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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.6 no.1 Belém 2014
Artigo
Dinâmica familiar no contexto do paciente oncológico
Family dynamics in the context of cancer patients
Dinâmica familiar en el contexto del paciente oncológica
Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher-Maluschke; Roberta Barreira Massler Fialho; Janari da Silva Pedroso; Jane Alves Coelho; Juniana de Almeida Mota Ramalho
RESUMO
Este estudo analisa a dinâmica familiar do paciente oncológico a partir da revelação do diagnóstico de câncer e da atuação da família, com a análise dos vínculos afetivos e dos estilos da comunicação interpessoal. Trata-se de um estudo qualitativo que envolveu quatro famílias que tinham um membro em tratamento com diagnóstico de câncer. Para a coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada e diário de campo e, optou-se pela análise de conteúdo para a construção das categorias. Os resultados apontam para uma reorganização da dinâmica familiar, comunicação na família, vínculos afetivos e sociais e, reações do diagnóstico no âmbito familiar. A análise envolve as dimensões psicológicas e sociais indicando que a família também adoece junto com o paciente. Deste modo, torna-se necessário que a família e o paciente sejam ajudados para lidarem melhor com a trajetória da doença possibilitando a diminuição do estresse por ela provocado.
Palavras-chave: relações familiares; pacientes de câncer; papéis; comunicação.
ABSTRACT
This study examine the family dynamics of cancer patients from the disclosure of the cancer diagnosis as well as the role of the family inserted, through the analysis of the affective bonds and styles of interpersonal communication. This is a qualitative study involving four families who had a member in treatment with a cancer diagnosis. Semi -structured interviews and field diary were used to collect data, and we chose the content analysis for the construction of categories. The results point to a reorganization of family dynamics, family communication , social and emotional bonds as well as reactions towards the diagnosis in the family. The analysis involves the psychological and social dimensions indicating that the family also gets sick with the patient. Thus, it becomes necessary that family and patient are helped to better cope with the illness trajectory enabling the reduction of stress caused by it.
Keywords: family relations, cancer patients, roles, communication.
RESUMEN
Este estudio analiza la dinámica de los pacientes con cáncer de la familia de revelar el diagnóstico de cáncer y el papel de la familia, con el análisis de los archivos adjuntos y los estilos de comunicación interpersonal afectiva. Se trata de un estudio cualitativo que afecta a cuatro familias que tenían un miembro en el tratamiento con un diagnóstico de cáncer. Para recoger los datos a través de entrevistas semi-estructuradas y diario de campo fue utilizado y optó por el análisis de contenido para la construcción de categorías. Los resultados apuntan a una reorganización de la dinámica familiar, la comunicación familiar, los bonos y las reacciones de diagnóstico en la familia sociales y emocionales. El análisis incluye las dimensiones psicológicas y sociales también indica que la familia se enferma con el paciente. Por lo tanto, se hace necesario que la familia y el paciente debe ayudar a enfrentar mejor la trayectoria de la enfermedad teniendo en cuenta la disminución de la tensión causada por el mismo.
Palabras-clave: las relaciones familiares; pacientes con cáncer; papel; comunicación.
1. INTRODUÇÃO
A experiência com pacientes oncológicos aponta o fato de que o câncer é uma doença comumente associada à dor e ao sofrimento humano. O diagnóstico do câncer repercute às vezes, como uma sentença de morte ou de finitude. Diante disto, os pacientes passam por várias fases com sentimentos diferenciados que atravessam várias etapas, desde o momento de recebimento do diagnóstico, do tratamento, até a sua "cura" ou morte, o que envolve esperança, dor, mutilação, solidão, perdas de situações de vida, e que o paciente deve encontrar mecanismos para se ajustar (Silva & Santos, 2010).
O câncer e as doenças crônicas exigem do paciente, independentemente da faixa etária, do gênero, do grau de escolaridade e da posição socioeconômica da pessoa doente, um processo de adaptação à nova realidade que se estabelece. As mudanças são de naturezas objetivas (as rotinas familiares são alteradas, o paciente é afastado da família para ser hospitalizado) e subjetivas (os limites com que o paciente se depara, o isolamento, o afastamento dos familiares, a interferência no seu relacionamento interpessoal, a socialização prejudicada, as modificações corporais e, consequentemente, da autoimagem e da autoestima) que se instalam no paciente.
