empresa ou os interesses de outro grupo;

Honestidade e equidade: optar entre agir em consonância com as leis e regulamentos de modo a não prejudicar clientes, consumidores, concorrentes e empregados com fraudes, apresentação enganosa de produto e coação ou agir de modo a violá-los;

Comunicações: agir de modo a não ocultar fatos, divulgar mentiras e alegações exa- geradas; e,

Relacionamentos: optar, nos relacionamentos da empresa, entre manter o sigilo, o cumprimento de responsabilidades e evitar pressões sobre outras pessoas de modo a levá-las a agir de forma antiética, ou agir de modo inverso ao preconizado pelos padrões éticos.

Outra classificação possível se baseia no sujeito do desvio de conduta ética. Nessa perspectiva, estabelecem-se duas categorias básicas de desvios: institucionais e individuais, alguns deles exemplificados no Tabela 1.

Além de variadas classificações, variados seriam os determinantes dos desvios éticos. Assad (2007) identificou três fatores que motivariam os desvios éticos no nível individual: 1) questões de ordem financeira; 2) percepções desfavoráveis sobre o ambiente de trabalho; e, 3) questões subjetivas, que caracterizam as atitudes e a predisposição do empregado para cometer tais atos (personalidade). A autora reconhece que infinitos outros fatores contribuiriam para fomentar a ocorrência desses comportamentos desviantes, porém os três listados seriam os determinantes mais recorrentes dos desvios éticos nas organizações.

Bedani (2008) defende que os desvios éticos no nível institucional se relacionam significativamente com os valores priorizados pela cultura de cada organização, pois estes orientam comportamentos e ações no contexto organizacional. Assim, em sintonia com seu perfil axiológico, as organizações adotariam posturas e práticas que variariam da inexorabilidade à tolerância aos desvios éticos cometidos em quaisquer níveis.

Para entender os antecedentes dos desvios éticos, Srour (2003) extrapola os limites da organização, buscando na cultura brasileira, flexível e ambígua no estabelecimento de padrões éticos, a resposta para o comportamento biangular apresentado por empresas no país. Segundo o autor, em função das características da cultura nacional, as quais se refletem na cultura de cada organização, por um lado as empresas operam de acordo com preceitos éticos, como: profissionalismo; imparcialidade; credibilidade e transparência nas tomadas de decisões. Por outro, convivem, concomitantemente, com o oportunismo, o jeitinho, a propensão de levar vantagem nas mais variadas situações, a satisfação exclusiva de interesses próprios.

 

Custos dos desvios de conduta ética

Os prejuízos decorrentes da falta de ética no ambiente corporativo são algo ainda difícil de ser mensurado. Contudo, uma pesquisa realizada em 2004, junto a 1.000 empresas pela consultoria KPMG Transaction and Forensic Services Ltda., mostrou que 69% delas já haviam tido problemas relacionados com comportamentos não éticos. Em 83% dos casos, foram constatados prejuízos de até um milhão de reais, sendo que em 49% dos casos, as perdas identificadas não puderam ser revertidas. Em 2008, pesquisa realizada pelo Bureau International du Travail estimou em 4 bilhões de dólares os prejuízos anuais, em empresas norte-americanas, ocasionados por atos não éticos praticados no ambiente de trabalho (Zanetti, 2008). Esse tipo de situação, que envolve falta de ética e perdas, tem contribuído para estreitar as relações entre a adoção de princípios de governança corporativa e a gestão da ética nas organizações.

Além de prejuízos quantificáveis, a falta de ética no ambiente de trabalho também se relaciona com a deterioração dos ativos intangíveis da organização, representando potencial fonte de risco, porque expõe a organização a:

• problemas no ambiente de trabalho que prejudicam o clima, a satisfação, o comprometimento, a confiança, a motivação, a produtividade e o relacionamento interpessoal;

• percepção de não efetividade das políticas de gestão de pessoas adotadas;

• perda de prestígio da empresa junto aos públicos de relacionamento;

• comprometimento da imagem e da marca;

• infração da legislação vigente.

