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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.19 no.4 Brasília out./dez. 2019
https://doi.org/10.17652/rpot/2019.4.17513
Adaptação e Validação do Questionário de Desenho do Trabalho (QDT) em Angola
Adaptation and Validation of the Work Design Questionnaire for Angola
Adaptación e Validación del Cuestionario de Diseño del Trabajo (CDT) en Angola
Ediwagner Nunes Saveia Daniel Francisco; Adriano de Lemos Alves Peixoto
Universidade Federal da Bahia, Bahia, Brasil
RESUMO
O objetivo deste estudo foi adaptar e buscar evidências de validade para a versão em português do Questionário de Desenho do Trabalho (QDT) para o contexto angolano. Inicialmente composto por 77 itens, o instrumento foi aplicado a 505 trabalhadores ligados a organizações de diferentes atividades econômicas. Os dados foram submetidos a uma análise fatorial exploratória revelando uma estrutura de 15 fatores (62 ítens), com o alfas variando entre ) 0,69 e 0,85, distribuídos nas quatro dimensões latentes do instrumento, com níveis adequados de validade convergente e discriminante. Possíveis interpretações dessas relações são discutidas e, como suporte adicional para a validade do construto, foram avaliadas as diferenças entre três categorias ocupacionais (administrativa, gerencial e operacional), sendo encontradas diferenças significativas em 7 dimensões. Conclui-se que o estudo fornece evidências de construto e discriminate de uma versão em português da escala e apresenta um suporte adicional para a generalização da estrutura de 15 fatores em Angola.
Palavras chave: Medidas, Diagnóstico Organizacional, Características do Trabalho.
ABSTRACT
The purpose of this study was to adapt and gather evidence of validity for the Portuguese version of the Work Design Questionnaire (WDQ) in Angola. Initially composed of 77 items, the instrument was administered to 505 workers from different organizations. The data were submitted to exploratory factor analysis. The results revealed a structure of 15 factors (62 items) distributed among the four latent dimensions of work design, with adequate levels of convergent and discriminant validity. Cronbach's alpha varies between 0.69 and 0.85. Possible interpretations of these relationships are discussed. As an additional support for the validity of the construct, differences between three occupational categories (administrative, managerial, and operational) were evaluated, with significant differences detected in 9 factors. It is concluded that the study provides evidence for the construct and divergent validity of a Portuguese version of the scale and presents an additional support for the generalization of the 15-factor structure to Angola.
Keywords: Measures, Organizational Diagnosis, Work Characteristics
RESUMEN
El objetivo de este estudio fue adaptar y validar la versión portuguesa del Cuestionario de Diseño del Trabajo (CDT) para el contexto angoleño. Inicialmente compuesto por 77 ítems, el instrumento fue aplicado a 505 trabajadores vinculados a organizaciones de diferentes actividades económicas. Los datos fueron sometidos a un análisis factorial exploratorio, y revelaron una estructura de 15 factores (62 ítems) con el alfa variando entre 0,69 y 0,85, distribuidos en las cuatro dimensiones latentes del instrumento, con niveles adecuados de validez convergente y discriminante. Se discuten posibles interpretaciones de estas relaciones y, como soporte adicional para la validez de constructo, se evaluaron las diferencias entre tres categorías ocupacionales (administrativa, gerencial y operacional) con diferencias significativas identificadas en 7 dimensiones. Llegamos a la conclusión de que el estudio proporciona evidencia de la validez de una versión en portugués de la escala y proporciona apoyo adicional para la generalización de la estructura de 15 factores en Angola.
Palabras clave: Medidas, Diagnostico Organizacional, Características del Trabajo
As políticas de crescimento de infraestruturas, a escassez de mão-de-obra qualificada e o desenvolvimento económico e comercial trouxeram organizações de diferentes países à Angola. Assim, surgiram novos desafios para o mercado de trabalho interno, nos quais se destacam os esforços do governo em qualificar a mão de obra nacional e, concomitante a isso, a necessidade de adaptação das organizações locais diante da introdução de novas tecnologias e das novas exigências de trabalho.
O processo de internacionalização do trabalho, aliado às iniciativas do governo angolano, introduziram um dinamismo no mercado de trabalho que, embora ainda seja incipiente, foi suficiente para produzir uma diversidade profissional e técnica que alterou a estrutura e composição da força de trabalho local (Melo, 2011). Esta transformação no mundo trabalho e nas organizações é perceptível, mas difícil de ser adequadamente estimada, em função de não existirem estatísticas, instrumentos ou medidas confiáveis e com evidência de validade voltadas ao fenômeno trabalho, o que se explica em função do longo período de guerra civil que o país atravessou (Saveia, Bastos, & Peixoto, 2015). Paralelo a isso, percebe-se que é comum que uma organização tenha funcionários com qualificações profissionais adquiridas no estrangeiro, em contextos profissionais que não o Angolano. Da mesma forma, parcela significativa dos cargos gerenciais e administrativos das empresas é composta de expatriados, que chegam com as corporações internacionais, ou com emigrantes que chegam e ficam no país em busca de novas oportunidades.
