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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.4 no.1 São Paulo jun. 2012

 

ARTIGO

 

 

Digressões homossexuais notas antropológicas sobre coming out, Ethos LGBT e Bajubá em Belém - PA

 

Homosexual digressions anthropological notes on coming out, Ethos LGBT, and Bajubá in Belém

 

 

Mílton Ribeiro da Silva Filho; Carmem Izabel Rodrigues

Universidade Federal do Pará.

 

 


RESUMO

Neste trabalho fiz considerações acerca da construção de identidade LGBT, do uso e apropriação do bajubá, da "política do armário" e da fechação como forma de construção do ethos homossexual. Utilizei a etnografia com o objetivo de construir uma análise centrada na dinâmica dos indivíduos com um aspecto da linguagem, neste caso, com o bajubá. Escolhi realizar entrevistas não estruturadas e observação participante com o objetivo de estabelecer uma conexão entre as referências simbólicas e a realidade prática do indivíduo homossexual, analisando o "armário" a partir da experiência vivenciada em Belém. Verifiquei que a utilização do bajubá compõe parte do coming out e que serve de elemento agregador nos momentos de sociabilidade.

Palavras-chave: homossexualidade; coming out; bajubá.


ABSTRACT

In this work I have made considerations about the construction of LGBT identity, use and appropriation of bajubá, the "politics of the closet" and fechação as a way of building the homosexual ethos. I have used ethnography in order to build an analysis focused on the dynamics of individuals with an aspect of language, in this case, with the bajubá. I have chosen to work with non-structured interviews and participant observation in order to establish a connection between symbolic references and the practical reality of the homosexual person, looking at the "closet" from their experience in Belém. I have found the use of bajubá composes part of the coming out and it serves as an aggregator in moments of sociability.

Keywords: homosexuality; coming out; bajubá.


Resumen

Este trabajo hice consideraciones sobre la construcción de la identidad LGBT, uso y propiedad de Bajuba, la "política del armario" y fechação como una manera de construir el ethos homosexual. Puedo usar etnografía con el fin de construir un análisis dinámico centrada en personas con un aspecto de la lengua, en este caso, con Bajuba. Decidí realizar entrevistas no estructuradas y observación participante con el fin de establecer una conexión entre las referencias simbólicas y la realidad práctica de la homosexualidad individual, analizando el "armario" de la experiencia vivida en Belén comprobado que el uso de Bajuba compone parte de la salida que viene y que sirve como los momentos agregador de sociabilidad.

Palabras clave: homosexualidad, saliendo; bajuba.


 

 

Introdução

Este trabalho teve como base uma incursão etnográfica, realizada nos anos de 2007 e 2009, na cidade de Belém, a partir das técnicas de observação direta e participante e da realização de seis entrevistas no estilo história de vida, com o objetivo de: compreender as rotinas e atividades cotidianas dos interlocutores, as representações acerca da homossexualidade: absorver e entender um léxico particular, o bajubá, que faz parte de um processo de sociabilidade e de formação de identidades lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), que ajuda nas performances pela cidade, esta o locus privilegiado para a disseminação desta gíria urbana, entendendo-a como forma ritualística de aceitação aos grupos/pares de iguais.

Os estudos sobre sexualidade na Amazônia, nas últimas duas décadas, revelam avanços pontuais para os entendimentos e construções de saberes sobre as sexualidades, principalmente sexualidade que escapam à heterossexualidade e/ou identidade de gênero que se performatizam fora do binário masculino e feminino, como os trabalhos sobre travestilidade e transexualidade. Porém, numa comparação com a produção do eixo sul-sudeste, as produções da região Norte encontram-se localizadas na Universidade Federal do Pará.

Na década de 1970, a cidade de Belém serviu de campo para o antropólogo inglês Peter Fry (1982) enxergasse as relações entre os cultos afro-brasileiros e a homossexualidade masculina; estas ajudaram na construção analítica de um dos principais paradigmas da teoria construtivista da (homo)sexualidade no Brasil: os modelos hierárquico e igualitário. Nesta chave de análise, as relações entre os homens no norte do país seguiriam uma linha em que as relações de gênero atravessariam a relação sexual e/ou identidade sócio-sexual dos participantes de uma relação homossexual dependendo da posição adotada no ato sexual, ou seja, "homens de verdade" poderiam "comer" as "bichas" sem que sua masculinidade fosse posta a prova, isto demonstraria a influência das convenções sociais de gênero na construção da identidade homossexual nesta parte do Brasil. De maneira diferente, mais ao sul do país, os homossexuais tenderiam a se comportar, por estarem em contato com um ideal moderno e individualista, de maneira mais igualitária, não importando mais a posição que assumiriam no ato sexual, mas o sexo do parceiro, ou a identidade sócio-sexual, ou a identidade de gênero do mesmo.

Depois de um hiato de quinze anos, desde a pesquisa de Fry, no final da década de 1980, é realizada uma etnografia pela antropóloga Telma Amaral Gonçalves (1989), estudante do curso de Ciências Sociais à época, acerca das representações, do preconceito e discriminação contra homossexuais na capital paraense; sendo escrita numa época em que os homossexuais ainda sofriam com o atrelamento à chamada "peste gay" (AIDS), que estigmatizava e marcava as pessoas que mantivesse relações afetivo-sexuais com outras do mesmo sexo.

