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Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.2 no.3 Calle  2010

 

 

Habilidades intelectuais em pacientes com doença de Alzheimer: Contribuições da Escala Wechsler de Inteligência Abreviada (WASI)

 

Habilidades intelectuales en pacientes con enfermedad de Alzheimer : Contribuciones de la Escala Abreviada de Inteligencia de Wechsler (WASI)

 

Capacités intellectuelles chez les patients souffrants de la maladie d'Alzheimer : contributions de la forme abrégée de l'échelle d'intelligence de Wechsler (WASI)

 

Intellectual abilities in Alzheimer's disease patients: Contributions from the Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence (WASI)

 

 

Gabriela Peretti WagnerI; Tatiana Q. IrigarayII; Clarissa M. TrentiniI

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
IIPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil

 

 


RESUMEN

El aumento de la expectativa de vida ha traído consigo la preocupación por el consecuente incremento en la prevalencia de cuadros de demencia, los cuales aumentaron en diversas regiones del mundo, incluido Brasil. El desempeño en instrumentos de evaluación cognitiva resulta relevante una vez que las demencias afectan los procesos mentales superiores. El objetivo del presente estudio es comparar el desempeño de adultos mayores con y sin demencia de Alzheimer (DA) en la Escala Abreviada de Inteligencia de Wechsler (WASI), la cual se encuentra en proceso de normatización en Brasil. Se compararon seis pacientes con DA y seis controles en los cuatro subtests de la WASI. Los grupos estaban emparejados por sexo, edad y escolaridad. El test U de Mann-Whitney arrojó diferencias estadísticamente significativas entre los dos grupos en los subtests Cubos, Razonamiento con matrices y Similitudes. No se encontraron diferencias significativas en el test de Vocabulario. Los resultados indican que los adultos mayores con DA presentan un procesamiento viso-espacial y habilidades de razonamiento verbal y no verbal menores en comparación con los controles. Por el contrario, Vocabulario, una medida de inteligencia pre-mórbida y de habilidades cristalizadas, no discriminó los grupos. Las tareas de razonamiento (verbal y no verbal) y de habilidades viso-constructivas de la WASI pueden servir como herramientas diagnósticas auxiliares en la evaluación cognitiva de adultos mayores con DA.

Palabras-claves:Enfermedad de Alzheimer, Escala Abreviada de Inteligencia de Wechsler, Inteligencia, Envejecimiento, Adultos mayores.


RESUMÈ

La prévalence des démences est estimée en très haute croissance dans plusieurs pays du monde, y compris au Brésil. La dépistage des patients atteints de la maladie d'Alzheimer (MA) constitue dès lors un enjeu majeur pour la recherche scientifique. Dans ce contexte, l'élaboration d'outils d'évaluation psychologique fiable est un des objectifs prioritaires de la recherche. Le but de la présente étude était de comparer les performances de patients atteints de la MA avec des sujets sains à l'aide de l'échelle abrégée d'intelligence de Wechsler (WASI), qui est actuellement en processus de standardisation au Brésil. Pour cette étude, les deux groupes ont été appariés en fonction de leur sexe, de leur âge ainsi que de leur degré d'instruction. Pour l'analyse des données, le test U de Mann-Whitney a été utilisé. Les résultats ont démontré des différences significatives entre les groupes dans trois des subtests du Wechsler: raisonnement de matrix, conception de bloc et similitudes. Aucune différence significative n'a été observée entre les deux groupes sur le plan du vocabulaire. Par contre, les patients atteints de la MA ont éprouvé des difficultés pour le raisonnement verbal et non-verbal ainsi que pour les habiletés visuospatiales. Le subtest « Vocabulaire » qui mesure la cristallisation et la comorbidité n'a toutefois pas discriminé les groupes. À la lumière de ces résultats, il semble que les tâches visuospatiales et celles de raisonnementde l'échelle de Wechsler WAIS (verbales et non-verbales) s'avèrent de bons outils d'évaluation cognitive chez les patients souffrants de démence.

Mots-clés:Maladies d'Alzheimer, échelle abrégée d'intelligence de Wechsler, Intelligence, Vieillissement, Personnes âgées.