As mudanças subjetivas são de profunda repercussão na vida do paciente e que significam, na maioria das vezes, deparar-se com um corpo com poucas possibilidades de movimentar-se. A pessoa passa a ser um corpo limitado, tirado do ambiente familiar para ser posto noutro, totalmente desconhecido e estranho: o hospital. Além de tudo isso, ainda há algo pior: a sensação de perigo, de ameaça do desconhecido (a doença, o hospital, a equipe de saúde) e do medo dos exames dolorosos e invasivos. Contudo, é importante ressaltar-se que tais repercussões na vida do paciente não se devem apenas as que estão com câncer, mas também a todos os pacientes que passam por internações prolongadas e decorrentes de outras patologias.
Observa-se que a depressão acompanhada do diagnóstico do câncer, desencadeia momentos difíceis para o paciente e seus familiares. Tais sinais psicológicos, geralmente, conseguem ser superados com ajuda profissional e que normalmente, não se relatam aos médicos esses problemas, e desta forma, passam desapercebidos ou não são devidamente explorados e cuidados, o que pode causar danos maiores.
As dificuldades no âmbito psicológico são diversas: incerteza sobre o futuro, dúvidas sobre a cura, tratamentos e recidivas; busca por significados que justifiquem o porquê de estar doente, o que fizeram para merecer tais diagnósticos; perda do controle de suas decisões, e em alguns casos a família passa a excluir o paciente de seu próprio tratamento e o estigmatiza.
A compreensão atual do câncer amplia a teoria de que o tratamento pode ser influenciado por fatores psicológicos e emocionais, uma vez que a depressão crônica e o estresse reduzem a reação imunológica (Reiche, Nunes & Morimoto, 2005). Sabemos que o paciente é peça fundamental no seu processo de cura. Para Stolagli, Evangelista e Camargo (2008), a pessoa se apresenta como agente capaz de modificar as qualidades essenciais da sua doença. No caso do câncer, é de suma importância o papel ativo do paciente, pois o bom prognóstico não depende apenas de fatores fisiológicos.
A inferência sobre a doença pode ser feita ao se considerar o comportamento do paciente como um todo e as questões psicológicas e sociais, pois a doença consiste em uma desordem, ou seja, um desequilíbrio de várias funções (Carvalho, 2008). O atendimento profissional de orientação familiar é importante, pois permite trabalhar as percepções da dinâmica familiar antes e após o diagnóstico. Por essa, razão, a interação entre o casal, pais e filhos e irmãos deve ser clarificada e compreendida em um tratamento de acompanhamento psicoterápico (Ambrósio & Santos, 2011).
Na tomada de decisões para o tratamento, a família pode sentir-se com um propósito, adquirir um objetivo e até mesmo esperança para a cura. Quando ocorre um diálogo com o membro doente, a família pode favorecer um ambiente de apoio social ao paciente. Um claro entendimento nas relações familiares faz com que os membros fortaleçam e estreitem seus laços e criem um clima de confiança e tolerância fundamental para promover apoio entre eles. As famílias nas quais certos sentimentos são tabus, como se houvesse uma espécie de pacto familiar para o silêncio e que determinadas informações não podem ser ditas (Bucher, 1986). Este "não-dito" aparece de maneira desordenada quando um membro da família adoece e este se torna motivo de exclusão. A dor e o sofrimento podem levar os membros da família a se isolarem, o que pode advir consequências traumáticas (Primio, Schwartz, Bielemann, Burile, Zilmer & Feijó, 2010).
A família representa importante fonte de informação de estruturação dos vínculos afetivos quanto aos referenciais de apoio e segurança. A família passa a ter um papel ativo e por vezes decisivo na adaptação do paciente. Além disso, constitui-se um sistema de equilíbrio que funciona como uma balança, em que a subtração de um dos pratos ocasiona o desequilíbrio. Isso ocorre quando os limites da doença são impostos, pois é perdido um dos pontos de sustentação, o que ameaça à integridade do sistema familiar (Peres & Santos, 2009).
Segundo Quirino e Collet (2012), tanto a família quanto o paciente sentem com a mesma intensidade o impacto da doença, o que muitas vezes ocasiona alterações psicológicas devido a não aceitação da disfunção. Em razão do significado que a doença tem, a família do paciente oncológico convive com sentimentos diversos que vão desde atitudes de superproteção e demonstração extrema de amor, preocupação e até culpa e hostilidade. Entre as doenças crônicas degenerativas o câncer é que causa maior desequilíbrio emocional no paciente e nos seus familiares (Ferreira, Dupas, Costa & Sanchez, 2010).