A preocupação com as consequências geradas pela deterioração desses ativos intangíveis tem provocado tentativas de mensuração do valor da reputação das organizações. Dados de uma pesquisa realizada pela Universidade de Oxford em 2002, por exemplo, indicam que a reputação de uma empresa pode corresponder a 40% do seu valor de mercado (Taragano, 2007).

Dessa forma, pode-se afirmar que a falta de ética, acarreta um tipo multidimensional de prejuízo às organizações: perdas econômico-financeiras, acompanhadas de custo social e humano.

Cabe a cada organização coibir os desvios éticos individuais e institucionais. No sentido da prevenção, no nível intraorganizacional, os esforços devem estar voltados para o desenvolvimento de ambientes internos saudáveis (Hirigoyen, 2005), onde: o respeito e a dignidade do outro sejam preservados; o poder e as relações de autoridade sejam exercidos de forma justa e transparente; as metas e objetivos organizacionais sejam alcançados, respeitando-se os limites dos colaboradores; discuta-se a ética como prática organizacional; e eduque-se para a prática da ética.

Em perspectiva sistêmica, o esforço na prevenção dos desvios somente será efetivo se o respeito aos preceitos éticos alcançar o modo pelo qual a organização se relaciona com todos seus stakeholders. Além do caráter preventivo, contudo, a coibição dos desvios, em caso de ocorrência de comportamentos antiéticos, também deve prever ferramentas de sanção, as quais afirmam a disposição da organização em promover e sustentar comportamentos éticos na condução de suas atividades.

 

MÉTODO

Locus de pesquisa

Esta pesquisa foi conduzida no Banco do Brasil S.A., o maior e um dos mais antigos conglomerados financeiros da América Latina, com mais de 200 anos de existência. Está presente em 3.566 municípios brasileiros, possuindo 5.037 agências no país, 57.052 terminais de autoatendimento distribuídos por todo o território nacional, base de clientes estimada em 57,2 milhões de pessoas e mais de 115 mil funcionários em seus quadros.

A sede da instituição fica em Brasília (DF). Contudo, devido à amplitude de sua operação, a empresa conta com diversos órgãos regionais de apoio à gestão, distribuídos pelo país. Recentemente, para expansão de suas atividades, adotou a estratégia de aquisições de outras instituições financeiras no país e no exterior. Internamente, foram incorporados três bancos, no exterior foram adquiridos o Banco Patagônia (na Argentina) e o Eurobank (nos Estados Unidos da América).

O fato de ser uma empresa de economia mista, na qual a participação societária é compartilhada entre governo federal (acionista majoritário) e sociedade em geral (acionista minoritário), e realizar concursos públicos para admissão dos funcionários são peculiaridades que diferenciam essa instituição das demais instituições financeiras que atuam no mercado brasileiro.

Procedimentos e participantes

Para atingir o objetivo proposto neste trabalho, ou seja, identificar os desafios éticos na gestão de instituições financeiras de grande porte, na percepção de executivos do Banco do Brasil, empreendeu-se um estudo eminentemente qualitativo. Consoante o método de pesquisa referenciado, grupos focais foram utilizados para a coleta de dados e o material coletado foi examinado por meio da técnica da análise de conteúdo.

O grupo focal foi utilizado como procedimento de coleta porque permite a realização de levantamentos a partir das trocas verbais entre os participantes sobre tópicos colocados para discussão, permitindo o acesso a uma grande variedade de dados relacionados ao interesse da pesquisa. Além da quantidade e da variedade dos dados, a discussão gerada dentro do grupo focal tem outras características singulares: não existe alternância direta entre a questão colocada para discussão e a resposta dos participantes, afasta-se a necessidade de consenso grupal para validar uma percepção individual. Desse modo, amplia-se o espaço de liberdade para o pesquisador explorar o tema investigado na intenção de torná-lo mais explícito (Morgan, 1997).

