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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.2 no.1 São Paulo jun. 2010

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

O atendimento psicológico às mulheres em situação de violência no Centro de Referência Maria do Pará: um balanço após dois anos de funcionamento

 

 

Adriana Alcântara dos Reis1

Centro de Referência Maria do Pará

 

O presente relato tem como objetivo descrever o trabalho realizado no Centro de Referência Maria do Pará, ao longo de dois anos de funcionamento, apresentando alguns dados que caracterizam a população já atendida, assim como descrever a atuação do serviço de Psicologia no atendimento às mulheres em situação de violência.

O Centro Maria do Pará tem como objetivo geral prestar assistência às mulheres de modo a favorecer sua saída da situação de violência. Para isto, constituiu uma equipe multiprofissional composta por Psicólogas (quatro), Assistentes sociais (dois, uma mulher e um homem), Pedagoga, Enfermeira, Massoterapeuta, Socióloga e Terapeuta ocupacional, além de Defensoras Públicas (duas), estas últimas, através de parceria com o Núcleo Especializado no Atendimento à Mulher (NAEM), da Defensoria Pública do Estado do Pará.

O serviço é vinculado à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH), deste modo, a atuação da equipe multidisciplinar do Centro Maria do Pará é atravessada pelas concepções de gênero e de direitos humanos e está voltada para o favorecimento da autonomia das mulheres, através da articulação da rede de serviços, a fim de favorecer o acesso a recursos (programas de geração de renda, inclusão no mercado de trabalho e na rede regular de ensino) e obtenção de suporte social (ampliação da rede de apoio), para que dessa forma possam ter condições mais favoráveis para sair da situação de violência.

A violência contra a mulher é um fenômeno multidimensional que independe de classe social, cultura, nível de desenvolvimento econômico e que pode ocorrer em qualquer etapa da vida (Saffioti, 1997, Soares, 2005). Envolve as modalidades psicológica, moral, física e sexual.

As conseqüências da violência podem ser percebidas tanto no nível individual e familiar, considerando os danos emocionais que a mulher e seu entorno familiar sofrem, principalmente filhos menores de idade; quanto no nível social, visto que a mulher vítima de violência precisa utilizar serviços de saúde, segurança e justiça, custeados pelo estado, além dos casos de absenteísmo relacionados aos problemas físicos e emocionais produzidos pela violência (Bonafé & Corbett, 2003).

Por estes motivos, e principalmente pelas pressões sociais do movimento de mulheres, desde a década de 70 uma série de conquistas vêm sendo obtidas em relação à garantia dos direitos das mulheres. No Brasil, a aquisição mais recente foi a Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, promulgada com a finalidade de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Nesta lei são propostas inovações que abrangem a definição dos tipos de violência previstos e a determinação da implantação de novos procedimentos policiais e judiciários, mediante caso de violência doméstica e familiar contra a mulher. Também é considerado um avanço a proposição para que Estados e Municípios criem uma infra-estrutura de serviços especializados no atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

Graças a esta lei, em março de 2008 foi implantado na cidade de Belém o Centro de Referência Maria do Pará, o primeiro núcleo de referência do estado do Pará, especializado no atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

 

PERFIL DOS ATENDIMENTOS

De março de 2008 até março de 2010, 904 mulheres procuraram o Centro, em busca de atendimento, oriundas tanto de demanda espontânea quanto de encaminhamentos feitos pela rede de serviços.

A faixa etária predominante das mulheres atendidas foi de 26 a 33 anos (267) e de 34 a 41 anos (251); a escolaridade incidente foi o ensino fundamental incompleto (244) e o ensino médio completo (290).

Um dado significativo registrado foi o tipo de violência mais prevalente: a violência psicológica (785), seguida da violência física (631), podendo os dois tipos de violência ocorrer juntas ou não.

 

A PSICOLOGIA

O atendimento psicológico no Centro Maria do Pará tem como objetivo específico, auxiliar as mulheres a saírem da situação de violência e ajudá-las a se recuperarem dos possíveis danos emocionais ocasionados pela violência. Para tanto, são realizadas intervenções voltadas para o favorecimento da tomada de consciência sobre as variáveis que as mantêm no relacionamento com o agente da agressão, bem como a aquisição de repertório comportamental que possa lhe ajudar a prevenir o envolvimento em uma nova situação de violência, através de: resgate da auto-estima, treino assertivo (aprender a dizer não, colocar limites no comportamento do outro), técnicas de relaxamento e de controle do estresse, assim como o incentivo à construção da autonomia.

