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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.9 no.2 Belém 2017
Artigo
A fotografia de um desastre: uma olhar existencial
The photograph of a disaster: an existential perspective
La fotografía de un desastre: una perspectiva existencial
Valéria Amorim do Carmo;I Letícia Carolina Teixeira PáduaII
I Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
II Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
RESUMO
Este relato de experiência tem como objetivo explorar e pensar a fotografia como linguagem para expressar o fenômeno do desastre como cerceador da liberdade existencial dos atingidos de Paracatu de Baixo, distrito de Mariana, destruído pelo rompimento da barragem de Fundão da Samarco no dia 05 de novembro de 2015. Para tanto haverá a construção de um referencial teórico abordando os seguintes conceitos estruturantes: desastre, vulnerabilidades, risco, resiliência, liberdade existencial, linguagem, fotografia como linguagem. A condução metodológica da pesquisa será feita via arqueologia fenomenológica e tem-se como resultado principal a apresentação, por meio da linguagem fotográfica, como o desastre em questão interferiu e interfere na liberdade existencial dos atingidos do distrito de Paracatu de Baixo.
Palavras-chave: Geografia humanista; Fenomenologia; Desastre; Linguagem; Fotografia.
ABSTRACT
This experience report aims to explore and think of photography as a language to express the phenomenon of disaster as a constraint of the existential freedom of those affected in Paracatu de Baixo, Mariana district, destroyed by the rupture of the Samarco Fundão dam on November 5 Of 2015. For this, a theoretical framework will be constructed, addressing the following structuring concepts: disaster, vulnerabilities, risk, resilience, existential freedom, language, photography as language. The methodological conduction of the research will be done through phenomenological archeology and the main result is the presentation, through photographic language, of how the disaster in question interfered with and interferes with the existential freedom of those affected in the district of Paracatu de Baixo.
Keywords: Humanist geography; Phenomenology; Disaster; Language; Photography.
RESUMEN
Este relato de experiencia tiene como objetivo explorar y pensar la fotografía como lenguaje para expresar el fenómeno del desastre como cercedor de la libertad existencial de los afectados de Paracatu de Baixo, distrito de Mariana, destruido por el rompimiento de la presa de Fundão da Samarco el día 05 de noviembre de 2015. Para ello habrá la construcción de un referencial teórico abordando los siguientes conceptos estructurantes: desastre, vulnerabilidades, riesgo, resiliencia, libertad existencial, lenguaje, fotografía como lenguaje. La conducción metodológica de la investigación se hará vía arqueología fenomenológica y se tiene como resultado principal la presentación, por medio del lenguaje fotográfico, como el desastre en cuestión interfirió e interfiere en la libertad existencial de los afectados del distrito de Paracatu de Baixo.
Palabras-clave: Geografía humanista; Fenomenología; Desastre; Lenguaje; Fotografía
A fotografia como possibilidade de desvelamento
O relato de experiência aqui descrito tem como foco de interesse pensar fenomenologicamente a fotografia como possibilidade de desvelamento de um habitar na circunstância de um desastre. Pretende-se que o relato daquilo que aparece nas imagens possa trazer à reflexão questões ligadas não somente ao desastre, mas principalmente ao significado das imagens fotográficas como meio para compreensão da geograficidade.
Este trabalho se coloca no campo da geografia humanista de matriz fenomenológica tendo, portanto, como fundamento a busca pela essência de ser por meio da possibilidade de revelar as "coisas elas mesmas", nas consagradas palavras de Husserl. Deste modo, fazemos perguntas norteadoras que permitem nos colocar a caminho, em busca do sentido. As perguntas que norteiam esta experiência são: como este habitar riscos, perigos e vulnerabilidade decorrentes do desastre da Samarco restringem o exercício da liberdade existencial? De que forma os sujeitos do distrito de Paracatu de Baixo – munícipio de Mariana/MG – lidam com a nova realidade geográfica que se apresenta diante da impossibilidade de exercer a liberdade essencial? E, por fim, como a arte, em especial a fotografia, pode ser vista enquanto linguagem para romper limites daquilo que não consegue ser dito ou escrito?
