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Revista de Psicologia da UNESP

versão On-line ISSN 1984-9044

Rev. Psicol. UNESP vol.14 no.2 Assis jul. 2015

 

Relato de Pesquisa

 

Um estudo sobre as configurações do trabalho e inserção do psicólogo no contexto da Política de Assistência Social

 

A study about work settings insertion of Psychology in Unified Social Assistance Brazilian Policy

 

 

William FerreiraI, Gustavo ZambenedettiII

I,II Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO

 

 


RESUMO

As configurações contemporâneas do trabalho são permeadas pela flexibilização e diversas formas de empregabilidade. Nesse contexto, as políticas públicas aparecem como alternativa para atenuar a insegurança própria dessas configurações ao mesmo tempo que sofrem os seus efeitos. Esta pesquisa buscou analisar o modo como os profissionais têm ingressado nos dispositivos vinculados à Política de Assistência Social. Utilizando-se da abordagem qualitativa, foram entrevistados cinco profissionais atuantes no Sistema Único de Assistência Social – SUAS, de um município do interior do Paraná, entre os quais três eram psicólogos. Com base nos resultados, que apontam a precarização nas relações trabalhistas e das redes socioassistenciais, entre outros aspectos, discutem-se alguns desafios que devem ser considerados no processo de efetivação das políticas sociais no Brasil.

Palavras-chave: sistema único de assistência social; relações de trabalho; precarização do trabalho; psicologia.


ABSTRACT

Contemporary settings of work are permeated by flexible labor arrangements and various forms of employability. In this context, the public policy appears as an alternative to alleviate the very insecurity of these configurations, while suffering the effects. This research sought to examine how professionals have joined the devices linked to Social Assistance Policy. By utilizing a qualitative approach, we interviewed five professionals working in social assistance policy of a municipality in the State of Parana, among which three were psychologists. Based on the results, which indicate the precariousness in labor relations and social assistance networks, among other aspects, we discuss some challenges that must be considered in the effectuation of social policies in Brazil.

Keywords: Unified Social Assistance; Labor relations; Precariousness of work; Psychology.


 

 

Introdução

A expansão da profissão de psicólogo no país tem sido expressiva nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 2000. Isso foi possível devido ao engajamento desse profissional na luta pelos direitos sociais e consequente expansão das políticas públicas, cujos dispositivos de ação têm representado importantes campos de inserção do psicólogo (Macedo et al., 2011).

O Sistema Único de Assistência Social (SUAS), como política em processo de municipalização, tornou-se um importante campo de empregabilidade, passando de 140 mil para 220 mil trabalhadores vinculados nos últimos quatro anos, dos quais 8.079 são psicólogos (Macedo et al., 2011). Dados divulgados pelo Conselho Federal de Psicologia, em agosto de 2013, estimam que o número de psicólogos no SUAS chega a 21.000 (CFP, 2013).

Sendo um campo relativamente recente, coloca desafios para a prática profissional do psicólogo e também de outros profissionais atuantes nessa política. Nesse sentido, esse estudo tem como objetivo principal analisar como tem ocorrido a inserção dos profissionais, em especial da psicologia, na Política da Assistência Social, considerando-se a realidade de um município do interior do Paraná.

Com o intuito de melhor compreender o campo no qual se desenvolveu esse estudo, serão feitas algumas considerações sobre os principais aspectos da Política de Assistência Social e as configurações atuais do mundo do trabalho, os quais nos possibilitam compreender os impactos nas relações de trabalho, bem como nas práticas profissionais.

Sobre o Sistema Único de Assistência Social - SUAS

Ao mesmo tempo que a Constituição de 1988 representou avanços sociais, por buscar assegurar algumas garantias sociais básicas – a partir das leis do SUS (Sistema Único de Saúde) e da LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social), a qual subsidiou a criação do SUAS – o período subsequente representou um momento marcado pela desmobilização das políticas sociais. Nesse período, o campo da Assistência Social, atravessada por interesses políticos e econômicos, configurou-se como um conjunto de ações desarticuladas, fragmentadas e pouco efetivas no que se refere às questões sociais (Couto, Yazbek & Raichelis, 2009; Macedo et al., 2011).

Segundo Couto, Yazbek e Raichelis (2009), a LOAS inovou ao apresentar o caráter institucional da Assistência Social, bem como em promover a necessária integração entre o econômico e o social, destacando a centralidade do Estado na universalização e garantia de direitos e de acesso aos serviços sociais, além de valorizar a participação da sociedade na gestão, execução e monitoramento da política. Mesmo criada há mais de 20 anos, apenas recentemente, em 2004, foram estabelecidas as diretrizes para a efetivação da Assistência Social como direito de cidadania garantido pelo Estado. A partir da aprovação da Política Nacional de Assistência Social – PNAS (Brasil, 2004), são detalhadas as atribuições e competências dos três níveis de governo (federal, estadual e municipal) na providência de ações e serviços socioassistenciais em todo o território nacional (Couto et al., 2009). A PNAS traz como projeto político a radicalização da forma de gestão e financiamento da política de assistência, o que supõe uma política capaz de promover a vida, desde que legitimada pela participação popular e dos usuários, promovendo uma aproximação dos sujeitos, seus territórios e suas prioridades (Brasil, 2004).