RESUMO

O aumento da expectativa de vida no mundo trouxe consigo uma preocupação acerca do incremento da prevalência de quadros demenciais. Estes vêm aumentando em diversas regiões do mundo, incluindo o Brasil. Uma vez que as demências acometem os processos mentais superiores, torna-se relevante o desenvolvimento de instrumentos de avaliação cognitiva. O objetivo do presente estudo foi o de comparar o desempenho de idosos com demência de Alzheimer ao de saudáveis na Escala Wechsler de Inteligência Abreviada (WASI), em processo de normatização no Brasil. Seis pacientes com DA foram comparados a seis controles nos quatro subtestes da WASI. Os grupos foram emparelhados por sexo, idade e escolaridade. Através do teste U de Mann-Whitney, observou-se diferença estatisticamente significativa entre os grupos nos subtestes Cubos, Raciocínio Matricial e Semelhanças. Não houve diferença significativa entre os grupos no subteste Vocabulário. Os resultados indicam que idosos com DA apresentam pior processamento visuoespacial e habilidades de raciocínio verbal e não verbal, quando comparados a controles. Em contrapartida, o Vocabulário, medida de inteligência pré-mórbida e de habilidades cristalizadas, não discriminou os grupos. As tarefas de raciocínio (verbal e não verbal) e de habilidades visuoespaciais da WASI podem servir de ferramentas diagnósticas auxiliares na avaliação cognitiva de idosos com DA.

Palavras-chave:Demência de Alzheimer, Escala Wechsler de Inteligência Abreviada, Inteligência, Envelhecimento, Idosos.


ABSTRACT

The changes in the life span have been increasing the reservations regarding the growing prevalence of demential disorders. The dementias have been rising in several regions in the world, including Brazil. As the dementias impair the higher mental abilities, it is important to develop psychological assessment tools. The aim of the present study was to compare the performance of Alzheimer's Disease (AD) patients to healthy controls in the Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence (WASI). This scale is being standardized in Brazil. Both groups were matched in terms of gender, age, and years of education. Mann-Whitney's U test revealed statistically significant difference in three of the subtests: Matrix Reasoning, Block Design and Similarities. There was no statistically difference between the groups on Vocabulary. The results indicate that AD patients show difficulties in verbal and non-verbal reasoning, as well as in visuoespatial abilities, when compared to healthy controls. On the other hand, Vocabulary subtest, a crystallized and premorbid intelligence measure, did not discriminate the groups. The WASI reasoning (both verbal and non-verbal) and visuoespatial tasks can be useful tools for the cognitive assessment of demented patients in order to help to diagnose their mental status.

Keywords:Alzheimer's Disease, Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence, Intelligence, Aging, Elderly.


 

 

A população brasileira vem envelhecendo nos últimos anos (IBGE, 2009; Ramos, Veras, & Kalache, 1987; Veras, 1991). Tal fenômeno ocorre em função da queda na taxa de fecundidade e também em virtude do aumento da expectativa de vida. Essa realidade, que há cerca de 50 anos atingia predominantemente países industrializados/desenvolvidos, passou a ser foco da atenção dos serviços de saúde apenas nos últimos 20 anos em países de industrialização tardia (Kalache, Veras, & Ramos, 1987; Ramos, Veras, & Kalache, 1987).

Censos recentes apontam que os idosos já constituem uma parcela importante da população. Segundo dados do IBGE (2009), indivíduos acima dos 60 anos eram aproximadamente 20% da população, conforme informação referente ao ano de 2003. Em 2008, eram cerca de 20 milhões (Veras, 2009). No ano de 2020, estima-se que mais de 30 milhões de indivíduos terão 60 anos ou mais (Carvalho & Garcia, 2003).

Uma das principais preocupações associadas ao envelhecimento está no desenvolvimento de quadros demenciais. Estudos de prevalência têm sido realizados em diversas regiões do mundo. Acima dos 65 anos de idade, os índices de prevalência variam de 2,2% na África, 5,7% na Ásia, 6,2% na América do Norte, 7,1% na América do Sul, até 9,0% na Europa (Lopes, Bottino, & Hototian, 2006). Nos Estados Unidos, mais de 50% dos idosos com mais de 80 anos são portadores de algum tipo de demência (Canineu & Diniz, 2007).

