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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.20 no.1 Brasília jan./mar. 2020
https://doi.org/10.17652/rpot/2020.1.16841
(In)civilidade no trabalho: medidas e modelos
(In) civility at work: measures and models
(In) civilidad en el trabajo: medidas y modelos
Alexsandro Luiz De Andrade; Fabíola Rodrigues Matos; Vladmyr Miroslav Porto Lobianco; Gabrielly Becalli Broseguini
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Espírito Santo, Brasil
RESUMO
Civilidade no contexto de relações de trabalho associa-se à polidez e ao ato de cordialidade pelos colaboradores no ambiente profissional. Já a incivilidade é relacionada aos comportamentos rudes que violam normas estabelecidas pelo grupo de trabalho, comportamentos desviantes e antissociais. Este estudo objetivou o desenvolvimento, adaptação e levantamento de evidências de validade psicométrica para o Brasil para avaliação destes construtos. A pesquisa contou com a participação de 502 trabalhadores de serviço hospitalar da região sudeste. Entre os respondentes da pesquisa, 407 (81,1%) eram mulheres, com média de idade 33,97 anos (DP = 8,24 anos). A partir de procedimentos de tradução, retro tradução, construção de itens e análises fatoriais, evidenciam-se propriedades psicométricas adequadas para Workplace Civility Scale e Escala geral de Incivilidade no Trabalho no Brasil. Adicionalmente, são testados modelos de equações estruturais, que apresentam indicações da independência métrica e relacionamento negativo entre os construtos civilidade e incivilidade no contexto do trabalho.
Palavras-chaves: medidas, comportamento organizacional, civilidade.
ABSTRACT
Civility in the context of work relationships is associated with politeness and cordiality by employees in the professional environment. In its turn, incivility is related to rude behaviors which violate norms established by the work group, deviant and antisocial behaviors. The research involved the participation of 502 hospital service employees of a state in the Southeast region. Among the survey respondents, 407 (81.1%) were women, with a mean age of 33.97 years (SD = 8.24 years). Based on procedures of translation, backtranslation, item construction, and factor analysis, adequate psychometric properties of the Workplace Civility Scale and the General scale of Work Incivility in Brazil were clearly shown. Additionally, structural equation models were tested, and presented indications of independent assessment and a negative relationship between the civility and incivility constructs in the work context.
Keywords: assessment, organizational behavior, civility.
RESUMEN
En el contexto de las relaciones de trabajo, se asocia civilidad con amabilidad y cordialidad entre los compañeros de trabajo. Por su parte, la incivilidad se asocia con los comportamientos rudos que violan las normas de convivencia laboral, comportamientos desviados y antisociales. Este estudio tiene por objetivo el desarrollo, la adaptación y el levantamiento de evidencias de validez psicométricas para evaluación de los constructos en Brasil. En esta investigación participaron 502 empleados de un servicio hospitalario de la región sudeste. Entre los encuestados, 407 (81,1%) fueron mujeres, con promedio de edad de 33,97 años (DP = 8,24 años). Los procedimientos de traducción, traducción inversa, construcción de ítems y análisis factoriales evidenciaron propiedades psicométricas adecuadas para la Workplace Civility Scale y la Escala general de Incivilidad en el Trabajo para Brasil. Además, son testados modelos de ecuaciones estructurales, que presentan indicaciones de independencia métrica y relación negativa entre los constructos civilidad e incivilidad en el contexto laboral.
Palabras claves: medidas, comportamiento organizacional, civilidad.
A percepção do apoio social no trabalho é uma manifestação de relações interpessoais positivas e saudáveis que tem implicações importantes para a saúde, bem-estar e desempenho dos indivíduos, grupos e organizações (Day & Leiter, 2014; Park et al., 2013). O conceito de civilidade no trabalho traz como característica essa percepção, além da maneira específica em que a polidez e o ato de cordialidade são expressos nesse contexto, o qual na sua essência se refere ao respeito mútuo, colaboração interprofissional e a consideração pelos outros (Lim & Bernstein, 2014; Mendonça, 2017; Nitzsche, 2015).
