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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.3 no.1 São Paulo 2011
RELATO DE EXPERIÊNCIA
A inserção da abordagem cetrada na pessoa no contexto da saúde
The insertion of person-centered approach in the context of health
Marcia Alves TassinariI,1 ; Anita BacellarII,2 ; Joana Simielli Xavier Rocha3, Maira de Souza Flôr4, Lessandra Pinto Michel5
I Universidade Estácio de Sá, RJ
II Espaço Viver Psicologia, SC
RESUMO
O presente trabalho é resultado do processo de implantação do Serviço de Psicologia do Espaço Viver Psicologia no contexto da saúde em Florianópolis/SC. Teve como objetivo geral descrever a inserção da Abordagem Centrada na Pessoa no contexto da saúde e como objetivos específicos apresentar os fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa; relacionar os princípios da Abordagem Centrada na Pessoa com os princípios da saúde no Séc. XXI e apresentar o desenvolvimento das atividades do serviço de psicologia oferecido para os conveniados da Unimed Grande Florianópolis. A metodologia utilizada para alcançar tais objetivos foi a pesquisa bibliográfica e a descrição da experiência de psicólogas que atuam no Espaço Viver Psicologia. Os resultados da pesquisa apresentam a importância da postura proposta por Rogers nos diversos tipos de relação, bem como a necessidade de abertura a experiência assim como ela se apresenta.
Palavras-chave: Psicologia; Abordagem Centrada na Pessoa; Saúde.
ABSTRACT
The present paper is a result of the process of implementation of the Psychology Service offered by the Espaço Viver Psicologia in the context of health in Florianópolis/SC. The main objective is to describe the insertion of the Person-Centered Approach in the context of health. It also have as specific objectives to present the fundamentals of PCA; to relate its principles to the policies of health at the XXI century and to show the development of the activities of the Psychology Service offered to people under contract with Unimed Grande Florianópolis. The methodologies used to reach out these objectives were bibliographic research and the description of the experience of psychologists who work at the Espaço Viver Psicologia. The outcomes of the research presents the importance of the stance proposed by Rogers in several kinds of relation, as well as the need of openness to the experience as it is experienced.
Keywords: Psychology; Person Centered Approach; Health.
RESUMEN
Este trabajo resulta del proceso de implementación del Servicio de Psicología que ofrece la institución "Espaço Viver Psicología" en el contexto de la salud en la ciudad de Florianópolis/SC/Brasil. El principal objetivo es describir la inserción del Enfoque Centrado en la Persona en el contexto de la salud. También tiene como metas específicas presentar los fundamentos del Enfoque para relacionar sus principios a las políticas de salud en el siglo XXI y mostrar el desarrollo de las actividades del Servicio de Psicología ofrecido a las personas bajo contrato con la agencia de seguridad "Unimed Grande Florianópolis". Las metodologías utilizadas para llegar a estos objetivos fueron la investigación bibliográfica y la descripción de la experiencia de los psicólogos que trabajan en este Servicio. Los resultados de la investigación demuestran la importancia de la postura propuesta por Rogers en las diversas clases de relación, así como la necesidad de apertura a la experiencia que se vive.
Palabras-clave: Psicología; Enfoque Centrado en la Persona, Promoción de Salud.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho refere-se a um relato de experiência, fruto do processo de implantação do Serviço de Psicologia do Espaço Viver Psicologia no contexto da saúde em Florianópolis/SC. Trata-se de uma produção que visa satisfazer a necessidade de sistematização da intervenção psicológica proposta pela Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) no contexto da saúde.
O Espaço Viver Psicologia é um centro de referência na formação e na prática da Psicologia na Região Sul do Brasil. Desde sua fundação em 2008, vem difundindo e ampliando as áreas de atuação da Psicologia através dos princípios teórico-interventivos da Abordagem Centrada na Pessoa, além de contribuir para a formação continuada de profissionais de diferentes áreas de atuação.
