As equipes são utilizadas de forma constante para a condução de trabalhos e negócios e continuam extremamente presentes nas organizações. No entanto, com as novas tecnologias, as organizações são diferentes daquelas das gerações anteriores e 84% das equipes experimentam transformações recorrentes em virtude desta nova realidade (Espinosa et al., 2012). Este cenário exige mudanças nas descrições de cargos, funções, responsabilidades e de como os funcionários interagem e colaboram, anunciando novas necessidades na prática das equipes e, consequentemente, no seu estudo (Benishek & Lazzara, 2019).
As organizações estruturam equipes de acordo com as habilidades e conhecimentos necessários para executar tarefas específicas, mas ao mesmo tempo, projetam conhecimentos e habilidades que embasam os ajustes necessários conforme as tarefas se modificam (Tannenbaum et al., 2012). Certas competências são necessárias para gerenciar esses processos em evolução e estados dinâmicos.
Pesquisadores e organizações demonstram um interesse crescente nos tópicos de aprendizagem e competência no trabalho (Benishek & Lazzara, 2019). Com o avanço das pesquisas e práticas na área, busca-se compreender como identificar se a organização possui ou não pessoas, em suas equipes, com as competências profissionais necessárias à execução dos seus objetivos. Ao mesmo tempo, compreender o ambiente necessário para que as pessoas sejam contínua e adequadamente preparadas para o trabalho torna-se parte da estratégia organizacional (Shuffler et al., 2020).
Competência é uma combinação sinérgica de conhecimentos, habilidades e atitudes manifestas no desempenho profissional em determinado contexto organizacional, podendo manifestar-se em três níveis: micro, meso e macro (Brandão et al., 2012). No nível individual (micro), retratam-se aspectos psicossociais do indivíduo e a sua atuação no contexto. No macronível, observa-se a organização como um todo e associa-se as competências à competitividade das organizações, aos atributos mínimos necessários ao seu funcionamento e à missão organizacional (Puente-Palacios & Brito, 2018). No mesonível, foco deste trabalho, importam as equipes de trabalho. Neste caso, as competências são coletivas e vão além da simples soma das competências individuais de cada integrante da equipe. Ou seja, há um arranjo sinérgico das competências individuais, emergindo para uma competência coletiva (Brandão et al., 2012).
No nível das equipes, conhecimentos, habilidades e atitudes de cada integrante do grupo são articulados socialmente, resultando em saberes próprios dessas equipes. Esse processo ocorre por meio do compartilhamento de cognições relacionadas à tarefa e ao ambiente de trabalho, propiciando o surgimento de compreensões e interpretações similares no grupo (Puente-Palacios & González-Romá, 2013). Neste nível, todos os membros da equipe devem apresentar algum grau das referidas competências, impactando positivamente o desempenho das mesmas (Puente-Palacios & Brito, 2018).
Ainda em relação às consequências da presença das competências compartilhadas, alguns estudiosos de equipes, como Cannon-Bowers e Salas (2001), defendem que grupos em que os integrantes compartilham visões similares sobre o trabalho, gastam menos tempo com ações de negociação, já que possuem formas similares de compreender as tarefas e o cenário, com maior possibilidade de diagnosticar o problema enfrentado e reagir com maior agilidade. Quanto ao efeito das competências no desempenho de equipes, também pode ser mencionado o trabalho de Bole et al. (2016) que investigaram especificamente o papel preditivo das competências de equipes com foco no cliente, em uma grande amostra (1.500 equipes de projetos), e constataram associação positiva entre essas competências e os resultados do desempenho.
As competências podem ser associadas ao desempenho, seja no âmbito de uma estratégia, de um contexto organizacional ou de uma equipe de trabalho. Esse desempenho é expresso pelos comportamentos que as pessoas manifestam, assim como pelas consequências desses comportamentos, sejam elas realizações ou resultados (Carbone et.al., 2005). Neste caso, as competências são expressas em termos de comportamentos observáveis, com verbos de execução e, mais especificamente no caso das equipes, com um referencial ao mesonível e descrição de comportamentos expressos pelas equipes.