De forma antagônica à civilidade, a incivilidade nesse ambiente é definida como comportamentos rudes que violam as normas estabelecidas pelo grupo de trabalho, são microviolências que abrem espaço para a ocorrência de outras formas de violência (Mendonça, 2017; Reio Jr. & Trudel, 2017; Stover, 2017). Estudos sobre formas menos intensas de violência, comportamentos desviantes e antissociais no trabalho (Baron & Neuman, 1996; Robinson & Bennett, 1995) levaram Andersson e Pearson (1999) a desenvolverem o conceito da incivilidade nesse ambiente. A incivilidade no trabalho é, então, um comportamento desviante de intensidade baixa, no qual descumpre as normas de respeito mútuo e possui intuito ambíguo de prejudicar (Andersson & Pearson, 1999). São formas disfarçadas de maus-tratos, oriundas de supervisores, colegas de trabalho e/ou clientes, que podem se transformar em comportamentos agressivos cada vez mais intensos, descritos como indelicados e grosseiros, nos quais há falta de preocupação pelos outros (Andersson & Pearson, 1999; Cortina, 2008; Cortina, Magley, Williams, & Langhout, 2001; Loh & Loi, 2018; Reio Jr. & Trudel, 2017; Schilpzand, De Pater, & Erez, 2014, Torkelson, Holm, Bäckström, & Schad, 2016).
A conduta incivil no local de trabalho pode ser atribuída a fatores como ignorância do ofensor, descuido, personalidade, aspectos disposicionais, comportamentais e contextuais, bem como ser relacionada ao poder, ao preconceito, ao desprezo por autoridade e normas (Cortina, 2008; Hershcovis et al., 2017; Schilpzand et al., 2014). Pode surgir através de observações depreciativas sobre alguém, insultos, gritos, desconsideração, não ouvir o outro com atenção, ter atos de evitação com o colega de trabalho, e o abordar utilizando termos não profissionais (Cortina, 2008; Portoghese, Galletta, Leiter, & Campagna, 2015; Schilpzand et al., 2014).
Esses comportamentos acabam gerando resultados negativos para quem sofre ou presencia, afetando funcionários e resultados organizacionais (Nitzsche, 2015; Stover, 2017). Por exemplo, os alvos de conduta incivil são menos comprometidos com sua organização, menos motivados e têm menor satisfação com o trabalho que funcionários que não vivenciam essas situações (Bunk & Magley, 2013; Schilpzand et al., 2014; Wilson & Holmvall, 2013; Zhou, Yan, Che, & Meier, 2015). Além disso, também mostram decréscimos em vários domínios relacionados ao desempenho (Chen et al., 2013; Giumetti et al., 2013; Torkelson et al., 2016), colaborando para a sua retirada do trabalho (Schilpzand et al., 2014; Torkelson et al., 2016; Zhou et al., 2015) e rotatividade (Armmer & Ball, 2015; Fida, Laschinger, & Leiter, 2016; Read & Laschinger, 2013; Stover, 2017).
Quando indivíduos experimentam incivilidade organizacional, é provável que esgotem alguns recursos, como o humor positivo, permanecendo um afeto negativo ao final do trabalho, além da diminuição do bem-estar psicológico, físico e comprometimento afetivo (Torkelson et al., 2016; Zhou et al., 2015). Outros estudos (Abubakar, Yazdian, & Behravesh, 2018; Elmblad, Kodjebacheva, & Lebeck, 2014; Nitzsche, 2015; Paulin & Griffin, 2017; Rahim & Cosby, 2016; Stover, 2017; Tsuno et al., 2017; Welbourne & Sariol, 2017) ainda relacionam comportamentos incivis no local de trabalho ao conflito trabalho-família, comportamento de trabalho contraproducente, burnout e aumento de estresse.