Bardin (1979, p. 42) define a análise de conteúdo como: "um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) dessas mensagens". Essa técnica possui elementos tanto da abordagem quantitativa quanto da qualitativa, pois a contagem de manifestações textuais realizada no primeiro estágio de análise dos dados coletados servirá apenas para uma sistematização inicial. Porém, somente durante as fases analíticas posteriores é que o pesquisador apreenderá a percepção do problema na visão dos sujeitos. Sendo uma técnica empírica não pode ser desenvolvida referenciando um modelo categórico, contudo, para a sua operacionalização, algumas regras básicas devem ser seguidas.

Especificamente para análise dos dados dessa pesquisa, foram seguidas as três etapas sugeridas por Bardin (1979) e Minayo (2000): 1) pré-análise: fase inicial de organização e sistematização do material coletado, aqui ocorre a retomada dos objetivos iniciais da pesquisa confrontados com o material coletado e a construção de indicadores que orientarão as interpretações finais; 2) exploração do material: nessa etapa os dados brutos são codificados para se alcançar o núcleo de compreensão, esse processo envolve procedimentos de recorte, contagem e categorização; e, 3) interpretação dos resultados obtidos, os dados brutos são submetidos a operações estatísticas, a fim de se tornarem significativos, evidenciando as informações obtidas. Terminada essa fase de tratamento dos dados, iniciou-se a etapa na qual o pesquisador propõe suas inferências, realiza suas interpretações e conclusões, sempre referenciando o objetivo proposto.

Ao longo do mês de novembro de 2010, foram realizados seis grupos focais nas cidades de: Belém (2 eventos), Curitiba (1 evento), Rio de Janeiro (1 evento) e Salvador (2 eventos), que contaram com a participação de 89 funcionários do banco. Os participantes dos grupos focais foram selecionados intencionalmente, pois a técnica do grupo focal, segundo Morgan (1997), não exige a utilização de amostras probabilísticas ou aleatórias. O critério de seleção recaiu sobre a função exercida na empresa. Foram selecionados aqueles funcionários que exerciam a função de principal executivo em órgãos estaduais do banco. Esses órgãos são responsáveis pela gestão da governança corporativa, sistemas e processos, pessoas e rede de agências, uma população estimada em torno de 170 gestores. Essa escolha teve por objetivo levantar a percepção de gestores vinculados a diversos processos organizacionais, aglutinando, desse modo, diferentes visões sobre o tema investigado. Adicionalmente, listam-se outras características desses participantes: 83% são do gênero masculino, o tempo médio de trabalho na empresa é de 20,3 anos e 100% deles cursaram ensino superior.

A questão colocada para debate foi o próprio objetivo de pesquisa, identificar os desafios éticos na gestão de instituições financeiras de grande porte. Entretanto, durante a realização do grupo focal não foram estabelecidas quaisquer condições com relação à qualidade dos desafios éticos, de forma a não inibir a manifestação dos participantes.

Apresentação e discussão de resultados

Durante a fase de sistematização dos dados coletados, foi possível classificar em oito categorias temáticas os desafios éticos na gestão de instituições financeiras, de acordo com a percepção dos sujeitos da pesquisa, cuja análise apresenta-se nas seções subsequentes. Para sistematizar a visualização dessas informações, foi calculada a frequência com que esses desafios apareceram no material coletado, conforme gráfico apresentado na Figura 1.