Assim, a Assistência Social, articulada com a Saúde e a Previdência Social, passou a ser reconhecida como uma política pública que deve garantir direitos e promover a cidadania de amplos segmentos da população que sofrem com a produção e reprodução das desigualdades sociais e ocupam o lugar de excluídos (CREPOP, 2008).

O SUAS, sistema organizador de ações, caracteriza-se a partir de dois níveis de atenção diferenciados e hierarquizados: a Proteção Social Básica, que se destina à população que vive em situação de vulnerabilidade social, entendida como decorrente de privação ou ausência de renda, acesso inexistente ou precário aos serviços públicos, fragilização de vínculos afetivos, entre outros; e a Proteção Social Especial, compreendendo um grau de complexidade maior direcionado ao atendimento de situações de violação de direitos, que envolvem violência e abuso sexual, exploração do trabalho infantil, exposição de pessoas à situações de rua etc. (CREPOP, 2008). As unidades públicas responsáveis pela execução dos serviços socioassistenciais são os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS).

É interessante notar que a implementação e a expansão de políticas sociais no Brasil, visando à garantia de acesso a direitos básicos da população, ocorreram concomitantemente às reformas administrativas do Estado. A implementação de políticas públicas, em um contexto fortemente influenciado pelo neoliberalismo, configura um modo particular de efetivação. Dessa forma, alguns municípios seguem implantando dispositivos da assistência ou da saúde, porém, muitas vezes, de modo precário em relação aos vínculos e locais de trabalho, com equipes incompletas e fragilidade de vínculos empregatícios (Gonçalves, 2010). Nesse sentido, compreender os modos de inserção profissional no contexto das políticas públicas implica reconhecer e compreender os atravessamentos e configurações atuais do mundo do trabalho.

Compreendendo as configurações atuais do trabalho

A chamada reestruturação produtiva, cuja origem se deu com a crise dos países capitalistas centrais durante a década de 1970, instaurou novas configurações no mundo do trabalho (Alves, 2000; Mendes & Wünsch, 2009). Como elementos dessa nova realidade, Mendes e Wünsch (2009, p.242) apontam:

(...) a reestruturação produtiva, as diferentes formas de produção, de gestão e organização do trabalho, as condições e relações de trabalho precarizadas, a intensificação do trabalho, o mercado globalizado e a expropriação dos direitos que resultam em instabilidade, incertezas e inseguranças para os trabalhadores.

Dessa forma, os avanços tecnológicos e as mutações das estruturas organizacionais trouxeram novas configurações ao mercado de trabalho, as quais acarretaram consequências para o trabalhador que vivencia diferentes modalidades ocupacionais, tais como formas atípicas de trabalho e, até mesmo, o desemprego estrutural ou a precarização do trabalho (Antunes, 2005; Araújo et al, 2006; Singer, 2008).

Nesse contexto, Antunes (2008) aponta que, nas últimas décadas, o processo de degradação laboral adquiriu expressivos impactos, a partir das novas formas de organização do trabalho, tais como a ampliação da maquinaria tecnológica e a redução do capital humano. Conforme expressa o autor, ampliou-se o trabalho morto, enxugando drasticamente o trabalho vivo.

Conforme Mendes e Wünsch (2009, p.242), tal fenômeno “(...) se distingue pelo aumento da acumulação capitalista e pelos processos de exclusão social, que, aliados às alterações no papel do Estado, trazem novas determinações para o sistema de proteção social e mudanças na esfera ideológica, política e cultural”.

Isso se faz notar pela atenuação da legislação trabalhista que gera um quadro de desqualificação do trabalho, expresso pelo aumento do trabalho precário e pela perda de direitos sociais adquiridos. Dessa forma, como salienta Araújo et al. (2006, p.157):

Fragiliza-se a situação social dos trabalhadores que se vêem obrigados a transitar entre o desemprego e as chamadas formas atípicas de trabalho – contratos por tempo parcial, com restrições diversas, por projeto (que tem começo, meio e fim) ou mesmo nenhum contrato; quase sempre sem acesso às garantias e às políticas sociais, obedecendo apenas à lógica predatória e espoliativa do mercado.

Essas novas configurações produzidas pelo neoliberalismo impactaram de forma direta o trabalho e o lugar que o trabalhador ocupa na sociedade. Conforme aponta Gonçalves (2010, p.68), “O lugar do trabalho altera-se profundamente, na medida em que sai de uma posição estruturada e de certa estabilidade mesmo com variações, para lugares efêmeros, instáveis, transitórios”. Esse quadro configura o que Antunes (2005) denomina de a “nova morfologia do trabalho”, em que o capital moderno amplia enormemente o contingente de trabalhadores terceirizados, subcontratados, temporários e tantas outras espécies de informalização do trabalho, proliferadas em todas as partes do mundo.