Nitzsche (2015) sugere que a incivilidade no trabalho é considerada como a precursora de bullying e da violência nesse ambiente, bem como dispõe de associações positivas com duas dimensões do burnout (exaustão emocional e cinismo), e negativas com o engagement no trabalho. Outros estudos (Beattie & Griffin, 2014; Leiter, Day, & Price, 2015; Mendonça, 2017; Schilpzand et al., 2014) indicam que a incivilidade no trabalho intensifica o stress proveniente de fatores que são inerentes ao próprio ambiente, estando relacionada às dificuldades na carreira, diminuição dos níveis de confiança e cooperação, aumento da percepção de injustiça e da depressão.
Por outro lado, a civilidade no trabalho está positivamente correlacionada com a eficácia profissional, engagement, liderança, segurança psicológica, afetos positivos, compromisso organizacional afetivo, confiança na gestão, confiança nos colegas de trabalho, satisfação e prosperidade no trabalho (Day & Leiter, 2014; Nitzsche, 2015; Stover, 2017). Está também negativamente associada com a intenção de abandonar o emprego e com as dimensões de exaustão emocional e cinismo do burnout (Nitzsche, 2015).
Para a avaliação da civilidade e incivilidade no trabalho, foram desenvolvidos alguns instrumentos visando o auxílio da medição nesse contexto. No que concerne à civilidade, existem dois instrumentos disponíveis, sendo a Workplace Civility Scale (Osatuke, Moore, Ward, Dyrenforth, & Belton, 2009) a principal medida de percepção de civilidade no trabalho, visto que o Civility Norms Questionnaire-Brief (CNQ-B) de Walsh et al. (2012) mede apenas a percepção das normas que promovem um clima de civilidade entre membros de um grupo de trabalho, e não a própria civilidade.
Desenvolvida nos Estados Unidos, a Workplace Civility Scale foi criada pelo um grupo de pesquisa de veteranos da administração de serviços de saúde nacional dos Estados Unidos (Veterans Health Administration National - VHS) (Osatuke et al., 2009) para levantar indicadores de clima organizacional e orientar atividade de intervenção com colaboradores do setor de serviços de saúde. Os oito itens do instrumento construído são avaliados por escalas Likert de cinco pontos e captam aspectos da civilidade em termos de: respeito, cooperação, resolução de conflitos, interesse pelo trabalho do colega, suporte social, condutas contra a discriminação, aceitação da diversidade pelo supervisor(es), valoração de diferenças. Do ponto de vista psicométrico, o instrumento apresentou adequada organização na sua estrutura unidimensional, além de indicador de precisão alfa de Cronbach superior a .93. Adaptações transculturais do instrumento foram realizadas em Portugal (Nitzsche, 2015) e Itália (Di Fabio, 2015), sendo indicadores psicométricos em ambos os países favoráveis e adequados.
Em relação à incivilidade, a Workplace Incivility Scale (WIS) foi um dos primeiros instrumentos desenvolvidos para o construto, com autoria de Cortina et al. (2001), com uma segunda versão modificada e acrescida de itens para avaliação de atos hostis de racismo e sexismo nas organizações (Cortina et. al, 2001), a qual foi adaptada no Brasil por Tonin (2018). Outra medida foi criada por Leiter e Day (2013), que desenvolveram uma medida no Canadá, a Straightforward Incivility Scale (SIS), a qual avalia incivilidade frente a diversas fontes (supervisores, colegas, subordinados, clientes e do próprio respondente). A SIS dispõe de quinze itens, que são avaliados por uma escala tipo Likert de sete pontos (Portoghese et al., 2015).
No Brasil, os estudos sobre incivilidade e civilidade nas organizações de trabalho são escassos (Mendonça, Siqueira & Santos, 2018; Tonin, 2018). Na direção de auxiliar a investigação do construto para futuros pesquisadores e interessados no tema, o presente artigo objetiva contribuir para o campo da mensuração do fenômeno, construindo, adaptando e levantando evidências de validade psicométrica para dois instrumentos psicométricos (Escala geral de Incivilidade no Trabalho e; Workplace Civility Scale). Num segundo momento, se objetiva compreender a relação entre os construtos, a partir da análise de modelos de estrutura latente.
