Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.14 no.3 Florianópolis set. 2014
O trabalho e as organizações: atuações a partir da psicologia
Maria Nivalda de Carvalho-freitas
Universidade Federal de São João del-Rei
Livro:Borges, L. O. & Mourão, L. (2013). O trabalho e as organizações: atuações a partir da psicologia. Porto Alegre: Artmed, 2013.
A articulação do conjunto de conhecimentos e saberes, da evolução das formas de trabalho e emprego e do processo de reconhecimento das competências são, segundo Dubar (1997), o desafio da "construção da profissionalidade dos indivíduos" (p. 156). Essas três dimensões são tratadas com cuidadoso esmero no livro O trabalho e as organizações: atuações a partir da psicologia. Na obra, são apresentadas as principais contribuições nacionais e internacionais sobre o conjunto de conhecimentos, saberes e fazeres da Psicologia Organizacional e do Trabalho, as discussões sobre organização e gestão do trabalho e sua evolução histórica, além de contemplar as tensões presentes no processo de reconhecimento desse campo profissional.
O livro preenche uma lacuna na produção de livros-textos nacionais que discutam, a partir da psicologia, a questão do trabalho e das organizações, contemplando perspectivas teóricas e possibilidades de intervenção que podem ser utilizadas como mote para reflexões, produção de novos conhecimentos e modelos heurísticos que auxiliem a compreender as especificidades das demandas da atuação profissional. Por sua amplitude e robustez, o livro, como conjunto de conhecimentos sistematizados do campo, pode ser utilizado por pesquisadores, professores da graduação e supervisores de estágios, psicólogos e todos que possam se interessar por essa área do saber.
Sua maior proximidade com a prática profissional e com as tensões vivenciadas no campo confere identidade à obra e a distingue do livro Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil, reeditado pela Artmed (Zanelli, Borges-Andrade, & Bastos, 2014). Liderado por professores pesquisadores vinculados ao Grupo de Trabalho de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), o livro possui 23 capítulos, cujos autores são vinculados a diversas universidades e cursos de pós-graduação do Brasil e de países como Portugal, Espanha e França. A multiplicidade de autores, de variadas procedências territoriais, contribui para o enriquecimento e para a diversidade de abordagens teóricas e metodológicas apresentadas.
O livro é muito bem escrito, articulando complexidade e profundidade com simplicidade e objetividade, facilitando a compreensão e utilização. Na apresentação, os organizadores explicitam os principais objetivos e possíveis usos da obra e sintetizam suas fundamentais contribuições. As possibilidades de ampliação da atuação profissional e da busca de contribuição para o crescimento econômico com qualidade de vida para os trabalhadores são os princípios norteadores da obra.
O livro é estruturado em cinco partes que se inter-relacionam: Grandes eixos de atuação profissional do psicólogo; Organizações: tendências de gestão e relações ambientais; Intervenções na cultura, nos processos grupais e interpessoais; Gestão de pessoas, inserção, educação e acompanhamento; e Bem-estar no trabalho.
Na primeira parte, são discutidos três eixos considerados centrais por seu constante atravessamento na atuação do psicólogo organizacional e do trabalho. No Capítulo 1, que trata do compromisso social e ético da profissão, são enfrentadas as críticas destinadas à Psicologia Organizacional e do Trabalho, desconstruindo estereótipos associados à imagem da área e trazendo para a reflexão questões relacionadas ao processo histórico de consolidação da profissão e de ampliação da atuação profissional, resultante da relação dialética entre produção do conhecimento e sociedade. O Capítulo 2 aborda a questão do desempenho e seus determinantes como elemento distintivo no campo de atuação da Psicologia Organizacional e do Trabalho no contexto do trabalho e da dinâmica capitalista, por seu impacto direto no alcance dos objetivos das organizações e suas implicações para a carreira, bem-estar e satisfação do trabalhador. O Capítulo 3 discute as relações de trabalho e sua centralidade na atuação do psicólogo a partir de questões como: o que são relações de trabalho e sua distinção de relações interpessoais; a quem as ações do psicólogo servem; qual o papel do psicólogo organizacional e do trabalho. O papel do Estado e da estrutura sindical também são debatidas no capítulo, oferecendo subsídios fundamentais para a atuação e reflexão dos psicólogos da área.
