Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.2 no.1 São Paulo jun. 2010
ARTIGOS
O Teste Rorschach na história da avaliação psicológica1
Rorschach Test in the history of psychological assessment
João Maria do Amaral Torres2
Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará
RESUMO
Este texto visa discutir a produção de resposta de movimento humano (K) nos protocolos do teste de Rorschach de uma amostra de artistas pintores da cidade de Belém do Pará. Partindo da relação entre a percepção de movimento humano e a imaginação criadora, proposta por Hermann Rorschach, autor do teste, e de estudos posteriores que relativizam este conceito, sob algumas condições, fornecendo outros significados alternativos, foram analisadas a freqüência e a qualidade das respostas K desses artistas. O propósito foi tentar encontrar relação direta da imaginação criativa dos sujeitos com a freqüência e qualidade dessa categoria de respostas. A aplicação do teste foi individual, com o assentimento de cada participante e o resultado das análises mostrou que a produção e a diversidade das respostas K ficaram abaixo das expectativas esperadas, não havendo correspondência entre a produção de K e a imaginação criativa dos sujeitos. Apontou ainda para a possibilidade de a imaginação criadora, no Rorschach, se evidenciar não somente pelas respostas K, mas também através de outros fatores da personalidade aferidos pelo teste.
Palavras-chave: criatividade; percepção de movimento; teste de Rorschach.
ABSTRACT
This paper aims to discuss the production of human movement response (K) in the protocols of the Rorschach test of a sample of painters in the city of Belém do Pará Based on the relationship between the perception of human movement and the creative imagination, proposed by Hermann Rorschach, author of the test, and further studies that undermine this concept, under some conditions, providing another alternative meanings, we analyzed the frequency and quality of responses K of these artists. The purpose was to try to find a direct relationship of the creative imagination of individuals with the frequency and quality of this category of responses. The application of the test was done individually, with the consent of each participant and the results show that the production and diversity of K responses were below our expectations, there was no correlation between the production of K and the creative imagination of individuals. It has also pointed to the possibility of creative imagination, the Rorschach, is evidence not only for K responses, but also through other personality factors measured by the test.
Keywords: creativity; response of human movement; Rorschach test.
Apresento a evolução histórica dos testes psicológicos, para mostrar que a utilização do Rorschach neste estudo só foi possível como conseqüência da evolução metodológica que estes instrumentos vêem adquirindo com o passar do tempo. Não fora assim, não seria possível construir um teste que agregue conjuntamente os conceitos de percepção, projeção e criatividade, importantes para a realização deste empreendimento.
Pasquali (1999) afirma que a utilização mais sistemática e formal dos testes psicológicos atuais tem origem no final do século XIX, com os trabalhos dos psicólogos e psiquiátricas, interessados em medir e avaliar a psique e a conduta das pessoas, em países como a Alemanha, Inglaterra, França e Estados Unidos. O objetivo dessas avaliações era o de proporcionar, aos profissionais da psicologia e da psiquiatria, elementos concretos, a fim de que pudessem tomar decisões adequadas sobre a orientação de como as pessoas avaliadas poderiam melhor se adaptar às condições concretas da vida cotidiana, tal como na escola e no trabalho. Para este autor, o termo avaliação apareceu como termo psicológico no livro Assessent of men do U.S.Office of Strategic Service, em 1948.
No período em que apareceram, os testes psicológicos tornaram-se uma área de atuação relativamente nova de uma das ciências mais jovens da história do conhecimento humano. Conforme Anastasi (1977), atualmente, os testes são empregados na tentativa de apontar perspectivas na solução de uma série de problemas de exigência prática. A autora acrescenta ainda que muitos e diferentes usos desses instrumentos demonstram que sua contribuição, mesmo que não seja de todo completa, tem se mostrado necessária na maioria dos campos de atuação da psicologia contemporânea.
Autores como Gayral (1967) e Anastasi (1977) sustentam que um dos primeiros problemas a favorecer o desenvolvimento dos testes psicológicos foi a busca de identificação do retardo mental. E seguindo essa tradição até os dias de hoje, a psicopatologia continua a ser uma área de aplicação de certos testes. Outros dois segmentos que também deram forte impulso ao desenvolvimento dos testes, foram os problemas advindos da área educacional e do trabalho. É possível constatar que, nos dias atuais, é raro poder existir uma modalidade laborativa, na qual não tenha sido comprovada a utilização de alguma categoria de teste psicológico.