A preocupação com a formação dos profissionais que buscam aprimoramento no Espaço Viver Psicologia e a necessidade de associar ao aprendizado teórico a experiência prática possibilitou a realização de um ideal: o de oferecer um serviço de Psicologia especializado a todos que precisem de ajuda, independente de sua situação sócio-econômica. Nasce a primeira clínica particular e social em Florianópolis fundamentada nos princípios da Abordagem Centrada na Pessoa.
A convicção de que o crescimento se faz pela aceitação da realidade e pela disponibilidade de transformá-la através da experienciação possibilitou ultrapassar o limite da Psicologia Clínica tradicional e ingressar no contexto da Psicologia Clínica ampliada. A abertura para experiência e a disponibilidade para exercitar as potencialidades para o crescimento consagrou o convênio do Espaço Viver Psicologia com a Unimed Grande Florianópolis, introduzindo, em Florianópolis/SC a ACP no contexto da saúde.
Assim sendo, o presente trabalho terá como objetivo geral descrever a inserção da Abordagem Centrada na Pessoa no contexto da saúde, realizada pelo Espaço Viver Psicologia, em Florianópolis/SC e como objetivos específicos apresentar os fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa; relacionar os princípios da Abordagem Centrada na Pessoa com os princípios da saúde no Séc. XXI e apresentar o desenvolvimento das atividades do Serviço de Psicologia oferecido para os conveniados da Unimed Grande Florianópolis.
Para alcançar tais objetivos, inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre o referencial teórico da ACP, além de um levantamento acerca da compreensão atual de saúde, Sistema Único de Saúde (SUS), bem como suas premissas básicas e normatizações da Agência Nacional da Saúde Suplementar (ANS). Por fim, foi realizada uma descrição da experiência de psicólogas que acompanharam a evolução e desenvolvimento das atividades do Espaço Viver Psicologia até o momento atual.
INSERÇÃO DA ACP NA SAÚDE
Fundamentos da Abordagem Centrada na Pessoa
Em um mundo onde muitas vezes não se pára mais para ouvir a si próprio, ouvir o outro fica muito mais difícil do que aparenta. O excesso de atividades não permite que se tenha tempo disponível para ouvir as necessidades pessoais e das pessoas com as quais se convive. Seja nas relações pessoais, sociais ou de trabalho o desencontro entre as pessoas está cada vez mais freqüente. Em qualquer relação em que se esteja, as prioridades se atropelam, e as intenções, na grande maioria das vezes, passam despercebidas. Neste estado de distância de si mesmo e do outro, surgem adoecimentos e mal-estares, os quais, geralmente, dificultam o crescimento pessoal e conseqüentemente a realização das potencialidades, de si mesmo e do outro.
Foi partindo deste olhar para a realidade das relações humanas que a Abordagem Centrada na Pessoa sugere a compreensão empática, como o método norteador de um jeito de ser pessoa e de ser profissional que promove a construção de relações interpessoais facilitadoras do crescimento pessoal. Como propõe Rogers (1977, p.73),
A maneira de ser em relação a outra pessoa denominada empática tem várias facetas. Significa penetrar no mundo perceptual do outro e sentir-se totalmente à vontade dentro dele. Requer sensibilidade constante para com as mudanças que se verificam nesta pessoa em relação aos significados que ela percebe, ao medo, à raiva, à ternura, à confusão ou ao que quer que ele/ela esteja vivenciando. Significa viver temporariamente sua vida, mover-se delicadamente dentro dela sem julgar, perceber os significados que ele/ela quase não percebe, tudo isto sem tentar revelar sentimentos dos quais a pessoa não tem consciência, pois isto poderia ser muito ameaçador. Implica em transmitir a maneira como você sente o mundo dele/dela à medida que examina sem viés e sem medo os aspectos que a pessoa teme. Significa freqüentemente avaliar com ele/ela a precisão do que sentimos e nos guiarmos pelas respostas obtidas. Passamos a ser um companheiro confiante dessa pessoa em seu mundo interior. Mostrando os possíveis significados presentes no fluxo de suas vivências, ajudamos a pessoa a focalizar esta modalidade útil de ponto de referência, a vivenciar os significados de forma mais plena e a progredir nesta vivência. Estar com o outro desta maneira significa deixar de lado, neste momento, nossos próprios pontos de vista e valores, para entrar no mundo do outro sem preconceitos.