O "habitar" é uma noção cara a quem pense a geografia como uma ciência existencial. Um habitar que deriva de um conjunto diverso de relações que ao serem construídas temporal e espacialmente resultam em ligações de caráter também diversos cuja manifestação acaba por dar identidade a nós e ao lugar (Holzer, 2012; Marandola Jr., 2012).
No entanto, pensar o desastre da Samarco é uma questão complexa e que necessita de um estudo mais aprofundado sobre noções mais diretamente envolvidas e que irão não apenas subsidiar na reflexão em torno do próprio desastre, mas permitirão pensar a situação de vulnerabilidade da população atingida. Essencialmente, devemos pensar e responder de que forma as identidades mútuas homem-lugar são desconstruídas e reconstruídas diante de uma situação de súbita mudança.
Assim, à medida que esta experiência contemporânea dos riscos começa a tornar-se comum à humanidade, ela passa a compor, também, nossa essência de ser. Mas também é fundamento de nossa humanidade a liberdade existencial e essencial. O homem é livre, ele é pura liberdade. Se o homem é totalmente livre, é consequentemente, responsável por tudo aquilo que escolher e fizer. O homem age intencionalmente, premeditando a ação porque é livre, utilizando-se da razão, que o diferencia dos demais animais. O homem é liberdade em seu próprio ser (Silva, 2013).
No entanto, é notório que em uma situação como a do desastre da Samarco, há uma súbita restrição desta liberdade essencial. O sujeito não pode mais se relacionar com seus vizinhos do mesmo modo de antes, não pode mais escolher onde morar, subitamente perde sua conexão com o lugar! Visitar seus mortos, cumprir rituais de visita aos domingos, assistir ao futebol no bar da esquina, ensinar bordado às filhas da vizinha – todas estas relações e exercícios existenciais são subitamente impossibilitados, desnormalizados. É neste sentido que nos propomos a realizar uma pesquisa que, recorrendo ao pensamento sartreano, nos ajude a pensar o sentido essencial do exercício da liberdade, conceito tão basilar de todo o constructo teórico do existencialismo: "[...] o homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer." (Sartre, 1973, p. 15). Quais são as responsabilidades e escolhas que se colocam diante de tal habitar em risco? Como a vulnerabilidade pode atingir a liberdade essencial? Sobretudo, de que modo a própria humanidade do sujeito é afetada?
Por fim, mas não menos importante, temos como outra hipótese o fato de que o acesso às linguagens da arte, sobretudo aqui, a fotografia, nos permitiriam apresentar, comunicar, dizer as questões do habitar vulnerável de modo a transpor limites que a linguagem escrita e falada não alcançam. A relevância desta pesquisa está na defesa da fotografia como linguagem não só para a reflexão como também para apresentação dos resultados de uma pesquisa dentro da Geografia. Ao adotá-la pensamos na ligação da geografia com a arte, onde a fotografia não deve ser pensada de forma isolada, mas sim pensada no contexto de sua criação. E o que se propõe, portanto, é que a fotografia, como poética, possa nos fazer pensar, de uma maneira mais profunda, a essência de nossa relação com o mundo. Essência esta ocultada pela existência cotidiana e que a experiência do desastre possa trazer então à luz. Portanto, a pesquisa trará para o meio acadêmico uma nova possibilidade de linguagem para construção e divulgação dos resultados atualmente apresentados apenas na forma tradicional da linguagem escrita. É assim que a fotografia será discutida como forma de linguagem geográfica, como potência emancipadora da produção de conhecimento sobre as restrições da liberdade existencial frente a um habitar em risco.