As competências de equipes variam em dois domínios -tarefas e relacionais - que, por sua vez, estão em um continuum que vai do específico ao geral. As competências específicas da tarefa são aquelas aplicáveis apenas a uma tarefa ou um tipo de tarefa específico, já as genéricas são aplicáveis em uma variedade de configurações de tarefas, tais como habilidades de gerenciamento de projetos. Da mesma forma, as competências relacionais podem ser categorizadas como específicas ou gerais, ou seja, as competências específicas da equipe exigem que os membros se conheçam bem e tenham experiência em trabalhar juntos, enquanto as competências genéricas da equipe são aplicáveis em diferentes equipes com diferentes membros (Benishek & Lazzara, 2019).
Esses domínios combinam-se em quatro tipos distintos de competências: orientada ao contexto, contingente à tarefa, contingente à equipe e transportável (Benishek & Lazzara, 2019). As competências orientadas para o contexto são específicas tanto para a tarefa quanto para a equipe, ou seja, são altamente especializadas. As competências contingentes à tarefa são determinadas pelo tipo de atividade executada. As competências contingentes da equipe são específicas para um conjunto determinado de pessoas. Por fim, as habilidades transportáveis são as mais flexíveis. Elas são aplicáveis a todas as equipes em todas as tarefas.
Apesar do tipo de equipe ou tarefa poderem afetar a forma como as competências transportáveis são demonstradas, elas são aplicáveis nos mais diversos ambientes, impactando diretamente a efetividade das equipes de trabalho (Salas et al., 2015). Além disso, todas as equipes irão experimentar transições à medida que evoluem de tarefa ou processos, especialmente as equipes atuais que são expostas a um ambiente cada vez mais dinâmico. Nesse contexto, as competências transportáveis são um diferencial para as equipes se movimentarem com agilidade diante das mudanças necessárias, além de propiciar maior habilidade para estabelecer novas metas, desenvolver conexões e coesão (Benishek & Lazzara, 2019). Ressalta-se que as competências transportáveis também são essenciais para que os indivíduos transitem entre equipes, reforçando a crescente tendência de os colaboradores atuarem em mais de uma equipe ao mesmo tempo (Shuffler et al., 2020).
Dessa forma, a compreensão das competências transportáveis em equipes ajuda a organizar a maneira como a dinâmica da equipe é abordada e gerenciada, levando em conta toda a complexidade atual. Nas equipes modernas, as atribuições de tarefas ocorrem conforme a necessidade e são fornecidas aos membros da equipe com habilidade para realizá-las, havendo uma maior coordenação entre os membros para se mover com maior adaptabilidade e agilidade (Dube, 2014).
Nas últimas décadas, diferentes tipos de tarefas e propósitos foram examinados em equipes de trabalho de muitos formatos e foram identificadas algumas competências transportáveis, tais como resolução de conflitos, resolução de problemas de forma colaborativa, comunicação, gestão de desempenho e objetivos, planejamento e coordenação de tarefas e adaptabilidade (Aguado et al., 2014; Salas et. al., 2018). Apesar disso, ainda há necessidade de um melhor entendimento sobre o impacto das competências transportáveis na efetividade das equipes (Salas et al., 2018), assim como são escassos os instrumentos para mensurá-las. Dessa forma, o objetivo da presente pesquisa é desenvolver e investigar as evidências de validade da estrutura interna de uma medida que avalia as competências transportáveis em equipes de trabalho. Autores da área (Benishek & Lazzara, 2019; Salas et al., 2018) mapearam as competências recorrentes em equipes de trabalho que executam diversas tarefas e operam em diferentes cenários e propõem que nas equipes modernas, que atuam em um cenário cada vez mais dinâmico, três competências transportáveis são centrais para o trabalho em equipe: coordenação, adaptabilidade e comunicação.
Coordenação
Atuar em equipes inseridas em ambientes com constantes mudanças exige dos trabalhadores não apenas uma adaptação ao meio, mas também uma coordenação eficaz de atividades, processos e pessoas para atingir os resultados necessários. A coordenação pode ser definida como a transformação de tarefas individuais em resultados coletivos por meio do apoio aos membros da equipe, da sequência de ações e do alinhamento de estratégias para atingir objetivos comuns (Arrow et al., 2000; Salas et al., 2015).