Método
Participantes
A amostra do presente estudo foi composta por 502 trabalhadores adultos de diferentes ocupações relacionadas ao serviço hospitalar de um estado da região sudeste do Brasil. Entre os respondentes da pesquisa, 407 (81,1%) eram do sexo feminino. A média de idade foi de 33,97 anos (DP = 8,24), com tempo de profissão médio de 7,75 anos (DP = 6,25 anos) e jornada semanal de trabalho média de 40,52 horas por semana (DP = 8,05). Quanto à escolaridade e ocupação dos participantes, 369 (73,5%) eram profissionais que possuíam ensino médio ou técnico e 133 (26%) nível superior, ocupantes de cargos como enfermagem, nutrição, psicologia e fisioterapia. No que diz respeito à religiosidade dos participantes 276 (54,4%) declaram-se evangélicos, sendo seguidos por católicos 152 (30%) e autodeclarados sem religião 38 (7,5%). Finalmente, quanto ao estado civil, 256 (51,3%) dos participantes declararam-se casados ou vivendo como casal.
Instrumentos
Workplace Civility Scale. Versão traduzida e adaptada ao contexto brasileiro da escala de oito itens para avaliação da civilidade em contexto de trabalho (Osatuke et al., 2009). No processo de adaptação do instrumento para contexto português do Brasil, foi solicitada primeiramente autorização dos autores da versão original da escala (Osatuke et al., 2009). Procedimento autorizado, iniciou-se esta pesquisa com a tradução e adaptação semântica dos itens do instrumento norte-americano, conforme orientações técnicas do International Test Commission (2017) e Borsa e Seize (2017). Esta etapa foi conduzida por dois tradutores independentes e com adequado conhecimento na língua inglesa e psicologia. Na sequência realizou-se uma síntese das versões traduzidas e um julgamento dos itens por um comitê de três especialistas, o qual incluiu o autor principal deste artigo. O comitê avaliou a qualidade da tradução, bem como pertinência do conteúdo dos itens para natureza de organizações de trabalho no Brasil. Posteriormente, o instrumento passou uma tradução reversa de um especialista em inglês, a qual foi comparada com a versão original de Osatuke et al., (2009). Após a definição da versão preliminar da escala, foi realizado um estudo piloto com uma amostra de 12 alunos de pós-graduação (6 homens e 6 mulheres) que atuavam em diferentes organizações sediadas na cidade do pesquisador principal. Os resultados preliminares apontaram uma versão prévia da escala com chave de respostas Likert de cinco pontos (discordo fortemente a concordo fortemente), a qual é apresentada na tabela 1.
Escala geral de Incivilidade no Trabalho. Instrumento original desenvolvido pelos autores do presente estudo. O processo de construção do instrumento envolveu as etapas de conceituação do construto, elaboração e análise semântica dos itens, teste piloto e levantamento de evidências psicométricas (Borsa & Seize, 2017). Na conceituação de incivilidade organizacional, recorreu-se as definições internacionais de outros instrumentos (Leiter, Peck, & Gumuchian, 2015; Milam, Spitzmueller, & Penney, 2009; Smith, Andrusyszyn, & Spence Laschinger, 2010; Wing, Regan, & Spence Laschinger, 2013), as quais sintetizam a incivilidade no contexto organizacional como a presença de comportamentos e percepções de atos hostis, rudes e pouco gentis entre colegas e supervisores de trabalho. Sequencialmente procurando a elaboração de um indicador psicométrico consistente, parcimonioso e geral, elaborou-se 4 itens com conteúdos pertinentes ao conceito de incivilidade no trabalho, sendo estes itens avaliados pelo mesmo comitê de juízes que participaram da adaptação da Workplace Civility Scale. Finalizado o processo de elaboração e ajuste dos itens pelos autores do trabalho, um teste piloto foi conduzido com o grupo participantes da adaptação da medida de civilidade. O padrão de respostas para a medida foi escala do tipo Likert de cinco pontos (discordo fortemente - concordo fortemente), sendo o conjunto final de itens apresentados na tabela 1.
Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos
A presente pesquisa, anterior ao seu processo de coleta de dados, foi avaliada e obteve parecer favorável do comitê de ética em pesquisa da universidade vínculo dos pesquisadores (parecer número 395.290). A coleta de dados foi realizada de maneira coletiva e individual, junto a empresas relacionadas ao setor hospitalar que disponibilizaram acesso, após contato dos pesquisadores por e-mail e telefone.
Com as devidas autorizações institucionais, recrutadores treinados aplicaram os questionários de maneira individual e coletiva, entregando o livreto contendo o questionário de pesquisa e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias destacáveis (uma para o respondente e outra para o pesquisador). O tempo médio de resposta do questionário de pesquisa foi de 20 minutos.
Procedimentos de Análise de Dados
O processo de análise foi organizado em duas partes: a) levantamento de evidências psicométricas das escalas psicológicas e; b) análise relacional da incivilidade e civilidade por meio de modelo de variáveis latentes. Para condução do processo de análises de dados, a amostra de participantes foi dividida em três grupos de forma aleatória: grupo 1 (procedimentos fatoriais exploratórios, com 295 participantes); grupo 2 (procedimentos fatoriais confirmatórios, com 207 participantes) e grupo 3 (procedimentos de relação de variáveis latentes, com 502 participantes).
O levantamento de propriedades psicométricas das duas escalas foi conduzido pelas mesmas etapas analíticas em ambas as medidas. Inicialmente foi executada uma análise paralela para decisão das estruturas fatoriais das medidas (Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011), na sequência, realizou-se a extração dos fatores sugeridos via Análise Fatorial Exploratória (AFE), a partir da matriz de correlação policórica (Domínguez, 2014; Hoffmann, Stover, & Liporace, 2013), com extração dos fatores pelo método Minimum Rank Factor Analysis (MRFA). O software utilizado neste procedimento foi o factor versão 10.8 (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2014).
Sequencialmente, avaliou-se a replicação da estrutura interna resultante da AFE por procedimento de Análise Fatorial Confirmatória (AFC), utilizando o método dos quadrados não ponderados (ULS). Para avaliar o ajuste dos modelos, analisou-se: (a) o índice SBχ2 nos graus de liberdade (SBχ2 / gl), esperando-se valores inferiores 5; (b) o índice Goodness of Fit (GFI), o índice de ajuste Adjusted goodness-of-fit index (AGFI), o índice Bentler-Bonett Normed Fit (NFI), com valores iguais ou superiores a 0,95; e (c) e raiz média rezidual ao quadrado (RMR), com expectativa de valores de ajuste inferiores a 0,08 (Byrne, 2010). Com as escalas resultantes, procedeu análise dos indicadores de precisão Ômega com apoio do software Jamovi, sendo valores acima de 0,70 considerados evidências de confiabilidade adequada (Dunn, Baguley, & Brunsden, 2014; Peters, 2014).
Finalmente, para análise a hipótese relacional da incivilidade e civilidade, conduziu-se uma análise das estruturas latentes via modelo de equações estruturais (Byrne, 2010), sendo os estimadores de ajuste de modelo, os mesmos adotados nos procedimentos de AFC. Nessa etapa de análise de foram utilizados os softwares IBM SPSS 23.0 e Amos. Para condução de todos os procedimentos de análise, foi o utilizado o processo de bootstrapping para reamostragem com 500 casos e intervalo de confiança de 99%.
Resultados
Evidências da estrutura interna da Workplace Civility Scale (WCS)
A matriz dos dados foi considerada fatorizável (teste de esfericidade de Bartlett = 1012.7; p < .000; KMO = 0,87), viabilizando procedimento de Análise Fatorial Exploratória. A análise paralela apontou a solução de um fator (variância matriz real de 66% e; variância matriz randomizada de 25%). Considerando a natureza ordinal dos dados, a extração foi realizada a partir da matriz de correlação policórica, com método de estimação minimum rank fator analysis (MRFA) (Muthen & Kaplan, 1992; Muthén & Kaplan, 1985) e rotação oblíqua. A Tabela 2 apresenta as saturações fatoriais e comunalidade de cada item.