Ao pensarmos na contribuição desta pesquisa para nossa área de conhecimento, a Geografia enquanto ciência, ainda carece de compreender como é composta a percepção do ambiente e a experiência direta dos sujeitos envolvidos com os lugares. Pouco se pensou nas categorias do subjetivo e nas relações entre os sujeitos. Menos ainda se buscou a compreensão do que significa ser humano, do que nos define, dos anseios que são comuns e também que não são, para que pudéssemos pensar no que, de fato, significa essencialmente produzir conhecimento e para quem produzir ou, ainda, de que forma as sensações, experiências e relações diretas do sujeito com o mundo interferem nas geografias do cotidiano. Assim, buscamos aqui preencher algumas lacunas neste sentido, trazendo à tona para as questões da geografia humana, o debate sobre a liberdade individual e seu cerceamento, dos anseios e vontades do subjvetivo, da discussão sobre os limites da linguagem científica e a proposição de novos caminhos por meio da arte, sobretudo, neste caso a fotografia e ainda a compreensão dos efeitos da situação de vulnerabilidade e dos riscos ambientais no cotidiano dos sujeitos atingidos direta e indiretamente pelo desastre.
Esta compreensão pode abrir caminho para debates e ações que venham a ser tomadas, efetivamente, a partir das necessidades e percepções destas pessoas e não apenas de políticos ou gestores, por exemplo. Essa análise contribui ainda na proposição do uso da metodologia fenomenológico-existencialista para pensarmos lugares, políticas públicas e ações de planejamento que estejam em consonância com os anseios subjetivos. Este trabalho pretende contribuir para a implantação de uma atividade pensada, refletida no âmbito das necessidades pessoais, nos anseios das comunidades, o que poderia gerar, inclusive, em melhor distribuição de recursos e investimentos e sua importância na vida cotidiana de que o habita.
A opção pelo uso do embasamento teórico-metodológico da Geografia humanista se deu em função de que, este tipo de intervenção, permite ao pesquisador reconhecer os aspectos impressos da paisagem nos "usuários" da mesma, formando uma imagem que, embora represente os sentimentos em um dado momento, ao mesmo tempo representa o que pode ser realizado de mais fidedigno com relação às experiências pessoais.
O desastre da Samarco já está sendo considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil, com a lama estéril de rejeito de minério tendo percorrido todo o Rio Doce e parte de sua bacia, atingindo até o Oceano Atlântico. Há inúmeros problemas de pessoas que perderam a vida, as casas, a relação com o rio, cidades inteiras com problemas de abastecimento, impactos ambientais na vegetação, relevo, microclima e na fauna irreparáveis.
Já foram feitos levantamentos das políticas públicas, medidas de compensação e multas aplicadas à empresa Samarco, visando uma aproximação da reestruturação do equilíbrio ambiental e reestabelecimento financeiro das populações diretamente atingidas, que atenderam de foram parciais os anseios de alguns setores envolvidos. No entanto, pouco ainda foi feito no que tange o levantamento subjetivo e individual destes sujeitos. No caso de Paracatu de Baixo, distrito foco da pesquisa, há partes do centro urbano que não foram "levados" pela lama. Mas e as relações destes sujeitos com o seu lugar?
Para, além disso, este estudo trará questionamentos e contribuições epistemológicas para pensar o campo da geografia enquanto produtor de conhecimento e não apenas executor/reprodutor de metodologias prontas. O questionamento atinge ainda a ontologia das ciências, uma vez que propomos aplicação de novas linguagens para dizer ciência. A escolha pelo Laboratório de Geografia dos Riscos e Resiliência – LAGERR que integra o Centro de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (CHS)/FCA-UNICAM) se justifica não só por abrigar o NOMEAR, grupo ao qual fazemos parte, mas por se tratar de um centro de referência que pensa os desastres e a vulnerabilidade pela perspectiva fenomenológica da experiência.
A experiência de fotografar o desastre em Paracatu de Baixo
No dia 05 de novembro de 2015, por volta das quatro horas da tarde, uma barragem da mineração SAMARCO não conseguiu sustentar o peso da acumulação de rejeitos resultante da exploração do minério de ferro e se rompeu "liberando" um montante de aproximadamente 34 milhões de metros cúbicos 1que "enterrou" distritos e subdistritos de Mariana e Barra Longa em Minas Gerais.
Bento Rodrigues e o distrito de Paracatu de Baixo, ambos pertencentes ao municipio de Mariana, foram praticamente cobertos pela corrente de lama, sem falar nas outras localidades ao longo da bacia do Rio Doce afetadas pelo comprometimento não só da qualidade da água para abastecimento como também do recurso pesqueiro, sem mencionar o valor sagrado do rio para a nação dos Krenak.