Esse processo pode também ser compreendido a partir do conceito de flexibilização do trabalho (Agudelo, 2000), que surge em decorrência da constatação das dificuldades de crescimento das economias industrializadas na década de 1980, implicando a adaptação das políticas de emprego perante as variações econômicas e as mudanças tecnológicas, por meio de modificações do Direito Laboral. Assim, conforme Agudelo (2000, p.16), “(...) a flexibilização do trabalho é entendida como qualquer mudança realizada nas regras legais que regem as relações laborais no país, com o intuito de modificar (reduzir) os custos do trabalho”.

De acordo com Araújo et al. (2006), o processo de flexibilização do trabalho em nosso país passou a ocorrer nos anos de 1990, a partir da Reforma Administrativa do Estado, momento em que eram demandadas do Estado uma administração ágil e eficiente, capaz de fazer frente às forças do mercado exterior e adentrar de vez no mundo globalizado.

Em resposta a uma concepção de estado mínimo e de uma política pública restritiva, ocorreu a precarização do trabalho e a falta de renovação de quadros técnicos, ocasionando a defasagem de profissionais qualificados e a produção de um enorme contingente de trabalhadores na condição de prestadores de serviços, sem estabilidade de emprego, sem direitos trabalhistas ou possibilidade de continuidade das atividades. Essa realidade apresenta-se em nível nacional, estadual e municipal (Brasil, 2004).

Portanto, o objetivo básico que se pretendia com a reforma estatal era a liberação do espaço ocupado pelo Estado na economia, a fim de promover o aumento da competitividade. Esse processo pressupõe ainda a mudança na estrutura do sistema de bem-estar social, no qual o Estado tinha participação e garantia de alguns direitos sociais fundamentais (Gonçalves, 2010).

Diante disso, podemos perceber a tensão existente ao falarmos de capital-trabalho, trabalhador e direitos. Pode-se afirmar, então, que as transformações do mundo contemporâneo do trabalho se relacionam com dois importantes aspectos abordados em nosso estudo: implantação de políticas públicas em um contexto fortemente marcado pela flexibilização do trabalho e a forma com que profissionais vinculam-se às políticas públicas, compreendendo as condições de trabalho que impactam diretamente em suas práticas e também em sua saúde.

Não se pode deixar de mencionar a questão referente à saúde do trabalhador, uma vez que condições instáveis podem gerar insegurança, sobrecarga de trabalho e impactos na saúde dos profissionais. A temática relacionada à saúde do trabalhador adquiriu status de maior proeminência com a revolução industrial e todas as transformações que esta acarretou no mundo do trabalho. Nesse sentido, alguns autores (Minayo-Gomez & Tedim-Costa, 1997) compreendem o conceito saúde do trabalhador como um campo de práticas sociais, humanas, interdisciplinares e interinstitucionais, no qual estão presentes as marcas de um momento histórico determinado, pontos de vista científicos além de questões e interesses políticos.

As configurações atuais e a forma como se dá a organização do trabalho funcionam como um importante elemento que adentra e fere o psiquismo humano, favorecendo a autoexigência, o sentimento de desvalorização, a impotência e consequentemente o sofrimento psíquico (Dejours, 1994; Heloani & Capitão, 2003). A organização do trabalho é um aspecto fortemente discutido por Dejours (1992, p.45), como se constata na seguinte passagem: “(...) até indivíduos dotados de uma sólida estrutura psíquica podem ser vítimas de uma paralisia mental induzida pela organização do trabalho”.

As novas configurações do trabalho instauraram novas formas de relacionamento entre os pares. As relações fora do ambiente familiar, que deveriam ter um importante valor afetivo, já não podem ser concretizadas justamente pela nova configuração do capital. As relações passageiras, mudanças de equipe, solidão e desapego com o trabalho figuram nesse cenário marcado pela insegurança, ameaça do desemprego e à própria identidade do trabalhador (Sennet, 1999; Heloani & Capitão, 2003).

Nesse contexto, as políticas públicas aparecem como alternativa para atenuar essa insegurança própria das configurações contemporâneas, que em tese deveriam assegurar alguns direitos básicos. Contudo, no que se refere ao âmbito das políticas públicas, Gonçalves (2010) aponta para a necessidade de reconhecê-las em meio a um contexto marcado pela desigualdade social, expressão da contradição básica da sociedade capitalista. Assim, pode-se compreender o campo das políticas públicas tal como o contexto de trabalho, marcado pela contradição e pela tensão entre os interesses de alguns e aquilo que é de direito de todos.

Apesar de as transformações do trabalho, na contemporaneidade, ocorrerem em uma escala global, nosso interesse se voltará para o campo das políticas públicas, em especial da Política de Assistência Social, que se encontra em franca expansão no Brasil, principalmente a partir de 2006, com a resolução nº 269, que aprova a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social - NOB-RH/SUAS e estabelece algumas diretrizes para a formação das equipes técnicas (CNAS, 2006). Em decorrência de a equipe mínima dos dois principais dispositivos do SUAS prever a presença de psicólogos, estima-se que este setor seja um dos maiores empregadores dessa categoria profissional nos próximos anos. Nesse sentido, tornam-se relevantes estudos que possam investigar em que condições vem ocorrendo a inserção dos profissionais dentro do SUAS, além de contribuir com reflexões sobre a forma de implantação dessa política.