Na segunda parte, as organizações de trabalho são tomadas como objeto de análise. No Capítulo 4, o foco são os modelos de gestão e suas características, em que diversas opções de configuração dos modelos de gestão e sua difusão nas práticas de gestão no Brasil são apresentadas. Também, são trazidas para o debate as implicações desses novos modelos de gestão para a atuação e formação do psicólogo organizacional e do trabalho. O Capítulo 5 trata das redes sociais como ferramenta de análise e intervenção nos contextos organizacionais, isto é, como nova possibilidade de análise teórica, metodológica e técnica do mundo social e da área organizacional. A análise de redes sociais é apresentada como instrumento que pode auxiliar sobremaneira os psicólogos na compreensão das redes de poder que atravessam as relações de trabalho, podendo contribuir para a construção de estratégias de mudança organizacional e social. O Capítulo 6 discute a gestão ambiental, a necessidade de adequação das organizações às novas exigências, o sistema de gestão ambiental e as possibilidades de ampliação da atuação do psicólogo, contribuindo para uma gestão sustentável das organizações.
A terceira parte trata de possibilidades de ações profissionais aplicadas a processos organizacionais, grupais e interpessoais. O Capítulo 7 versa sobre as novas exigências de planejamento e avaliação institucional e busca instrumentalizar os profissionais de gestão de pessoas com conhecimentos que possam subsidiar suas ações de planejamento, elaboração e avaliação de programas e projetos, ampliando suas possibilidades de atuação profissional. O Capítulo 8 define e apresenta diversas possibilidades de diagnóstico e gestão da cultura nas organizações, enfatizando a importância do alinhamento entre cultura, estrutura e processos organizacionais. O Capítulo 9 trata da gestão do clima organizacional, discutindo a natureza e os limites do construto, sua especificidade, seus elementos constitutivos e suas possibilidades de gestão. O Capítulo 10 apresenta um panorama sobre o conhecimento produzido sobre comprometimento, discute a importância desse tipo de vínculo para a vida das pessoas, dos grupos e das organizações, articulando esse conhecimento e sua relevância para as práticas de gestão. Finaliza apresentando questões que ainda merecem o investimento e a reflexão dos pesquisadores. O Capítulo 11 focaliza a gestão de equipes de trabalho, apresentando as características distintivas das equipes de trabalho e as possibilidades de intervenção que visam maximizar a efetividade das equipes e as especificidades de sua mensuração.