A coordenação pode ser explícita, ou seja, os membros da equipe utilizam mecanismos como planejamento para gerenciar interdependências; ou implícita, quando os membros antecipam as necessidades da equipe e ajustam seus comportamentos de acordo com a necessidade, sem serem instruídos (Rico et al., 2008). Ambos os tipos de coordenação são impulsionadores do desempenho das equipes (Salas et al., 2015). Já as falhas na coordenação estão relacionadas a aumentos de erros, malentendidos e, consequentemente, redução do desempenho (Sims & Salas, 2007).
Para a coordenação ocorrer, a equipe deve compartilhar objetivos, planejar ações e definir as funções dos membros, de forma que sejam claras, mas não excessivamente rígidas (Salas et al., 2006; Stowers et al., 2021). O monitoramento do comportamento da equipe e o compartilhamento de informações sobre seu progresso, recursos e carga de trabalho também facilitam a coordenação ao permitirem que os membros verifiquem se a equipe está no caminho certo para cumprir os prazos e evitar retrabalhos (Paoletti et al., 2020).
Adaptabilidade
Adaptabilidade é o ajuste de comportamentos e estratégias em resposta às mudanças nas circunstâncias da equipe (Salas et al., 2018). Ela se manifesta na inovação ou modificação de estruturas, comportamentos ou ações dirigidas a um objetivo (Salas et al., 2006). Foi considerada uma das poucas estratégias de grupo universalmente eficazes, ampliando as possibilidades de torná-lo o mais funcional possível (Driskell et al., 2018). A adaptação está no cerne da eficácia das equipes, pois seus membros precisam ajustar coletivamente suas ações para que o desempenho individual e trocas de papéis interdependentes levem a um resultado pré-determinado (Bisbey et al., 2021; Salas et al., 2006).
Para adaptar-se, membros de equipes utilizam recursos disponíveis para articular suas ações de acordo com a situação. Eles têm a capacidade de identificar obstáculos ao desempenho, encontrar maneiras de evitar ou contorná-los, gerenciando ações, recursos e pessoas (Driskell et al., 2018). Esta resposta adaptativa acontece em quatro fases: 1 - Reconhecer (identificar a necessidade de mudança); 2 - Reestruturar (mudar a forma de pensar e planejar novas ações); 3 - Responder (modificar ações); e 4 - Refletir (observar e compreender as ações e resultados). Um ambiente propício, que amplie a troca e a comunicação entre os membros, é um importante diferencial no contexto adaptativo das equipes de trabalho.
Comunicação
A comunicação é essencial para as equipes, pois é o principal mecanismo de interação entre membros visando alcançar um objetivo comum (Marks et al., 2001). A comunicação é um processo transacional, em que informações são trocadas entre dois ou mais integrantes por meio de canais verbais ou não verbais (Marlow et al., 2017). Os canais verbais se referem à linguagem, ou seja, palavras que possuem significados compartilhados pelos indivíduos e, quando conectadas, formam frases. Já os canais não verbais incluem gestos, contato visual, contato físico, dentre outros (Lagatta, 2020). Ambos os canais são considerados importantes, tendo em vista que auxiliam na interpretação das mensagens enviadas.
As equipes que se comunicam de forma eficaz podem alternar entre comunicação explícita ou implícita (Espinosa et al., 2004). No decorrer da execução de uma atividade, os membros das equipes podem dizer explicitamente algo importante para o processo e, em paralelo e de forma implícita, utilizar de dicas não verbais e do conhecimento prévio sobre o funcionamento delas para executar adequadamente a tarefa.
Essas diversas formas de comunicação têm um impacto positivo no desempenho das equipes. Além disso, uma boa comunicação na equipe reduz erros, aumenta a capacidade de ajustar planos e o reconhecimento de informações realmente adequadas para a execução das atividades. Essa influência positiva está relacionada com a capacidade que a comunicação possui de influenciar os processos críticos da equipe, fazendo com que a informação flua entre os membros, impactando sua capacidade de trabalhar junto e atingir objetivos (Salas et al., 2015).