Diante deste cenário complexo e em contínua transformação, fica patente a surge a necessidade de estudos que permitam compreender os processos e dinâmicas organizacionais, os comportamentos no contexto de trabalho e a forma de gestão das pessoas. Neste contexto, o estudo do desenho do trabalho torna-se relevante por se tratar de um fenômeno que descreve o modo como as atividades de trabalho são estruturadas e configuradas em uma organização, o que se traduz em resultados no nível individual, grupal e organizacional de acordo com o trabalho e suas características (Parker & Ohly, 2008; Robbins, Judge, & Sobral, 2010; Torraco, 2005), além de se configurar como uma medida de carater mais amplo que permite a realização de diagnósticos organizacionais. A falta de instrumentos formais e objetivos, além de refletir nos diagnósticos, também se reflete na dificuldade de definição das estruturas e na elaboração dos planos de trabalho, comprometendo o desempenho e, consequentemente, nos resultados organizacionais.
É neste sentido que a presente pesquisa se concentra na adaptação e na busca de evidências de validade para o contexto angolano do Questionário de Desenho do Trabalho - QDT (Work Design Questionnarie - WDQ) desenvolvido e validado por Morgeson e Humphrey (2006), destinada a avaliar as características do trabalho, nas suas diferentes dimensões. São diversos os benefícios provenientes da aplicação dos potenciais de predição do QDT em medidas organizacionais. As dimensões do modelo afetam diretamente variáveis como satisfação (Morgeson & Humphrey, 2006) comprometimento (Bastos, 1994; Sisodia & Das, 2013) e desempenho (Vielma, 2013) por exemplo, permitindo o desenho e o redesenho de diversos tipos de trabalho, bem como a caracterização do trabalho e de determinados contextos organizacionais (Grant & Parker, 2009; Rios et al., 2017). Sendo assim, a adaptação da escala para o contexto angolano oferece contribuições que vão além dos benefícios operacionais.
Enquadramento teórico
Sendo um tema que é mais conhecido na literatura internacional como Work Design ou Job Design ou ainda, em alguns estudos em língua portuguesa, como desenho de cargo (Robbins et al., 2010), o presente artigo utilizará o termo desenho do trabalho, por ser a tradução mais difundida nos estudos em língua portuguesa. Deve-se esclarecer ainda que em inglês Job Design e Work Design possuem uma diferenciação conceitual e temporal. O primeiro está diretamente relacionado à relação formal de emprego ou simplesmente ao conceito funcional, desenvolvido essencialmente em uma época em que o trabalho foi caracterizado pela ênfase na simplificação das tarefas e no aumento da eficiência no nível operacional. Já o segundo termo foi introduzido para dar conta dos elementos mais amplos da organização do trabalho contemporâneo.
Trata-se de concepções que durante anos geraram inúmeras discussões e interpretações, desde os primeiros estudos de Taylor sobre o movimento temporal (1911) até o intenso interesse em aspectos motivacionais do trabalho na década de 1970 (Hackman & Oldham, 1975), resultando em estudos focados em duas perspectivas. A primeira é a ideia de que o trabalho poderia ser simplificado e padronizado, considerado uma tendência predominante durante a revolução industrial (Campion, 1988). A segunda e mais recente, analisa o desenho do trabalho como um conjunto de características que afeta diretamente o comportamento e a atitude a nível individual, grupal e organizacional e que refletem os aspectos interacionais do trabalho, considerando que ele ocorre em um contexto social e relacional mais amplo, lavando em consideração o ambiente físico e material em que o trabalho é realizado (Bastos, Rodrigues, Moscon, Silva, & Pinho, 2013, Friday & Friday, 2003; Spector & Jex, 1991).