Este trabalho é, sem dúvida, um libelo da representação da homossexualidade em Belém. Este trabalho continua seguindo as atuais discussões sobre homossexualidade, no qual os dois trabalhos anteriores podem ser inseridos, portanto, optei neste texto por abordar o tema a partir da construção de identidades, ou de processos de subjetivação ou construção de si (numa perspectiva foucaultiana), da "política do armário" como forma de agenciar essa "sexualidade dissidente" e da observação da linguagem, neste caso, do uso de bajubá, como forma de positivar e driblar a heteronorma.

Primeiramente, faço algumas considerações sobre as perfomances e relações de gênero e a homossexualidade em Belém, mantendo o foco na construção destes marcadores nos sujeitos pesquisados a partir da apropriação do bajubá (este aparecendo como apoio desse constructo identitário), ou seja, explicando de que maneira o uso intensivo de uma linguagem acaba influenciando no processo de identificação do sujeito individual e sua relação com a comunidade LGBT. Segundo, privilegiei a discussão acerca da política do armário, as formas que estes sujeitos encontraram para estabelecer formas de publicidade de suas orientações sexuais, com o objetivo de entender como esses sujeitos desviam-se das convenções de gênero, buscando na linguagem o diferencial que faltava na busca pelo rompimento do ethos convencional. E, na parte final, proponho uma breve reflexão sobre as identidades homossexuais em Belém, as formas como elas acabam sendo incorporadas pela sociedade.

Isto posto, no quadro abaixo, demonstro o perfil do grupo pesquisado, composto por seis homens, com idade entre 16 e 26 anos, moradores da área metropolitana de Belém, em bairros da periferia. No que diz respeito à pertença de cor/raça, todos se auto-atribuíram a cor branca. No que refere o nível de escolaridade, somente um concluiu o ensino superior completo, um o está cursando, três possuem o ensino médio completo e um ainda o cursa. Quanto as formas como descreveram sua orientação sexual, eles assim se consideram: "homossexual" e "gay"; mas que em outros momentos, também, acabavam se considerando "bichas". A "juventude" era o estágio pelo qual estão passando, de acordo com as entrevista, mas que não serão consideradas neste trabalho.

 

 

 

Algumas notas sobre as relações e perfomances de gênero e a homossexualidade em Belém-PA

As considerações de Bourdieu1 (2007) já apontam para o fato das mulheres, ao longo da história, terem padecido pela dominação masculina. E o esquema sinóptico bourdiesiano, como possibilidade de análise das relações hierárquicas de gênero, com base no feminino como "gênero diminuto", de compreensão do modelo universal de dominação masculina, onde o ethos políticocultural está assentado no ideal falocêntrico, ajuda a elucidar o fato de que a construção da invisibilidade por que passaram as mulheres, não só no convívio sócio-cultural, mas também no campo científico foi/é uma construção, também.

Um dos meus entrevistados aponta para o modelo de educação familiar no qual foi socializado e nos ajuda a refletir sobre o modelo hegemônico de masculinidade (e da heterossexualidade compulsória), enquanto extensão/padrão universal na nossa sociedade, que acaba construindo modalidades de experiências para serem vividas distintamente entre meninos e meninas e que apareceria como uma das causas da dominação masculina e que nossa prática cultural acaba ditando como norma, regra, conduta oficial (Butler, 2003; Bourdieu, 2007).

As considerações da entrevista, a seguir, apontam para um tipo de tratamento diferenciado que é colocado para as crianças, onde os meninos devem externar uma virilidade e as meninas são direcionadas ao comedimento, à docilidade.

Quando a gente ia brincar pra rua lá em casa tinha esse lance de homem não chora, briga na rua, bate, nunca apanha e se apanha na rua, apanha em casa também. E quando a brincadeira era dentro de casa, no quintal, somente as meninas podiam brincar de boneca, de casinha, dessas coisas de mulher. Então quando tinha que brincar com meus primos, vizinhos, amigos e mesmo quando os meninos iam brincar ele tinha que ser o pai, o filho, nunca a mãe, pois não podia, né? (XY1, 16 anos, 18/09/2009).

Como notamos, há uma diferença no tratamento dado às crianças, que são divididas entre meninos e meninas, e que faz com que se inicie um processo de hierarquização nas relações de gênero e comece o processo de assimilação da performatividade e da performance atribuídas a cada gênero, pautadas em estruturas binárias e excludentes, porém, é importante ressaltar que essas inteligibilidades, que pressupõem uma heterossexualidade, encontram assento na construção cultural do indivíduo em sociedade (Butler, 2003).

Meu intento, neste momento, não é fazer uma longa explanação sobre os conceitos acerca das relações de gênero, mas demonstrar que as práticas discriminatórias sobre a homossexualidade estão assentadas tanto em uma clara distinção entre os gêneros (e a perpetuação da mesma através das práticas e ligações com certa natureza distintiva entre eles), onde o masculino ocupa uma posição superior nesta hierarquia, quanto na impossibilidade de se pensar uma relação de amizade entre pessoas do mesmo sexo (Foucault, 2008 [1981]).