Método

Na realização desta pesquisa, utilizou-se a abordagem qualitativa. A modalidade de pesquisa qualitativa parte do princípio de que a realidade dos fenômenos encontra-se no mundo dos significados das ações objetivadas e estabelecidas nas relações humanas. A abordagem qualitativa está preocupada em compreender e explicar como ocorrem as dinâmicas sociais, depositárias de valores, crenças, atitudes e hábitos que, por sua vez, atravessam a vivência e experiência cotidiana de indivíduos, grupos e instituições (Minayo, 1994).

A pesquisa foi realizada em um município da região centro-sul do estado do Paraná, com uma população na faixa entre 50.000 e 60.000 habitantes. A rede de Assistência Social do município é composta por dois CRAS e um CREAS.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cinco profissionais de nível superior, atuantes no SUAS. As entrevistas foram realizadas nos meses de julho e agosto de 2012, e todas ocorreram no local de trabalho dos profissionais. A realização das entrevistas foi precedida pela anuência dos participantes, mediante a leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE. As entrevistas foram literalmente transcritas e analisadas por meio de técnicas de análise de conteúdo. Dessa forma, seguiram-se as etapas para a análise do material, sendo: 1ª – Organização e ordenação dos dados, o que envolve transcrições e organização dos relatos; 2ª – Classificação dos dados, com exaustiva leitura do material coletado, fundamentado em um embasamento teórico, a partir do qual são elaborados conjuntos ou categorias específicas de informações; 3ª – Análise final, na qual se procuram estabelecer as articulações teóricas, com o objetivo de responder aos questionamentos da pesquisa, a fim de desvendar o conteúdo subjacente ao que está expresso ou manifesto (Gomes, 1994; Minayo, 2008).

Obtiveram-se, assim, três categorias de análise: (1) Percepção da forma de contratação e rompimento dos vínculos; (2) A satisfação e o sofrimento no trabalho; (3) Políticas de recursos humanos e efetivação da Política de Assistência Social.

Caracterização dos participantes

Entre os participantes da pesquisa, havia 3 psicólogos, 1 assistente social e 1 pedagoga, vinculados ao CREAS, ao CRAS e à gestão da Política de Assistência Social do município. Os três psicólogos atuam na área da assistência, entre 1 e 3 anos; a pedagoga, há 6 anos, e a assistente social, há 20 anos (Tabela I). Desses profissionais, quatro possuíam algum curso de pós-graduação.

TABELA I – Relação de profissionais e tempo de atuação na Política de Assistência Social

 

 

Em relação aos vínculos de trabalho com a instituição, dois psicólogos se encontravam em regime de contrato temporário, sendo os outros profissionais concursados, dos quais uma psicóloga estava como concursada há apenas um mês e a pedagoga há apenas duas semanas, e continuaram a desempenhar a mesma função que ocupavam anteriormente ao concurso, enquanto ainda estavam sob o regime de contrato temporário.

Com exceção do profissional de pedagogia, os demais participantes tiveram contato com o campo da assistência social ainda da graduação. Dessa forma, a partir dos estágios básicos ou profissionalizantes do curso, esses profissionais puderam conhecer a área, despertando o interesse em trilhar os caminhos da assistência social. Porém, três participantes – duas psicólogas e a pedagoga – relataram carecer de conhecimento técnico antes de ingressar no trabalho na área social, uma vez que pouco foi discutido sobre a prática profissional nesse campo durante a graduação. Nesse sentido, apesar de terem contato com essa área, ainda na graduação, este parece ter ocorrido de modo superficial, não sendo condizente com as necessidades da atuação. Isso ficou evidente também na fala da gestora, ao afirmar que a maioria dos profissionais ingressam no trabalho com muito pouco conhecimento de como ou o que fazer. Em decorrência disso, houve sempre um grande investimento, ainda de acordo com a gestora, em cursos de capacitação e de atualização profissional.

Resgatando um pouco da história da Assistência Social no município

Será apresentado aqui um breve histórico da constituição do campo da assistência social no município, ressaltando que as informações aqui contidas advêm da perspectiva da representante da gestão da Política de Assistência Social.

A história da assistência social no município está diretamente relacionada com a história Programa do Voluntariado Paranaense (Provopar), criado na década de 1980. O Provopar surgiu com a iniciativa da primeira dama do Estado do Paraná, Nice Braga, que, a partir do Decreto nº 2.194 de 15 de abril de 1980, instituiu tal programa vinculado à Secretaria da Saúde e Bem-Estar Social. Em 1983, o Provopar é desvinculado do Estado e passa a atuar em parceria com a sociedade civil e órgãos governamentais, respondendo a demandas políticas compensatórias e de caráter emergencial, com apoio a projetos e iniciativas de geração de renda, possibilitando a melhoria da qualidade de vida da população marcada pela exclusão social1.