Compreender empaticamente é o que permite estar, de fato, ao lado do outro, auxiliando-o a explorar a si mesmo, seus sentimentos, sensações, pensamentos e atitudes, aprofundando e ampliando de maneira gradual a compreensão de si mesmo. No contexto psicoterapêutico, à medida que o psicoterapeuta experiencia a compreensão empática na relação, desenvolve-se uma atmosfera de segurança, que permite ao cliente sentir-se acompanhado na exploração de si mesmo. Deste modo, promove-se um encorajamento para aproximação tanto dos aspectos indesejáveis para a pessoa, quanto das suas potencialidades de realização. Há o desenvolvimento de uma auto-compreensão mais congruente e passível de crescimento.
Fica evidente a necessidade desse conceito ao se deparar com a relação psicoterapêutica. Mas nesse artigo não será priorizado apenas essa forma de relação empática, será considerada também a possibilidade de ser empático nos diferentes contextos da saúde onde, a princípio, a ACP é formalmente desconhecida.
Então como utilizar a atitude empática, para criar o espaço da ACP em lugares onde outras abordagens já consolidaram seu território?
Para pensar no desenvolvimento e na utilização da atitude de compreensão empática, é preciso passar por alguns conceitos utilizados pela ACP que oferecem uma base sólida para as relações que se pretende construir.
O ponto de partida é o pressuposto da Tendência Atualizante, "um fluxo subjacente de movimento em direção à realização construtiva das possibilidades que lhe são inerentes" (ROGERS, 1983, p.40). Esta concepção central do pensamento de Rogers aponta para a existência de recursos no homem capazes de promover a realização de suas potencialidades inerentes ou em outras palavras, assinala a capacidade do humano de se autodesenvolver, de reformular conceitos, atitudes e comportamentos em relação a si mesmo e ao mundo.
Entretanto, esta tendência não poderia restringir-se apenas ao ser humano, uma vez que sua realidade está cercada por outros seres vivos, por elementos orgânicos e inorgânicos que interagem harmonicamente em desenvolvimento há milhares de anos. Observando o movimento de atualização da vida no mundo como um todo Rogers propôs mais um conceito que interage com a Tendência Atualizante do homem, a Tendência Formativa. Nesta compreensão ressalta-se a vastidão de recursos inerentes ao fluxo da vida, que permitem sua constante manutenção e desenvolvimento para uma complexidade cada vez maior.
Trata-se de uma tendência evolutiva para uma maior ordem, uma maior complexidade, uma maior inter-relação [...] que não se encontra apenas nos sistemas vivos, mas faz parte de uma poderosa tendência formativa do nosso universo, evidente em todos os seus níveis (ROGERS, 1983, p.50).
É neste contexto que o homem se insere com sua capacidade de guiar-se conscientemente para sua própria realização sem negligenciar os movimentos do fluxo da vida. Há uma harmonia necessária entre Tendência Atualizante e Tendência Formativa que permitem compreender a organização da interação humana nos diversos contextos da vida.
Entretanto, para que se possa utilizar com plenitude os recursos da Tendência Atualizante, é necessário que haja um clima psicológico facilitador do desenvolvimento destas potencialidades. Referindo-se a isto Rogers (1983, p.38) afirma que
Os indivíduos possuem dentro de si vastos recursos para a auto-compreensão e para modificação de seus auto-conceitos, de suas atitudes e de seu comportamento autônomo. Esses recursos podem ser ativados se houver um clima passível de definição, de atitudes psicológicas facilitadoras.