No ano de 1974, quando o antropólogo Peter Fry veio a Belém e conviveu nos meios homossexuais da cidade e, após as quatro semanas e meia de permanência, escreveu um breve artigo, considerado hoje como um dos trabalhos pioneiros sobre a homossexualidade no país, fazendo uma relação entre a homossexualidade masculina e os cultos afro-brasileiros. A partir deste momento foram estabelecidas, em nível analítico, bases que, ainda, perduram na compreensão do comportamento homossexual masculino (Fry, 1982; Fry 1983). Os tipos dicotômicos descritos por Fry (1982) como bicha e bofe assentam, em si mesmos, reflexos marcados pelas performances e relações hierárquicas de gênero, presentes na sociedade brasileira, onde o primeiro acaba por ser ligado ao feminino, sendo passivo na relação, manifestando trejeitos afeminados e, até mesmo, querendo ser mulher, enquanto que o segundo continua a se comportar como "homem de verdade", mantém seu papel ativo e rejeita ser classificado como homossexual.

Alguns reflexos das considerações feitas acima, ainda, podem ser sentidos, pois quando questionado sobre sua orientação sexual (auto-atribuído) um de meus informantes2 deu a seguinte declaração:

Pode até tá na cara que eu sou gay, mas as pessoas geralmente gostam de dizer homossexual, entendido, elas querem te agradar e acaba que é sempre aquela coisa de que homossexual é o seu filho e gay é o filho do vizinho, pois a bichinha nunca é aceita, sempre são discriminadas. E isso deve ser pelo fato de que muitas querem ser mulher, querem virar mulher (risos) (XY6, 26 anos, 26/09/2009).

O indivíduo homossexual aparece, neste caso, hierarquizado dependendo do indivíduo que "acusa", uma vez que no discurso deste entrevistado surgiram quatro categorias de definição da identidade gay, e que estão colocadas como pares distintos: o "homossexual" ou "entendido" como a identidade aceita e o "gay" ou "bichinha" como a identidade deteriorada, dissidente, portanto, não-aceita, pois para este entrevistado o querer ser mulher, querer virar mulher é algo que estaria fora da condição homossexual, ilustrando que sua posição na hierarquia das relações de gênero e da sexualidade estaria um pouco abaixo, ou fora, das características que as localizariam como "homossexual".

 

Identidade(s), sociabilidade(s): conflitos e soluções

Durante as entrevistas notei certa "fluidez identitária" entre os participantes, pois na medida em que algumas considerações acerca de suas orientações sexuais eram escamoteadas ou negligenciadas, nos acontecimentos importantes narrados, e quando era por mim percebida, tentava fazer com que eles me dissessem o motivo do "deslize" (de encobrir, por exemplo, que era gay) e a partir desses pontos percebi que as considerações de Woodward (2007) sobre identidades se mostram pertinentes, pois

A complexidade da vida moderna exige que assumamos diferentes identidades, mas essas diferentes identidades podem estar em conflito. Podemos viver, em nossas vidas pessoais, tensões entre nossas diferentes identidades quando aquilo que é exigido por uma identidade interfere com as exigências de uma outra (p. 31)

Neste complexo jogo de identidades, em que aparece para alguns sujeitos, como os dessa pesquisa, a difícil tarefa de ocultamento de uma identidade estigmatizada pela sociedade, como a belenense, por exemplo, e que a isso acarretem uma série de tensões pessoais, familiares, profissionais, etc. que advém do propósito de sombreamento da homossexualidade, percebe-se, claramente, na autora acima, a proposta de afirmação de que a "cultura molda a identidade" (Woodward, 2007, p. 18).

Ainda que, nesta seção, pretenda discutir a formação de uma identidade homossexual em Belém, reitero que meu propósito, também, é verificar a "política do armário" enquanto elemento na constituição desta identidade (a partir de permutações, negociações, acertos, comedimentos, silêncios, ocultações, omissões e etc.), porém farei brevemente nas seções seguintes. E parte de uma das entrevistas, transcrita abaixo, ajuda a desenvolver, em parte, meu raciocínio:

Sempre soube que gostava de meninos, mas eu acabei negando pra todo mundo até que me apaixonei pela primeira vez, quando eu tinha uns 17 anos, por um menino que conheci na boate [...] fui lá com amigos e lá descobri que eu era gay [...] tinha muita gente, todo mundo se pegando, beijando pra todo mundo ver [...] e depois só namorei com homens (XY5, 24 anos, 09/10/2009).

Neste trecho, percebemos que não existe diferença conceitual entre as categorias "gay", "homossexual" ou outra qualquer para este informante, tendo ele o entendimento de que manter um relacionamento afetivosexual com outro homem é, portanto, o que o caracterizaria como gay. Mas, também, o que visualizo nesta parte é a percepção que ele faz da sua própria sexualidade a partir do contato com uma rede de amigos, que acabam por levá-lo à boate, e a experiência um tanto essencialista da percepção de sua orientação sexual: que "sempre soube que gostava de meninos"; como se aquilo fosse parte de uma natureza latente; onde a "descoberta" só se deu mediante a apresentação a um público, comunidade ou população3 gay.

Contudo, a homossexualidade transcende o âmbito das relações afetivosexuais posto que, de certa forma, acabou se transformando em elemento crucial no processo de subjetivação, na sociabilidade e na constituição de um mercado de bens simbólicos (Foucault, 1997; Bourdieu, 2001). E isso acaba fazendo com que a sexualidade seja considerada como parte do processo de subjetivação, por isso, talvez, ganhe importância acentuada na sociedade moderna e seja referência na identificação dos sujeitos, de acordo com Foucault (1997).