A forma como o trabalho se organiza e seu impacto nos indivíduos e na organizações tornou-se uma área de estudo relevante nas últimas décadas por se tratar de um tema que busca explicar não somente o conteúdo e a organização das tarefas, como também o modo que o trabalhador se envolve com as atividades contemporâneas, sociais e, às vezes, autônomas (Grant, Fried, & Juillerat, 2010). Para Parker e Wall (1998), o desenho do trabalho consiste na natureza ou no conteúdo de tarefas individuais. Morgeson e Humphrey (2008), definiram o desenho do trabalho como o estudo, a criação e a modificação da composição, conteúdo, estrutura e ambiente dentro dos quais tarefas e papéis são estabelecidos. Já Parker (2014), de uma forma mais ampla, resume como o conteúdo e organização das tarefas de trabalho, atividades, relacionamentos e responsabilidades. De maneira prática, as decisões sobre a concepção do trabalho incluem a escolha da gama de tarefas que devem ser combinadas, o nível de critérios exigidos, o tipo e grau de interação social necessário para a sua realização, entre outros (Morgeson & Humphrey, 2006). Ao desenhar um trabalho, muitas questões podem surgir, como: seria mais adequado desenhar características de trabalho em equipe ou será mais vantajoso desenhá-las para as pessoas de forma individual? Qual o conjunto de tarefas que este trabalho deve ter? Que tipo de feedback o titular do trabalho deve receber? Este é um tema muito importante, pois essas decisões certamente geram impacto nas pessoas e nos resultados organizacionais, tais como o comprometimento e a produtividade dos funcionários (Campion, Mumford, Morgeson, & Nahrgang, 2005).
As abordagens integradoras atuais têm o WDQ (QDT) como base para ampliação do conjunto de aspectos de trabalhos num contexto mais amplo, reconhecendo uma estreita relação entre as tarefas e o contexto organizacional em que ocorrem. Esta escala foi desenvolvida por Morgeson e Humphrey (2006) em resposta às lacunas e pontos fracos na medição das características do trabalho, que são particularmente refletidas nos instrumentos disponíveis até então como, por exemplo, na Job Design Survey - JDS (Hackman & Oldham, 1976, 1980), tendo um foco limitado em termos das características medidas, nas propriedades psicométricas, em particular, na sua estrutura fatorial e consistência interna (Harvey, Billings, & Nilan, 1985). E embora tenha havido esforços sistemáticos para resolver estes problemas, por exemplo a Multimethod Job Design Questionnarie -MJDQ (Campion & Thayer, 1985), persistiram deficits de natureza semelhante (Morgeson & Humphrey, 2006).
O QDT é um instrumento usado para avaliar o desenho e a natureza do trabalho de diferentes tipos de trabalhos e contextos organizacionais, aumentando o número das características tradicionalmente estudadas (Humphrey, Nahrgang, & Morgeson, 2007). A justificativa para uso do QDT está pautada, na literatura mais recente, num conjunto de fortes argumentos, pois segundo os autores, haviam medidas muito especificas voltadas para a tarefa, enquanto as voltadas para os atributos individuais eram muito genéricas (Parker, 2014). Desta forma, foi necessário um instrumento capaz de apreender o espaço intermediario entre tarefas e os atributos individuais no momento de desenhar ou redesenhar os trabalhos. Além disso, anteriormente, só se podia atuar com base em uma gama muito limitada de características motivacionais de trabalho. Dentre esses argumentos, fica notória a necessidade de fortalecer o debate e o desenvolvimento teórico em relação ao desenho do trabalho, após essas contribuições teóricas e avançar para uma maior integração interdisciplinar e de composição de diferentes perspectivas. Entende-se que ao expandir o leque de variáveis a serem medidas aumenta-se o estímulo para a realização de investigações empíricas e a formulação de novos modelos teóricos.
Morgeson e Humphrey (2006) revisaram a literatura de desenho do trabalho, identificaram as características mais importantes e como elas foram medidas. Esta revisão serviu para desenvolver uma série de análises que tentaram corrigir as deficiências nas medidas existentes, oferecendo um conjunto de escalas parcimoniosas. Com base nestas definições, Morgeson e Humphrey (2006) adaptaram suas principais ideias e propuseram que o modelo de desenho do trabalho fora criado em três categorias de características do trabalho: 1) características motivacionais, que têm sido as mais estudadas na literatura e refletem a complexidade geral do trabalho. Essas características são divididas em características da tarefa e características do conhecimento. As características da tarefa estão relacionadas à maneira como o trabalho é feito e o alcance e a natureza das tarefas associadas a uma posição específica. Por sua vez, as características do conhecimento refletem os tipos de requisitos relacionados à conhecimentos, habilidades e capacidades do indivíduo em termos do que ele faz em seu trabalho; 2) características sociais, que refletem o fato de que o trabalho é realizado dentro de um ambiente social e relacional mais amplo. Historicamente, eles têm sido menos estudados, em detrimento de atributos motivacionais, embora a tendência tenha mudado progressivamente, dado ao seu importante papel em termos de vários resultados do desenho do trabalho; e 3) características físicas ou contextuais, que refletem o contexto físico e material dentro do qual o trabalho é executado. Por sua vez, essas categorias são desagregadas em um total de 21 características, 12 motivacionais, 5 sociais e 4 físicas, conforme a figura 1.