As atitudes psicológicas facilitadoras a que Rogers se refere são a consideração positiva incondicional, a compreensão empática e a autenticidade. Considerar positiva e incondicionalmente significa estar aberto a qualquer expressão do outro abstendo-se de qualquer tipo de juízo em relação apresentação que outro faz de si. A empatia, já referida aqui, permite a inserção no mundo perceptivo do outro. E, por fim, outro elemento primordial da relação é a autenticidade, a qual também é versada como congruência. Tal atitude é representada pela transparência do psicólogo na relação com o cliente: "quanto mais o terapeuta for ele mesmo na relação com o outro, quanto mais puder remover as barreiras profissionais ou pessoais, maior a probabilidade de que o cliente mude e cresça de um modo construtivo" (ROGERS, 1983, p.38).
Em qualquer tipo de relação interpessoal em que estas três atitudes sejam tomadas por uma das partes, desenvolve-se o clima facilitador da realização do poder pessoal à que Rogers se referia.
Dito pelo próprio Rogers (1983, p.39)
Resumidamente, eu diria que se as pessoas são aceitas e consideradas, elas tendem a desenvolver uma atitude de maior consideração em relação a si mesma. Quando as pessoas são ouvidas de modo empático, isto lhes possibilita ouvir mais cuidadosamente o fluxo de suas experiências internas. Mas à medida que uma pessoa compreende e considera o seu eu, este se torna mais congruente com suas próprias experiências. A pessoa torna-se então mais verdadeira, mais genuína.
Wood (2008) propõe uma releitura da ACP, de forma a distinguir a Abordagem da Psicoterapia e, assim permitir que algumas aplicações da ACP não se transformem ingenuamente em transplantar a psicoterapia para diferentes situações e contextos. Este autor apresenta as características que ajudam a conceituar a proposta de Rogers como um jeito de ser específico ao se deparar com algum fenômeno, seja ele a relação diádica, um grupo vivencial, uma sala de aula, um atendimento emergencial ou eventual ou um workshop para a resolução de conflitos. Para Wood (op. Cit, p.275):
Ele [Rogers] se aproximava de cada situação com o mesmo desejo de ouvir e compreender, as mesmas atitudes, o mesmo bom humor, a mesma humildade, a mesma genuinidade e aceitação não julgadora do indivíduo ou do grupo, a mesma curiosidade e abertura à descoberta, a mesma crença de que ele poderia ajudar e que isso era a coisa mais importante do mundo a fazer naquele momento. Em cada caso, ele mantinha a mesma intensidade em improvisar seu conhecimento e habilidades para aquela situação, a mesma vontade de aço flexível.
Para melhor explicitação da inserção da ACP na Saúde, reitera-se a proposta de Wood (ibid.), que esse jeito de ser consiste em uma ética das relações humanas, com as características:
1. Perspectiva de vida positiva;
2. Crença numa tendência direcional formativa;
3. Intenção de ser eficaz nos próprios objetivos;
4. Consideração pelo indivíduo e por sua autonomia e dignidade;
5. Flexibilidade de pensamento e ação;
6. Tolerância quanto às incertezas e ambigüidades e
7. Capacidade de senso de humor, humildade e curiosidade.
Em cada nível, desde a psicoterapia individual ou de grupo, pronto atendimento nos serviços de plantão psicológico, ensino até atividades em grupos vivenciais, essas sete orientações são necessárias, além de levar em conta o contexto e as intenções que se pretende alcançar. Por exemplo, para o nível da psicoterapia individual, a intenção focaliza na reorganização da personalidade e o fenômeno é a relação, portanto a implementação das atitudes facilitadoras precisa tomar esta forma, que vai se diferenciar do pronto atendimento nos Serviços de Plantão Psicológico, onde o fenômeno a ser abordado é a urgência psicológica e a intenção é o acolhimento imediato da emergência. Nos dois níveis, a abordagem ao fenômeno é a mesma, entretanto a forma de abordá-lo vai se diferenciar para dar conta da intenção.