Apesar de não querer pautar, nesta discussão, o caráter essencialista da homossexualidade e, em via disso, de uma identidade homossexual pura, visto que ela não existe, pois as "identidades sexuais também estão mudando, tornando-se mais questionadas e ambíguas, sugerindo mudanças e fragmentação que podem ser descritas em termos de uma crise de identidade" (Woodward, 2007, p. 31), tenho que fazer referência às proposições de Hall (2006) sobre o declínio das velhas identidades e que faz surgir novas identidades, fragmentando o indivíduo moderno, pois essa "crise de identidade" é um processo amplo de mudanças, que acaba deslocando as estruturas e processos centrais da sociedade moderna.

E mesmo que a vida na metrópole possibilite um afastamento dos/das indivíduos/pessoas, como acentua Simmel (1979), com a atitude blasé, especificando que não podemos interagir emocionalmente com todas as pessoas, mas indo além desta caracterização, percebo que a cidade proporciona uma espécie de solidariedade, muito próxima do tipo proposto por Durkheim, como orgânica, em que: propicia uma interdependência entre corporalidades, vivências, atitudes, linguagens, etc.

Hodiernamente, acaba por ocorrer uma modificação nas formas de sociabilidade, que passaram a ser fluidas, divergindo das formas tradicionais, que tendiam a ser mais estáveis, sendo aquelas consideradas mais "abertas e movediças", pois na modernidade, os sujeitos acabam desempenhando uma grande diversidade de experiências, podendo pertencer a uma ou mais coletividades, simultaneamente ou não, isto é, acabam por vivenciar várias identidades (Simmel, 1983).

O pertencimento e/ou a construção da identidade homossexual não estaria no conteúdo da relação, na satisfação de interesses, mas na própria relação, ou seja, no campo da sociabilidade, do estar junto, estabelecendo laços, pois tem em si mesmo a sua razão de ser, o fortalecimento de uma rede homossocial (Guimarães, 2004):

Os momentos em que estou com meus amigos é pra me divertir. Sempre que encontro com eles conversamos sobre ocó, roupa, festa, música, essas conversas de bichas [...] [mas] nas boates quase não dá pra conversar porque é muita cassação, muitas linhas e porque o som atrapalha um pouco, é muito alto (XY2, 21 anos, 26/08/2009).

Portanto, se não existe outro tipo de interesse, além da própria relação, para que ela continue existindo é preciso que se estreitem os laços. E Simmel (1983) acredita que a realidade social só existe porque existe conflito, pois se as tensões estão presentes em todas as esferas (individual, grupal e social), bem como entre as esferas, então, a investigação do processo de construção da intersubjetividade no mundo da vida cotidiana, seja na busca das formas da interação na sociedade, a matéria da sociação deve ser buscada nas relações entre os sujeitos.

... e pitadas de bajubá

Durante a pesquisa, percebi que o bajubá é parte de um processo criativo, tão somente incorpore uma série de palavras de línguas alienígenas, como as provenientes do Iorubá-Nagô, do francês, do inglês, quão esteja atrelado ao uso performático que a linguagem acaba acarretando, ou seja, faz parte de um constructo da identidade homossexual, como observei, pois ele também aparece como instrumento da sociabilidade, conectando pólos distintos, ou seja, relacionando duas categorias que não se excluem, mas que por vezes aparecem como, essencialmente, dicotômicas: a casa e a rua (Pelúcio, 2007; Silva Filho e Palheta; 2008).

Embora, em momento anterior4, tenha atentado para o fato de que é no espaço da rua em que o bajubá é falado, trago à discussão o conceito de "pedaço", descrito por Magnani5 (1998), e que em Pelúcio6 (2007) e Rodrigues7 (2008) aparece como suporte às suas etnografias realizadas em espaço urbano, como o espaço de interseção entre o público e o privado, uma vez que esta linguagem (e sua performatividade), também, pode remeter a um continuum públicoprivado (ou porque não dizer um continuum folk-urbano8) quando notei a disseminação do bajubá, através repercussão das Paradas do Orgulho em todo país, nas entrevistas de (tele)jornais, na mídia eletrônica, na presença de personagens gays em novelas, séries de TV, programas humorísticos, etc., ou seja, algumas palavras do bajubá fazendo parte do cotidiano do "mundo heterossexual".

Enquanto suporte às identidades LGBT, o bajubá, acaba encontrando possibilidade na difusão que acontece no meio gay ou no uso do "pedaço" gay: onde o código, que deveria ser restrito somente àqueles que vivenciam a homossexualidade ou àquele que está inserido no "gueto" gay, como as mulheres heterossexuais, por exemplo, é o grande responsável pela sociabilidade, pelos encontros com amigos, pela pegação (que neste caso acontecerá, por vezes, preferencialmente, com quem não fala o bajubá9).