No Brasil, a prevalência total de demência descrita por Herrera, Caramelli e Nitrini (1998) é de 7,1%. De acordo com os mesmos autores, quando faixas etárias são consideradas, esse, observa-se um percentual de 1,3% entre os 65 e 69 anos, aumentando para 36,9% em indivíduos com idade superior a 84 anos. Em todas as regiões do mundo, a prevalência aumenta com o avanço da idade (Lopes, Bottino, & Hototian, 2006), dobrando a cada cinco anos a partir dos 60 até os 94 anos (Canineu & Diniz, 2007). Em uma meta-análise recente de estudos epidemiológicos latino-americanos, Nitrini et al. (2009) apontaram uma prevalência de demência no Brasil que varia de 4,06 % (65 a 69 anos) a 15,28 % (85 a 89 anos). No extremo sul do Brasil, a incidência de demência do tipo Alzheimer chega a 14,8% (Chaves, Camozatto, Godinho, Piazenski, & Kaye, 2009).

As demências consistem em doenças que acometem a cognição. Em outras palavras, caracterizam-se pelo desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos, que incluem comprometimento da memória e de pelo menos mais um domínio cognitivo, podendo ser afasia, apraxia, agnosia ou disfunção executiva. Os déficits cognitivos devem comprometer o funcionamento ocupacional e/ou social do paciente e representar um declínio em relação a um nível prévio de funcionamento (American Psychiatry Association, 2002).

A principal causa de demência é a doença de Alzheimer (DA), representando em torno de 60 a 70% de todos os casos de demências (Fratiglioni et al., 2000). A DA apresenta início insidioso e a deterioração cognitiva ocorre de forma progressiva. Na fase inicial, verifica-se perda de memória episódica e dificuldades no aprendizado de novas informações, evoluindo gradualmente com prejuízos em outras funções, tais como orientação temporal, julgamento, cálculo, raciocínio abstrato e habilidades visuoespaciais (Mamfrim & Schmidt, 2006). Na fase intermediária, o paciente demonstra prejuízos em todos os domínios cognitivos. A linguagem encontra-se comprometida, demonstrando discurso fluente e parafásico e compreensão alterada. Na última fase, todas as funções cognitivas estão gravemente afetadas (Teixeira & Caramelli, 2008), ocorrendo alterações comportamentais, do sono-vigília e incapacidade para realizar cuidados pessoais (Mamfrim & Schmidt, 2006). Até o momento não existem marcadores biológicos "in vivo" definitivos que permitam identificar com precisão a instalação de demência, sendo o diagnóstico, na maioria das vezes, realizado por exclusão de outras doenças. O diagnóstico, geralmente, fundamenta-se na avaliação clínica do paciente, nos resultados de exames de imagem, laboratoriais e de testes neuropsicológicos. A aplicação de testes neuropsicológicos é um procedimento padrão reconhecido na caracterização das múltiplas alterações cognitivas presentes nessa patologia (Abrisqueta-Gomez, 2006).

Visto que as alterações cognitivas consistem em um dos pilares do diagnóstico das demências, torna-se relevante o desenvolvimento de instrumentos capazes de auxiliar na avaliação das perturbações decorrentes do quadro demencial, seja para fins diagnósticos, seja para acompanhamento e monitoramento das dificuldades cognitivas. Em razão da demência produzir declínio no funcionamento intelectual (American Psychiatry Association, 2002; Powell, Brossart, & Reynolds, 2003), a inteligência passa a ser um dos domínios cognitivos mais avaliados para identificação e acompanhamento das demências (Almkvist & Tallberg, 2009; Christensen & MacKinnon, 1992; Davis, Massman, & Doody, 2003; Maddrey, Cullum, Weiner, & Filley, 1996). Esses autores defendem o uso de alguns instrumentos para avaliação da inteligência, incluindo o National Adult Reading Test (NART – estudo de Maddrey et al., 1996) e duas versões da Escala Wechsler de Inteligência para Adultos (WAIS e WAIS-R – estudos de Almkvist & Tallberg, 2009; Christensen & MacKinnon, 1992; Davis et al., 2003).