Conforme previsto, os oito itens adaptados da Workplace Civility Scale obtiveram cargas fatoriais aderentes entre si e explicaram 60.3% da variância dos dados. Os resultados apontam que os itens representativos de civilidade são capazes de predizer o construto, ou seja, o fator conglomera um conjunto de representantes comportamentais que acessam percepções de aspectos da intolerância a discriminação, justiça na resolução de conflitos, boa convivência, confiança e respeito a normas de convívio no ambiente de trabalho, conforme estrutura original de Osatuke et al. (2009). O indicador de precisão coeficiente Ômega para WCS foi igual a 0,84.
O modelo resultante da AFE foi testado a partir de procedimento de análise fatorial confirmatória. Os indicadores de ajuste do modelo latente da Workplace Civility Scale foram todos aceitáveis (SBχ2 = 2,66, GFI = 0,98, AGFI = 0,97, TLI = 0,84, RMR = 0,07).
Evidências da Estrutura Interna da Escala geral de Incivilidade no Trabalho
A matriz dos dados para condução da AFE da Escala geral de Incivilidade no Trabalho foi considerada fatorizável (teste de esfericidade de Bartlett = 235.9; p < ,000; KMO = 0,75). A solução com apenas um fator foi apontada pela análise paralela (variância matriz real de 88% e; variância matriz randomizada de 51%). A extração da solução unifatorial, assim como na análise da Work Civility Scale foi realizada a partir da matriz de correlação policórica, com método de estimação Minimum Rank Fator Analysis (MRFA) e rotação oblíqua. A Tabela 3 apresenta as saturações fatoriais e comunalidade de cada item.
O modelo resultante da Escala geral de Incivilidade no Trabalho atendeu a expectativa de junção de itens que avaliavam aspectos de hostilidade, desrespeito, injustiça e atos incivis no contexto de trabalho. O coeficiente Ômega de precisão do fator foi bom e igual a 0,74. O modelo resultante obteve indicadores de ajuste aceitáveis a partir da análise fatorial confirmatória (SBχ2 = 2,66, GFI = 0,99, AGFI = 0,97, NFI = 0,98, RMR = 0,07).
Modelo Relacional de Variável Latente de Civilidade e Incivilidade
Para avaliar aspectos relacionais entre os dois construtos centrais das medidas adaptadas e desenvolvidas neste estudo, uma análise por modelos latentes reflexivos de equações estruturais foi realizada (Byrne, 2010). Foram inicialmente testados dois modelos, o Modelo 1 (M1), apresentou uma natureza estrutural de um fator latente de comportamentos de civilidade, com dois subfatores, civilidade e incivilidade. O modelo 2 (M2), levou em consideração a consideração a natureza hipotética relacional dos traços latentes e um modelo de primeira ordem, composto pela relação das medidas de civilidade e incivilidade (Workplace Civility Scale e Escala geral de Incivilidade no Trabalho).
Os indicadores de ajuste do primeiro modelo (M1) não foram plenamente ajustados (SBχ2 = 36,25, GFI = 0,94, AGFI = 0,93, NFI = 0,89, RMR = 0,15). O segundo modelo (M2) obteve indicadores mais próximos do aceitável (SBχ2 = 12,40, GFI = 0,97, AGFI = 0,96, NFI = 0,96, RMR = 0,09). Examinando os índices de modificação sugeridos de M2, decidiu-se proceder com alterações entre os erros padronizados dos itens 1 e 2 do fator civilidade, além dos itens 9 e 10 da dimensão incivilidade. Com os devidos ajustes realizados, o resultado do modelo re-especificado com dois fatores relacionados apresentou indicadores de ajuste mais satisfatórios: (SBχ2 = 7,96, GFI = 0,98, AGFI = 0,97, NFI = 0,97, RMR = 0,07). A figura 1 apresenta o modelo resultante de melhor ajuste.