E fazer parte de uma comunidade LGBT, do "pedaço" homossexual, por exemplo, traz conseqüências, seja na luta por manter o código em sigilo, o mais que puder, seja "comprar", "usar" e "difundir" (entre os iguais) as muitas palavras e performances, ou seja, expandir o bajubá, porém, com ressalvas:

Quando minha mãe me viu conversando com um amigo lá em casa, depois, numa outra conversa, disse que não tinha entendido nada do que eu tinha falado [...] ela tinha escutado a gente falar bafon10, ocó11, neca12, num sei direito... mas eu disse assim: "não era pra entender, porque se fosse [eu] não usava o bajubá [...] e depois, mais tarde, eu tive que dizer o que era o bajubá (risos) [...] mas não disse tudo, algumas coisas eu ensinei errado (risos) (XY6, 26 anos, 26/09/2009).

E o que antes se encontrava cercado por uma aura privada e de culto começou a ser utilizado no espaço das ruas, entre as travestis (Pelúcio, 2007; Folha On-Line13, 2006), as drag-queens (Souza, 1997), portanto, afastando-se da configuração religiosa "original"; assim sendo, a presença constante de homossexuais nos terreiros de umbanda em Belém (Fry, 1982), levou a uma transposição do caráter litúrgico e ritualístico para uma configuração mais "profana": o uso da língua-de-santo no seio da comunidade gay.

Mas a glossolalia14 que é o bajubá, no qual a entrevista acima deixa claro, quando aparecem palavras que antes faziam parte de outro repertório, como é o caso da palavra "bafon" (do francês bas-fond), com significação diferente da percebida no bajubá: no primeiro caso, significa "baixo", "baixio" e que, também, está relacionado às classes baixas, na França; e no segundo caso, significa "1. Lugar do babado; 2. Caso amoroso e/ou sexual; 3. Briga; escândalo; faniquito; piti" (cf. Aurélia, 2006?), "acontecimento, algo muito importante" (cf. Silva Filho e Palheta, 2008).

 

A (micro) política do armário: reflexões de si

Quando iniciei a série de entrevistas que comporiam este trabalho já tinha, mais ou menos, uma idéia do que estaria por vir quando abordasse o coming out, pois o tema do "armário" é constante nas conversas entre pessoas LGBTs, uma vez que em várias situações há alguém apontando para uma "evidente" homossexualidade do outro. Então, o "sair do armário" serviu-me como reflexão acerca da normalidade da conduta heterossexual e de acordo com Spargo

Declarar-se fora do armário da sexualidade escondida pode ser uma liberação pessoal, mas implica reconhecer a centralidade da heterossexualidade, assim como reforçar a marginalidade daqueles que ainda estão dentro do armário. Em suma, é impossível mover-se inteiramente por fora da heterossexualidade (2006, p. 43).

E, então, encontro em uma de minhas entrevistas a seguinte declaração:

Continuar a agir como homem é muito difícil para o gay, pois existe muita cobrança, se ele não for assumido [...] tem que namorar uma menina, ter filho, mesmo que seja novo [...] procurar lugares [bares e boates] em que não vá ninguém conhecido, para poder continuar viçando... (XY4, 22 anos, 10/08/2009).

Neste ponto, vemos incerteza na distinção entre alguns marcadores, como os de gênero e sexualidade, pois Spargo (2006) refere-se a uma saída do armário no que tange à orientação sexual e XY4, acima, faz uma ligeira "confusão" entre performance de gênero, que ligaria a um tipo específico de agir masculino, e a orientação homossexual, que teria conseqüências negativas caso esta pessoa não fosse assumida, como exemplo a perda da credibilidade familiar ou a "ameaça de perder certos privilégios que a posição que ocupam na hierarquia das sexualidades lhes proporciona" (Saggese, 2006, p. 35).

O que nos faz lembrar das considerações de Fry (1982) e Perlongher (1987) sobre os tipos descritos como bofe e michê15, que mesmo mantendo relações homoafetivas mantêm "coerência" com o sexo biológico. Além de outra categoria aparecer como demarcadora na assunção da sexualidade, pois o ato de "viçar16" determinaria o sujeito homossexual, haja vista sua orientação estar voltada para pessoas do mesmo sexo e precisar ser ocultada. É como se, nos dizeres de Foucault (1997), existisse um tipo homossexual, uma espécie, que necessitasse ser revelada e acusada (e até mesmo estudada) e que tivesse que sobreviver e ser vivenciada no anonimato, se não fosse respeitado o coming out.

Em outra entrevista encontro uma motivação para uma "saída ostensiva do armário", pois, de acordo com XY3 (19/09/2009), "os amigos são os que mais te influenciam a frescar, dar close" e que, portanto, seriam parte de uma rede de apoio em caso de "alguma coisa dar errada", mas que também ajudam a aprender o bajubá, protegem de confusões e disseminam as fofocas, portanto, a rede homossocial serviria de apoio à performance "fora do armário".

Quando fiz referência ao comportamento dos familiares, com relação ao comportamento "diferente" que eles eventualmente poderiam manifestar em casa, como a presença de amigos, a ida às boates, à parada, que de certa forma os ligariam ao mundo gay, a totalidade respondeu que alguém da família tinha conhecimento de seu "gosto por homens" (uma prima, irmão ou mãe), pois, de acordo com eles, algumas características que os identificariam como gays estavam presentes desde a infância e que em determinado momento a identidade dissidente necessitava ser revelada, pois

Para chegar em "casa", é claro, era necessário primeiro "sair". Para lésbicas e gays, estar "fora" ou "dentro" do armário tornou-se uma marca crucial de sua política sexual. "Sair do armário" sugeria emergir do confinamento e da ocultação, realizar um movimento do sigilo para a afirmação pública (Spargo, 2006, p. 28).