Categoria: aliar o discurso da ética às práticas organizacionais

Essa foi a categoria temática com maior frequência de manifestações (22,5%). Em alguns momentos, durante a análise dos dados houve certa sobreposição entre essa categoria e a Conciliar a ética com as metas e resultados. Porém, apesar dos procedimentos envolvidos com o cumprimento de metas representarem uma prática em si, elas constituem uma prática substancialmente diferente que as demais práticas organizacionais, na percepção dos participantes. Os desafios apontados nessas duas categorias são bastante próximos, a ideia fundamental é a dificuldade de colocar em efetivo exercício a ética nas diversas atividades realizadas no cotidiano dos funcionários. Em parte, essa dificuldade se relaciona com a visão de que a ética é "algo subjetivo", em certas falas a ética é citada como algo "distante do dia-a-dia das pessoas", sendo tratada como algo que ficaria circunscrito à filosofia. Alguns participantes citam o código de ética do banco como um referencial que poderia ser utilizado para traduzir de forma mais operacional os preceitos éticos adotados pela empresa, facilitando esse encontro entre a ética e as práticas organizacionais.

Em outras manifestações, concernentes às duas categorias anteriores, a percepção é substancialmente diferente. A causa dessa dificuldade estaria relacionada à própria natureza da atividade bancária. A sobrevivência da organização, considerando-se a competitividade de mercado, direcionaria as práticas organizacionais exclusivamente para metas e resultados.

O perfil axiológico do Banco do Brasil, mapeado por Bedani (2008) pode conter subsídios importantes para uma resposta à dificuldade de aliar ética e práticas organizacionais. Esse levantamento avaliou oito dimensões de valores: autonomia, bem-estar, realização, domínio, prestígio, tradição, conformidade e preocupação com a coletividade. Evidencia-se que prestígio e domínio foram identificados como os valores que ocupam o lugar de maior destaque na hierarquia axiológica da organização, constituindo valores altamente compartilhados entre seus membros.

Para Tamayo (2005), em essência, esses valores se relacionam com o desejo de poder e a manutenção do status quo da organização. A priorização desses valores, na hierarquia axiológica da organização, indica que a instituição está focada principalmente na obtenção de lucros, competitividade e domínio do mercado no qual atua. Contudo, ela deseja também ter prestígio na sociedade, ser reconhecida pela qualidade de seus produtos e admirada pelos seus clientes, pelo mercado e pela sociedade. Em resumo, a organização focada busca essencialmente o lucro; entretanto, procura, concomitantemente, manter uma imagem positiva perante seus stakeholders. Com base no perfil mapeado, verifica-se que a cultura da empresa não despreza o agir ético, tendo em vista a preocupação explícita com sua imagem. Entretanto, na percepção dos funcionários, o valor domínio parece preponderar, obliterando a identificação dos demais valores nas práticas organizacionais.

Conjectura-se que esse viés cultural possa estar permeando todo o processo perceptual dos funcionários do banco, especificamente com relação ao tema ética. Infelizmente, essa teoria não foi verificada empiricamente por meio desse trabalho, uma vez que não fazia parte do escopo da pesquisa. Contudo, é uma variável a ser ponderada em futuros estudos dessa mesma natureza.

Categoria: apoio e envolvimento da alta direção da organização com a ética

Essa categoria temática apresentou a mesma frequência observada em Conciliar a ética com as metas e resultados, ambas com 13,5%. O núcleo de entendimento desse desafio está na ideia de que "a ética deve permear a organização de forma descendente". Na percepção dos sujeitos, para que a ética seja tema de "atenção constante de todo o corpo funcional" é indispensável que o "exemplo venha de cima". A questão do exemplo é reiterada por outro participante com essa frase emblemática: "nas empresas não basta ser ético, tem que parecer ético e, além disso, dar exemplos éticos". Com menor quantidade de citações aparece a questão do apoio. Nesse item se destaca especificamente o suporte da direção ao programa de gestão da ética, implementado pela empresa no primeiro semestre de 2010. Essa categoria evidencia a importância dos líderes como criadores de cultura. Assim, a demonstração de comportamentos profissionais e éticos do gestor se torna um modelo de papel funcional, que estimula os subordinados a internalizarem quais princípios e valores nortearão o funcionamento e o caráter da organização (Schein, 1992).