Os instrumentos de avaliação da inteligência têm sido bastante usados por três razões. A primeira delas e mais óbvia diz respeito à possibilidade de obtenção de medidas do Quociente Intelectual (QI). Isso é possível tanto com o uso do NART (Nelson, 1982) quanto com o das Escalas Wechsler (Wechsler, 1958, 1981). Em se tratando do uso das Escalas Wechsler, é possível ainda obter uma estimativa diferenciada para habilidades fluidas (QI Execução) e cristalizadas (QI Verbal). Em segundo lugar, é preciso ter em vista que os quadros demenciais são usualmente degenerativos, progressivos e irreversíveis. Uma vez que muitas vezes é preciso que o clínico estime o nível intelectual prémórbido, o uso do NART (Nelson, 1982) e de subtestes das Escalas Wechsler como o Vocabulário (Wechsler, 1958, 1981) tem sido bastante comum (Solé-Padullés et al., 2009). Um terceiro aspecto a ser mencionado é em favor das Escalas Wechsler. A utilização das mesmas, quando de forma completa, permite também a identificação de dificuldades cognitivas mais específicas, uma vez que os pacientes podem apresentar perdas diferenciais entre os subtestes. Assim, em função da obtenção de medidas de QI, da possibilidade de estimativa do nível intelectual pré-mórbido e da análise de domínios cognitivos diversificados mediante o uso de diferentes subtestes, as Escalas Wechsler de Avaliação da Inteligência apresentam muitos aspectos favoráveis em relação ao seu uso.

Em contrapartida, existem limitações quanto à utilização dessas escalas. Uma delas está em sua extensão. Apesar de se tratar de uma bateria ampla e que fornece dados completos sobre a cognição, muitas vezes sua utilização é dispendiosa, tornando a avaliação longa e cansativa para o examinando. Tais fatores podem vir a comprometer os resultados da testagem. Além disso, em situações de internação, muitas vezes não existe estrutura ambiental para uma avaliação cognitiva completa. Nesse sentido, o desenvolvimento de medidas de habilidades intelectuais que tenham os mesmos benefícios das baterias completas e que sejam ao mesmo tempo mais breves pode vir a contribuir com as avaliações clínicas da cognição.

Em vista desses aspectos, recentemente idealizou-se a Escala Wechsler de Inteligência Abreviada (WASI), a qual está sendo normatizada para a população brasileira (Yates, Trentini, Tosi, Corrêa, Poggere, & Valli, 2006). Essa escala, composta de apenas quatro subtestes (dois verbais e dois execução), pode vir a ser tão útil quanto as versões completas, mas mais breve em termos de aplicação (Heck, Yates, Poggere, Tosi, Bandeira, & Trentini, 2009; Yates et al., 2006).

Em se tratando de avaliação de idosos, o uso de versões de instrumentos abreviados é de extrema importância (Hoffman & Nelson, 1988). Sabe-se que os idosos se cansam mais rapidamente, o que pode criar um perfil de desempenho pior que não corresponde a sua capacidade real em função da fadiga (Yassuda, & Abreu, 2006). Além disso, as formas abreviadas são úteis em função do tempo limitado para aplicação dos instrumentos, especialmente, nos casos em que diagnósticos diferenciais em idosos são necessários e requerem a utilização de vários instrumentos de medida (Hoffman & Nelson, 1988). Tendo em vista os aspectos mencionados, este estudo buscou comparar o desempenho de idosos com demência de Alzheimer ao de saudáveis na Escala Wechsler de Inteligência Abreviada (WASI).

 

Método

Delineamento e participantes

Trata-se de um estudo transversal, do qual participaram 12 idosos (com 60 anos ou mais) divididos em dois grupos, sendo seis saudáveis e seis com diagnóstico de demência de Alzheimer possível (McKhann, Drachman, Folstein, Katzman, Price, & Stadlan, 1984). Os grupos foram emparelhados por sexo, idade e escolaridade. Os dados sociodemográficos estão na Tabela 1.