As reflexões de Spargo (2006) sobre a política do armário trazem contribuições interessantes sobre a maneira como as pessoas identificam-se e escolhem construirse como sujeito político, uma vez que

A diferença mais óbvia entre "gay" e "lésbica" e as antigas categorias existentes era que, ao invés de aceitarem uma posição passiva como um objeto de conhecimento, os sujeitos identificados como gays e lésbicas estavam ostensivamente escolhendo ou reivindicando uma posição. Ser gay ou lésbica era uma questão de orgulho, não de patologia; de resistência, não de autoocultação (p. 25-26).

Ainda que Sedgwick (2007) tenha afirmado ser o problema do armário ou "regime do segredo aberto" um problema associado não somente à homossexualidade, expondo que outros marcadores sociais, também, podem criar "armários", este está ligado às estruturas de poder-saber vigentes em nossa sociedade, que de certa forma estariam atadas a um determinador valor, principalmente moral e religioso, presente na sociedade ocidental moderna.

 

Um pouco de queer, um pouco de camp e muita fechação: minhas impressões

Nas entrevistas que realizei, tentava interpretar as manifestações, sejam linguísticas, corporais e performáticas, à luz das considerações sobre a teoria queer e a estética camp, pois quando perguntava sobre a orientação sexual dos entrevistados, quase sempre depois das respostas ouvia um tipo de referência que não os enquadraria por completo as suas práticas sexuais (ou nas convenções ligadas à sexualidade), descartando, assim, a restrição de relacionamentos afetivo-sexuais somente com pessoas do mesmo sexo.

Um dos entrevistados disse-me:

já namorei meninas, mulher, enfim... Naquela época foi mais por conta da pressão da minha família, dos meus pais, que me pressionavam pra ter uma namorada, porque o meu irmão já tinha tido umas quatro ou cinco e eu [com 19 anos] não havia aparecido com nenhuma em casa [...] Talvez seja por isso que eu, hoje em dia, também me relacione com meninas, mas só em festas, nada de muito sério. É só beijo mesmo! (XY5, 24 anos, 09/10/2009).

A ênfase mostrada por ele de que "também" se relaciona com "meninas" mostra que os relacionamentos são situacionais, pois ocorrem em momentos de festas, de "curtição", não sendo levados adiante por estarem estabelecendo outro tipo referência, que não o referencial homossexual ao qual eles estariam ligados, possivelmente. E é esse caráter transgressor da teoria queer, aliado ao estilo e/ou estética camp, que me parece ser interessante de abordar, pois

O termo descreve um leque diverso de práticas e prioridades críticas: leituras de representação do desejo pelo mesmo sexo em textos literários, filmes, música e imagens; análise das relações de poder sociais e políticas da sexualidade; críticas do sistema sexo-gênero; estudos de identificação transexual e transgênero, de sadomasoquismo e desejos transgressivos (Spargo, 2006, p. 9).

O uso da palavra "também", na entrevista acima, estaria próximo das considerações queer sobre identidade, processo de subjetivação, construção identitária, performance, etc. de que estas são fluídas, mutantes, processuais, não estanques, não estando inseridas num processo taxonomista e/ou esquadrinhador conformado por normas, principalmente as determinadas pela heterossexualidade compulsória, como que as que "delimitam os padrões a serem seguidos e, ao mesmo tempo, [o queer] paradoxalmente, fornece a pauta para as transgressões" (Louro, 2004, p. 17).

Ainda que, de acordo com Silva (1999, p. 107), seja necessária uma atitude queer para que se radicalize o "livre trânsito entre as fronteiras da identidade, [e marque] a possibilidade de cruzamento de fronteiras", isto é, a observância da construção identitária a partir da "hipótese da construção social, [onde] a identidade acaba, afinal, sendo fixada, estabilizada, pela significação, pela linguagem, pelo discurso", pois "não existe identidade sem significação. [E] Não existe [portanto] significação sem poder" (p. 106).

Olhando os dois conceitos – queer e camp – como rompimento com a norma vigente em relação à sexualidade e à identidade de gênero, por exemplo, mesmo que o camp apareça para alguns autores como uma "forma de exagero descompromissado, ingênuo, não intencional, fantástico, apaixonado" (Marques Filho e Camargo, 2008, p. 85), acabo por evidenciar seu caráter de "duplo sentido" livre de considerações não-políticas, não intencionais, visto que adotar a estilo camp como parte do cotidiano é uma escolha, também, política e que, portanto, estaria dentro da atmosfera transgressiva, da "fuga consciente" proposta pelos sujeitos queer.

E é nos espaços de sociabilidade (bares, boates, saunas GLS, etc.), no famigerado "gueto gay", que a fechação pode ser vivenciada plenamente, pois, de certa forma, a rede de amigos, que frequentam estes espaços com um objetivo comum, permite a extravagância, o close, o "aparecer", a exposição e publicidade da homossexualidade. Mais, até, que outros espaços onde a identidade homossexual encontra-se como parte da poluição e da sujeira, do não-lugar ou do "des-lugar", do outsider e aquém do processo civilizador, mas, é claro, que estas categorias acabam não existindo como tipos puros, apenas sendo conclamadas (ou reclamadas) quando se pretende marcar uma distinção entre a normalidade e a anormalidade, sendo, também, parte das relações produtivas de poder-saber e da ordenação/ordem/organização da sociedade17.