O desgaste emocional e a preocupação com tomada de decisões de ordem prática, como manter o funcionamento da casa e as questões financeiras, esgotam psicologicamente seus membros, que, para se poupar nessas questões, bloqueiam o canal de comunicação com o membro doente e estabelece uma distância entre eles. O paciente, então, sente-se ainda mais impotente diante de sua doença e de sua vida quando é posto a parte do seu tratamento (Birman, 1991). Diante da discussão explanada, ressalta-se a relevância desta investigação que tem como objetivos identificar aspectos da organização familiar e verificar as formas de comunicação entre os familiares a respeito da doença e os vínculos afetivos entre os familiares e os pacientes.
Método de pesquisa
Este estudo privilegiou a pesquisa de caráter qualitativo com a participação de quatro famílias que tinha pacientes com diagnóstico de câncer. Os participantes eram provenientes de cidades interioranas do (informação retirada para preservar o anonimato). Trata-se de uma amostra de conveniência sem fins estatísticos. Os participantes foram identificados pelas iniciais: M. A. (feminino, 20 anos, câncer de colo do útero – acompanhantes: tia e cunhado), M. S. (feminino, 65 anos, câncer de colo do útero – sem acompanhantes), M. J. (feminino, 67 anos, câncer de faringe, acompanhante: irmã), J. C. (masculino, 52 anos, câncer de faringe, acompanhantes: esposa e filha).
Para a coleta de dados utilizamos várias fontes de evidências, realizou-se entrevistas com questões abertas para cada participante, sendo duas com o paciente e duas com os familiares que acompanhavam o doente. Ainda, realizamos entrevistas complementares com a equipe de saúde. Antes de abordar os enfermos para as entrevistas, os familiares foram procurados, pois existia a possibilidade de o paciente não ter conhecimento do seu diagnóstico de câncer. Houve uma leitura dos prontuários, para verificação do histórico dos pacientes e da anamnese realizada pela equipe profissional de saúde. Todos os participantes foram identificados como paciente e acompanhante e, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o estudo teve a aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa (informação retirada para preservar o anonimato).
Os profissionais da área da Psicologia do Instituto (informação retirada para preservar o anonimato) acompanharam de perto todos os pacientes estudados, pois, monitoravam as alterações emocionais que as entrevistas poderiam despertar. Também, apoiavam a pesquisa por acreditarem que poderia ser de grande valia para a atuação profissional, pois reclamavam que existiam poucos estudos que se propuseram a destacar a importância do trabalho da equipe de forma avaliativa com a família.
Foram analisados os seguintes instrumentos de coletas de dados/informações:
Estudo dos prontuários: para conhecer a história da doença do paciente, sua evolução cotidiana, o tempo de tratamento e os procedimentos já utilizados.
Entrevista sem-estruturada: buscou-se o significado da convivência dos sujeitos diante do câncer. As entrevistas aconteceram de forma individual e continham perguntas abertas, foram gravadas e transcritas, a fim de colher informações mais profundas dos pacientes. Diário de campo: foram descritas observações feitas pelos pesquisadores no momento em que era realizada a entrevista. Estas anotações levaram em conta os gestos, comportamentos, costumes, ambiente físico, interrupções, conversas informais e tudo o que poderia se somar ao contexto do tema pesquisado e dos outros instrumentos utilizados.
Os dados foram organizados pela análise de conteúdo de Bardin (1977), a criação das categorias de análise deu-se por eixos temáticos organizadas em quatro agrupamentos. Procurou-se respeitar ao máximo o conteúdo e o sentido das falas dos participantes, privilegiou-se primeiramente no agrupamento o sentido semântico das unidades de registro (frases) acrescentadas com as observações do diário de campo. A análise dos dados obedeceu às seguintes etapas: os dados foram transcritos, lidos e relidos, para que fossem organizados a partir dos objetivos do estudo. A organização das grades com as categorias foi definida a partir das entrevistas que foram discutidas com os pressupostos teóricos. As categorias foram submetidas a apreciação de dois juízes que participavam do grupo de estudo e que tinham experiência com o tema e método.
Resultados e discussão
A organização das categorias com as falas das entrevistas têm a finalidade de organizar as informações incluindo seus conteúdos e as características do diálogo. Os dados foram separados em categorias definidas de acordo com unidades de significação para cada situação analisada. A discussão organizou-se em quatro categorias que serão apresentadas e analisadas.