Categoria: comunicar e disseminar os preceitos éticos

Essa categoria, que apresenta frequência de 11,2%, é percebida como importante sustentáculo da ética e, ao mesmo tempo, um grande desafio a ser superado. As falas recorrentemente remetem para a seguinte situação: no cotidiano de uma instituição de grande porte, altamente competitiva com mais de 100 mil funcionários distribuídos por todo o país, se não houver uma estratégia de comunicação massificada, a questão da ética, em comparação com a preocupação com as atividades da rotina de trabalho, acaba "ficando em segundo plano", "vai sendo esquecida" e "é engolida pelo cotidiano". Por outro lado, para ser eficaz, a comunicação sobre ética deve combinar dois conteúdos: o primeiro generalista, com o objetivo de levar os funcionários à reflexão ética; o segundo focado na missão, visão, valores, código de ética e comportamentos considerados éticos pela empresa.

Categoria: tratar todos os funcionários de forma igualitária e justa

Essa categoria apresentou frequência de 10,1%. Os conteúdos que a compõem aparecem de forma ambígua ou muito dispersa, não foi possível estabelecer clusters significativos nos dados coletados. Assim, a questão do tratamento igualitário e justo é mencionada em diversos aspectos da vida organizacional, abrangendo desde os modelos de ascensão profissional até o relacionamento entre colegas. Contudo, foi considerável a frequência com que os termos justiça, igualdade e tratamento aparecem - de forma literal - nas falas, porém, sem alinhamento com o conteúdo das demais categorias. Assim, a importância da manutenção de ambientes de trabalho, nos quais prevaleça a percepção de justiça e a igualdade nas relações, configura um desafio de ordem geral para as organizações.

Categoria: respeitar a diversidade cultural

Nessa categoria, cuja frequência é 10,1%, são abrangidos diversos aspectos culturais. Um primeiro cluster de percepções se refere especificamente às diferenças típicas de um sistema cultural complexo e diverso como o Brasil. Esse grupamento explicita a seguinte dúvida: é possível homogeneizar comportamentos em um contexto cultural heterogêneo? Emerge então o desafio: como obter a padronização de comportamentos éticos para todo o país. Identificam-se nas falas a preocupação em qualificar uma situação, um comportamento ou uma prática sob o prisma da ética, considerando-se as diferenças culturais regionais. Nos dizeres de um participante: "lá, temos costume de falar muitos palavrões nas conversas de trabalho, se a gente vai trabalhar em outro estado e não tomar cuidado, controlando o que diz, a gente poderá ser acusado de assédio...". Alguns participantes também indicam como alternativa para resolver possíveis impasses, quando ocorrerem situações ambíguas no tocante a ética, referenciar o código de ética e as normas de conduta da empresa. Por meio dessa estratégia, padronizar-se-iam comportamentos considerados adequados no ambiente de trabalho, de acordo com os ditames da cultura organizacional. A mudança de marco referencial, da cultura nacional para a esfera organizacional, na percepção dos participantes, constituiria uma forma de estabelecer um padrão ético sem desrespeitar as diferenças culturais regionais.

Surpreendentemente, surgiu como um desafio ético a dificuldade dos gestores trabalharem com funcionários pertencentes à chamada Geração Y. Apesar de não haver muito consenso a respeito dessa questão entre os teóricos, para Veloso, Dutra e Nakata (2008), essa geração compreende as pessoas nascidas a partir de 1978, caracterizadas pela plena familiaridade com as tecnologias da informação, pelo estabelecimento de vínculos menos estáveis com as organizações, pela postura imediatista e impaciente, e pela intolerância à rigidez.