Mas como agir, dado que existem instâncias prontas para estabelecer o controle, com relação a gestos e atitudes? A resposta não parece ser simples de responder, mas ensaio breves considerações, a partir desta parte transcrita:

[Milton] É fácil ser gay em Belém?

[XY3] Claro que não, né, mana!? Tem muita mamação, tem muito bu [...] bicha em Belém dá close, mas pena [...] porque a sociedade ainda é muito preconceituosa [...] Lembra do caso dos travestis do Reduto18? Pois é, algumas foram espancadas, levaram porrada mesmo [...] mas se não sofrer, não é viado! (26/09/2009)

A mamação e o bu, integrantes da performance e do fenômeno de acusação, são o reflexo da intolerância pela qual passam os indivíduos homoeróticos: vindo de todos os lados, os insultos, as galhofas, os atos discriminatórios se tornam presentes na maior parte da vida, seja em casa ou na rua:

O preconceito, no âmbito restrito da família, de acordo com os depoimentos, pode manifestar pela intolerância declarada e até culminar na expulsão de casa. Todavia, é mais comum ignorar-se a situação e "fingir que não se sabe de nada", ou diante das evidências, aceitá-la. Esta aceitação, entretanto, exigirá em contrapartida, que o indivíduo se realize, seja no campo financeiro ou profissional, como se atestando sua competência e/ou conformidade aos padrões vigentes em outra área, ele abafasse o seu lado "negativo" e "desviante". Ademais, foi colocado que, mesmo quando há "aceitação" ou "tolerância" por parte dos familiares, sempre há uma esperança de que por algum motivo a situação se reverta e o indivíduos "entre nos eixos".

Diante da situação de preconceito e pressão, ficou constatado nas entrevistas, que os homossexuais se utilizam de estratégias de encobrimento, seja através do escudo da heterossexualidade, saindo com parceiros do sexo oposto ou, no caso feminino, aceitando "cantadas de homens" e, destarte, justificando socialmente sua condição (GONÇALVES, 1989, p. 20-21)

Então, quais as alternativas ao comportamento moralista? E que respostas podem ser produzidas pelos sujeitos que vivenciam essas situações que vão da "intolerância declarada" à tolerância vigiada, ao controle mais direto ou mais sutil de suas escolhas e preferências, enfim, ao risco cotidiano do "segredo aberto" (Sedgwick, 2007) nos diversos contextos de interação familiar e social?

Entre as alternativas possíveis aos indivíduos LGBT, assumir-se pode implicar em assumir a fechação como experiência a ser vivenciada nos mais diferentes espaços, no sentido de produzir uma re-significação do ato de "levar bu", da "mamação"; pode implicar, ao mesmo tempo, em um processo político de reconhecimento da diferença como produtiva (Pierucci, 1999); pode implicar ainda em pensar (e viver) a homossexualidade como uma experiência transgressora e não normatizadora, como pretendeu Foucault (2008 [1981], p. 1), ao dizer que o esforço em "tornar-se" é mais interessante, e por isso mais "perturbador", que o reconhecimento de que somos, pois, para alguns

A afirmação passa pela afirmação da radical diferença dos homossexuais e por marcar nitidamente as fronteiras que os separam dos heterossexuais [...] Eles devem assumir de uma forma agressiva a sua própria condição, devem "fechar" para afirmar o seu direito à livre expressão de seu desejo, não devendo aceitar as regras colocadas pela sociedade heterossexual (Albuquerque Jr e Ceballos, 2002, p. 322).

Fry (1983, p. 101) assim define a fechação: "um tipo de desmunhecação proposital e escandalosa" que os homossexuais utilizam como "forma de humor, expressão de uma identidade grupal e meio de agredir os que têm preconceito antihomossexuais". Acompanhando um pouco deste raciocínio, Pelúcio (2007, p. 162), insiste em que "a estratégia de resistência é justamente a de se agir ao contrário das expectativas sociais"; onde o "grito/escândalo" como estratégia de defesa (como micro-política) passa a "estender o espaço de sua própria abjeção àqueles que comumente as recusam, humilham e oprimem" (Idem, p. 175)

(In)Conlusões

A fechação estaria no âmago do rompimento com as normas, com valores "heterocentrados", ou seja, com o que está posto. Evidenciando o desligamento do indivíduo com o que denomino como "manipulações heteronormativas" e que se assentam nas formas explícitas e implícitas de enquadramento de indivíduos LGBT na norma heterossexualmente compulsória, dando ênfase ao comportamento masculinizado para os homens gays e feminilizado para as mulheres lésbicas, partindo de um entendimento asséptico com relação às ditas "minorias" sexuais e de gênero, neste caso, qualquer indivíduo que fuja do padrão heteronormativo (Butler, 2003).

Em outro momento, Velho e Machado (1977) já haviam alertado para a questão do anonimato relativo na grande metrópole, pois um indivíduo mesmo que em "relativa segurança" está na mira de ser "descoberto" ou "desmascarado", pois os guetos (linguísticos ou comerciais) podem denunciar essa condição "desabonadora", caso seja alvo da curiosidade heterossexual e assim existe uma constante ressemantização das palavras e vocábulos que compõem o bajubá, utilizando esta estratégia como forma de proteção do código lingüístico, da gíria, como forma de torná-la clara apenas para quem faz parte do grupo, do "gueto", da marginália.