Os indivíduos foram selecionados mediante a técnica de amostragem não aleatória por conveniência. Foram considerados critérios de exclusão: dificuldades visuais e/ou auditivas não corrigidas e presença de algum diagnóstico psiquiátrico dado por um profissional da área médica. Todos os participantes eram do sexo feminino. Os idosos saudáveis são residentes na comunidade. Dos pacientes, três estavam institucionalizados e três residiam com familiares. Em se tratando do grupo clínico, selecionaram-se pacientes cujo diagnóstico de demência foi dado por um profissional de área médica (psiquiatra, neurologista, e/ou geriatra). Requisitou-se ao profissional de saúde que indicasse pessoas com demência nos estágios leve e moderado.

A Tabela 1 reúne as informações referentes à caracterização de cada grupo. Nela estão listadas as médias de variáveis sociodemográficas (idade e escolaridade), bem como as médias apresentadas pelos grupos no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) e no Inventário Beck de Depressão (BDI).

 

 

Instrumentos

Como instrumentos, utilizaram-se as medidas sociodemográficas e cognitivas abaixo relacionadas. Ficha de dados sociodemográficos. A utilização da mesma teve como função a coleta de dados como idade, sexo e escolaridade, bem como informações relativas às condições de saúde dos participantes. Mini-Exame do Estado Mental (MEEM). Trata-se de um instrumento de rastreio para avaliação das funções cognitivas. É composto por questões que avaliam orientação para tempo, orientação para local, registro de três palavras, atenção e cálculo, lembrança de três palavras, linguagem e capacidade construtiva visual. Sua aplicação é rápida, levando cerca de 10 min, e o escore pode variar de zero até 30 pontos. Utilizou-se a adaptação de Brucki, Nitrini, Caramelli, Bertolucci, e Okamoto (2003), cujos escores medianos por escolaridade são para analfabetos, 20; de um a quatro anos de estudo, 25; de cinco a oito anos, 26,5; de nove a 11 anos, 28; para indivíduos com escolaridade superior a 11 anos, 29 pontos. Escala Wechsler de Inteligência Abreviada (WASI). Esse instrumento foi desenvolvido por Wechsler (1999) e é formado por quatro subtestes, dois verbais (Semelhanças e Vocabulário) e dois de execução (Raciocínio Matricial e Cubos). Trata-se de uma escala desenvolvida nos mesmos moldes das tradicionais (Wechsler, 1958, 1981), apresentando o mesmo objetivo: fornecer três medidas de inteligência – QI Verbal, QI Execução e QI Total. Atualmente, a WASI está em processo de normatização (Heck et al., 2009; Yates et al., 2006). Inventário Beck de Depressão (BDI). Consiste em uma escala para avaliação da intensidade de sintomas depressivos. Foi idealizada por Beck, Ward, Mendelson, Mock e Erbaugh (1961). Nesse estudo, utilizou-se a versão de Cunha (2001). Os pontos de corte são: de 0 a 11 pontos sintomas mínimos, de 12 a 19 pontos sintomas leves, de 20 a 35 pontos sintomas moderados e de 36 a 63 pontos sintomas graves de depressão.

Procedimentos

Éticos

As normas que regem a pesquisa com seres humanos foram obedecidas. O projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética, tendo sido protocolado e registrado pelo número 11008. Todos os participantes foram convidados a participar voluntariamente do estudo. Após serem esclarecidos quanto aos objetivos do mesmo e quanto à garantia de anonimato e sigilo em relação às informações prestadas, expressaram sua concordância em participar do estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nos casos em que o paciente apresentou um cuidador ou familiar responsável, eles também assinaram o TCLE. No que se refere aos pacientes institucionalizados, um TCLE foi assinado pelo responsável pela instituição. Portanto, além do pacientes, algum familiar e /ou responsável legal também assinou o TCLE.

Coleta de dados

Este estudo é parte de um projeto maior, o qual envolve a normatização da WASI para a população brasileira (Heck et al., 2009; Yates et al., 2006). Todos os pacientes consistem em participantes de uma das amostras de grupos clínicos do referido projeto.