Estes atributos têm atraído a atenção de muitos grupos de pesquisas em outras partes do mundo, sendo o QDT traduzido e adaptado, por exemplo, ao contexto alemão (Stegmann et al., 2010), ao contexto espanhol (Ríos et al., 2017), ao contexto colombiano (Bayona, Caballer, & Peiró, 2015), ao contexto português (Miranda, 2015), ao contexto francês (Bigot et al., 2014) e recentemente ao contexto brasileiro (Borges-Andrade, Peixoto, Queiroga, & Perez-Nebra (2019).
Método
Participantes
A amostra foi constituída por 505 participantes inseridos no contexto laboral de Angola. A distribuição dos respondentes conforme o sexo estava relativamente equilibrada (51,7% homens e 48,3% mulheres). A maior parte dos respondentes possuía ensino superior incompleto (48,3%), e vínculo de natureza efetiva (trabalhadores próprios da organização) (70,3%). Grande parte pertencia ao grupo de trabalhadores nacionais (89,7%), sendo os demais (10,3%) expatriado e/ou emigrantes. Em relação ao tipo de trabalho realizado, a proporção de trabalhadores pertencentes às categorias de trabalhadores gerenciais e operacionais foi a mesma (27,1% em cada), 35,5% pertenciam à categoria de trabalhadores administrativos e 10,4% foram classificados como pertencentes à categoria "outros". A média de idade foi de 33,96 anos (DP= 8,69). A média total de tempo de serviço foi de 8,53 anos (DP = 7,95). Além disso, houve uma distribuição ponderada entre as funções públicas (53,2%) e privadas (46,8%).
A amostra é composta por trabalhadores de pelo menos 26 categorias de atividades econômicas diferentes, de acordo com Classificação das Atividades Econômicas de Angola, Revisão 2 (CAE-Ver. 2) utilizada pelo Instituto Nacional de Estatística - INE (2016), indicando que a estratégia de amostragem empregada atingiu uma ampla diversidade, não só de trabalhos, como de organizações e contextos de trabalhos., ampliando as evidências de vali dade da amostra.
Instrumento de medida: Questionário de Desenho do Trabalho
Foi utilizado o Questionário de Desenho do Trabalho (QDT) (Morgeson & Humphrey, 2006), traduzido para o português (de Portugal) por Proença (2015) e cujos estudos iniciais de busca por evidências de validade foram efetuados por Gonçalves (2015). O questionário foi elaborado apenas com respostas fechadas, sendo os itens específicos do QDT estruturados numa escala likert de cinco pontos (menor concordância a maior concordância). Em sua versão original (em inglês) o questionário é formado por 77 itens distribuídos em 21 fatores, que conformam quatro grande categorias: características da tarefa (composta por sete fatores) aautonomia no planeamento do trabalho, autonomia na tomada de decisão, autonomia nos métodos de trabalho, variedade de tarefas, significado das tarefas, identidade da tarefa e feedback do trabalho; características do conhecimento (composta por cinco fatores) : ccomplexidade da função, processamento da Informação, resolução de problemas, variedade de competências, especialização; características sociais (composta por cinco fatores): apoio Social, interdependência iniciada, interdependência recebida, interação fora da organização, feedback de outras pessoas; e características do contexto de trabalho (composta por quatro fatores): eergonomia, exigências físicas, condições de trabalho, uso de equipamento. Além dos componentes das escalas, o questionário incluiu elementos sociodemográficos para caracterizar a amostra, como sexo, idade, escolaridade, tempo de serviço, tipo de atividade e nacionalidade, em linha com as informações coletadas no questionário original.
Procedimentos
Esta investigação possui um caráter descritivo, quantitativo e transversal. Para a realização do estudo, foi feita a coleta de dados através de um survey online e por meio de questionários impressos, tendo sido enviado a cerca de 2000 pessoas maiores de 18 anos, no período de janeiro a novembro de 2017, tendo obtidas 505 respostas validas (25,25% de taxa de resposta). Os respondentes se concentram, principalmente, na província de Luanda, onde está localizada a capital do país.