A quarta parte discute mais especificamente as práticas profissionais do psicólogo nas organizações. O mérito dessa parte está em oferecer aos profissionais que atuam no campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho uma revisão atualizada e ampla dos conhecimentos produzidos sobre práticas tradicionais e emergentes na área sob a perspectiva da Psicologia. O Capítulo 12 aborda a gestão de pessoas e sua importância para a administração cotidiana das práticas da área, para a consolidação das políticas organizacionais e para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores. Revisa os modelos de gestão e convida o leitor a refletir sobre os pressupostos relativos à gestão de pessoas, que, de forma implícita ou explícita, se reflete na atuação do profissional. O Capítulo 13 trata do recrutamento e seleção de pessoas. Apresenta a história dos processos seletivos, o descompasso entre a prática e a pesquisa, principalmente no que se refere ao uso dos testes psicológicos. Também discute os limites e as possibilidades dessa atividade, articulando conhecimento técnico e as dimensões éticas desse fazer. O Capítulo 14 aborda uma nova tendência, a tutoria de novos empregados dentro das organizações, entendida em uma orientação mais ampla de aceleração do processo de socialização dos empregados frente à intensificação da instabilidade no emprego. Nesse capítulo, são descritas as características do processo de tutoria, sua efetividade, implantação e funcionamento dos programas. O Capítulo 15 discute o tema das carreiras profissionais, suas definições e formas de construção, a relação entre carreira e trabalho, e entre carreira e contrato psicológico. O Capítulo 16 apresenta de forma detalhada o modelo de gestão do sistema de Treinamento, Desenvolvimento & Educação (TD&E) denominado Modelo de Avaliação Integrado e Somativo em TD&E (MAIS). É um modelo teórico consolidado, que pode ser utilizado efetivamente como ferramenta heurística no planejamento, na definição da política e gestão de TD&E, orientando a prática profissional. Contempla os insumos, procedimentos, processos, resultados e ambiente tanto nos níveis micro quanto macro-organizacionais. No Capítulo 17, os conceitos de aprendizagem individual e organizacional são apresentados, bem como as distinções que os definem e os aspectos que se correlacionam, sendo proposta uma perspectiva integradora dos diferentes tipos de aprendizagem. Além disso, o suporte à aprendizagem é exposto como estratégia fundamental à gestão da aprendizagem nas organizações, sendo uma ação essencial da prática profissional do psicólogo. O Capítulo 18 aborda as bases conceituais fundamentais para a compreensão dos diversos aspectos relacionados à avaliação de desempenho, além de subsidiar o leitor com orientações que podem ser utilizadas como referências para a atuação profissional.
A quinta parte do livro é destinada à questão do bem-estar no trabalho. O Capítulo 19 versa sobre as contribuições da Ergonomia da Atividade e seus fundamentos teóricos e metodológicos como alternativa possível para as intervenções profissionais, cuja perspectiva central é o bem-estar dos trabalhadores. No Capítulo 20, são abordadas as diversas tensões relativas à saúde psíquica no trabalho. Essas tensões refletem escolhas epistemológicas, teóricas e metodológicas, que se concretizam em abordagens diferentes do nexo saúde-trabalho e da centralidade do trabalho (abordagens individualistas, psicodinâmica do trabalho e abordagens psicossociológicas) e em possibilidades diversas de diagnóstico e promoção de saúde, que desafiam o fazer do psicólogo e trazem para o centro da reflexão a necessidade de promover bom desempenho, garantindo condições de bem-estar às pessoas. O Capítulo 21 trata da promoção da saúde pautada nos princípios da Psicologia Positiva, trazendo contribuições que podem auxiliar o monitoramente dos níveis de bem-estar do trabalhador e a orientação de ações que visem atender às necessidades dos trabalhadores e a competitividade das organizações. O Capítulo 22 aborda a aposentadoria como uma etapa da carreira profissional e apresenta procedimentos básicos e possibilidades de intervenção que podem auxiliar a transição para a aposentadoria, ampliando o espaço de atuação do psicólogo. O Capítulo 23 discute o trabalho marginal desenvolvido nas prisões, suas possibilidades e limites nos processos de minimização da vulnerabilidade e exclusão social. Além disso, coloca a organização prisional como um lócus importante para a atuação do psicólogo.
Em suma, o livro O Trabalho e as Organizações: Atuações a partir da Psicologia, além de sua solidez teórica e de suas contribuições efetivas para a atuação, é um convite à reflexão sobre o exercício da Psicologia Organizacional e do Trabalho. A obra ultrapassa as prescrições e nos impõe a necessidade de colocar em questão as práticas e as imagens preconcebidas da profissão. Termina-se de ler os capítulos, o livro, mas não se "finalizam" as reflexões.
REFERÊNCIAS
Dubar, C. (1997). A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Portugal: Porto Editora. [ Links ]
Zanelli, J. C., Borges-Andrade, J. E., & Bastos, A. V. B. (2014). Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil (2a ed.). Porto Alegre: Artmed. [ Links ]
Recebido em: 15.08.2014
Aprovado em: 26.08.2014