Nas localidades mais próximas à barragem, a força da corrente de lama arrancou telhados e foi ainda capaz de levar, de uma única vez, a igreja de Bento Rodrigues deixando apenas a sua base. A força de destruição foi ainda mais brutal porque a corrente encontrou um funil na saída da comunidade o que provocou o retorno da lama como se fosse uma onda rebatendo novamente sobre a comunidade, destruindo o pouco que havia restado. Só então, a lama seguiu seu rumo.
No distrito de Paracatu Baixo, a lama chegou ao final daquela tarde do dia 5 de novembro. Com o mesmo potencial de destruição, a lama arrasou casas, destruiu plantações, atingiu a escola e a igreja da comunidade, que apesar de tudo, ainda permanecem de pé.
Em abril fui até Mariana decidida a chegar a Bento Rodrigues já sabendo de antemão que não conseguiria uma vez que a estrada que dá acesso à comunidade está bloqueada por um portão colocado pela Samarco. Quando entrei em contato com a defesa civil de Mariana, pouco tempo depois do desastre, fui informada da existência desse portão e que a entrada na área somente seria possível mediante autorização prévia e acompanhado por um agente da defesa civil durante o tempo de permanência máximo de uma hora. A alegação foi a falta de segurança pelo fato da localidade ter-se transformado em uma "área de risco".
O vigilante da Samarco informou sobre a existência de outra estrada que daria acesso a Bento Rodrigues pela outra margem do rio Gualaxo do Norte. Após meia hora de estrada de terra já era possível ver o rastro da lama. Pouco mais à frente, após a curva, era possível observar à distância o que sobrou da tricentenária comunidade de Bento Rodrigues.
Ainda, visitei Paracatu de Baixo, seis meses depois do desastre, exatamente um mês depois de ter ido a Bento Rodrigues. Chegar em Paracatu, apesar de igualmente dolorido foi ainda mais impactante uma vez que desta vez pude andar pelas "ruas de lama". Diferentemente de Bento Rodrigues, o contato bem mais próximo deu outro significado a esta experiência.
Andar por entre os escombros entremeados pelos testemunhos da vida que havia ali há poucas horas antes da chegada da lama como, brinquedos espalhados, o fogão, a toalha ainda dependurada na parede, os sapatos de toda família próxima ao que sobrou do quartinho do Diogo, as roupas ainda dentro do armário, o registro no calendário do ultimo dia de aula na escola tornou ainda mais forte a sensação da morte-em-vida. Ali o caminhar foi lento, silencioso. Houve tempo para a pausa e para a fotografia. Fotografias que, ao contrário das tiradas em Bento, revelam de forma mais detalhada, parte de um mundo soterrado e arrasado. Entrar na escola onde a lama atingiu o segundo andar e caminhar pelas salas de aula onde a lama ainda cobre parte das carteiras pediu um silêncio.
A experiência em Paracatu de Baixo juntamente com a possibilidade do tempo para percorrer o que sobrou do distrito foi decisivo para a escolha do lugar de pesquisa. Assim, as fotos feitas durante as duas visitas a Paracatu de Baixo serão, portanto, o ponto de partida para a pesquisa que pretendemos desenvolver.
O desastre pela experiência de um ex-morador de Paracatu de Baixo e funcionário da Samarco.
No dia 17 de setembro de 2016, no retorno à Paracatu de Baixo encontramos Seu Romeo, antigo morador caminhando pelos escombros próximos à igreja. Andando vagarosamente, de olhar fixo no chão, ele se aproximou e começamos a conversar. Apontando para frente, mostrou onde ele e a família moravam. Sua casa tinha mais de 100 metros de área construída e lá dentro funcionava a sorveteria que ajudava na complementação da renda da família. Seu Romeo trabalhava na Samarco como fiscal de mina.
No dia do desatre, o freezer estava cheio de sorvete que acabara de fazer se preparando para o final de semana que se aproximava. Nos fins de semana toda a comunidade se reunia na praça que ficava bem ali ao lado da igreja.