O formulário utilizado continha informações acerca dos objetivos da pesquisa e os dados de contato da equipe de investigação, bem como o termo de consentimento informado. Aos participantes foram assegurados a confidencialidade, o direito a se retirar da pesquisa a qualquer momento e o anonimato de suas respostas.
Validação Semântica
Tendo feito a escolha pelo instrumento para ser adaptado, uma primeira etapa consistiu na validação semântica do QDT. O ponto de partida foi versão em língua portuguesa europeia (Portugal), traduzida por (Proença, 2015). O questionário foi aplicado em 10 participantes com as mesmas características da amostra a ser estudada, constituindo um estudo piloto. O objetivo desta aplicação foi verificar se o instrumento também era adequado tanto gramaticalmente quanto funcionalmente ao contexto Angolano. Nesta fase, foram necessários alguns ajustes, através do procedimento de reflexão falada, no que diz respeito à construção de frases e substituição de algumas palavras que não são comuns em português utilizadas em Angola. Finalmente, após a conclusão do estudo piloto, os protocolos de pesquisa desta primeira fase de análise foram excluídos e, em seguida, uma nova coleta de dados foi iniciada.
Análise Estatística dos Dados
A verificação dos dados referentes às características sociodemográficas dos participantes foi realizada através da estatística descritiva. A estrutura fatorial inicial do QDT foi identificada através da Análise Fatorial Exploratória (AFE), com utilização do método de extração Máxima Verossimilhança e rotação Oblimin (Leech, Barrett, & Morgan, 2015). Os critérios de decisão adicionais durante o processo de AFE foram a retenção de itens com carga fatorial igual ou superior a 0.3 e a inexistência de itens ambíguos, com cross-loading.
A opção pela AFE, em oposição à análise estrutural utilizada na maioria dos estudos de validação do WDQ, seguiu uma lógica semelhante ao estudo de validação desenvolvido no Brasil (Borges-Andrade et al., 2019) e em Portugal (Gonçalves, 2015). Como as diversas medidas utilizadas no instrumento nunca haviam sido traduzidas e validadas em Angola, optamos por explorar a estrutura das medidas em função do impacto das possíveis diferenças culturais sobre as diferentes medidas. É importante observar que nos países/estudos onde este procedimento foi adotado, a estrutura fatorial do QDT apresentou diferenças em relação ao questionário original. Ainda que algumas delas estivessem previstas no estudo original, como é o caso da junção das três dimensões da autonomia, outras não estavam previstas, o que reforça a necessidade de estudos exploratórios.
Em consonância com a análise desenvolvida pelos autores do instrumento original se buscou analisar a capacidade do QDT de detectar diferenças entre ocupações. Segundo Morgeson e Humphrey (2006), é esperado que alguns tipos de ocupações tenham tendência a apresentar níveis mais altos ou mais baixos de características particulares de trabalho. Neste sentido, espera-se que, em função da natureza própria da divisão do trabalho em contextos organizacionais, trabalhadores de grupos gerenciais tenham maior autonomia em comparação aos trabalhadores operacionais, ao passo que estes últimos tendem a exercer tarefas com maior exigência de esforço físico.
Resultados
Os resultados da AFE apresentam um KMO de 0.88, considerado muito bom (Field, 2013), bem como um valor significativo (p < 0,001) para o teste de esfericidade de Bartlett. Isso significa que as variáveis estão correlacionadas a uma base razoável para a análise fatorial, permitindo a continuidade das análises (Leech et al., 2015). A solução inicial indicou 20 fatores com eigenvalues superiores a 1 (critério de Kaiser para extração de fatores), explicando 54.27% da variabilidade dos resultados. Contudo, após a eliminação de itens com pesos fatoriais inadequados ou compartilhados, obteve-se uma estrutura formada por 15 fatores. Desta maneira, dezesseis itens foram excluídos: 5, 6, 18, 25, 36, 41, 42, 43, 44, 48, 49, 50, 51, 64, 65 e 66. Essa estrutura de quinze fatores distribuídos entre as quatro dimensões, permitiu adequada interpretação dos resultados, visto que as variáveis se agruparam, por significado teórico e semelhança semântica, não se confirmando a expectativa inicial de 21 fatores do estudo original. Um resultado semelhante aos estudos brasileiro e português.