Assim, o bajubá (e todo o jogo performático que nele se encerra) acabará sob o signo da acusação, uma vez que sirva para "identificar", para "localizar" o sujeito dissidente a partir de suas práticas sóciosexuais, mediante o poder que outro possui em nomear àquele. E sob o signo da identificação quando o indivíduo utilizá-lo para "sair do armário", para manter-se como parte de um grupo ou para publicizar uma homossexualidade que antes era escondida (e que agora é publicizada e positivada).

Então, neste jogo do armário, o processo criativo ficaria por conta do estabelecimento de novas linguagens e de novas performances e, por que não dizer, de um outro ethos, este ligado a uma performance desafiadora, que cada vez mais ajudará a desconstruir convenções, rompendo os contornos da norma, da estigmatização, e criando sujeitos políticos, de fato.

 

Referências

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Sobre o texto:

Este artigo é uma versão revista do texto apresentado na 27ª Reunião Brasileira de Antropologia (Porto Seguro, 2010).

 

Sobre obre os autores:

Mílton Ribeiro da Silva Filho:
Universidade Federal do Pará,
e-mail: millor_ufpa@hotmail.com.
Doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais,
na área de concentração em Antropologia,
da Universidade Federal do Pará.

Carmem Izabel Rodrigues
Universidade Federal do Pará,
e-mail: cir@ufpa.br.
Doutora em Antropologia,
orientadora e professora do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará.

Recebido em: 10/01/2012
Aceito para publicação: 16/09/2012

 

 

1.Não levaremos em consideração a crítica feminista feita a este trabalho de Bourdieu, pelo menos, não por enquanto.
2. Por parte dos informantes, nos momentos das entrevistas, havia certa preocupação com as respostas dadas, apesar de anteriormente ter-lhes mostrado o projeto de TCC e dizer que os relatos seriam destinados apenas para fins acadêmicos e que suas identidades não seriam reveladas, quase sempre tinham receio de como seriam utilizados os dados colhidos por mim, talvez seja por isso que parte das considerações sobre sua sexualidade às vezes pareça opaco, mas essas são as considerações que fiz a respeito destas questões, sendo passíveis de interpretações outras. E, ao longo do período de convivência, não cansei de expor-lhes quais eram os objetivos da pesquisa e a que fins se destinavam.
3
. Não farei, ainda, as distinções necessárias aos conceitos de referência.
4
Silva Filho e Palheta (2008).

5
Magnani (1998, p. 116) define o pedaço como "espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais e indivudualistas impostas pela sociedade".
6
Pelúcio (2007) esclarece da seguinte forma a apropriação do termo: "Em A casa e a rua, DaMatta estabelece uma triangulação espacial, simbólica e moral entre casa/rua/outro mundo, propondo que estas categorias espaciais estão moralmente opostas. Ainda que não sejam estanques só se definem em oposição umas às outras, ocorrendo o englobamento de um pela outra, mas não o patente trânsito que proponho. Magnani procurou quebrar essa visão dicotomizada de "casa" e "rua" através da idéia de "pedaço" (Nota de rodapé 92, p. 77). 7 Rodrigues (2008, p. 235) diz que são "espaços conhecidos e nominados em um território claramente demarcado e apropriado pelos usuários, lugares de passagem e de encontro entre vizinhos, conhecidos ou chegados".
8 Quando nos referimos à categoria de Redfield (1949) para referendar que o bajubá nasce de palavras de línguas e/ou dialetos tradicionais, como o Iorubá-Nagô, o francês, o inglês, e que são (justa)postas em outro contexto, tendo como novo nascedouro o meio urbano.
9
Isso acontece devido o entendimento, por parte da comunidade, de que quem fala o bajubá é bicha, não homem de verdade.
10 No bajubá significa "Lugar do babado; Caso amoroso e/ou sexual; Briga; escândalo; faniquito; piti" e também "Acontecimento; Algo muito importante".
11 No bajubá significa "homem que faz o papel de ativo"; aquele que é "masculino".
12 No bajubá significa "pênis".
13 http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u 60885.shtml; acesso em 20 dez. 2009.
14
Encarada aqui um pouco diferente do sentido etimológico. Os autores, Fry (1982) e Perlongher (1987) ilustram as performances de gênero presentes nestas duas categorias, indicando que a presença dos traços de masculinidades estão presentes para que se faça existir esses sujeitos.
15
Os autores, Fry (1982) e Perlongher (1987) ilustram as performances de gênero presentes nestas duas categorias, indicando que a presença dos traços de masculinidades estão presentes para que se faça existir esses sujeitos.
16 Palavra do bajubá que designa as relações sexuais ou não ocorridas entre pessoas do mesmo sexo.
17 Douglas, 1991; Augé, 2001; Elias e Scotson, 2000; Elias, 1990; Foucault, 2001; Foucault, 2008; Durkheim e Mauss, 1979.
18 Uma espécie de "limpeza" ocorrida no bairro do Reduto em Belém, em 2009, tendo apoio do aparato policial, os moradores das proximidades dos "pontos" de prostituição disseram que as travestis atentavam contra os "bons costumes da sociedade".