Ele contou que no dia 05 de novembro, a lama chegou por volta das sete e meia da noite. Ainda estava claro, pois era horário de verão. Na hora do desastre, ele estava trabalhando na mineração, próximo à barragem de Fundão e não imaginava que a lama atingiria o distrito de Paracatu com tanta intensidade. De qualquer maneira, assim que soube tentou ligar inúmeras vezes para casa, mas o telefone não atendia. Conta que pegou o carro e, tamanha era sua aflição, que gastou 20 minutos da Mina até Paracatu de Baixo localizada a mais de 60 km de distância.
Quando chegou tinha muita gente parada na praça andando de um lado para outro sem entender o que estava acontecendo. Um helicóptero sobrevoou várias vezes a comunidade, mas não desceu, pois estava prestando socorro em Bento Rodrigues e somente quando não mais havia o que fazer por lá é que chegou em Paracatu. O povo estava muito espantado, pois a maioria nunca tinha visto um helicóptero antes. Correram em sua direção assim que perceberam que ele iria pousar. De lá de dentro, um bombeiro saltou apressadamente gritando que todos teriam 5 minutos para pegar um documento e correr imediatamente para a parte alta da comunidade, próximo ao cemitério, pois a lama estava chegando. Seu Romeo não acreditava que a lama iria cobrir quase tudo, tanto que o freezer cheio de sorvete foi retirado e carregado para uma casa que ficava um pouco mais acima de onde morava, mas não adiantou.
O rio de lama passou duas vezes em Paracatu de Baixo. Na primeira vez, a lama praticamente passou direto ao lado do distrito seguindo rio abaixo. Mas quando encontrou a cachoeira alta, não conseguindo atravessar, a lama retornou e desta vez a atingiu em cheio destruindo grande parte de Paracatu de Baixo sobrando apenas as casas que estavam na parte mais alta. "Foi muita sorte as pessoas terem conseguido se salvar"...
Seu Romeo está morando em Mariana com a esposa e o pai de 86 anos junto com vários outros atingidos. Praticamente todos os dias ele precisa ir a Paracatu por causa de seu pai que ainda resiste em aceitar o que aconteceu. Seu Romeo conta que seu pai chora o dia todo de tristeza e que por isso precisa ir a Paracatu para aliviar um pouco sua dor. Enquanto conversávamos, o pai de seu Romeo estava por ali, em algum lugar, percorrendo o que sobrou, na esperança de um dia ter sua casa de volta.
Perguntei se a comunidade já havia escolhido o local onde seria construída a "nova Paracatu". Ele me disse que sim, mas que tanto ali quanto em Bento Rodrigues, as obras só começariam em 2018. Contou que poucas pessoas trabalhavam fora da comunidade. Praticamente só o arroz e o feijão vinham de fora. As pessoas se alimentavam do que era produzido ali mesmo nos quintais. "E agora o que vai ser da gente?" ele me perguntou...
De Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo para a cidade de Mariana...
Com seus lugares arrasados pelo desastre, os moradores foram transferidos principalmente para a cidade de Mariana. Inicialmente para o ginásio coberto, depois para hotéis e hoje se encontram "espalhados" pela cidade, em casas alugadas pela empresa (263 familias) 2 ou em casas de parentes e amigos e em outros distritos. Esta situação trouxe como consequência, além dos problemas causados diretamente pelo desastre como a expatriação decorrente da destruição das comunidades, o sentimento de isolamento por não poderem mais usufruir da relação que tinham com seus antigos vizinhos. Sempre que possível procuram criar situações em que possam estar juntos mesmo que ainda na eventualidade, além de participarem de reuniões em Mariana em uma sede disponibilizada pela Samarco para discutirem questões variadas envolvendo o desastre. Outro problema vivenciado por eles, não só os adultos como também as crianças é o pré-conceito e a discriminação por parte dos moradores de Mariana. São chamados de "aproveitadores" por estarem se beneficiando da Samarco e as crianças na escola são chamados de "pés de lama". 3 Estes fatores estão contribuindo ainda mais para a dificuldade de adaptação à sua nova condição de moradores em Mariana.