Os dados indicam que a diferença de valores, a percepção de mundo, a linguagem e as expectativas tem criado barreiras no relacionamento entre gestores e funcionários pertencentes a essa geração. Os problemas se relacionam principalmente a aspectos comportamentais no ambiente de trabalho. Um participante declarou: "o funcionário quer atender os clientes com o fone de ouvido no último volume, a um metro de distância é possível escutar a música. Falei para ele que isso não era adequado, que ia de encontro ao que é considerado um bom atendimento. Ele disse que eu o estava assediando moralmente...". Outra situação apontada com frequência é a incompatibilidade dos trajes utilizados em situação de trabalho bancário. Especificamente neste último caso, os gestores parecem confundir a noção de ética com etiqueta, a qual se refere à estética da conduta. Contudo, independentemente da confusão conceitual, a superação desse desafio é multifacetada: socializar esses funcionários na cultura da empresa, com a finalidade de padronização de comportamentos, sem agredi-los moralmente; desenvolver habilidades gerenciais que permitam aos gestores conviver com as diferenças, utilizando-as em favor da empresa; e esclarecer os limites entre o que é ético e o que é antiético, o que é adequado ou inadequado na relação funcionário versus superior hierárquico e empresa.

Finalmente, no que se refere aos desafios relacionados à diversidade cultural, destaca-se que, apesar de o Banco do Brasil haver incorporado várias outras instituições financeiras nos últimos anos, não emergiram questões relacionadas especificamente aos funcionários, aproximadamente 19 mil pessoas, que foram agregados aos quadros da empresa em decorrência dessas incorporações.

Categoria: conscientização e comprometimento dos funcionários com a ética

Segundo os dados, para que a ética permeie efetivamente a vida da organização, em suas múltiplas dimensões, é necessária uma conscientização coletiva dos membros com relação à importância do tema, inclusive como fator de sobrevivência da empresa. A partir dessa conscientização, os participantes deduzem que o processo de comprometimento (real) de cada funcionário com a ética ocorreria de modo natural e espontâneo. Em decorrência desse comprometimento com a ética, seriam amenizadas as dificuldades inerentes a outros desafios, por exemplo, facilitando a conciliação entre o discurso da ética e as práticas da organização.

Esse desafio, com frequência de 9,5%, apresentou interface com outras duas categorias: Comunicar e disseminar os preceitos éticos e Apoio e envolvimento da alta direção da organização com a ética, as quais são mencionadas como antecedentes indispensáveis para obtenção do comprometimento do corpo funcional com a ética. Foi o único desafio citado que demonstrou essa característica híbrida, surgindo ao mesmo tempo como antecedente e dependente de outras categorias temáticas.

Categoria: promover o diálogo, evitando práticas autoritárias

Essa categoria se centra exclusivamente no relacionamento do superior hierárquico com seus subordinados e apresenta frequência de 8,6%. O principal desafio apontado é a necessidade da promoção de diálogo, entre os gerentes e os membros de suas equipes, para evitar conflitos e melhorar as condições do ambiente de trabalho. Em decorrência desse desafio surgem a preocupação com os limites tênues entre postura assertiva do gestor e assédio moral, a percepção de vulgarização do uso do termo assédio para qualquer situação que necessite de uma postura mais enérgica do gerente e a inquietação com os riscos de demandas trabalhistas originárias de denúncias de supostas práticas de assédio moral. Para os participantes, a ferramenta para superação desse desafio é o diálogo. Por meio do diálogo, da troca de informações e percepções sobre o cotidiano de trabalho, construir-se-ia uma relação mais transparente entre os membros das equipes de trabalho e entre estes e seus respectivos gerentes. Como consequência dessa prática, espera-se o estabelecimento de novas bases de confiança para esse relacionamento, permitindo que as demandas, originárias dos gerentes ou dos subordinados, sejam saudavelmente discutidas entre as partes envolvidas. Dessa forma, mesmo que esse processo não resulte em uma solução plenamente consensual, ela não terá sido imposta de forma autoritária pelo superior; pelo contrário, será fruto de um processo de negociação.