Por tratar-se de um programa mais antigo, o Provopar se consolidou como um equipamento responsável pelo trabalho social. Na realidade, o Provopar concentrava a maioria dos programas desenvolvidos no município, como os relacionados à educação e à assistência social. Por volta de 1997 e 1998, surgiu no município a então Secretaria de Bem-Estar Social, Habitação e Cidadania, porém, ainda com pouca visibilidade e nenhum programa ligado à área social, uma vez que programas dessa natureza estavam todos concentrados no Provopar.

Desde sua criação, a Secretaria de Bem-Estar foi gerida por profissionais da área da educação, o que foi pontuado pela representante da gestão como um obstáculo para o desenvolvimento dessa secretaria no município, uma vez que esses profissionais normalmente não tinham a visão técnica necessária para promover o desenvolvimento dessa instituição.

Em 2005, houve uma iniciativa de unir Provopar e Secretaria de Bem-Estar Social. Nessa época, os programas e projetos referentes à área social começaram a ser transferidos para a Secretaria de Bem-Estar Social, ou seja, para o município. Após um período de aproximadamente cinco anos, todos os programas e projetos relacionados com a assistência social foram realocados na esfera da Secretaria de Bem-Estar Social. Assim, apenas em 2011 houve a separação dessas duas instituições e uma reconfiguração das responsabilidades e ações de cada uma.

Atualmente, a Secretaria do Bem-Estar Social é responsável pelos programas de violência contra a mulher e os idosos, o programa de medidas socioeducativas, os CRAS e o CREAS.

Resultados e discussão

Sobre a forma de contratação

Uma das principais formas de ingresso nos programas e serviços vinculados à Assistência Social no município tem ocorrido via “licitação” ou “pregão eletrônico”. Trata-se de uma forma de aquisição de bens e serviços comuns, previsto pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que prevê a contratação por tempo determinado. De acordo com a mesma lei, em seu parágrafo único: “Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado” (Brasil, 2002).

Dessa forma, quando há necessidade de contratação desses bens, justifica-se essa necessidade pela autoridade competente e definem-se objetivamente as qualidades exigidas em edital, utilizando-se recursos tecnológicos de informação, diário oficial ou jornais locais para a divulgação do pregão. Há duas formas de realização do pregão: o presencial, em que é exigida a presença física do licitante; e a forma eletrônica, na qual todos os atos (envio de propostas, lances, impugnação e recursos) são realizados por tecnologias de informação – internet.

Em relação ao procedimento da licitação, após fixado o prazo e estabelecidos o dia, hora e local, é realizada a sessão pública para a apresentação das propostas, devendo os interessados identificarem-se declarando ciência de que cumprem os requisitos de habilitação necessários. São entregues os envelopes contendo as propostas dos candidatos e os valores oferecidos pelo seu trabalho, sendo adotado como critério de julgamento o menor preço, podendo o autor da oferta mais baixa, ou de até 10% superiores àquela, oferecer novos lances verbais e sucessivos, observando-se os prazos máximos para fornecimento, as especificações técnicas e os parâmetros mínimos de desempenho e qualidade definidos no edital.

Trata-se, portanto, de uma forma simplificada de um leilão reverso, em que os licitantes poderão ofertar lances sucessivos, “vencendo” aquele que oferecer o menor preço entre os interessados. O valor máximo da contratação pode ser estabelecido, mas não pode ser divulgado, e o primeiro lance é realizado pelo licitante que encaminhou a proposta com o maior preço. Nesse contexto, o produto licitado se refere ao trabalho desempenhado pelo profissional por um tempo determinado – geralmente doze meses.

Percepção da forma de contratação e rompimento dos vínculos

Na assistência social, os contratos de trabalho têm ocorrido na modalidade de pregão, fato que foi apontado por todos os profissionais como um ponto negativo e de precarização do trabalho. Todos os entrevistados expressaram um sentimento de desvalorização, de insegurança e até de certo ‘desespero’ que passaram ou que acompanharam de outros profissionais, cada vez que havia a necessidade de passar por essa forma de seleção e contratação.

Considerando o que afirma Araújo et al. (2006), em relação ao trabalho precário, esse configurou-se como a ausência de proteção social do trabalho, ou seja, trata-se de uma situação em que o trabalho é realizado sem a garantia de certos direitos e benefícios constitucionalmente assegurados. Somam-se a isso variáveis como baixos vencimentos ou salários, inadequadas condições de trabalho, configurando-se o que, de acordo com a autora supracitada, convencionou-se denominar de flexibilização do trabalho.

O processo de licitação, portanto, aparece como uma forma de flexibilização das leis trabalhistas, uma vez que prevê apenas as competências e habilidades que correspondam à demanda do contratante, ficando isento de todas as responsabilidades referentes aos direitos e benefícios do trabalhador, que acaba por não ter direito, por exemplo, a férias remuneradas, 13º salário, auxílios e afins.

Um estudo de Carvalho e Macedo (s/d) mostra que, entre os psicólogos atuantes na assistência social no sul do país, 48% possuem vínculos frágeis de contratação. Isso reflete, de acordo com Mendes e Wünsch (2009), a fratura no padrão de seguro social, marcado pela redução do trabalho formal, meio pelo qual se garantem alguns direitos e a ausência de um modelo universal referente à perda dos direitos pela não inserção no mercado formal.