Apesar da percebida influência da comunicação, coordenação e adaptabilidade tanto no funcionamento quanto nos resultados das equipes, a literatura da área ainda carece de instrumentos para mensurar competências transportáveis (Salas et al. 2015). Em revisão de literatura, no contexto internacional, foi encontrada uma única medida que se refere a competências transportáveis no mesonível e é referenciado o seguinte conjunto de competências: resolução de conflitos, resolução de problemas de forma colaborativa, comunicação, gestão da de desempenho e objetivos, planejamento e coordenação de tarefas (Aguado et al., 2014). Este conjunto de competências, assim como suas descrições, foi mapeado na década de 90 por Stevens e Campion (1994), não refletindo as mudanças organizacionais tão presentes atualmente, principalmente no que se refere à adaptabilidade das equipes (Benishek & Lazzara, 2019).
As equipes têm presenciado mudanças frequentes, seja na forma como executam seus processos ou no aprendizado de novos conhecimento e habilidades. Para lidar com essas transições cada vez mais rápidas, torna-se necessária a flexibilidade na tomada de decisão, no aprimoramento de processos e na forma como interagem coletivamente. As equipes utilizam das suas habilidades de comunicação e de coordenação interna para fazer com que os ajustes exigidos sejam executados e alinhados da forma necessária (Bush et al., 2018). Sendo assim, as competências de adaptabilidade, coordenação e comunicação têm sido consideradas as competências transportáveis nucleares (Benishek & Lazzara, 2019, Salas et al., 2018).
Ressalta-se que as propriedades psicométricas da medida de competências transportáveis mapeadas anteriormente são relatadas como insatisfatórias (Aguado et al., 2014). Os itens desta escala não foram divulgados por pertencerem a um instrumento de uso comercial. Isso reforça a importância de uma medida de Competências Transportáveis em Equipes que reflita as mudanças e necessidades do ambiente de trabalho.
Método
Participantes
Foram coletados dados de 512 indivíduos. Após a exclusão de casos ausentes e de respostas de pessoas que relataram não trabalhar em equipe, foram obtidos 465 participantes, tamanho amostral suficiente para seguir com as análises fatoriais, seguindo critério de Pasquali (1999). A maioria (35,2%) desses trabalhadores informou ter especialização concluída ou ensino superior completo (29,6%). A amostra é de 57% respondentes do sexo feminino, possuem idades entre 19 e 72 anos (Média = 36,6; DP = 10,9) e são residentes no Distrito Federal (65,5%).
Instrumento
Para mensurar as competências transportáveis em equipes de trabalho, foi desenvolvido um instrumento com base na revisão de literatura. O primeiro passo foi a conceituação do construto, etapa essencial antes de iniciar a formulação de fatores e itens do instrumento (Pasquali, 1999). Em seguida, foi realizada a definição operacional das dimensões, assim como a redação dos respectivos itens, chegando a 34 itens distribuídos em 3 fatores: Coordenação, Adaptabilidade e Comunicação. No caso da comunicação, foram utilizados os itens da Escala de Comunicação em Equipes (Lagatta et al., 2020), composta por dois fatores: Qualidade e Barreiras da Comunicação. Por se tratar de competências das equipes, optou-se por seguir apenas com o fator de qualidade da comunicação. Já os itens de coordenação e adaptabilidade foram criados para esse estudo, com base na literatura da área, devido a escassez de itens que cobrem o escopo atual necessário e referenciado no campo de competências transportáveis em equipes.
O próximo passo consistiu na análise semântica dos itens em conjunto com um grupo de pesquisa de uma universidade brasileira. Posteriormente, seguiu-se para análise das evidências de validade de conteúdo e semântica por juízes, com objetivo de avaliar se estes eram compreensíveis e a sua adequação em relação a cada dimensão da medida (Pasquali, 1999). Para tanto, foram selecionados quatro especialistas: duas pesquisadoras especialistas em equipes de trabalho, uma especialista no tema competências e um especialista em construção de instrumentos psicológicos. Foi solicitado que os juízes avaliassem a compreensão dos itens, bem como indicassem a qual dimensão cada item pertencia: coordenação, adaptabilidade e comunicação. Com base nessa análise, os itens avaliados por pelo menos 80% dos juízes como pertencentes à mesma dimensão foram considerados adequados, sendo que 29 itens atenderam a este critério. Cinco foram reformulados e mantidos no questionário.