Primeira categoria: Organização e dinâmica familiar
Percebe-se que o diagnóstico de câncer afeta a dinâmica familiar no sentido de que a família, junto ao paciente, necessita de cuidado. A consciência da vulnerabilidade, que atinge o sistema familiar, surge da tomada de consciência da doença, constituindo-se como unidade de significado, que foi observado com as seguintes narrativas dos pacientes e dos familiares acompanhantes.
"Eu me dedico mais a ele" (esposa do paciente J. C.). "Eu (filha do paciente J. C.) gostava da minha rotina de vida". "(...) pra uma pessoa viver numa casa sem ter filho, sem ter emprego, eu não podia ficar bem" (Paciente J. C.).
Os trechos destacados evidenciam uma vivência da doença com impactos no sistema familiar. Ocorre um processo de mudança com a enfermidade. Nesse movimento pode ocorrer uma ameaça a individualidade e à autonomia (Carter & McGoldrick, 1995).
De acordo com as narrativas, observa-se que as mudanças no sistema familiar consistem em um processo centrípeto de socialização com a enfermidade, em que a família toma atitudes que a aproximem do paciente. Há, contudo, processo centrífugo numa das famílias, quando ela se afasta do paciente, o que modifica o relacionamento natural entre eles (Ferreira, Dupas, Costa & Sanchez, 2010). Em outras famílias, os dois processos acompanhados de ressignificação de sentimentos, como o da perda de esperança, da dor, do sofrimento e do próprio conceito de família, favorece mudanças de valores e condutas no núcleo familiar.
Observa-se a percepção que o paciente tem de si antes e depois do diagnóstico. As narrativas dos pacientes e dos familiares mostram que fatores de estresse psicossocial, como ansiedade, raiva, frustração, angústia e depressão afetam o sistema imunológico de modo a desencadear o desenvolvimento do câncer (Ambrósio & Santos, 2011). Essa experiência de enfrentamento à doença pode comprometer as relações familiares, uma vez que, a doença altera o papel social do sujeito enfermo e a dinâmica familiar (Carvalho, 2008).
Com as mudanças decorrentes do diagnóstico do câncer, os pacientes demonstraram carinho e afeto pelos familiares em geral. Há a necessidade de chamar a atenção da família para a sua vivência como enfermo. Segundo Souza e Espirito Santo (2008), a família é a principal responsável pela promoção de conforto e segurança ao paciente, sendo que para os familiares pode ser tão difícil enfrentar o câncer quanto é para o seu ente querido. Um dado que surgiu nas análises sobre as reações provocadas na família pelo diagnóstico- refere-se ao fato de que, em alguns dos casos, é o paciente quem dá suporte emocional aos familiares: "A minha família, ninguém acreditava que eu estava bem" (Paciente M. J.).
Ao se analisar a forma de organização familiar antes da doença pode-se identificar que houve uma valorização do suporte afetivo familiar e que observava a existência do paciente assumir uma postura de submissão e passividade que muitas vezes rompiam sinais de violência já que muitos sentimentos não eram expressados.
"Ele (marido da paciente) chegou em casa me agredindo". (Paciente M. J). "Eu fiquei sozinha". (Paciente M.S). "Eles (filhos) têm que lavar a roupa e passar o ferro". (Paciente M. J.). "Só tem minha irmã que assume por mim" (Paciente M. J.). "Não tem outra pessoa para ficar aqui, nós familiares é que temos que assumir". (Acompanhante irmã de M. J.). "Eu tinha consciência disso, que eu sou (filha do paciente) que vou cuidar (do pai)" (Acompanhante, filha de J. C.).
Percebe-se uma reorganização do sistema familiar, no qual há uma tentativa de se adaptar às mudanças exigidas pelo processo da doença, que demanda novos papéis a serem desenvolvidos (Quirino & Collet, 2012). Há, em um caso, troca de papéis no que diz respeito à responsabilidade financeira, verificou-se também, que a rotina altera de alguns membros familiares. Cheron e Pettengill (2011) assinala que a família e o paciente devem encontrar um ponto de equilíbrio, sendo importante que cada um tenha tempo para resolver suas próprias necessidades.
Segunda categoria: Comunicação e relações de papéis na família
É importante lembrar que os participantes desta pesquisa são, em sua maioria, dos vários municípios do Estado do Ceará, o que justifica o aparecimento, mesmo que em menor escala, de parentes distantes da família externa do tratamento. Isto pode ser verificado com a seguinte afirmação: "O meu cunhado também me deu força" (Paciente).