Desta forma, na dimensão 'Características da tarefa' (Cf. Tabela 1), esta primeira categoria agregou 7 itens relativos a autonomia no trabalho dos indivíduos (α = 0,85). O conjunto de itens integrados podem ser resumidos como 'autonomia', unificando as categorias pré-estabelecidas anteriormente (autonomia no planejamento do trabalho, autonomia na tomada de decisão e autonomia nos métodos de trabalho) em conformidade com as proposiçoes de Morgeson e Humphrey (2006), as quais indicaram que tanto a autonomia no planejamento do trabalho quanto a autonomia na tomada de decisão e nos métodos de trabalho, podem ser conceitualizados como diferentes aspectos de autonomia e não como construções separadas. As demais categorias se comportaram conforme proposto pelo modelo original. A categoria denominada 'variedade das tarefas' é composta por 4 itens (α = 0,85), assim como a categoria significância do trabalho (α = 0,75), enquanto as categorias identificação com a tarefa (α = 0,80) e feedback do trabalho (α = 0,82) agruparam 3 itens cada. As 5 categorias desta dimensão contém um total de vinte e um itens.
A dimensão 'Características do conhecimento' (Cf. Tabela 2), apresenta uma estrutura de catorze itens distribuídos em quatro categorias, sendo que a primeira agrupou três itens relacionados a complexidade da função (α = 0,84). A Segunda agrupou quatro itens com conteúdo sobre Processamento da informação (α = 0,81). A terceira agrupou três itens sobre resolução de problemas e quatro itens sobre variedade de habilidades, num total de sete itens. O conjunto de itens que integram essa categoria pode ser resumida como 'variedade de habilidades' (α = 0,82).
Vale ressaltar que a unificação das duas categorias (resolução de problema e variedade de habilidades) se comporta conforme observado na validação brasileira, indicando uma similaridade entre os conceitos, uma vez que, a resolução de problemas reflete o grau em que um trabalho requer habilidade ou soluções únicas e demanda os requisitos de processamento cognitivo mais ativos de um trabalho (Jackson, Wall, Martin & Davids, 1993; Wall, Jackson & Mullarkey, 1995). Desta maneira, pode-se dizer que a resolução de problemas demanda um conjunto de habilidades individuais. Como tal, é conceitualmente relacionado às demandas criativas do trabalho e é uma extensão natural das demandas de informação de um trabalho (Shalley, Gilson, & Blum, 2000). Resumidamente, entende-se que a resolução de problemas está inclusa numa variabilidade de habilidades, porém a variabilidade de habilidade não reflete apenas características de resolução de problemas, mas também uma gama de competências que o trabalho em si requer para a sua execução. Isso se deve ao fato de que apenas as mudanças nos aspectos do trabalho baseados no conhecimento tendem a aumentar o número e o nível de conhecimento, competências e habilidades, inclusive as necessárias para solucionar problemas (Campion & Berger, 1990).
A dimensão 'Características Sociais' (Cf. Tabela 3), se estruturou com catorze itens distribuídos em quatro subcategorias, sendo que a primeira, denominada na literatura como 'apoio social iniciado', composta por três itens (α = 0,78). No estudo de Morgeson & Humphrey (2006), o apoio social está relacionado com aspectos diretamente ligados ao trabalho (por exemplo, treinamento e remuneração) e com a satisfação dos trabalhadores. Os resultados em Angola sugerem que o apoio social, pela sua composição, está mais ligado a interação e a motivação no trabalho. Embora não haja muitos estudos em contextos de desenho do trabalho, pesquisas de outros domínios sugerem que o apoio social é crítico para o bem-estar, tanto de quem emite quanto de quem recebe (Ryan & Deci, 2001; Wrzesniewski, Dutton & Debebe, 2003), o que parece ser congruente com o ambiente social do país.
A segunda categoria dessa dimensão agrupou dois itens com características de 'interdependência iniciada' e três itens com as características de 'interdependência recebida', que se apresentam significativamente correlacionados um com o outro, constituindo, assim, um fator de interdependência unificado, agrupando cinco itens que podem ser resumidos como 'interdependência' (α = 0,77). A terceira categoria apresentou os quatro itens previstos sobre 'interação fora da organização' (α = 0,69) e os três últimos itens com conteúdo relacionado ao 'feedback de outras pessoas' (α = 0,80) compõem a quarta categoria da referida dimensão.
A dimensão 'Características do contexto'(Cf. Tabela 4), apresenta uma estrutura com onze itens distribuídos em três categorias. A primeira categoria agrupou três itens relacionados a exigências físicas (α = 0,85). A segunda categoria agrupou cinco itens com conteúdo sobre condições de trabalho (α = 0,73). E os três itens acerca do uso de equipamentos (α = .69) compõem a última categoria da dimensão.
Com o objetivo de ampliar a busca de evidências de validade da escala, foi feito uma análise da evidência de validade convergente-discriminante das categorias e sub categorias. Trata-se de uma análise que possibilita a identificação das correlações entre categorias e dimensões, sendo esperado que as correlações das categorias sejam mais fortes com a dimensão à qual pertencem, apresentando indícios de validade para os fatores de segunda ordem.