Por exigência da necessidade prática de se avaliar o nível mental das pessoas, os primeiros testes a serem utilizados pelos psicólogos, para esta finalidade, foram os destinados à aferir a inteligência.
TESTES
a) Inteligência
Anastasi (1977) refere que, pelo final do século XIX, teve início um movimento, por parte de psicólogos e psiquiatras, para oferecer um tratamento mais humanizado aos débeis e aos doentes mentais. Surgiu então, a necessidade de se adotar critérios mais uniformes, afim de que se pudesse identificar e classificar esses casos, com base em padrões de um sistema mais objetivo de avaliação. A realidade diagnóstica daquele período, aos poucos, foi mostrando a necessidade de se fazer uma distinção mais criteriosa entre o doente e o débil mental. O primeiro traz como característica central o desequilíbrio emocional, que pode ou não vir acompanhado de degeneração intelectual. O segundo se caracteriza pelo aparecimento da debilidade mental já desde a primeira infância.
Gayral (1967) assevera que os testes de inteligência (testes mentais) surgiram a partir de 1890. James Mckeen Cattell foi quem os introduziu como instrumento de avaliação na psicologia.
O obj etivo, neste caso, era o de avaliar estatisticamente o desempenho de um sujeito, em determinada situação, comparado com o desempenho de outros sujeitos, em semelhante situação. Contudo, é no início do século XX que começa realmente a se intensificar o uso do método dos testes psicológicos. Duas obras tiveram significativa influência neste sentido. A primeira é de natureza mais teórica e foi escrita pelo Inglês Spearman, com o título de A Determinação Objetiva e a Medição da Inteligência em Geral. A segunda apresenta uma orientação para um sentido mais prático e foi baseada nas investigações experimentais que o psicólogo francês Alfredo Binet realizou em parceria com o psiquiatra Simon. Esta obra traz como título Novas Investigações sobre os Diagnósticos dos Níveis de Inteligência dos Anormais.
As pesquisas de Binet e Simon resultaram na elaboração da primeira escala para a medição psicométrica da inteligência, em 1905 e foi denominada de ESCALA BINET SIMON. Tinha como objetivo abranger uma variedade de funções intelectuais, tais como julgamento, compreensão e raciocínio, admitidos por Binet como elementos essenciais da inteligência.
b) Aptdão
Conforme Anastasi (1977), ainda que os testes de inteligência pudessem avaliar o nível intelectual geral das pessoas, por exigência da evolução metodológica da avaliação em psicologia, eles se tornaram com alcance limitado, porquanto não apreendiam importantes funções intelectuais.
Já antes da I Guerra Mundial, os psicólogos começaram a se dar conta da necessidade de avançar na medida geral da inteligência, para avaliar áreas mais diferenciais da dimensão intelectual. A partir daí, tem início a elaboração e a aplicação dos testes de aptdões, que vem a permitir uma análise do desempenho referente a múltiplas dimensões da inteligência. Para Anastasi (1977), foi a partir do emprego da análise fatorial que se tornou possível a organização de fatores ou traços de inteligência. E foi também este fato que contribuiu para o estabelecimento da base teórica e a conseqüente construção de baterias de APTDÕES MULTIPLAS. A partir desta fase, os testes psicológicos puderam ser selecionados de maneira que cada um pudesse representar a melhor medida existente em um dos fatores indicados pela análise fatorial.
A intensa atividade dos psicólogos nas áreas de aconselhamento vocacional e na seleção de pessoal para a indústria e para as forças armadas contribuiu significativamente para impulsionar a aplicação dos testes de aptidões diferenciais. Esta autora também refere que tanto os testes de inteligência, como os de aptidões só foram possíveis pela combinação dos métodos psicológicos com os da matemática. E adianta que não só os testes destinados a sujeitos normais, como os destinados aos anormais, sejam de inteligência ou de aptidão, exigem apenas uma resposta correta obedecendo ao princípio da inteligência convergente.