Com uma perspectiva teórica de análise dos modelos, se verifica que o modelo de segunda ordem possui um ajuste menos favorável que o modelo relacional de civilidade e incivilidade. Tais resultados além de reforçarem a natureza independente dos construtos, também apontam a dimensão negativa de relação entre componentes civis e incivis do ambiente organizacional (-0,47).
Discussão
O objetivo principal deste estudo foi adaptar, desenvolver e fornecer evidências iniciais de validade psicométrica de duas medidas para avaliação de aspectos de civilidade e incivilidade no trabalho. Desta forma foram apresentados dados satisfatórios de validade semântica, conceitual, de construto e consistência interna, por meio do coeficiente Ômega, para Workplace Civility Scale (Osatuke et al., 2009) e para Escala geral de Incivilidade no Trabalho, criada pelos autores deste artigo.
A adaptação transcultural da Workplace Civility Scale (WCS), confirmou a estrutura unidimensional composta por oito itens, com bons valores de precisão obtidos pelo coeficiente ômega (ω). Estes resultados fornecem evidências de que a escala possui boa confiabilidade (ω = 0,84), além de valores próximos aos resultados de adaptação de outros países, como Portugal (α=0,88) (Nitzsche, 2015) e Estados Unidos (α = 0,93) (Osatuke et al. 2009).
Por sua vez, a medida desenvolvida de incivilidade (Escala geral de Incivilidade no Trabalho), tanto na disposição dos itens na análise fatorial exploratória, quanto os indicadores de ajuste na confirmatória, reforçam a dimensionalidade do construto, replicando de maneira similar a configuração estrutural da Workplace Incivility Scale (WIS) (Cortina et al., 2001; Tonin, 2018), Straightforward Incivility Scale (SIS) (Leiter & Day, 2013) e a Escala de Incivilidade no Trabalho (Tonin, 2018). A medida resultante apresentou ainda indicadores de precisão satisfatórios (ω = 0,74), apontando boa consistência para versão inicial da medida. Especialmente ao comparar-se com a versão da medida de incivilidade no trabalho (EIT) de Tonin (2018), a medida apresentada neste estudo possui a característica de um número menor itens, fato que não permite uma avaliação tão extensiva do construto, todavia pode ser um importante instrumento de rastreio e identificação do fenômeno, tornando-se no cenário brasileiro um instrumento para identificação de preditores de comportamentos de bullying e violência no ambiente de trabalho (Schilpzand, De Pater & Erez, 2016).
Como objetivo secundário, o estudo evidenciou a partir de modelos de estrutura latente, a natureza independente dos construtos civilidade e incivilidade, demonstrando a partir dos dados levantados um ajuste mais qualificado para o modelo de primeira ordem em detrimento da proposição hierárquica de segunda. Como observado na figura 1, os aspectos de incivilidade e civilidade se relacionaram de maneira oposta (-0,47), destacando tanto uma dimensão de evidência divergente das medidas (Borsa & Seize, 2017), quanto um componente teórico importante sobre o tema.
Os resultados do modelo latente apontam ainda que aspectos de civilidade, demarcados pela percepção de comportamento de respeito, cooperação, justiça e cumprimento de normas sociais (Cortina et al., 2001; Schilpzand et al., 2014), são correlatos negativos dos comportamentos de hostilidade, injustiça e desrespeito de normas de convívio compartilhadas no trabalho (Torkelson et al., 2016; Walsh & Magley, 2019), demarcados pelo construto incivilidade. A melhor adequação do modelo que previu os aspectos relacionais dos construtos reforça tanto a natureza não hierárquica das escalas psicométricas tradicionalmente utilizadas (Cortina et al., 2001; Leiter & Day, 2013; Osatuke et al., 2009; Tonin, 2018), como a possibilidade da mensuração e avaliação dos fenômenos de forma independente.