Por fim, constata-se que a categoria outros engloba temas difusos, os quais não puderam ser classificados em nenhuma das oito categorias estabelecidas e não se correlacionaram entre si, de modo a permitir a elaboração de outras categorizações.

Nota-se nos desafios mapeados uma preocupação com a ética centrada na dimensão interna do ambiente organizacional. Na percepção dos gestores que participaram deste estudo, os stakeholders externos não foram diretamente contemplados nos desafios éticos. Levando-se em conta a complexidade das operações realizadas por instituições financeiras de grande porte e as relações de vários níveis que elas estabelecem com o mercado e sociedade, poder-se-ia inferir que as práticas organizacionais (presentes na categoria Aliaro discurso da ética às práticas organizacionais) de alguma forma extrapolariam os limites da organização, atingindo os demais públicos de relacionamento. Contudo, esta é uma consideração apenas inferencial, não explicitada nos dados coletados. Evocando Morin (2005), neste levantamento, emerge uma visão - eminentemente - autocêntrica da ética, os desafios éticos se limitam ao universo da organização e às relações interpessoais que ali se estabelecem.

 

CONCLUSÃO

Os conteúdos, que compõem as categorias de desafios éticos obtidos neste levantamento, alinham-se ao resgate teórico deste trabalho. Nota-se que, na percepção dos gestores pesquisados, é possível identificar a dificuldade em compreender o conceito de ética (Valls, 1993) e sua aplicação ao contexto organizacional (Cañas-Quirós, 1998); a questão da justiça, cooperação, bem viver e bem estar coletivo no ambiente de trabalho (Cortella & La Taille, 2009; Ferrell et al., 2001); certo grau de despreparo por parte dos gestores e das organizações para lidar e operacionalizar a ética no cotidiano (Meira, 2010; Treviño e Brown, 2005); a problemática das diferenças individuais (Assad, 2007), a relação entre cultura organizacional, práticas e ética (Bedani, 2008); a influência das características culturais da sociedade no comportamento dos funcionários (Srour, 2000).

Os resultados revelaram também uma visão autocêntrica da ética, uma vez que as percepções dos gestores se circunscreveram ao ambiente interno da organização. Recorda-se que no momento da coleta de dados não foram impostos direcionadores ou restrições quanto à natureza dos desafios éticos. Em princípio, essa circunscrição não representaria algo inconveniente. Contudo, caso a organização tenha por objetivo estratégico alinhar a temática da ética às suas políticas de responsabilidade socioambiental e governança corporativa, conforme preconizam as tendências teóricas recentes, a situação apontada, eventualmente, poderia dificultar a materialização dessa estratégia e, quiçá, constituiria um novo desafio a ser superado.

Os resultados obtidos permitiram traçar um panorama amplo das dificuldades percebidas pelos gestores com relação à ética corporativa. Nessa amplitude, destaca-se a natureza multifacetada desses desafios. Se, por um lado, se evidencia um aspecto mais concreto, relacionado à operacionalização do construto, o qual foca, por exemplo, a problemática para incorporação da ética na práxis organizacional, por outro lado, aspectos mais subjetivos igualmente emergiram, como os problemas decorrentes do relacionamento interpessoal, do comportamento humano no trabalho e da diversidade cultural presente no ambiente organizacional. Os desafios mapeados estão correlacionados, uma vez que não é possível ter uma organização meio ética ou que se oriente - fortuitamente - por preceitos éticos, superando de forma contingente um ou outro desafio ético de acordo com a conveniência do momento. Uma instituição, reconhecidamente ética, seria aquela que articula vontade e esforços para dar solução eficaz a todas aquelas questões que, potencialmente, representam uma ruptura com a ética, reforçando a ideia que as organizações devem dispensar tratamento sistêmico ao tema.