Para Gayral (1967), as primeiras aplicações de testes, de modo coletivo em sujeitos normais se deu nos anos de 1917/18, no curso da Primeira Guerra Mundial, com a aplicação do Army – Alpha – Beta: Test, nos Estados Unidos. Foi assim o primeiro ensaio prático do emprego de um teste em seleção de pessoal. Este autor acrescenta que as pesquisas realizadas em vários países, com relação aos testes psicológicos, não tomaram o mesmo caminho. Em conseqüência, deu-se a divisão dos testes em dois grupos, conforme sua aplicação prática: numa perspectiva, prosseguiram as pesquisas com testes destinados a pessoas anormais e noutra, com indivíduos normais. Anastasi (1977) sustenta que embora os testes de inteligência e de aptidão inicialmente tivessem sido planejados para medir e avaliar uma variedade de funções intelectuais mostravam-se limitados para outras áreas da conduta humana. Dentre essas áreas para as quais esses testes não se mostravam metodologicamente estruturados para avaliá-las, inclui-se a da personalidade.
Embora os testes de inteligência e de aptdões tivessem sido planejados para medir e avaliar uma variedade de funções intelectuais, mostraram–se inadequados no emprego de outras áreas do comportamento humano.
Uma das áreas a exigir pesquisa e utilização dos testes psicológicos se preocupa com as dimensões subjetivas ou não intelectuais da conduta humana. As atividades clínicas, tanto em psicologia quanto em psiquiatria, necessitavam de informações não somente a respeito do nível do raciocínio lógico das pessoas, contudo estavam interessadas em saber também sobre as atitudes básicas que impulsionam inconscientemente, na maioria das vezes, alguns comportamentos que, pela recorrência, tornam-se característicos da personalidade dos sujeitos. Nuttin (1968) sustenta que foram vários os caminhos através dos quais a psicologia contemporânea chegou ao estudo da personalidade.
A orientação objetiva para avaliação da personalidade, através dos testes psicológicos, está baseada até o presente momento, em duas modalidades técnicas: os inventários de personalidade e os testes projetivos. Cada um assentado metodologicamente em níveis diferentes de complexidade para sua utilização e análise.
c) Inventários de Personalidade
Os primeiros instrumentos destinados a avaliar a personalidade foram os Inventários de Personalidade, que Anastasi (1977) chama de testes de auto-descrição. A característica fundamental deste método é fornecer traços ou fatores da personalidade do examinando. Tem um repertório limitado de respostas que varia, segundo o interesse, a atitude e a disponibilidade de adaptação do sujeito. Este tem como opções de respostas, na maioria desses testes, os termos SIM, NÃO e TALVEZ. Anastasi (1977) afirma que a resposta para cada pergunta nos INVENTÁRIOS DE PERSONALIDADE é índice de presença ou ausência de um sintoma específico.
Um inventário de auto-descrição apresenta-se como uma série de estímulos verbais padronizados e as respostas evocadas por eles são avaliadas segundo seus correlatos de comportamento, estabelecidos de forma empírica. Embora elas possam corresponder à percepção da realidade pelo sujeito, não altera essa situação. Somente mostra uma hipótese para explicar a realidade empiricamente estabelecida de alguns itens. Deste modo, fica difícil asseverar, com certeza, que idênticos sintomas de duas pessoas concorram para o mesmo traço, nem que diferentes respostas apontem diferentes traços.
A crescente exigência da complexidade do trabalho com a avaliação da personalidade exigiu uma metodologia que ultrapassasse o simples uso da verbalização como estratégia para se chegar a dados mais representativos da subjetividade humana. A evolução histórica do estudo da personalidade humana mostra que as técnicas projetivas vieram como uma tentativa de preencher, nesta fase, esta lacuna.
d) Testes Projetivos
Anzieu (1978) afirma que a expressão métodos projetivos foi empregada pela primeira vez por L.K Frank, num artigo publicado em 1939, no Journal Of Psychology, com o título Os Métodos Projetivos para o Estudo da Personalidade. O artigo explicava a relação entre três testes psicológicos que surgiram nesse período: o Teste de Associação de Palavras de Jung (1904), o Teste das Manchas de Tinta de Rorschach (1920) e o TAT (teste de histórias) de Murray (1935). E o autor esclarece (p.15):
Frank mostrava que tais técnicas formam o protótipo de uma investigação dinâmica e "hoslística" (global) da personalidade, isto é, abordando-se a personalidade como uma estrutura em evolução, cujos elementos constitutivos se encontram em interação: modo de investigação característico da ciência moderna, ao estudar a natureza, assim como o homem.