Numa perspectiva prática, orientada para profissionais da área de gestão de pessoas e psicologia organizacional, o uso das duas ferramentas de medida pode favorecer a elaboração de campanhas e intervenções em civilidade no trabalho. A identificação de indicações de incivilidade, seja pela alta pontuação na Escala geral de Incivilidade no Trabalho, quanto pontuações inferiores na Workplace Civility Scale, podem orientar a avaliação da eficácia das ações de desenvolvimento organizacional. Sistemáticas similares de intervenção foram feitas por Osatuke et al. (2009) que a partir da identificação de baixos níveis de civilidade, organizaram um kit de intervenção educacional, envolvendo tanto a detecção de comportamentos pouco civis, como estratégias de sensibilização e mudança nas equipes de trabalho. Conforme destaca Schilpzand et al. (2016), práticas de intervenção contra atos de incivilidade no trabalho são crescentes e identificadas em organizações de ensino superior norte-americanas, podendo com a devida adaptação ao contexto das organizações brasileiras, ser uma ferramenta de melhorias do ambiente e condições interpessoais do trabalho.
Outra direção atual e prática para uso das ferramentas de medidas de civilidade e incivilidade, bem como a consequentemente perspectiva intervenção e gestão do comportamento organizacional é no campo de práticas positivas contra assédio moral e sexual no trabalho. Publicação recente norte-americana aponta que ambientes laborais de maior civilidade auxiliam a construção de contextos pró-sociais, os quais reforçam normas de respeito mútuo entre os colegas de trabalho (Walsh & Magley, 2019). Sendo crescente o número de denúncias e problemas envolvendo assédio moral e sexual em empresas brasileiras (Da Mota & Martins, 2019), intervenções que possam inicialmente detectar e diagnosticar ambientes de baixa civilidade, podem no processo de mudança e desenvolvimento organizacional incluírem a temática do assédio no seu hall de atuação.
Apesar dos resultados descritos, é importante pontuar limitações a serem consideradas nesse estudo. Destaca-se, principalmente, a restrição geográfica da amostra que é proveniente apenas de um estado do sudeste e a pouca variabilidade de contextos organizacionais. Avaliação da precisão da medida por métodos de comparação do escore ao longo do tempo também não foram realizados, sugerindo-se para futuros estudos a avaliação da confiabilidade por métodos do tipo teste-reteste, assim como uma expansão amostral para outras regiões do território nacional, bem como organizações de outros setores de trabalho.
Embora haja a existência das limitações, esta pesquisa oferece evidências de uma medida breve de incivilidade e congruência transcultural com outra de civilidade organizacional, contando com parâmetros psicométricos promissores, que cumprem o que se espera na literatura. Para além da possibilidade de pesquisa básica, é possível utilizar esta medida no âmbito organizacional, sobretudo pensando em futuras intervenções que visem melhorar a qualidade do ambiente de trabalho. Isso ocorre, por exemplo, em pesquisas que utilizaram a versão original (Workplace Civility Scale - Osatuke et al., 2009) para a mensuração de civilidade no contexto hospitalar (Laneiro, Magalhães, & Nitzschee, 2016) e na enfermagem (Vickous, 2015), nas quais o uso das ferramentas avaliativas permitiram uma parametrização objetiva de aspectos de intervenção e melhoria no ambiente de trabalho. Por fim, acredita-se que o instrumento também contribua para avanços na área de comportamento organizacional, permitindo compreender a influência de comportamentos respeitosos ou não em um ambiente de trabalho.
Referências
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Endereço para correspondência:
Prédio Professor Lídio de Souza - CCHN - Universidade Federal do Espírito Santo
Alexsandro Luiz De Andrade
Av. Fernando Ferrari, 514 - Goiabeiras
Vitória - ES | CEP 29075-910
E-mail: alexsandro.deandrade@yahoo.com
Recebido em: 17/09/2018
Primeira decisão editorial em: 08/10/2019
Versão final em: 21/10/2019
Aceito em: 21/10/2019