Os pacientes foram avaliados em suas residências e/ou em casas geriátricas. Os testes foram aplicados na ordem descrita anteriormente, no item 2.2 (Instrumentos). As avaliações ocorreram em ambiente silencioso, próprio para aplicação de testes. Em média, os participantes foram avaliados em sessões únicas de aproximadamente duas horas. Todavia, houve situações em que os pacientes se cansaram. Nesses casos, a testagem foi interrompida e uma nova sessão foi combinada com o paciente e/ou responsável, para continuação em outro momento.

Análise de dados

Variáveis sociodemográficas foram apresentadas mediante o uso de estatística descritiva. Em virtude de a distribuição da amostra ser assimétrica, as variáveis idade, anos de estudo e os escores brutos no MEEM, BDI e subtestes da WASI foram analisadas mediante o Teste U de Mann-Whitney.

 

Resultados

Conforme pode ser visto na Tabela 1, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos no que tange às variáveis idade (U = 7,00, z = -1,78, p > 0,05) e escolaridade (U = 9,00, z = -1,46, p > 0,05). Os grupos também não diferiram quanto à intensidade de sintomas depressivos, mensurada através do BDI (U =7,00, z = -0,59, p > 0,05). Contudo, houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos no que se refere à presença de dificuldades cognitivas, conforme pode ser evidenciado pela observação dos escores do MEEM (U = 2,00, z = -2,59, p < 0,05).

Em relação aos subtestes da WASI, não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos apenas no subteste Vocabulário (U = 6,00, z = -1,93, p > 0,05). Em contrapartida, participantes com quadro demencial tiveram desempenho pior nos subtestes Semelhanças (U = 3,00, z = -2,40, p < 0,05), Cubos (U = 2,50, z = -2,49, p < 0,05) e Raciocínio Matricial (U = 3,00, z = -2,45, p < 0,05), quando comparados aos idosos saudáveis.

As médias e desvios-padrão das variáveis cognitivas podem ser vistos na Tabela 2. Esses valores incluem os subtestes verbais (Vocabulário e Semelhanças) e (Cubos e Raciocínio Matricial) de execução da WASI.

 

 

Discussão

O objetivo do presente estudo foi o de comparar o desempenho de idosos demenciados ao de saudáveis na Escala Wechsler de Inteligência Abreviada (WASI). Para tal, selecionaram-se seis pacientes com quadro demencial, cujo desempenho foi comparado ao de seis participantes controle. Todos os idosos foram avaliados com a WASI, o MEEM e o BDI.

Os pacientes portadores de quadro demencial foram primeiramente identificados através de um baixo escore no MEEM (Brucki et al., 2003). Esses pacientes tiveram seu diagnóstico dado e/ou confirmado por um profissional da área médica (neurologista, geriatra ou psiquiatra). Como pode ser visto na Tabela 1, os idosos demenciados apresentaram uma média mais baixa no MEEM do que os saudáveis. Essa diferença confirma que se trata de grupos distintos: um composto por idosos com desempenho cognitivo normal, enquanto o outro apresenta prejuízos.

De acordo com Tombaugh e McIntyre (1992), o MEEM consiste em um instrumento de rastreio para dificuldades cognitivas que apresenta especificidade e sensibilidade para a identificação de quadros demenciais. De acordo com esses autores, os escores no MEEM podem indicar diferentes níveis de prejuízo cognitivo: entre 24 e 30 pontos não há prejuízo; entre 18 e 23, os déficits são considerados leves; e de 0 a 17, as limitações são tidas como graves. Apesar de pequenas diferenças nos escores brutos, outros estudos brasileiros reforçam a especificidade e a sensibilidade do MEEM como instrumento diagnóstico auxiliar na detecção dedemências (Almeida, 1998; Bertolucci, Brucki, Campacci, & Juliano, 1994).