A segunda análise semântica consistiu na aplicação da medida na população-alvo da pesquisa com objetivo de avaliar se as instruções e os itens estavam claros e compreensíveis. Participaram desta etapa 7 indivíduos, integrantes de diferentes equipes de trabalho, de empresas variadas e ramos empresariais diversos, que integraram grupo focal e indicaram alterações em relação à compreensão dos itens. Os ajustes solicitados foram realizados e as definições operacionais podem ser identificadas na Tabela 1.
Tabela 1 Definições Operacionais e Itens por Fator da Escala de Competências de Equipes de Trabalho
Nome | Definição Operacional | Itens |
---|---|---|
Coordenação | Trata-se da organização de esforços coletivos, incluindo o tempo, sequência de atividades, priorização, suporte e apoio de membros da equipe. Também envolve planejamento sobre um curso de ação, objetivos e o papel de cada um na equipe. | 14 |
Adaptabilidade | Refere-se a mudanças na equipe, em resposta a uma situação, que leva a um resultado funcional para toda a equipe. Manifesta-se no replanejamento de ações, processos e objetivos, assim como no desenvolvimento de novos comportamentos que apoiem a mudança necessária. | 10 |
Comunicação | Refere-se à troca de informações entre dois ou mais integrantes da equipe, por meio de canais verbais ou não verbais, prezando pela qualidade e adequação da informação repassada. | 10 |
Total | 34 Itens |
Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos
Integrantes de equipes de trabalho pertencentes a diferentes organizações foram convidados a participar de um estudo sobre competências de equipes e variáveis correlatas. Ao longo de um mês, responderam à pesquisa online a partir de um link, que fornecia o esclarecimento sobre a participação voluntária, anônima e a ausência de quaisquer consequências danosas resultantes da participação ou não na pesquisa. Ao adotar estes procedimentos, os princípios que regem as pesquisas com seres humanos foram respeitados.
Procedimentos de Análise de Dados
O primeiro passo consistiu na realização de análises estatísticas exploratórias. As distribuições de frequências, percentuais, médias, medianas e desvios padrão foram obtidas para as variáveis demográficas pessoais e funcionais. A seguir, realizou-se a Análise Fatorial Exploratória (AFE) - método de extração Principal Axis Factoring (PAF) -seguindo procedimentos recomendados por Field (2021) e Tabachnick e Fidell (2007). Para testar o ajuste do modelo proposto no instrumento, foi conduzida uma Análise Fatorial Semiconfirmatória (SCFA), seguindo a proposta de Lorenzo-Seva e Ferrando (2020).
Testaram-se os pressupostos necessários para a realização da AFE, como a normalidade das respostas, por meio da análise de skewness (Miles & Shevlin, 2001). Seus resultados indicaram que, para a maioria dos itens da escala, a assimetria situava-se entre 0 e 1 em valores absolutos. Apenas quatro itens da escala apresentaram assimetria entre 1 e 2. Esses valores apontam para uma distribuição próxima da normalidade (Miles & Shevlin, 2001). A AFE foi realizada pelo método Principal Axis Factoring e rotação Promax (Field, 2021). A fatorabilidade da matriz de dados foi considerada adequada, com base em quatro critérios: (a) Kaiser-Meyer-Olkin -KMO; (b) Determinante da matriz; (c) Inspeção da matriz de correlações; e (d) Teste de Esfericidade de Bartlett. Obtiveram-se um determinante de baixa magnitude e diferente de zero (< 0.000001) e KMO de 0,97, avaliados como excelentes por Pasquali (1999). A inspeção da matriz de correlações também sinalizou a pertinência de reduzir os itens a fatores. Todas as correlações foram significativas e oscilaram entre 0,11 e 0,81. Por fim, o teste de esfericidade de Bartlett apresentou resultados significativos (χ2 = 5240,3; p < 0,001).