Pode-se perceber que a flexibilização do trabalho com contratos temporários atingiu também as políticas públicas, aparecendo como um ponto negativo para sua consolidação e efetivação. Araújo et al. (2006) apontam que a flexibilização de contratos na administração pública vem sendo realizada desde 1967, a partir do Decreto-Lei nº 200, o qual previa a descentralização das atividades da administração federal, visando ao rompimento com a rigidez burocrática da administração estatal. Todavia, isso conduziu à negligência de uma gestão de recursos humanos, pauta que atualmente tem sido recorrente entre os gestores do SUS e que parece ser o caso também do SUAS.

No que se refere às práticas profissionais e à relação com a forma de contratação, embora a maioria dos participantes não tenha feito referência diretamente a algum efeito negativo para a execução do trabalho em si, pode-se perceber que houve impactos importantes no serviço de assistência como um todo. Assim, os principais efeitos na prática profissional estiveram ligados ao rompimento dos vínculos com a comunidade e com a continuidade do trabalho, que ficam interrompidos. Para exemplificar, abaixo segue o trecho de uma das falas:

O grande problema, um dos maiores problemas é a continuidade do trabalho e a rotatividade dos profissionais. Como o trabalho no CRAS você precisa criar um vínculo com a comunidade que você está inserido, com a população que você trabalha, isso você vai construindo aos poucos né, com o passar do tempo... (P.3).

Isso fica evidente nos relatos que fazem menção aos impactos da saída de algum profissional que já havia passado por um processo de qualificação, evidenciando os prejuízos desse tipo de precarização. Tudo isso reflete, ainda, na efetivação e nas práticas desempenhadas, uma vez que o processo de trabalho rompido constantemente tem efeitos negativos não somente para a equipe, mas também para a continuidade do trabalho.

A questão do pregão esteve também relacionada com a noção de ter sempre que recomeçar todo o trabalho novamente, pois cada profissional que deixava de fazer parte da equipe necessitava ser substituído e o processo de capacitação e cursos de atualização começavam novamente com o novo profissional contratado. Isso gerava desgaste em alguns profissionais devido à sobrecarga de trabalho, uma vez que alguns profissionais acabavam por ter de suprir a falta de outros trabalhadores. Algumas falas expressam isso:

(...) Só que o que aconteceu, no passar do tempo, agora voltando a falar do pregão, no passar do tempo, quando às vezes acabava o pregão e saía um profissional e entrava outro, saía um profissional saía outro, o que aconteceu, começou assim a cansar, eu como gestora comecei a cansar, dessa folia de ficar cada passo sabe, perdendo pessoas. E isso estava me fazendo mal, muito mal, pro trabalho em si né! (P.5).

Em relação à sobrecarga de trabalho, outra fala ainda pode servir para exemplificar melhor a situação:

(...) Então, aí eu levava muita coisa pra casa, porque eu não conseguia fazer minhas coisas, não conseguia fazer meu trabalho de gestão. Eu levava pilhas de coisas pra fazer em casa nos finais de semana, à noite sabe. Sacrifiquei muito, muito, muito meu lazer, muitos finais de semana, muitas coisas assim sabe. Eu sacrifiquei a companhia dos meus filhos, assim, muita coisa. Então, isso cansou bastante sabe, me desgastou bastante, como pessoa assim, como profissional. Eu sinto hoje assim, que eu estou bem cansada, eu estou bem desgastada (P.5).

Cabe aqui fazer uma ressalva. No momento da realização da pesquisa, houve um concurso público no município, o qual ofereceu uma série de vagas para profissionais de diversas áreas e em diferentes setores do município. A área da Assistência Social também foi contemplada com vagas para profissionais concursados. Assim, durante o período de realização das entrevistas, alguns profissionais estavam encerrando seus contratos e alguns, que haviam sido aprovados em concurso, estavam assumindo cargos efetivos.

O referido concurso ocorreu após muito tempo de demanda por profissionais que atuam nas mais diversas áreas do município, seja da assistência social, seja da saúde, seja da educação, bem como a percepção da necessidade de profissionais com condições de trabalho estável, o que é preconizado também pela própria PNAS (Brasil, 2004).

A questão do desgaste dos profissionais em cada processo de licitação, apesar do sentimento de desvalorização, precariedade e de insegurança no trabalho, parece ser contornado ou relevado após a contratação. Esse aspecto foi justificado pelos participantes a partir de seu interesse pelo campo da assistência social. Vale ressaltar ainda que, dos entrevistados que participaram da pesquisa e que passaram por processo de licitação, a maioria não teve concorrentes, de forma que não precisaram baixar sua proposta de salário. Ao mesmo tempo, a baixa concorrência parece ser um indicador de que essa modalidade de contratação é pouco atrativa, levando poucos profissionais a procurá-la.