Além do desempenho no MEEM, os dois grupos de participantes foram comparados em relação à idade, escolaridade e intensidade de sintomas depressivos (Tabela 1), para confirmar o sucesso do emparelhamento. Em relação à idade, esta se trata de uma variável importante no que tange a investigações envolvendo grupos clínicos e não clínicos. Um significativo número de processos cognitivos declina com o avançar dos anos (Salthouse, 2001), enquanto outros mantêm-se preservados. De acordo com Bottino, Cid e Camargo (1997), por exemplo, com o avançar dos anos, ocorre uma redução significativa nas habilidades práxicas e executivas – as quais dependem de percepção e análise visuoespacial e desempenho visuomotor. Uma vez que o processo de envelhecimento tende a afetar a cognição (Neri, 2006), com o avançar dos anos, as eventuais alterações de desempenho nos testes poderiam ser devidas a diferenças etárias entre os grupos. No presente estudo, em virtude da ausência de diferença significativa em termos etários entre os grupos, reforçase o achado de que a doença cerebral – no caso, demência – seja um dos fatores responsáveis pelas dificuldades cognitivas.

No que tange à escolaridade, sabe-se que esta é uma variável importante em se tratando de estudos envolvendo a cognição. Segundo alguns estudos (Ardila, Ostrosky-Solis, Rosselli, & Gómez, 2000; Parente, Scherer, Zimmermann, & Fonseca, 2009), o nível de escolaridade está diretamente relacionado ao desempenho em tarefas neuropsicológicas, isto é, quanto maior o número de anos de estudo formal, melhor o desempenho em testes cognitivos. Nesse sentido, a ausência de diferença significativa entre os grupos no presente estudo reforça o fato de que eventuais diferenças de desempenho nas tarefas da WASI sejam derivadas da presença de demência.

Em relação à intensidade de sintomas depressivos, não houve diferença significativa entre os grupos. Estudos têm evidenciado que idosos com sintomas de depressão tendem a apresentar dificuldades cognitivas, as quais muitas vezes podem vir a ser um primeiro sintoma de demência (Ávila & Bottino, 2006). No presente estudo, tanto os idosos saudáveis quanto os pacientes do grupo clínico evidenciaram sintomas depressivos em níveis similares. Tal achado reforça que as possíveis diferenças de desempenho nos subtestes da WASI sejam derivadas também da presença de quadro demencial, como aconteceu com as variáveis idade e escolaridade.

Quanto às variáveis referentes à WASI, principal objetivo deste estudo, os dois grupos não diferiram em termos de desempenho no que se refere ao subteste Vocabulário. Essa tarefa constitui uma medida relacionada às habilidades cristalizadas da inteligência, as quais apresentam poucas alterações com o avançar da idade (Ávila & Bottino, 2008; Brucki, 2004; Neri, 2005). Portanto, idosos saudáveis e demenciados parecem estar equiparados no que se refere a esse construto, que inclui conhecimentos adquiridos durante toda a vida e hábitos.

Em contrapartida, houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos em termos de desempenho nos subtestes Raciocínio Matricial, Cubos e Semelhanças. O subteste Cubos consiste em uma tarefa que avalia o processamento de informações visuo-espaciais. Comparado aos controles, o grupo de pacientes demenciados evidenciou dificuldades nas habilidades práxicas e construtivas, mostrando que a presença de um quadro demencial prejudica esses processos cognitivos. Este achado é reforçado por Ávila e Bottino (2008), Desgranges, Faure e Eustache (2000) e Woodruff-Pak (1997). Esses autores salientam que prejuízos nas habilidades práxicas e visuoconstrutivas consistem em indícios de disfunção cerebral, sendo sintomas freqüentemente encontrados na Demência de Alzheimer.

Em se tratando dos subtestes Raciocínio Matricial e Semelhanças, respectivamente medidas de raciocínio não verbal e verbal, os grupos diferiram em termos de desempenho, sendo que os pacientes demenciados apresentaram os maiores prejuízos. Os pacientes, portanto, parecem ter mais dificuldades em raciocinar em termos abstratos, bem como em estabelecer relações de categorização entre palavras e entre estímulos visuais. Conforme Ávila e Bottino (2008), prejuízos na capacidade de abstração consistem em um preditor precoce da Demência de Alzheimer.