Esta análise permitiu verificar que as categorias possuíram correlações mais elevadas com a dimensão a que pertencem, apresentando padrões de correlação muito menos significativos entre si, permitindo avançar uma discussão de independência relativa entre todos subfatores, com bons índices de validade discriminante na dimensão. A exceção da categoria 'complexidade da função', que obteve associações similares (e relativamente baixas) com as dimensões 'Características do conhecimento' (r=0,11) e 'Características do contexto de trabalho'(r=0,14). Ainda assim, optamos por manter a disposição deste subfator conforme orientado pela análise fatorial exploratória e a estrutura teórica original.
O fato de a 'complexidade da função' estar fracamente associada a estas duas características laborais nesta amostra pode indicar particularidades do contexto de trabalho angolano. Por um lado, é possível que em se tratando de um país ainda em uma etapa inicial de desenvolvimento e fortemente caracterizado por desigualdades profundas em sua população, que o resultado expresse uma característica do tipo e da forma de organização dos trabalhos/empregos disponíveis no país. Por outro lado, isso sugere, também, uma possível aproximação entre os constructos sobre complexidade da função, quando relacionados com as características de conhecimento (as subcategorias processamento da informação e variedade de habilidades que se uniram em uma única dimensão). Ou seja, os trabalhos com maiores demandas de conhecimento tendem a ser mais complexos.
Também é importante observar a relação inversa das demandas físicas com todas as sub categorias que envolvem dimensões motivacionais, cognitivas e sociais, indicando que quanto maior for a demanda por um trabalho manual, repetitivo, pesado, menor o grau de motivação e valorização social para a sua realização.
Por fim, ainda com o objetivo de reunir evidências de validade para o QDT, foi aferida a capacidade do instrumento de detectar de diferenças entre grupos de trabalhadores operacionais, administrativos e gerenciais. Para analisar a relação entre as características e o tipo de trabalho, foi utilizada a análise da variância (One-Way ANOVA). considerando as 18 características de trabalho especificas. Foram detectadas diferenças significativas em apenas 7 delas, que são apresentadas abaixo. Os resultados estão dispostos na tabela 6.
Autonomia. Os grupos de trabalho operacional (M = 3.15) e administrativo (M = 3,19) apresentam níveis de autonomia mais baixos em comparação com o grupo de trabalho gerencial (M = 3,53). Entende-se que os trabalhos gerenciais geralmente envolvem trabalho mais complexo, não-rotineiro, que requer um comportamento flexível e adaptativo, onde níveis mais altos de autonomia estão presentes. Portanto, a autonomia para tomar decisões, utilizar técnicas distintas e responder pelos métodos na execução de suas atividades parece ser uma característica mais evidente em atividades gerenciais. Esses dados são compatíveis com os resultados obtidos em estudos anteriores, por exemplo, Parker (1998); Parker, Wall, e Jackson (1997). Morgeson e Humphrey, (2006) indicam que a presença de autonomia em algumas tarefas está fortemente associada à extensão de papel, à tarefas mais complexas e a atividades que permitem um maior controle sobre o ambiente de trabalho, o que é consistente com as pesquisas que demonstram os benefícios motivacionais da autonomia no trabalho (Nesheim, Olsen & Sandwik, 2017; Morgeson & Campion, 2003).
Variedade das tarefas. A diferença significativa estava entre o grupo operacional (M = 3,61) e o grupo gerencial (M = 3,90). Os dados sugerem que o trabalho gerencial tende a executar uma maior variedade de tarefas no trabalho e corrobora com as diferenças de médias na característica motivacional de autonomia. Como tal, é semelhante às noções de enriquecimento de tarefas discutidas na literatura (por exemplo, Herzberg, 2003;) e compatível com o que se sabe sobre o trabalho gerencial que caracteriza pela descontinuidade, variedade e fragmentação (Tengblad, 2015).
Processamento da informação. A diferença na característica processamento da informação ocorreu significativamente entre o grupo operacional (M = 3,65) e o grupo gerencial (M = 3,96), indicando que trabalho gerencial tende a exigir níveis mais altos de monitoramento e processamento ativo de informações do que o trabalho operacional. A quantidade de processamento de informações necessárias no trabalho reflete o grau em que um trabalho requer atendimento e processamento de dados e informações em geral. As altas exigências cognitivas, em oposição ao trabalho mais repetitivo ou mesmo manual, tem sido consideradas como elementos característicos do trabalo gerencial desde que que Taylor (2010) propôs a divisão do trabalho entre aqueles que concebem e aqueles que1 executam.