Das experiências às reflexões
A experiência do desastre da Samarco será a circunstância escolhida para pensar a fotografia como caminho para alcançarmos o desvelamento do habitar. Para tal, pensamos a fotografia como desveladora de um sentido que está além dos objetos retratados. Ao percorrer para além da superfície onde se mostram a aparência das coisas, várias imagens ocultas se revelam a partir daquela que nossos olhos inicialmente capturaram. Está no "invisível" tornado visível. Nas palavras de Flusser (1985)
O significado da imagem encontra-se na superfície e pode ser captado por um golpe de vista. No entanto, tal método de deciframento produzirá apenas o significado superficial da imagem. Quem quiser "aprofundar" o significado e restituir as dimensões abstraídas, deve permitir à sua vista vaguear pela superfície da imagem. [...] o vaguear pela superfície, o olhar vai estabelecendo relações temporais entre os elementos da imagem: um elemento é visto após o outro. O vaguear do olhar é circular: tende a voltar para contemplar elementos já vistos. Assim, o "antes" se torna "depois", e o "depois" se torna o "antes". O tempo projetado pelo olhar sobre a imagem é o eterno retorno (p.7).
Diante disso, ressaltamos que a fotografia pode ser pensada como um convite para que, direcionando nosso olhar para o invisível, sejamos capazes de participar de algo estranho, inusitado, não antes pensado. E que esta imagem poética imaginada não se trata de mera fantasia ou ilusão.
Pensamos a fotografia como arte, como poética capaz de mostrar o que não se vê. Que a fotografia seja uma imagem sensível capaz de despertar sensações e emoções pelas experiências que tivemos nos diferentes momentos de nossa vida (Polignano, 2006). Que a fotografia seja poética e que, ao nos relacionarmos com ela, tenhamos uma experiência onde a objetividade dê lugar à subjetividade; que o sensível domine para que possamos ir ao encontro de sua essência.
Martin Heidegger, filósofo alemão e um dos expoentes do pensamento do século XX, se ocupou em pensar, principalmente na sua fase mais madura, no significado da linguagem poética e da arte como caminhos para uma ontologia. Em uma passagem do texto Poeticamente... o homem habita, Heidegger nos ajuda a pensar na fotografia como possibilidade poética. Mesmo suas palavras tendo sido dirigidas ao poeta, acreditamos que se aplicaria também ao fotógrafo-poeta e ao apreciador da fotografia:
Quanto mais poético um poeta, mais livre, ou seja, mais aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o escuta com dedicação, é maior a distância que separa o seu dizer da simples proposição, esta sobre a qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação (Heidegger, 2012, p.168).
As palavras de Bendito Nunes para a meditação de Heidegger sobre o quadro dos sapatos de Van Gogh são adequadas também ao que penso sobre a fotografia
Quando nos aproximamos desse quadro não vemos apenas cores, ou a simples representação de algo, mas "vemos" a fadiga da camponesa, a terra adubada e úmida, etc... Podemos ver tudo isso no mesmo quadro, e nossa visão está sendo dirigida pelo ser do utensilio que a obra revela (Nunes, 2011, p.102).
Não podemos nos furtar aqui de transcrever uma passagem da meditação heideggeriana a respeito do desvelamento da referida obra de Van Gogh para ilustrar o sentido da essência da relação que propomos estabelecer com a fotografia. O quadro de Van Gogh é muito mais do que apenas um par de sapatos.
Poeticamente, a obra desvela a sua essência:
Da escura abertura do interior gasto dos sapatos a fadiga dos passos do trabalho olha firmemente. No peso denso e firme dos sapatos se acumula a tenacidade do lento caminhar através dos alongados e sempre mesmos sulcos do campo, sobre o qual sopra contínuo um vento áspero. No couro está a umidade e a fartura do solo. Sob as solas insinua-se a solidão do caminho do campo em meio à noite que vem caindo. Nos sapatos vibra o apelo silencioso da Terra, sua calma doação do grão amadurecente e o não esclarecido recusar-se do ermo terreno não-cultivado do campo invernal. Através deste utensílio perpassa a aflição sem queixa pela certeza do pão, a alegria sem palavras da renovada superação da necessidade, o tremor diante do anúncio do nascimento e o calafrio diante da ameaça da morte. À Terra pertence este utensílio e no Mundo da camponesa está abrigado (Heidegger, 2010, p.81).