O presente estudo apresenta algumas limitações. Em relação especialmente ao subteste Semelhanças, trata-se de uma tarefa que requisita a memória semântica, uma vez que os indivíduos precisam buscar a informação no sistema cognitivo do que se refere ao significado de cada palavra isoladamente para poder estabelecer uma relação com a outra palavra-estímulo do par. Segundo estudos (Ávila & Bottino, 2008; Spaan, Raaijmakers, & Jonker, 2005), a memória semântica é uma das funções cognitivas alteradas na presença de demência. De acordo com esses autores, pacientes com demência apresentam codificação semântica diminuída de informações quando comparados a controles. Porém, no presente estudo, não houve controle para as habilidades mnemônicas dos pacientes ou controles. Uma vez que os déficits de memória apresentados pelos pacientes com Doença de Alzheimer podem "contaminar" as habilidades de raciocínio, é possível que as diferenças apresentadas no subteste Semelhanças se devem aos pacientes não conseguirem acessar o significado das palavras que fazem parte da tarefa. Nesse sentido, torna-se importante fazer este controle em estudos futuros envolvendo a WASI em idosos demenciados.

Uma segunda possível limitação diz respeito à limitação no tamanho da amostra. No presente estudo, seis pacientes com Demência de Alzheimer foram comparados em termos de desempenho na WASI ao mesmo número de participantes controle. Houve um cuidado em emparelhar os pacientes por sexo, idade e escolaridade, o que equipara os grupos em variáveis relevantes para estudos envolvendo cognição (Salthouse, 2001). Porém, talvez amostras maiores evidenciem resultados distintos. Nesse sentido, novos estudos com um número maior de participantes deverão ser conduzidos no intuito de verificar os resultados da presente investigação.

Uma terceira possível limitação envolve o diagnóstico de Demência de Alzheimer. Apesar de os pacientes terem um diagnóstico dado por profissionais da área da medicina, a hipótese nosológica para os idosos do grupo clínico é a de que tenham Demência de Alzheimer possível (McKhann et al., 1984). Assim, os pacientes podem ser diagnosticados como apresentando Demência de Alzheimer na presença de outras doenças sistêmicas. Portanto, é possível que os eventos histopatológicos associados à Demência de Alzheimer não sejam os únicos a afetar a cognição dos pacientes. Novos estudos são sugeridos para melhor averiguar essa questão, isto é, investigações onde Demência de Alzheimer provável (McKhann et al., 1984) seja a hipótese diagnóstica para a doença apresentada pelo grupo clínico.

Contudo, vale ressaltar que o presente estudo consiste em uma apresentação parcial dos dados da coleta normativa da WASI para a realidade brasileira. Assim, uma vez concluído o estudo normativo, uma amostra maior de pacientes com Demência de Alzheimer estará disponível, e tais achados poderão ampliados.

 

Considerações finais

O presente estudo buscou comparar o desempenho de idosos saudáveis e o de pacientes com Demência de Alzheimer na WASI. Esta consiste em uma escala abreviada de avaliação das habilidades intelectuais, composta de quatro subtestes, que está sendo normatizada para a população brasileira. Avaliar o desempenho de pacientes demenciados constituiu uma das etapas do estudo de validação do instrumento.

Seis pacientes com Demência de Alzheimer foram comparados a seis idosos saudáveis nos subtestes Cubos, Raciocínio Matricial, Semelhanças e Vocabulário. Os resultados indicaram diferenças entre os grupos nos três primeiros subtestes.

Sugestões de futuras investigações incluem: a) inclusão de medidas de memória como controle na avaliação das diferenças de desempenho na WASI entre idosos demenciados e saudáveis; b) aumento do tamanho da amostra, tendo em vista a generalização dos resultados; c) replicação do estudo incluindo pacientes com o diagnóstico de DA provável (McKhann et al., 1984), para refinamento dos achados no que tange à descrição de perfis de desempenho na WASI.

 

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Endereço para correspondência: gabrielapwagner@gmail.com

Artigo recebido: 11/11/2010; Artigo revisado (primeira revisão): 17/12/2010; Artigo revisado (segunda revisão): 22/12/2010 Artigo aceito: 24/12/2010.

 

 

Agradecimentos: A primeira autora agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo fomento fornecido à pesquisa (Bolsa PDJ).

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