Resultados
Atendidos os parâmetros para realização das Análises Fatoriais, a definição do número adequado de fatores a extrair da matriz foi realizada a partir de critérios teóricos e psicométricos. A base teórica utilizada aponta para três fatores: coordenação, adaptabilidade e comunicação. Quanto aos critérios psicométricos, o gráfico do Scree Plot (Figura 1) e o critério de Kaiser, que estabelece como indicador do número de fatores o valor eigenvalue empírico acima de 1, apoiaram a pertinência de extrair até três fatores, com variância explicada de 68,52%. A análise paralela sugeriu um fator (Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011). Tendo em vista a natureza do construto, não se esperava independência entre eles, mas sim fatores relacionados, sendo componentes de um mesmo construto - competências transportáveis de equipes. Assim, decidiu-se por adotar a extração de 3 fatores, seguindo tanto o embasamento teórico quanto o critério de Kaiser e o gráfico do Scree. Este procedimento, resultou na exclusão total de 10 itens, sendo 7 deles por apresentarem cargas complexas (5 itens de coordenação, 1 item de comunicação e 1 item de adaptabilidade); e 3 itens do fator coordenação que carregaram no fator adaptabilidade.
Assim, a solução psicometricamente ajustada e teoricamente defensável foi composta por três fatores, 24 itens, com variância explicada de 73,32% (Tabela 2). O fator 1 - coordenação - condensou 6 itens, com cargas fatoriais entre 0,43 e 0,91. Sua confiabilidade interna é satisfatória com alpha de Cronbach de 0,90 e magnitude do valor médio da correlação item-total de 0,75. O segundo fator - adaptabilidade - agrupou nove itens que apresentaram cargas fatoriais com valores entre 0,52 e 0,92. Seus índices de confiabilidade interna também se mostraram satisfatórios (α = 0,93; r item-total = 0,76). O terceiro fator - comunicação - apresentou nove itens com cargas fatoriais de 0,41 a 0,86, α de 0,93 e média da correlação item-total de 0,75. Ressalta-se que no instrumento aplicado, antes do conjunto de itens apresentado, havia a frase "Nesta equipe..." com objetivo de eliciar nos respondentes memórias relativas aos comportamentos realizados pelas equipes. A média e desvio padrão dos três fatores foram calculados e a correlação entre eles foi obtida (Tabela 3).
Tabela 2 Cargas fatoriais dos itens da escala de competências de equipe
Descrição do conteúdo do item | Fator 1 | Fator 2 | Fator 3 |
---|---|---|---|
1 - Os processos de trabalho são definidos e organizados. | 0,88 | ||
2 - Há definição clara de papéis e responsabilidades. | 0,91 | ||
3 - As ações são planejadas para alcançar os objetivos. | 0,79 | ||
4 - O andamento das atividades é acompanhado pelos integrantes do grupo. | 0,43 | ||
5 - São avaliados os resultados alcançados. | 0,70 | ||
6 - A qualidade dos resultados individuais é avaliada. | 0,45 | ||
7 -A rotina é modificada para atender novas demandas. | 0,90 | ||
8 - Há replanejamento de ações quando ocorrem mudanças. | 0,92 | ||
9 - Os membros ajustam seus comportamentos relacionados ao trabalho, quando necessário. | 0,55 | ||
10 - Os processos de trabalho são redesenhados de acordo com novos contextos. | 0,83 | ||
11 - São desenvolvidas novas habilidades para se adaptar a mudanças. | 0,69 | ||
12 - As metas de trabalho são redefinidas quando necessário. | 0,68 | ||
13 - Soluções diferentes são analisadas para problemas usuais. | 0,52 | ||
14 - Os membros compreendem a importância de se adequar a novas situações. | 0,63 | ||
15 - Há abertura para testar novas formas de realizar o trabalho. | 0,58 | ||
16 - As pessoas escutam com interesse o que é dito. | 0,81 | ||
17 - As informações divulgadas fazem sentido. | 0,78 | ||
18 - Existe entendimento entre as pessoas quando elas conversam. | 0,74 | ||
19 - A informação passada pelos membros é precisa. | 0,83 | ||
20 - Há objetividade na informação divulgada pelos membros. | 0,86 | ||
21 - A informação é divulgada no momento adequado. | 0,64 | ||
22 - Os membros costumam confirmar o recebimento das informações. | 0,60 | ||
23 - Os resultados são comunicados após a conclusão de tarefas. | 0,41 | ||
24 - Os canais de comunicação utilizados são adequados. | 0,49 | ||
Quantidade de Itens | 6 | 9 | 9 |
Alpha de Cronbach | 0,90 | 0,90 | 0,93 |
Média da correlação item-total | 0,75 | 0,76 | 0,75 |
Tabela 3 Média, Desvio Padrão e Matriz de Correlação entre os Fatores de Competências de Equipes
Fatores | M | DP | 1 | 2 |
---|---|---|---|---|
1 - Coordenação | 3,90 | 0,90 | - - | |
2 - Adaptabilidade | 3,82 | 0,91 | 77** | - - |
3 - Comunicação | 3,73 | 0,88 | 0,77** | 0,78** |
Nota. * p ≤ 0,05. ** p ≤ 0,01
Os fatores apresentaram correlações significativas entre si e esses valores podem ser considerados aceitáveis por não evidenciarem existência de redundância entre os fatores, com uma variância compartilhada ao redor de 59%. Há uma sobreposição parcial já esperada entre eles, mas constata-se, também, a especificidade de cada fator, que sinaliza que cada um deles aborda competências diferentes que em conjunto formam o repertório de competências transportáveis, sendo mais de 40% de conteúdo específico de cada competência, o que não é desprezível. Os valores das médias aritméticas revelam a ocorrência destas competências nas equipes estudadas, já que em todos os casos os valores médios superam o ponto médio da escala.