A pintura de Van Gogh assim como a fotografia abrem a possibilidade, por meio da subjetividade, de dizermos a realidade de outra forma, lançando mão de outra linguagem. (Darby citado por Marandola Jr., 2014b). Ao adotá-la pensamos na ligação da geografia com a arte, onde a fotografia não deve ser pensada de forma isolada, mas sim pensada no contexto de sua criação.
Nas manifestações artísticas estão inscritas geografias da mesma forma que foram necessárias geografias para concebê-las. Tanto o conhecimento existencial do artista quanto seus referenciais culturais estão embebidos de geograficidade, pois esta é inalienável do ser humano e de suas realizações (Marandola Jr. 2010, p.22-23).
E a arte, por sua linguagem poética, possibilitaria segundo Dal Gallo (2015) "retirar os objetos de sua concepção prática e utilitária resultante de um longo contato habitual e os colocaria em uma situação de estranheza causando uma ruptura com a existência cotidiana" (p.20). E foi esta condição de estranheza proporcionada pela fotografia que a torna uma forte aliada como forma de manifestar nossa relação com o mundo. E o que propomos é que a fotografia como poética, possa nos fazer pensar, de uma maneira mais profunda, a essência de nossa relação com o mundo. Essência esta ocultada pela existência cotidiana e que a experiência do desastre possa trazer então à luz.
Ao experienciarmos a fotografia, devemos fazê-lo despidos de ideias prontas, expectativas quaisquer. É preciso nos "relacionarmos" com ela com disposição ao encontro que seja abertura para pensarmos o que irá nos proporcionar conexões que, a meu ver, nos convidem a olhar de forma poética para a nossa relação com o mundo. E que nessa abertura, a fotografia se transforme em poesia.
Como Eugéne Atget, citado por Benjamin (1985), procuramos na fotografia,
[...] pelas coisas perdidas e transviadas e, por isso, tais imagens se voltam contra a ressonância exótica, majestosa, romântica, dos nomes das cidades: elas sugam a aura da realidade como uma bomba sugava a água de um navio que afunda. [...] (Benjamin, 1985, p.101)
Ao nos relacionarmos com a fotografia nos propomos a pensá-la como diálogo onde possamos olhar e escutar o que ela tem a nos dizer. Nas palavras de Jorge Larrosa Bondiá, filósofo e pedagogo,
O que necessitamos talvez não seja uma língua que nos permita objetivar o mundo, uma língua que nos dê a verdade do que são as coisas, e sim uma língua que nos permita viver no mundo, fazer a experiência do mundo, e elaborar com outros o sentido (ou a ausência de sentido) do que nos acontece. (Larrosa, 2016, p.65)
Ao apresentarmos este texto, nos encontramos diante do desafio de mostrar que a fotografia pode ter um papel importante dentro do campo de pesquisa da geografia de base fenomenológica. Mas este papel vai além da fotografia pensada apenas no seu sentido denotativo e como complemento ao texto. Um dos pontos possível e desejado desta pesquisa é que ela seja o próprio texto que irá nos ajudar a pensar sobre a essência do sentido de habitar sobre a Terra. Que ela possa, como colocado por Luiz Eduardo Robinson Achutti, etnógrafo e fotógrafo,
[...] encontrar o seu lugar como meio de interpretação, preenchendo um espaço em branco na área das ciências humanas [...] É chegada a hora da conquista e da legitimação de um espaço para que a fotografia possa ser aceita como mais um meio de produção de ideias, produção de sentido. Para contar o cotidiano do Homem e a vida no mundo contemporâneo. Conquista que não se faz sem enfrentar a resistência dos defensores da ordem científica, aqueles que acreditam somente na palavra escrita (Achutti, 2004, p.72).