Variedade de habilidades. Diferença significativa somente entre o grupo operacional (M = 3,62) e o grupo gerencial (M = 3,87), sugerindo que o trabalho gerencial requer uso maior de variedade de habilidades diferentes para completar o trabalho (Morgeson & Humphrey, 2006), como discutimos acima.
Interação fora da organização. Parece haver uma diferença significativa entre o grupo administrativo (M = 3,28) e o grupo gerencial (M = 3,55), indicando que os trabalhos gerenciais tendem a ter interação e comunicação com outras pessoas externas à organização. Este é um dos fatores das características sociais do trabalho, mas em contraste com as características motivacionais, o grupo administrativo apresentou menor média em relação aos demais, talvez pelo fato das atividades gerenciais geralmente estarem especificamente focadas no fornecimento e recebimento de produtos e serviços de outras organizações e os trabalhos administrativos concentrados mais em tarefas internas (Morgeson e Humphrey, 2006). Agora, o mais relevante é observar como seu comportamento explicativo se manifestou na diferenciação entre os dois grupos, em clara congruência com a abordagem dos autores que enfatizaram a importância das características sociais como parte da configuração da atividade de trabalho (por exemplo, Grant & Parker, 2009; Morgeson & Humphrey, 2006).
Exigências físicas. Os grupos de trabalho administrativo (M = 2,62) e gerencial (M = 2,73) apresentam níveis de exigência física mais baixos em comparação com o grupo de trabalho operacional (M = 3,05). A análise comparativa desta característica de trabalho com suporte da característica de aspectos ergonomicos, dão suporte aos achados de Morgeson e Humphrey (2006), os quais sugerem que trabalhos operacionais, em contraste com os demais, geralmente envolvem maiores níveis de esforço físico e menores níveis de condições de trabalho.
Uso de equipamentos. Percebe-se diferença significativa na comparação entre o grupo operacional (M = 3,22) e o grupo administrativo (M = 2,91). Os dados indicam que os trabalhos administrativos refletem maior variedade e complexidade no que concerne o uso de tecnologia e equipamentos utilizados para execução do trabalho.
Considerações Finais
Diante da importância atribuída às escalas que mensuram variáveis tradicionalmente relacionadas ao trabalho e das poucas pesquisas nacionais que buscam examinar a expressiva gama de fenômenos organizacionais, este estudo teve como principal objetivo adaptar e buscar evidências de validade para o QDT para uso na população angolana. Trabalhou-se a partir de uma adaptação da versão Portuguesa do instrumento. As análises realizadas identificam evidências de validade da medida para uso no contexto angolano, ao passo que sugerem que parte significativa do modelo teórico subjacente à construção da escala original é robusto, entretanto existe a necessidade de estudos continuados que ampliem e aprofundem a avalição das dimensões excluídas da medida. As qualidades psicométricas do instrumento foram consideradas satisfatórias.
Uma vez que ainda não existem instrumentos para mensurar as diferentes características do trabalho em Angola, acreditamos que a adaptação e validação do QDT é uma contribuição importante para futuras pesquisas no país. Espera-se que o instrumento disponibilizado sirva de referência aos gestores e profissionais em comportamento organizacional apoiando no processo de desenho de cargos e diagnóstico organizacional, além do desenvolvimento dos trabalhadores das organizações públicas e privadas no país. Nesta mesma linha, estamos certos de que as diferenças culturais existentes entre o mundo do trabalho em Angola e os contextos nos quais as medidas associadas ao QDT foram originariamente estudadas, justificam o processo de adaptação específica, independente da que foi realizada no Brasil e Portugal, por exemplo, para citar países de mesma língua. Por outro lado, os resultados encontrados nestes três países sugerem que devemos ter cautela na utilização de instrumentos e medidas que foram desenvolvidos em contextos culturais distintos.
De qualquer forma, dada a dimensão e singularidades existentes em cada região do país, novos estudos serão necessários, expandindo sua aplicação para as diversas regiões, a fim de verificar a estabilidade e adequação da estrutura encontrada para outros públicos e outros contextos organizacionais.
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Endereço para correspondência:
Ediwagner Nunes Saveia Daniel Francisco
Av. Adhemar de Barros, s/nº
Ondina, Salvador - BA, 40170-110
E-mail: ediwagner_saveia@hotmail.com
Recebido em: 15/01/2019
Primeira decisão editorial em: 22/07/2019
Versão final em: 14/08/2019
Aceito em: 16/08/2019