Este jeito de ser por sua conceituação processual implica em flexibilidade como se fosse a argila que poderá ser esculpida de diferentes formas. Neste sentido, a entrada da ACP nas instituições da saúde não encontra barreiras teóricas, necessitando revisitar seu nível interventivo para se encaixar neste contexto.
As Interfaces ACP e Saúde
A saúde tem merecido atenção dos estudiosos há alguns séculos. Dos recursos que estiveram a serviço do controle das epidemias no século XVII ao de cura no século XVIII surge a concepção de ausência de saúde como adoecimento físico. Em outras palavras, foi um período em que a saúde esteve associada ao bem estar físico, a ausência de problemas de ordem biológica. Por muito tempo, cuidar da saúde foi sinônimo de cuidar do adoecimento do corpo.
Tal modelo, denominado de biomédico, apesar de ter desconsiderado outros aspectos que envolvem o estado de saúde, deu origem a inúmeras descobertas de ordem científica e tecnológica. Foi um período em que todas as atenções estiveram voltadas à intervenção terapêutica e a aquisição de instrumentos que auxiliassem na manutenção e recuperação da saúde.
Somente no início do século XX, nasce a medicina psicossomática, uma medicina que mantém a primazia da dimensão corporal, considerando o papel da dimensão psíquica no adoecer e com ela uma nova definição de saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS). No novo conceito, saúde deixa de ser vista apenas como ausência do adoecer e passa a ser entendida como o bem-estar biopsicossocial do indivíduo.
A resposta do paciente à sua doença precisa ser compreendida dentro da dinâmica biopsicossocial por ele vivenciado, visto que a doença não se constitui numa entidade isolada, mas num complexo processo que abrange atividades de natureza psicológica, envolve elementos biológicos e fatores do contexto sócio-cultural (STELA apud RIBEIRO, 1996, p.72).
Com essa nova realidade foi necessário pôr em prática a articulação das diferentes disciplinas que constituem a área da saúde, a fim de promover uma visão global do resgate da saúde do indivíduo. Surge o conceito de interdisciplinaridade, ou seja, uma interação entre as áreas onde o exercício profissional promove resultados mais satisfatórios e promissores, por levar em conta toda dinâmica que envolve o ser humano.
Nesses termos, o conceito de saúde passou a ser "reflexo da capacidade de tolerância, compensação e adaptação de cada indivíduo, dos grupos e da sociedade em geral frente às condições ambientais, sociais, políticas e culturais nas quais estão inseridos" (KAHHALE, 2003, p. 166).
A implementação desse novo conceito demanda a construção de uma visão de homem capaz de agir com autonomia e responsabilidade em prol da sua saúde, o que só é possível se o ser humano for percebido como um ser que fundamenta suas escolhas e atitudes no seu crescimento, na realização das suas potencialidades, ou ainda, como um ser que se move na direção do crescimento, da reprodução e da sobrevivência, conduzido segundo Rogers (1983, p.40) pela Tendência Atualizante.
A ACP no Contexto da Saúde: Resultados Iniciais
O jeito de ser considerador, empático e autêntico proposto pela ACP, facilita o desenvolvimento da postura autônoma fomentado pelo conceito de saúde atual, pois através da ampliação da compreensão da realidade é possível agir de forma mais congruente consigo mesmo, garantindo o crescimento e a realização das suas potencialidades promotoras da saúde.
No contexto da saúde atual, percebe-se que a realidade solicita um atendimento diferenciado, flexível, adequado as características de cada pessoa que procura, de alguma forma, sanar suas preocupações (físicas, sociais, psicológicas). Esse elemento põe em voga a discussão sobre um atendimento integral à pessoa (premissa básica do SUS).
Reflexões sobre a implementação das premissas do SUS são freqüentes, mas, além da realidade pública de saúde há, no Brasil, uma vasta utilização de serviços privados de saúde. Diante desta realidade, o governo brasileiro propôs (BRASIL, 1998) a implementação de algumas normas, serviços e projetos na tentativa de garantir a concretização da compreensão de saúde ampliada, também, no setor privado de assistência à saúde. Foi então que surgiu a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a agência reguladora dos serviços de saúde privados.