O ajuste do modelo foi evidenciado através de Análise Fatorial Semiconfirmatória (SCFA) (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2020). Seus resultados demonstraram adequação da medida. Devido à natureza ordinal dos dados e assimetria identificada, o método dos quadrados mínimos não ponderados robustos (RULS) foi usado para o cálculo das correlações policóricas (Muthén & Kaplan, 1992). Ele resultou nos seguintes índices de ajuste: CFI = 0,99; NNFI = 0,99; RMSEA = 0,021 (IC95% = 0,012 - 0,021); RMSR = 0,028 (IC95% = 0,028 - 0,029). Todos estão acima de 0,95 e o RMSEA abaixo de 0,06, indicando ótimo ajuste do modelo (Thompson, 2004).
O índice de replicabilidade (Generalized H-G-H) indica quão bem um conjunto de itens representa um fator (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2020). Valores altos de H (> 0,80) sugerem uma variável latente bem definida, que provavelmente mantem-se estável entre estudos, resultado observado na Tabela 4. O H-Latent avalia quão bem o fator pode ser identificado pelas variáveis de resposta latente que fundamentam seus itens. O H-Observed avalia quão bem ele pode ser identificado a partir desses itens.
Tabela 4 Valores do GH INDEX para os Fatores da Escala de Competências de Equipes
Fatores | H Latent | IC95% | H Observed | IC95% | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Coordenação | 0,938 | 0,916 | 0,952 | 0,878 | 0,864 | 0,894 |
Adaptabilidade | 0,955 | 0,941 | 0,966 | 0,921 | 0,907 | 0,935 |
Comunicação | 0,954 | 0,943 | 0,962 | 0,901 | 0,886 | 0,915 |
O conjunto de evidências trazidas pelos diversos índices obtidos nas análises ora relatadas revelam que a medida objeto deste estudo se constitui em ferramenta promissora para a mensuração de competências transportáveis em equipes de trabalho. As implicações desses achados são discutidas na seguinte seção à luz da teoria da área.
Discussão
As equipes de trabalho buscam responder aos desafios globais dos novos tempos por meio da melhoria de comportamentos, processos e atividades, além de uma atuação conjunta e colaborativa (Paoletti et al., 2020). No entanto, para consolidarem-se como unidades estratégicas, são necessárias competências que permitam à equipe funcionar como um todo, unir especialidades e trocar experiências para o alcance dos objetivos organizacionais (Salas et al., 2018).
Equipes formadas por pessoas com fortes competências em trabalho em equipe apresentam uma gama específica de comportamentos que reduzem o retrabalho, os erros e possíveis conflitos interpessoais, que, consequentemente, impactam sua efetividade (Paoletti et al., 2020). A disponibilidade de uma medida apropriada de competências do trabalho em equipe pode ajudar a minimizar esses problemas. Assim, o objetivo do presente estudo foi desenvolver e investigar as evidências de validade da estrutura interna de uma medida que avalia as competências transportáveis em equipes de trabalho.