Quanto aos papéis desempenhados na família devido ao câncer, percebe-se que o papel de uma paciente apresenta caráter organizacional. No processo do adoecer, esta passa a ser excluída da família. Já em outro sistema familiar, o papel assumido pela paciente é o de submissão (Primio, Schwartz, Bielemann, Burile, Zilmer & Feijó, 2010).
Na dinâmica familiar antes do diagnóstico, notou-se a existência de segredos e mentiras. Percebe-se que há uma vivência de mágoas, em que os membros familiares reprimem os próprios sentimentos. Biffi e Mamede (2009) analisa a dificuldade do indivíduo em lidar com seus problemas, e a partir daí, poder a vir desenvolver uma repressão emocional o que dificulta com a doença e com as mudanças de ordens mais variadas, veja as falas abaixo:
"Eu fico me culpando por sorrir" (Acompanhante tia de M. A.). "Se a pessoa me fizer raiva, fico guardando". (Paciente M. A.). "Não conversamos sobre isso" (Paciente M. S refere-se a retirada do útero).
Os segredos na família podem ocasionar dificuldades nos vínculos pessoais e criar tensões desnecessárias. Antes do diagnóstico, é importante salientar que os vínculos familiares recorrem aos segredos de família, que podem ser fatos ou fantasias onde circulam o discurso familiar, definindo seus comportamentos e atitudes. Estes acontecimentos, quando guardados por um tempo, produzem sentimentos contraditórios, como amor e ódio, ciúme e rivalidade, o que forma, fantasias que não conseguem ser expressas, tornando-as segredos (Pincus & Dare, 1981).
É relevante destacar que em um dos sistemas familiares analisados neste estudo identificamos que a ausência do diálogo faz com que o paciente passe pelo processo da doença de maneira isolada, em que a vivência de seus próprios medos e sentimentos não é compartilhada com a família (Carvalho, 2008).
Terceira categoria: Vínculos afetivos e sociais
O medo do desconhecido interfere na segurança emocional do paciente, uma vez que a ansiedade gerada por uma mudança na vida normal reflete diretamente no seu autoconceito e na autoimagem. Diante deste desconhecido, o médico torna-se um referencial e fonte de esclarecimento e suporte (Trincaus & Corrêa, 2007).
"Estou na expectativa esperando o que médico vai dizer". (Paciente M. A.). "Ela é aquela irmã que uma só conta com a outra" (Paciente M. J.).
O paciente, ao vivenciar o tratamento, também toma consciência da sua vulnerabilidade, pois, com a hospitalização, enfrenta solidão e medo da perda do autocontrole, de dependência física e de dar trabalho à família, além da própria morte.
"Eu não estava louca, eu estava com raiva". (Paciente M. A.). "Se o meu marido tivesse me aceitado hoje eu estava melhor de vida". (Paciente M. J).
Depois do diagnóstico, o diagrama de significação revela que os vínculos afetivos se fortalecem, principalmente quando o membro familiar toma consciência de que a trajetória da doença se direciona de forma mais intensa para o estágio final- a morte (Ambrósio & Santos, 2011).
"Quando o sofrimento dela diminui, o nosso diminui também" (Acompanhante irmã de M. J.). "(...) é pesado, muito difícil ficar ao lado do mau hálito (...) faço tudo isso" (Acompanhante, esposa de J. C.).
Nas narrativas ficam evidentes que os membros da família possuem pouca esperança que os pacientes sobrevivam, e, por isso aguentam o mal-estar provocado pelo mau hálito do marido. Acredita que o paciente não resistirá a doença por muito tempo. Trata-se de um luto antecipatório, em que um membro passa a se dedicar mais como se aquele sentisse que resta pouco tempo para ele viver.
Esse processo de luto do membro familiar está vinculado ao luto antecipado do próprio paciente, como afirmam Lisbôa e Crepaldi (2003). Pode-se perceber que há uma preparação por parte da família para a morte do membro doente. O impacto provocado pela experiência da doença, possibilita que o vínculo familiar seja fortalecido, no sentido de que se um membro se encontra adoecido, os demais se incluem no processo de adoecer.
Quarta categoria: Reações do diagnóstico no âmbito familiar
Ao analisar-se a repercussão do diagnóstico para o enfermo, uma das pacientes entrevistadas enfrentou dois difíceis momentos: o fato de não poder ter mais filhos, devido seu útero ter sido retirado e a própria doença. Há necessidade de assimilar o primeiro momento para depois lidar com o último.