Dentre as competências da ANS, inclui-se garantir um atendimento integral aos beneficiários de planos de saúde, o que, atualmente, inclui assistência psicológica. A ANS lança periodicamente no contexto regulatório normativas a serem seguidas pelos prestadores de serviços de saúde, inclusive a Consulta Pública de janeiro de 2011 (BRASIL, 2011), que delimita um prazo máximo de dez dias para a realização de consultas psicológicas. Para se adequar a estas normas as instituições prestadoras de serviços de saúde precisaram desenvolver recursos adaptativos que incluíram parcerias empresariais como a da Unimed Grande Florianópolis com o Espaço Viver Psicologia.
Para oferecer esse atendimento de forma ampliada, é preciso que o profissional de saúde consiga acessar a realidade daquele que procura por auxílio, para assim conseguir compreender suas necessidades. Tal postura é compatível com o jeito de ser proposto pela ACP. A concretização desse conceito se dará por uma procura constante pela ampliação da compreensão da realidade, percebendo-a de forma mais congruente e encontrando possibilidades e saídas para as situações que forem surgindo.
Baseado nessa compreensão, o Espaço Viver Psicologia, desde sua fundação, buscou manter um olhar atento a realidade apresentada, bem como uma escuta ativa às solicitações feitas por aqueles que fazem parte da caminhada da instituição.
Inicialmente o Espaço Viver Psicologia disponibilizava apenas a Psicologia Clínica Tradicional enquanto serviço, mas versava a plasticidade e a aplicabilidade dos princípios teórico-interventivos da ACP em qualquer contexto onde se pudesse promover saúde. Foi então que um novo dado da realidade se apresentou: o pedido de uma Psicologia Clínica Ampliada. Este pedido se formalizou através da consolidação de uma parceria com uma das principais instituições prestadoras de serviços de saúde de Florianópolis, a Unimed Grande Florianópolis. Essa instituição procurou os serviços do Espaço Viver Psicologia por conta de uma grande lista de espera pelos atendimentos da Psicologia, que, até então, não conseguiam sanar.
Ao trabalhar com pessoas que buscam psicoterapia a partir de seus planos de saúde, percebeu-se que o próprio contexto pelo qual essas pessoas chegaram ao psicólogo, fez com que seus pedidos sejam diferentes daqueles que procuram o consultório particular. As pessoas que buscam psicoterapia pelo plano de saúde, vieram encaminhadas pelo médico, em geral, depois de um longo período de adoecimento, e estão em busca de uma solução para seus problemas. Estas pessoas, geralmente, já estão há longos períodos em acompanhamento médico e sentem-se impacientes para um acompanhamento a longo prazo, portanto, demandam um serviço pontual e efetivo.
Ao perceber esse movimento dos clientes, somado ao desejo da prestadora de serviços de saúde em oferecer uma forma de atendimento psicológico mais adequado à sua realidade, percebeu-se que a forma como o atendimento psicológico estava sendo oferecido até então não atendia às necessidades concretas da realidade. Foi a partir dessa observação, que se propôs a utilização do Serviço de Plantão Psicológico como modelo de atendimento psicológico.
Apesar do atendimento em Plantão Psicológico, já ser uma prática utilizada por vários profissionais em diversos estados do Brasil, mais uma vez o Espaço Viver Psicologia precisou estar atento aos pedidos e necessidades apresentadas pelo contexto onde está inserido. Algumas adaptações se fizeram necessárias. Havia a necessidade de organizar os atendimentos, pela incompatibilidade da quantidade de pessoas em busca de atendimento com a quantidade de profissionais disponíveis para atendê-las caso elas buscassem os plantonistas ao mesmo tempo. Deste modo, foi necessário organizar um pré-agendamento de consultas com duração máxima de 1 hora e 30 minutos. Assim como no modelo tradicional de Plantão Psicológico, as pessoas poderiam voltar para mais de um atendimento. Aquelas que, por algum motivo, não conseguiam sanar suas urgências dentro de três encontros, eram encaminhadas para psicoterapia. Estas pessoas não estariam buscando o serviço para atender à alguma urgência psicológica apenas, mas sim para trabalhar questões funcionais da sua personalidade.