A satisfação e o sofrimento no trabalho

O trabalho, conforme aponta Antunes (2008), acabou por transforma-se em uma atividade externa ao homem, algo que lhe foi imposto compulsoriamente. O autor ainda afirma que esse mesmo trabalho carrega consigo a marca da contradição, visto que, simultaneamente, é “(...) expressão de vida e de degradação, como expressão de criação e infelicidade, atividade vital e escravidão, felicidade social e servidão, criação e vivencia de martírio” (Antunes, 2008, p.22). Nesse jogo de forças, mostram-se os aspectos constantes de satisfação e insatisfação do trabalho.

Pode-se perceber entre os entrevistados que a satisfação com o trabalho e com os seus elementos gratificantes estão diretamente relacionados com os resultados positivos das intervenções realizadas. Assim, quando solicitados a relatar elementos que traziam satisfação no trabalho, todos os participantes fizeram referência aos casos bem-sucedidos, ou seja, aqueles que conseguiram dar um bom encaminhamento ou que operaram mudança na vida dos usuários. Citaram ainda casos de usuários que retornam para contar como a situação está melhor ou que retornam por ter confiança na equipe.

Em relação ao que causa angústias e sofrimentos no trabalho, dentre os elementos elencados e que também estão diretamente relacionados com a prática profissional, o que apareceu de forma quase unânime foi a questão da impotência da equipe diante das limitações da rede. A impotência da equipe diante de um caso que não pode ser solucionado porque não depende apenas deles, mas sim de uma rede mais complexa que possa atuar de forma mais integrada, como é o caso, por exemplo, da rede de saúde e educação. Esse parece ser o tipo de situação que mais causa frustração entre os participantes entrevistados. A fim de melhor exemplificar, apresentam-se, a seguir, alguns trechos das falas dos entrevistados que apontam a necessidade desse trabalho em rede, para um trabalho mais efetivo:

Um dos aspectos que mais causam sofrimento pra quem trabalha na área da assistência é que muita coisa depende não só da nossa política, mas depende de outras políticas, depende do trabalho em rede. E esse trabalho em rede é muito difícil de ser construído sabe, nem todas as políticas têm esse empenho né. Às vezes precisa estar interligado com a saúde, estar interligado com a educação e muitas vezes não tem contrapartida (P.3).

Fala-se de um trabalho em rede, mas ainda é muito frágil o trabalho em rede, tem pessoas que ainda não sabem como trabalhar em rede e aí para o atendimento, para aquele plano de ação pra família em determinados setores. E aí isso acaba te angustiando, acaba te deixando assim numa situação de sofrimento porque você vê a sua impotência né (P.1).

A questão do funcionamento insuficiente da rede socioassistencial é uma realidade nacional, apontada no trabalho de Silva, Yazbek, Degenszajn e Couto (2009), que realizaram um amplo trabalho para avaliar a implantação do SUAS no Brasil. Dentre os aspectos apontados pelas autoras, salienta-se a insuficiência dos serviços oferecidos e limitações próprias do processo organizativo dos municípios, já que o modelo de gestão intersetorial não é institucionalizado, o que gera desarticulação entre políticas. Além disso, os escassos serviços socioassistenciais e a desarticulação entre esses e as demais instituições impedem a configuração de uma rede.

Dessa forma, o trabalho em rede ainda não funciona de maneira eficaz e satisfatória, refletindo o caráter das configurações assumidas pelas políticas públicas no país, fruto de uma lógica de funcionamento que promoveu ações desarticuladas e fragmentadas, seja no campo da Assistência Social (Macedo et al., 2011), seja no campo da Saúde (Araújo et al., 2006) e outras políticas.

Assim, a insatisfação e o sofrimento foram relatados como diretamente relacionados com as limitações do trabalho, por outros setores ou por conta dos próprios usuários. Contudo, questões relacionadas à insatisfação e adoecimento foram apontadas em outros aspectos, quando relacionadas à sobrecarga de trabalho e à própria natureza da atividade realizada em Assistência Social. A fala da participante P.5 expressa isso:

(...) Eu me preocupo bastante, porque eu já vi várias profissionais assim, sofrerem bastante, ficarem deprimidas, por conta da sobrecarga de trabalho, por conta da complexidade do trabalho; por pegarem casos totalmente fatigantes, então, vários profissionais ficaram doentes sabe, precisaram se afastar (...).

Nota-se então, mais uma vez, a questão da precariedade do trabalho atravessando as práticas profissionais, refletindo na dificuldade de construir um trabalho mais efetivo, gerando nos profissionais a sensação de impotência, que acaba por gerar altos índices de frustração e adoecimento (Reis, Giugliane & Pasini, 2012).

Políticas de recursos humanos e efetivação da Política de Assistência Social

A concepção de Estado mínimo e de uma política restritiva de direitos acarretou, tanto em âmbito nacional como em nível estadual e municipal, a precarização do trabalho, falta de renovação de quadros técnicos, defasagem de profissionais qualificados e um contingente importante de prestadores de serviços sem estabilidade ou qualquer direito trabalhista, inviabilizando muitas vezes a continuidade das atividades (Brasil, 2004).