"Eles me mostraram um exame e me colocaram no hospital de câncer" (Paciente M. A.). "Era uma fibrose que tinha criado na língua dele" (Acompanhante esposa de J. C.). "Ele (paciente) reclamava, ficava apavorado com a radioterapia" (Acompanhante filha de J. C.). "Na hora eu pensei não vou poder mais ter filhos" (Paciente M. A.).
Estar com câncer é umas das experiências humanas mais difíceis, tanto do ponto de vista pessoal, social e familiar (Barnes, Kroll, Burke, Lee, Jones & Stein, 2000; Biffi e Mamede, 2009; Scorsolini-Comin, Santos & Souza, 2009; Silva & Santos, 2008, 2010; Sinding, 2003). A família de um paciente que se vê diante de enfrentar o câncer, com o diagnóstico sente-se impactada pelo inesperado e apenas com o decorrer do tempo consegue desenvolver esperança, solidariedade e fé para lidar com a doença (Araújo & Nascimento, 2004). Outros relatos mostram uma reação de tranquilidade e até mesmo de frieza, conforme as narrativas:
"Eu tinha certeza que tinha alguma coisa errada" (Paciente M. A.). "Recebi da maneira mais simples possível" (Paciente M. S.).
Todos os participantes dessa pesquisa receberam o diagnóstico diretamente do médico. A reação inicial foi de negação da doença e logo depois de uma reação afetiva carregada de raiva e ódio.
Segundo Cheron e Pettengill (2011) os membros familiares que se dedicam de forma excessiva ao seu doente, podem futuramente vir a desejar que tudo venha à acabar logo, esperando que a vida volte a ser como antes do diagnóstico. Diante deste quadro, espera-se que essas realidades possam ser mais bem conhecidas e que se considere a subjetividade das vivências emocionais dos familiares e a singularidade de suas necessidades.
As reações do diagnóstico no âmbito familiar também podem ser absorvidas pela família como algo que afeta todo o sistema. O relato abaixo mostra uma reação de enfrentamento conjunto:
"Vamos respirar juntos, por favor, ai ele foi melhorando, foi acalmando" (Acompanhante esposa de J. C.). "O lado do apoio, isso faz a diferença no tratamento" (Paciente M.A.).
Pelas narrativas, percebe-se que cultivar as relações é ainda o melhor dispositivo para promover a saúde e amenizar o sofrimento provocado pela doença.
Considerações finais
Esta pesquisa revelou dados que propiciaram um entendimento de mudanças ocorridas na família com um membro que tinha o diagnóstico de câncer. Os pacientes que têm tratamento mais prolongado assumem uma conduta menos tensa e ficam mais preocupados em relação à sua vida financeira e a dos familiares. A possibilidade da morte repercute de maneira profunda na vida do paciente e na família como se fosse uma sentença fatal.
Observou-se que as famílias se organizam antes do diagnóstico de duas maneiras: uma baseada no suporte material, quando o paciente era o provedor da família e outra caracterizada pela passividade, submissão e dependência do paciente. Essas posturas passaram a exigir que a família se reorganizasse com rapidez. Os papéis e as relações são modificados em virtude da situação de crise, da fragilidade do paciente e das mudanças apresentadas nele e no próprio núcleo familiar, decorrentes do diagnóstico do câncer.
A estrutura e a dinâmica familiar, nas vivências da família e do paciente com câncer, apresentam-se alteradas e exigindo, por parte de todos os membros familiares, uma transformação no núcleo familiar, nos papéis e funções parentais e fraternas. Contudo, mesmo com a distância e a separação provocadas pela hospitalização.
Verificamos que as mudanças nas formas de comunicação entre o paciente e a família em muitos casos fortaleceram ou enfraqueceram o funcionamento do sistema familiar. Pode-se observar que antes do diagnóstico de câncer, as demonstrações de afeto encontravam-se implícitas nas relações entre o paciente e a família e com a revelação da doença houve alterações nos vínculos afetivos.
Compreender a dinâmica familiar no impacto do diagnóstico revela-se como uma tarefa complexa que não se finaliza com esta pesquisa, mas é importante novos estudos sobre como a família se organiza, se relaciona e comunica os afetos. Reconhecemos a importância do acompanhamento psicológico para o paciente e grupo familiar neste momento de crise a partir de uma visão holística e não fragmentada.
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Nota sobre os autores
Júlia Sursis ferro Bucher-Malusche – UNB
Janari da Silva Pedroso: UFPA
Jane Alves Coelho: UFC
Juniana de Almeida Mota Ramalho: Université Paris 13, França
Contatos: jsp@ufpa.br
Recebido em março de 2014
Aceito em outubro de 2014