Para Anastasi (1977) o método é uma conseqüência da fusão de duas abordagens metodologicamente muito diferentes: a psicanálise e a psicometria. A principal característica desta técnica é permitir uma variedade ilimitada de respostas possíveis a estímulos não estruturados, ambíguos e vagos. Ao sujeito, são apresentadas as instruções gerais junto com o material de teste, a fim de que ele possa usar livremente o fluxo de sua imaginação. Neste procedimento, vem implícita a hipótese de que, conforme o modo como percebe o estímulo e estrutura suas respostas, o sujeito reflete aspectos intrínsecos de como funciona psicologicamente. Dito de outra maneira, espera-se que o material do teste se apresente como uma "tela", onde o sujeito "projeta" os conteúdos latentes de sua subjetividade, na maioria das vezes, inconscientes. Sustenta-se que, quanto mais desestruturado ou ambíguo o estímulo, menor será a possibilidade de reações defensivas. Torna-se importante salientar que as respostas dadas nas técnicas projetivas, diferentemente das dos testes de inteligência e de aptidões, obedecem o princípio da inteligência divergente.
As técnicas projetivas surgiram também em conseqüência da atividade clínica em psicologia e psiquiatria. Conforme Anzieu (1978), apesar de esta categoria de testes ter seguido de perto o progresso da Gestalt-Theorie, com suas pesquisas com figuras ambíguas e ilusões óticos-geométricas, é na psicanálise que se baseia a influência maior de seus conceitos. Também é bom deixar claro que, pela forma de avaliar a personalidade, na sua globalidade, não focam o interesse apenas nas características emocionais, motivacionais e interpessoais, mas também nos aspectos intelectuais do sujeito.
Anzieu (1978) traça uma diferença entre técnicas expressivas e técnicas projetivas. As primeiras são caracterizadas por dar ao examinando uma liberdade a partir da qual são empregados movimentos expressivos, através dos quais o sujeito projeta sem consciência, e por meios gráficos, numa folha de papel, os conteúdos latentes da personalidade. As afirmações de Trinca (1976) ajudam a esclarecer as características desta técnica: "ao completar ou estruturar uma situação incompleta, ou sem estruturação, o sujeito pode revelar seus próprios esforços, disposições e conflitos" (p.44). Para este autor, na medida em que o sujeito se encontra em condições de associar livremente, ele tende a se mobilizar para dimensões nas quais é emocionalmente mais sensível.
As técnicas projetivas são caracterizadas por estímulos ambíguos, a partir dos quais o sujeito responde interpretando cada estímulo, dando um significado que traz um conteúdo inconsciente da sua personalidade. O Rorschach e o TAT são os exemplos mais conhecidos desta categoria.
Anzieu (1978) propõe uma distinção entre os testes projetivos. Ele os diferencia em temáticos e estruturais. Os primeiros se caracterizam por técnicas temáticas verbais e têm como objetivo fazer emergir processos projetivos sob a forma de "estórias". Gayral (1967) considera a hipótese de que os testes temáticos revelam conteúdos significativos da personalidade, tais como a natureza dos conflitos, os desejos fundamentais e os mecanismos de defesa. Representam esta categoria o TAT e os relatos livres a serem completados. Para Ombredane (Apud Anzieu 1978) nos testes temáticos o sujeito pode projetar o que acredita ser, o que gostaria de ser, o que não aceita ser, e o que os outros são, ou poderiam ser em relação ao sujeito mesmo.
Nos testes projetivos estruturais, a característica está em o sujeito receber um material desprovido de significado ou de sentido. A partir deste material, o sujeito deve mostrar uma conduta "semântica" e formular sentidos através de suas respostas. Assim concebidos, é esperado que os testes projetivos estruturais alcancem, sobre modo, um recorte representativo do sistema que é a personalidade, de seu equilíbrio e também da maneira de o sujeito apreender o mundo. Esta categoria tem como modelo representativo o teste de Rorschach.
Para Anzieu (1978), mesmo que os testes projetivos deixem a desejar, referentemente à padronização, à escalonagem e à fidedignidade, na efetividade prática, podem fornecer ao psicólogo um conhecimento do sujeito, com uma agudeza clínica, capaz de poder compensar a ausência de maior rigor estatístico.
TESTE DE RORSCHACH
Como instrumento de coleta de dados, o teste de Rorschach, como diz Beck (1967, p.3), é "um método normativo, válido para o estudo da personalidade". Além desta normatização, e com o objetivo de alcançar mais especificamente o recorte desta pesquisa, vale-se das palavras de L.K. Frank (apud ADRADOS, 1973, p.6):
O método de Rorschach proporciona uma técnica, mediante a qual o indivíduo é induzido a revelar seu mundo privado, expressando o quê vê em diversas lâminas, onde pode projetar seus sentimentos, justamente porque as lâminas não constituem objetos socialmente estandardizados, ou situações frente as que deve dar respostas culturalmente aceitas.