Tais consequências também se fizeram notar nas entrevistas com os profissionais, que apontaram a questão da falta de uma política de recursos humanos para a melhor efetivação da política no município. A inexistência de uma política de recursos humanos aparece como um obstáculo para o desenvolvimento da área social e para a própria efetivação da política pública. Dessa forma, a rotatividade dos profissionais foi um ponto crucial apontado pelos participantes para o baixo desenvolvimento da área social, o que acabou por atrasar o seu alinhamento com a política nacional. Isso ficou expresso na fala de P. 5:

A rotatividade foi muito negativa. Eu acho que isso foi uma das coisas assim que mais prejudicou o desempenho do trabalho social, a história desse alinhamento das políticas públicas, foi essa falta de política de recursos humanos né, a gente ter demorado muitos anos pra se adequar. Outra realidade constatada na pesquisa, apesar de não ter sido relatada pelos participantes, diz respeito ao fato de muitas equipes funcionarem com um número menor de profissionais do que o previsto, o que também pode ser considerado como um fator de sobrecarga aos profissionais que constituem a equipe.

Assim, a questão da insuficiência de recursos humanos, da rotatividade profissional e da consequente instabilidade do corpo técnico, juntamente com a pouca participação dos municípios e estados no cofinanciamento dos programas e serviços, a não institucionalidade da intersetorialidade como modelo de gestão, a falha no planejamento, monitoramento e avaliação de programas, têm sido apontados como os principais aspectos que dificultam a implantação e implementação do SUAS no país (Silva, 2009).

Esse assunto tem sido pauta de discussões e já foi abordado pela PNAS (Brasil, 2004), que apontou para a valorização do serviço público e de seus trabalhadores, trazendo a questão da priorização do concurso público como forma de combate à precarização do trabalho e universalização da proteção social. Além disso, uma política de recursos humanos deve estar pautada em uma perspectiva de ampliação do acesso aos bens e serviços sociais, com trabalho de qualidade e transparência, atuando na requalificação do Estado e na participação nas mesas de negociação entre trabalhadores, gestores, conselheiros etc.

Considerações finais

Alguns apontamentos podem ser realizados a partir dos dados obtidos nesta pesquisa. O primeiro aspecto a ser ressaltado refere-se ao paradoxo presente no campo da Política de Assistência Social, já que ela surge com a proposta de efetivar e garantir alguns direitos sociais básicos. Todavia, os profissionais que operam nessa política, no sentido de viabilizar esses direitos, ainda se encontram, eles mesmos, em situação de precarização em suas condições de trabalho, não lhes sendo assegurados os seus direitos de trabalhadores.

Os resultados ainda apontam uma mescla de modalidades de contratação profissional, passando tanto pela modalidade estável, garantida via concurso público, o qual foi realizado recentemente, quanto pelas formas instáveis e temporárias de inserção do psicólogo e de outros profissionais no SUAS. Além disso, a precarização do trabalho é evidenciada pela modalidade de contratação via pregão eletrônico, o que muitas vezes pode afastar os profissionais desse trabalho, assim como a existência de equipes incompletas, sobrecarga de trabalho, além de outros aspectos, como a desarticulação da rede e a desvalorização dos trabalhadores.

Nesse sentido, aponta-se a necessidade de efetivação de uma política de recursos humanos que valorize seus trabalhadores e o serviço público, priorizando o concurso público e a criação de planos de carreira, garantindo uma vida profissional ativa e de qualidade técnica. Além disso, é preciso promover a educação permanente e a gestão participativa, buscando, assim, a desprecarização do trabalho e a garantia da universalização da proteção social (Brasil, 2004). Propostas como essas podem ainda possibilitar ações de acompanhamento e suporte aos profissionais, no sentido de promoção de saúde em seu ambiente de trabalho.

Verifica-se ainda a fragilidade na implementação da Política de Assistência Social, tanto em termos de condições de trabalho quanto no que se refere aos saberes profissionais, ainda em construção. Além disso, tem-se a questão da intersetorialidade, ainda pouco desenvolvida, mas que seria um importante mecanismo para aumentar a efetividade das ações. Nesse sentido, há a necessidade de se pensar na reorganização dos processos de trabalho, inserindo a lógica do trabalho em rede, na perspectiva intra e intersetorial.

Conforme apontado por Gonsalves (2010), a Constituição brasileira está por ser colocada em prática a partir da criação de dispositivos legais e institucionais que possibilitem a aplicação dos princípios nela preconizados. Nesse processo, o campo das políticas públicas tem importância ímpar, mesmo envolvendo a atual contradição para sua ampliação, ao mesmo tempo que enfrenta as investidas neoliberais que acabam por retardar seu avanço. Esses são os desafios colocados para a Psicologia ao adentrar o campo das políticas públicas em uma sociedade que se pretende democrática e com garantia de direitos sociais.

Por fim, cabe salientar que os dados desta pesquisa podem gerar subsídios para refletir sobre a criação de estratégias que possam garantir a efetivação da Política de Assistência Social, garantindo a concretização de seu mandato: a garantia de direitos, seja dos usuários da política, seja de seus trabalhadores.

 

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Recebido: 05 de agosto de 2014.
Aprovado: 28 de agosto de 2015.

 

 

Notas

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