Em três meses, foi possível, além de eliminar a fila de espera do serviço de psicologia da prestadora de serviços de saúde, construir um vínculo de confiança que tem consolidado a parceria entre as instituições.
Foi preciso, portanto, flexibilizar a teoria, para que fosse possível, atender as necessidades reais apresentadas, seja pelas solicitações de parceria, seja pelos clientes atendidos. Não seria possível ampliar a atuação da Psicologia dessa forma, sem considerar a necessidade da compreensão empática em todas as relações que se estabelecem, sejam elas relações de parcerias empresariais, relações entre psicoterapeutas e clientes, ou relações interpessoais. É só a partir da capacidade de se apropriar da realidade abstendo-se de pré conceitos, que se torna possível a atualização das potencialidades rumo ao crescimento.
Com o grande número de atendimentos realizados ao longo desta parceria, foi feita uma pesquisa a partir dos prontuários e registros de evolução dos clientes, percebendo-se quais eram as principais urgências daqueles que buscavam ajuda. Os resultados dessa pesquisa foram apresentados no I Congresso Catarinense Psicologia Ciência e Profissão: Desafios e Possibilidades realizado em 2011.
Neste espaço foi notório o despertar de uma curiosidade crescente em relação aos trabalhos apresentados sobre a Abordagem Centrada na Pessoa. Dois mini-cursos foram ministrados, um apresentando o Plantão Psicológico e outro a intervenção em momentos de Perda e Luto, além de um pôster que trazia o panorama da ACP em Santa Catarina e quatro comunicações orais, que traçavam as associações entre ACP e políticas públicas, psicologia hospitalar, elaboração de luto, temáticas freqüentes nos atendimentos de plantão e um relato de experiência de psicólogas plantonistas.
Nos resultados da pesquisa apresentados no Congresso, pôde-se constatar que as 164 pessoas atendidas no serviço em um período de três meses buscaram auxílio, principalmente, pela dificuldade na educação de seus filhos, seguida pelas dificuldades decorrentes de processos de perda e luto. Houve também pessoas com dificuldades relacionais com pais, cônjuges e amigos e aquelas que foram diagnosticadas com psicose ou outros tipos de adoecimento.
Aprofundando ainda mais a compreensão das urgências das pessoas atendidas, pôde-se identificar que, por mais que os temas dos pedidos de ajuda variassem, como descritos acima, havia um foco nas dificuldades relacionais que esses temas traziam e o no sofrimento que isto causava. As pessoas procuraram ajuda psicológica para falar de suas dificuldades nas relações e não para tratar os adoecimentos em si.
As dificuldades nas relações, por sua vez, eram decorrentes da minimização do potencial do outro ou da supervalorização desse potencial. Desta distorção perceptiva e compreensiva das relações surgiam as expectativas e as frustrações que traziam o sofrimento e, muitas vezes, o adoecimento propriamente dito.
Considerando os dados apresentados e a compreensão que se desenhou a partir disso, o Espaço Viver Psicologia, que já oferecia atendimento psicológico individual, começou a elaborar também a construção de grupos psicoterapêuticos, grupos de orientação aos pais, e grupos para auxiliar na elaboração de perdas e luto.
Ao longo dos atendimentos, mais elementos da realidade foram se configurando. Algumas das pessoas passaram a ser encaminhadas pelos médicos para avaliações psicológicas, especificamente, recebeu-se pedidos de avaliação psicopedagógica e neuropsicológica. Foi necessário desenvolver um jeito experiencial de realizar tais procedimentos, sem perder de vista as atitudes pilares da ACP e o potencial da pessoa atendida. Desta forma, o serviço de avaliação psicológica começou a ser oferecido e está, no momento, em processo de ampliação da sua implantação.