Elaborado por Hermann Rorschach, psiquiatra suíço, foi publicado pela primeira vez em 1921, um ano antes da morte de seu autor em 1922, com o título de PSYCHODIAGNOSTIK. Conforme Bohm (1955), o livro teve como subtítulo: Método e Resultados de uma experiência diagnóstica de percepção (Interpretação livre de formas fortuitas). Segundo Eldenberger (apud Anzieu, 1978) "foi elaborado longe de universidades, dos laboratórios, das grandes bibliotecas, num pequeno hospital psiquiátrico" (p.45) em Herisau, cidade suíça.
O objetivo do teste de Rorschach é informar sobre a estrutura de personalidade. Sua aplicação é extensiva tanto para crianças, como para adolescentes e adultos. É composto de dez lâminas ou pranchas que apresentam, cada uma, borrões de tinta de contorno não muito definido e de textura variável, mas com perfeita simetria, tendo como referencia um eixo vertical (vide anexo II). Cinco dessas dez lâminas têm manchas em branco e preto. Duas apresentam também a cor vermelha e três outras são policromadas. Na situação de prova, as lâminas são apresentadas ao examinando em ordem determinada pela seqüência de um a dez. A instrução passada ao examinando é a de que ele deve responder a cada uma lâmina, indicando o que a mancha lhe parece, o que lhe sugere, ou o que lhe faz lembrar.
O modo como as manchas estão estruturadas, a liberdade que o sujeito tem para dar as respostas e o tempo indeterminado que tem para respondê-las, de certa forma, tornam a situação de testagem "vazia", cujo trabalho do sujeito tem como finalidade o preenchimento desse vazio, usando o potencial de sua inteligência e de suas aptidões, além dos recursos internos de sua personalidade. O teste requer aplicação individual e não exige tempo determinado para a duração da aplicação, mas exige tempo em torno de uma hora. As respostas do sujeito são anotadas pelo examinador na folha de protocolo, obedecendo os princípios de sistematização para esta tarefa.
No processo de interpretação, cada resposta que o examinando dá às manchas, é avaliada em função de três elementos: a) a localização, que é caracterizada como a porção da mancha visualizada pelo examinando e denota a maneira como percebe e faz contato com a realidade, e como se relaciona com o mundo; b) os determinantes são caracterizados pela qualidade perceptiva que condicionou a resposta (se a forma, se a cor, se o sombreamento, se o movimento); e c) o conteúdo (se animal, humano, anatômico, etc.). Anzieu (1978, p.107), recomenda que as avaliações qualitativas se apoiem também em levantamentos estatísticos dos elementos fornecidos pelos protocolos do teste.
Na folha de protocolo, esses elementos conduzem a cálculos que, por sua vez, possibilitam a determinação de alguns índices. A interpretação de todos os dados obtidos no teste leva em consideração os resultados brutos, os índices calculados, as relações entre os elementos e, sob a orientação da escola francesa, utilizada nesta pesquisa, também a avaliação qualitativa do desempenho do examinando. Este tipo de avaliação considera, entre outros elementos, a seqüência e a qualidade das respostas por lâmina, o simbolismo de cada lâmina e os indicadores de ansiedade. O resultado final apresenta informações a respeito do tipo de produtividade intelectual, da tipologia que agrega os pólos introversão-extroversão e sobre a estrutura da personalidade. Sugere também indicativos de focos de possíveis conflitos.
CONCLUSÃO
A literatura mostra que a evolução histórica do teste de Rorschach o aponta como um instrumento de avaliação de personalidade ainda "não acabado". Desde sua publicação em 1921, até os dias de hoje, ele vem passando por alterações no significado das repostas K e conseqüentemente na relativização do seu sentido. O que se pode notar é que o teste vem ganhando dados em extensão de sentido, contudo carece ainda de mais elementos para uma melhor compreensão da materialidade e da especificidade desse sentido.