A escala proposta no presente estudo apresentou resultados alinhados à base teórica e com bons índices psicométricos. A escolha por seguir com a extração de três fatores com base nos critérios teóricos, scree plot e critério de Kaiser sustentado no eigenvalue acima de 1, mostrou que o modelo foi adequado ao proceder com a realização de análise fatorial semiconfirmatória e seus resultados indicarem que as decisões tomadas foram pertinentes, reforçando as especificidades de cada fator, conforme sinaliza a literatura. A medida resultante se constitui em ferramenta confiável para mensuração das competências transportáveis em equipes de trabalho.
Apesar dos bons índices, um dos fatores chamou atenção pela quantidade de itens complexos: coordenação. O conteúdo dos seus itens, em sua maioria, trata sobre suporte e apoio aos membros da equipe em situações de sobrecarga, retrabalho e distribuição de tarefas. A coordenação abrange estes comportamentos de apoio entre os membros da equipe (Salas et al., 2015). Mas no presente estudo tais comportamentos foram percebidos como mais uma forma de adaptação da equipe para superar os desafios existentes. Ou seja, a oferta de apoio aos colegas foi compreendida pelos respondentes como uma resposta adaptativa e não como uma estratégia de coordenação, que foi percebida fundamentalmente nos seus aspectos relacionados a tarefas e resultados: definição de processos, papéis e responsabilidades; planejamento e acompanhamento das ações; e avaliação dos resultados coletivos e individuais. Em busca de maior parcimônia e alinhamento teórico, decidiu-se eliminar estes itens do instrumento, o que demonstrou ser uma decisão acertada ao analisar os índices de ajuste e resíduos, assim como a distribuição dos itens após a eliminação.
Outro aspecto observado nas análises de dados é o índice de replicabilidade (Generalized H - G-H), que indica o quão bem um conjunto de itens representa um fator, mantendo-se estável entre os estudos (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018). Todos os índices estão acima de 0,80 reforçando mais uma vez a adequação da solução fatorial identificada nesta pesquisa. Porém, há insuficiência de medidas adequadas para mensurar estes fenômenos, o que dificulta a comparação destes resultados (Benishek & Lazzara, 2019). Sugere-se a replicação do presente estudo em novas amostras, para verificação da estabilidade da sua solução fatorial e da pertinência da retirada de itens.
Apesar das limitações supracitadas, os resultados permitem concluir que os procedimentos adotados foram válidos e resultaram em uma escala de mensuração confiável. Sugere-se a utilização da medida de avaliação de competências transportáveis em equipes de trabalho brasileiras, visando testar possíveis relações desta variável com a efetividade de equipes, conforme evidenciado na literatura internacional (Salas et al, 2018). Mesmo que estes estudos tenham sido realizados de forma separada com a coordenação, adaptabilidade e comunicação, todos apresentaram relações positivas com a performance de equipes (Paoletti et al., 2020; Salas et al., 2015).
Independentemente das especificidades da tarefa ou das equipes, estas podem passar por transições e evolução à medida que passam de uma tarefa para a próxima ou de um desafio para o outro (Marks et al., 2001). Para este processo ocorrer de forma efetiva, é importante que exista comunicação, que se adequem comportamentos e processos e que ações sejam coordenadas. Nas equipes modernas, as mudanças acontecem de forma rápida, muitas vezes sem delineamentos claros (Salas et al., 2015). Desenvolver as equipes para performarem melhor nestes momentos, focando nestas três competências, pode ser um diferencial competitivo importante para as organizações.
A flexibilidade de atuação, o alinhamento nas ações e uma comunicação clara são aspectos que empresas e líderes devem estar em constante observação. A fim de maximizar as contribuições de todos os membros da equipe e orientá-la rumo aos resultados esperados, é necessário comunicar claramente as funções e responsabilidades de cada membro. Organizações que compreenderem e avaliarem suas equipes nestes aspectos poderão atuar à frente das demandas de mercado. A utilização da escala de competências transportáveis em equipes é um apoio na identificação destes comportamentos e um suporte na criação de estratégias para lidar com as rápidas mudanças. Estudos futuros sobre a coordenação, comunicação e adaptabilidade podem agregar ainda mais para o desenvolvimento organizacional e para a prática de equipes enquanto unidades estratégicas. Mais do que ter funcionários competentes, é preciso que a equipe seja competente.