Infere-se que o maior desafio, que subjaz a qualquer outro, centra-se nesse tratamento sistêmico de operacionalização ou gestão da ética na práxis organizacional. Práxis aqui entendida como a totalidade de diferentes acontecimentos, relacionamentos e feitos que moldam a realidade/dinâmica organizacional. Em tese, a superação desse macrodesafio teria a faculdade de contribuir para a solução dos demais desafios identificados. Contudo, isso igualmente não constitui tarefa simples.

A chamada gestão da ética corporativa envolve a capacidade de lidar de forma integrada com a sobreposição de diferentes níveis de forças, que atuam na conformação do construto ética (ou ausência dele). Correlacionando-se o referencial teórico e os resultados obtidos e tomando-se por empréstimo a nomenclatura proposta por Bronfenbrenner (1996), essas forças ou inputs decorreriam do: 1) microssistema: engloba as características inatas e adquiridas pelos indivíduos, especialmente, entre elas, sistema de valores, traços de personalidade, habilidades e conhecimentos. As características pessoais representariam a primeira variável a interferir na expressão de comportamentos éticos pelos membros da organização; 2) mesossistema: composto pela interação entre experiências éticas vividas na esfera familiar, escolar, convívio social e no ambiente de trabalho em outras organizações. O mesossistema e o microssistema interagem, um fornecendo significado e o outro as vivências contextuais anteriores, influenciando a opção individual pela ética; 3) exossistema: compreende os fatores organizacionais relacionados com o ambiente de trabalho, que apoiam ou bloqueiam a conduta ética. Esse sistema influenciaria direta e indiretamente os dois sistemas anteriores, explicitando a (in)tolerância ao não ético; 4) macrossistema: refere-se ao ambiente externo da organização, o contexto sociocultural, econômico e político. Esse sistema exerceria um impacto substancial e direto na concepção e no julgamento do que é algo ético ou antiético, subjacente a todos os outros sistemas.

Enfim, a ética corporativa envolve múltiplos sistemas em interação, repletos de idiossincrasias contextuais e multidimensionais. Percebe-se o quanto é necessário ensinar pessoas e organizações, pois a ética e sua gestão são habilidades a serem desenvolvidas pelo conhecimento. Em síntese: ser ético não é simples; superar desafios éticos não é simples; gerenciar a ética não é simples.

Quanto à possibilidade de generalização e transferência dos resultados dessa pesquisa para outras situações e contextos, fazem-se necessárias algumas considerações. A amostra utilizada não foi aleatória e representativa da população da qual foi retirada. Assim, do ponto de vista estritamente estatístico, não seria possível a extrapolação desses resultados para outras instituições financeiras. Também convém considerar que o Banco do Brasil, apesar de ser uma instituição altamente competitiva no mercado financeiro, se diferencia dos demais bancos pela sua natureza parcialmente estatal. Essa situação impacta a empresa de diferentes formas. Entre outras, citam-se: a relação de maior estabilidade empregatícia entre a organização e seus funcionários; dupla fiscalização, pelas leis que regulam o mercado financeiro e por órgãos corregedores governamentais; atuação em parceria com governo federal no desenvolvimento de programas sociais e políticas de desenvolvimento para o país. Essas peculiaridades poderiam influenciar os tipos de desafios éticos percebidos pelo grupo pesquisado, os quais talvez sejam desafios específicos dessa organização, não se duplicando em outras instituições financeiras de mesmo porte.

Considerando a escassez de estudos nessa área, é importante a realização de novas pesquisas na organização estudada. Além disso, novas investigações junto a funcionários de outros bancos poderiam encorpar o conhecimento a respeito daquilo que se constitui em desafios éticos na gestão dessas outras organizações. Esses dados forneceriam um retrato que contribuiria tanto para uma melhor compreensão da dinâmica da ética aplicada às organizações quanto para a expansão do respectivo arcabouço conceitual.

 

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Endereço para correspondência:
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Fone: (61) 3102-5451
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Recebido em: 29.05.2011
Aprovado em: 06.02.2012