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1998. [ Links ]
ADRADOS, I. Teoria e prática do teste de Rorschach. Rio de Janeiro: Vozes, 1973. [ Links ]
________________ Rorschach na adolescência normal e patológica. RJ: Vozes, 1976. [ Links ]
ALMEIDA, R. Criatividade e relações objetais pelo Rorschach e Phillipson. Tese de mestrado. Universidade Metodista de São Paulo, 1994. [ Links ]
ANASTASI, A. Testes Psicológicos. São Paulo, EPU, 1977. [ Links ]
ANZIEU, D. Os métodos projetivos. Rio de Janeiro: Campus, 1978. [ Links ]
ARAOS, F. Revista Teoria Psicológica; 23 (1): 59-64, Jun 2005. [ Links ]
AUGRAS, M. O ser da compreensão: fenomenologia da situação de Psicodiagnóstico. Petrópolis: Vozes, 1996. [ Links ]
BECK, S. J. Le test de Rorschach. Paris: Presses Universitaires de France, 1967. [ Links ]
BOHM, E. Traité de Psychodiagnostic de Rorschach. Paris: Presses Universitaire de France, 1955. [ Links ]
COELHO, L. S.; FALCÂO, M. I. Prova de Rorschach: diretrizes gerais na interpretação dos resultados. São Paulo: TERCEIRA MARGEM, 2006. [ Links ]
FORGUS, R. H. Percepção: o processo básico do desenvolvimento cognitivo. São Paulo: Herder, 1971. [ Links ]
GAYRAL, L. Testes de Personalidade para a Clínica Psicológica. Buenos Aires, Paidós:1977 [ Links ]
GINGER, S.; A. Gestalt, uma Terapia do Contato. São Paulo, Summus: 1995. [ Links ]
HASTORF, A.; SCHNEIDER, D.; POLEFKA, J. Percepção de pessoa. SP: USP, 1975. [ Links ]
KOFFKA, K. Princípios de Psicologia da Gestalt. São Paulo: Cultrix, 1982. [ Links ]
MERLEAU-PONTY, M. A estrutura do comportamento. Belo Horizonte: Interlivros, 1975. [ Links ]
MUCCHIELI. R. La Dinamique du Rorschach. Paris: Presses Universitaires de France, 1968. [ Links ]
NUTTIN, J. La Estructura de La Personalidad. Buenos Aires: Kapelusz, 1968. [ Links ]
OSTROWER, F. Criatividade e Processos de Criação. Petrópolis: Vozes, 1987. [ Links ]
PASQUALI, L. Instrumentos Psicológicos: Manual Prático de Elaboração. Brasília: LabPam, 1999. [ Links ]
PELLINI, M. C. B. M. Porte de arma de fogo: contribuições da prova de Rorschach. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. [ Links ]
PEREIRA, A. M. T. B. Introdução ao método de Rorschach. SP: EPU, 1987. [ Links ]
RORSCHACH, H. Psicodiagnóstico. São Paulo: Mestre Jou, 1978. [ Links ]
SAKAMOTO, C. K.; LAPASTINI, M. A. B.; SILVA, S. M. Psicologia: teoria e prática, 2003, 5 (1): 13-25. [ Links ]
SCHACHTEL, E. G. Experimential Foundation of Rorschach's Test. Londres: Tavistock publications Limited, 1967. [ Links ]
SILVA, M. D. V. Rorschach: uma abordagem psicanalítica. São Paulo: EPU, 1987. [ Links ]
TRAUBENBERG, N. R. A prática do Rorschach. São Paulo: Vetor, 1998. [ Links ]
TRINCA, W. Investigação Clínica da Personalidade. BH: Interlivros, 1976. [ Links ]
WEINER, I. B. Princípios da interpretação do Rorschach. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000. [ Links ]
ZANELLA, A. V.; TITON, A. P. Análise da Produção Científica da Criatividade em Programas Brasileiros de Pós-Graduação em Psicologia. Florianópolis: UFSC, CNPQ (1994/2001) [ Links ]
1 Artigo derivado da dissertação de mestrado em Psicologia na UFPA, intitulada "A Resposta de Movimento Humano nos Protocolos de Rorschach de Artistas Pintores" (2010), sob a orientação da Profª. Dra. Ana Cleide G. Moreira e da co-orientadora Ana Maria Digna Rodrigues de Souza
2 Mestre em Psicologia. Professor Adjunto IV na faculdade de psicologia da UFPA. Psicoterapeuta e pesquisador em arte-terapia
3Todos os nomes aqui relatados foram trocados para preservar a identidade das pessoas citadas. Os atendimentos obedeceram às regras éticas praticadas na Clínica de Psicologia da Universidade Federal do Pará.