Aos poucos, de acordo com as possibilidades trazidas pela realidade, o Espaço Viver Psicologia foi desenvolvendo atividades para cumprir seu compromisso com a ACP dentro do Estado de Santa Catarina, o de difundir seus conhecimentos e assim consolidar a Abordagem Centrada na Pessoa no contexto da saúde de forma ampliada.
O movimento do desenvolvimento do Espaço Viver Psicologia expressa em si mesmo um processo de atualização constante, atento ao movimento da tendência formativa expressa na realidade. O desenvolvimento da ACP no contexto da saúde também pode ser compreendido e realizado através da atualização das potencialidades desta Abordagem, não a restringindo ao contexto psicoterapêutico tradicional. É preciso apenas estar atento as possibilidades que se apresentam, para que se amplie, cada vez mais, as possibilidades de atuação e expansão da ACP, em lugares onde ela ainda não se inseriu.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo de todo o processo de implantação e ampliação dos serviços prestados pelo Espaço Viver Psicologia no contexto da saúde, pôde-se perceber que esse jeito de ser, centrado na pessoa, permite uma percepção apurada da realidade apresentada, o que favorece a consolidação de relações que possibilitam constante crescimento. Esse crescimento transcende o despertar, já mencionado, do crescimento pessoal na relação cliente e psicoterapeuta. Pôde-se constatar que, em qualquer relação estabelecida pautada no jeito de ser proposto pela ACP, desencadeia-se intenso crescimento e atualização de potencialidades, seja nas relações psicoterapêuticas, interpessoais, empresariais ou acadêmicas.
A caracterização das urgências psicológicas das pessoas atendidas em Plantão Psicológico veio a confirmar o sentido deste tipo de serviço, que talvez não seja tratar os problemas em si, mas ampliar recursos para lidar com essas questões nas relações. Além disso, esses resultados também confirmam a concepção de Rogers de que a principal dificuldade da humanidade está na forma como as relações humanas se estabelecem.
Ainda que os resultados iniciais desta modalidade de atendimento psicológico sejam estimulantes e confirmem a potencialidade da ACP para lidar com o sofrimento humano, sentimos necessidade de continuar pesquisando e criando conhecimento a cada obstáculo que encontramos. Sabe-se do desafio de estar aberto às realidades que se apresentam como provocadoras de mudanças teórico-técnicas e metodológicas.
Considerando que há algum tempo a ACP era pouco falada no Estado de Santa Catarina, percebe-se que a utilização da postura proposta por Rogers, em diversas situações que se diferenciam da relação de ajuda psicoterapêutica propriamente dita, tem possibilitado a abertura de espaço de produção intelectual e prática nos últimos anos nesse Estado.
A formação de laços entre as empresas que firmaram parcerias com a instituição apresentada nesse artigo se deu de forma estimulante para a utilização das potencialidades da ACP para lidar com as relações que se apresentam, sem perder de vista a necessidade de continuar pesquisando e criando conhecimento a cada obstáculo encontrado.
REFERÊNCIAS
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WOOD, J. K. et al. (Orgs.). Abordagem Centrada na Pessoa. Vitória: UFES, 2008. [ Links ]
1 Doutorado em Psicologia, Professora e supervisora da Universidade Estácio de Sá, RJ
2 Mestre em Educação, Responsável Técnica, coordenadora de curso, professora e supervisora do Espaço Viver Psicologia, SC
3 Especialista Clínica em Psicoterapia na Abordagem Centrada na Pessoa
4 Formação em Psicoterapia na Abordagem Centrada na Pessoa pelo Centro Catarinense de Psicologia Humanista - Espaço Viver Psicologia
5 Formação em Psicoterapia na Abordagem Centrada na Pessoa pelo Centro Catarinense de Psicologia Humanista – Espaço Viver Psicologia (Em andamento)