Contrariando o que estabelece a Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (2006), no Centro Maria do Pará não existe um número delimitado de atendimentos a serem realizados, pois se acredita que a violência é um fenômeno de tamanha complexidade, que é impossível avaliar, antes de uma escuta cuidadosa, o tempo que uma mulher precisará de atendimento para se recuperar minimamente dos efeitos causados pela violência, muito menos padronizar o mesmo tempo de recuperação para todas as mulheres.

Após o acolhimento inicial, sendo identificada a necessidade do acompanhamento psicológico, é agendado o atendimento psicológico, que passa a ter retornos semanais ou quinzenais, conforme a situação de risco à qual a mulher estiver exposta e o nível de comprometimento emocional que apresenta.

Através dos atendimentos psicológicos realizados ao longo dos dois anos de funcionamento do Centro de Referência Maria do Pará, puderam ser identificadas variáveis semelhantes às identificadas por Bell e Naugle (2005) tanto no controle do comportamento do homem agente da agressão quanto da mulher que é agredida.

Para os homens, são freqüentemente identificadas como variáveis desencadeadoras da agressão contra a mulher: desemprego, problemas financeiros e abuso de substâncias; outros fatores envolvidos são ciúme excessivo, baixa auto-estima, visões estereotipadas sobre papéis de gênero e histórico de violência na infância.

Em relação à mulher, identificam-se como fatores para manutenção do relacionamento, apesar das contingências aversivas envolvidas, a falta de recursos financeiros próprios, de autoconfiança para iniciar novo relacionamento afetivo, promessas de mudança de comportamento do companheiro, medo de retaliação por parte do companheiro ou do grupo social, além de auto-regras relativas ao compromisso com o relacionamento e ao seu papel social de mantenedora deste.

Neste sentido, entende-se que tanto mulheres quanto homens envolvidos em situações de violência precisam de acompanhamento psicológico, pois muitas vezes ainda é desejo da mulher manter a relação com o companheiro, desde que ele não se comporte maisde maneira violenta. Além disso, no caso do término de um relacionamento violento, se o agente da agressão não tiver um acompanhamento psicológico, existe alta chance de ele voltar a agredir a nova mulher com quem venha a se relacionar.

 

CONCLUSÃO

A implantação do Centro de Referência Maria do Pará foi um grande avanço no combate à violência contra mulher no Estado. Considera-se que por estar sob responsabilidade da SEJUDH, o Centro Maria do Pará tem um atendimento diferenciado dos demais serviços da rede de atendimento à mulher em situação de violência, pois se fundamenta na garantia dos direitos humanos e na concepção de gênero.

Com base nos dados registrados, supõe-se que a partir da Lei Maria da Penha os agentes da agressão ficaram mais conscientes de que não poderiam agredir fisicamente as mulheres, pois isto agora está passível de uma punição mais severa (prisão), o que por sua vez parece ter gerado um “refinamento” da violência por parte dos agentes da agressão, muitos dos quais deixaram de bater nas mulheres, passando, porém, a agredi-las de outras formas (humilhações, xingamentos, ofensas, ameaças, etc.), sem deixar marcas visíveis, o que também está previsto na Lei Maria da Penha como violência (violência psicológica), mas que por ser difícil de ser comprovada materialmente acaba sendo negligenciada pelas autoridades policiais. As marcas “invisíveis” deixadas pela violência psicológica, que causam sérios prejuízos à auto-estima das mulheres, são um dos principais campos de intervenção dos atendimentos psicológicos do centro Maria do Pará.

Acredita-se que o registro sistemático dos dados sobre violência contra a mulher, a partir dos atendimentos realizados no Centro, pode colaborar para a elaboração de políticas públicas mais eficientes para as mulheres, visto que são enviados relatórios mensais com os dados registrados no Centro para a Secretaria de Políticas Especiais para as Mulheres (Brasília), a qual é responsável direta pela elaboração e articulação de políticas públicas para as mulheres.

 

 

REFERÊNCIAS

BELL, K. M.; NAGLE, A. E. Understanding stay/leave decisions in violent relationships: a behavior analytic approach. Behavior and Social Issues, 14, 21-45, 2005.

BONAFÉ, S. M.; CORBETT, E. SOS Ação Mulher e Família: relato de uma experiência de atendimento a mulheres e famílias no contexto da violência Doméstica. Revista de Psicologia da UNESP, 2(1), 2003.

Norma Técnica de Uniformização dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Brasília, 2006.

SAFFIOTI, H. I. B. Violência doméstica ou a lógica do galinheiro. In: KUPSTAS, M. (Org.), Violência em debate. São Paulo: Editora Moderna, 1997. p. 39-57.

SOARES, B. Enfrentando a Violência contra a Mulher. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Brasília, 2005.

 

 

1 1 Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento (UFPA). Psicóloga do Centro de Referência Maria do Pará desde março de 2008.

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