Pensar o habitar a partir do desastre
O depoimento feito por um morador publicado na edição de número 4 do jornal A Sirene, 4 resume o sentimento compartilhado por grande parte da população da área mais próxima da barragem rompida.
Não perdemos somente nossas casas, o que arrancaram de nós foi a nossa história, nossas memórias, as fotografias, as conversas nas praças, as igrejas, a alegria das festas, as cachoeiras, nosso trabalho. Arrancaram as relações que tínhamos com as pessoas, com a criação de animais, com as nossas hortas, pés de fruta, os peixes, o rio…uma lista sem fim. Não queremos chorar, queremos nosso direito de decidir sobre os rumos das nossas vidas. Reconstruir nossa comunidade não é somente a construção física das ruas e casas. Esse é o começo para que possamos voltar a sonhar e levar nossas vidas adiante, mesmo sabendo que essas novas vilas não vão trazer de volta os valores que o lugar destruído pela lama tinha para gente.
Através deste jornal, nos diversos relatos feitos pelos antigos moradores dos lugares atingidos somos levados a pensar que, num primeiro momento, que Paracatu de Baixo poderia ser considerado um lugar onde o cultivar, o construir e o habitar heideggeriano estiveram presentes. Isto porque ao falarem da sua casa, do cuidado com a terra, das relações estabelecidas com o outro, do valor atribuído ao sagrado através da sua religiosidade, do respeito aos mortos, eles fazem menção a determinados aspectos que ajudaram a edificar, no cuidado e no resguardo, um habitar. Resguardar a terra, acolher o céu, aguardar os deuses, conduzindo os mortais, é asim que, para Heidegger, acontece um habitar. Céu, terra, deuses e mortais constituem os elementos da chamada quadratura. E é resguardando a quadratura que os homens habitam (Heidegger; 2012a).
Entretanto, vivemos em um mundo onde predomina a visão utilitarista da Terra, onde a técnica é pensada como forma de podermos extrair dela os recursos que estariam à disposição principalmente, para a sua exploração econômica. Este aspecto ganha destaque necessário em se tratando da região de Mariana que há mais de 300 anos vive em função da exploração dos recursos minerais. A dependência econômica da região de Mariana em relação à mineração é um aspecto que deve ser considerado quando nos propomos a pensar a ligação com a Terra na modernidade, pois habitar implica em cuidado com esta Terra e não apenas a sua exploração.
A ciência moderna e o desenvolvimento tecnológico, de certa maneira, contribuíram para que nosso envolvimento originário com a Terra, na forma do habitar original, ficasse obscurecido. Portanto, precisamos restabelecer nossa ligação original com a Terra por meio do cuidado, que como coloca Kronbauer (2015, p.36), significa "um estar na disposição para manter adequadamente, para salvaguardar, ao contrário da relação tecnológica das formas de extração mineral [...]."
A discussão dos riscos/perigos/vulnerabilidade/desastres, em função do quadro que infelizmente caracteriza nossa sociedade tem se tornado cada vez mais necessária (Marandola Jr.; Hogan, 2006; De Paula; Marandola Jr.; Hogan, 2010; Marandola, Jr., 2014). Como coloca Marandola Jr. (2014)
Situações de risco e o sentimento de insegurança têm permeado a experiência contemporânea, tornado a busca por segurança algo inerente e presente no discurso político, embora hoje tenha tomado formas particulares em consonância com as mudanças ambientais (p. 94).
Desafios metodológicos
O ponto de partida de uma pesquisa de base fenomenológica é a busca pela compreensão de um fenômeno a partir dos sentidos de suas essências através da intuição e da percepção. O fenômeno é entendido como aquilo que se mostra e buscamos essa compreensão através da experiência vivida (Husserl, 2012; Merleau-Ponty, 1994). Ao pensar experiência, tomo como referência Heidegger (2003):
Fazer uma experiência com algo, seja com uma coisa, com um ser humano, com um deus, significa que esse algo nos atropela, nos vem ao encontro, chega até nós, nos avassala. "Fazer" não diz aqui de maneira alguma que nós produzimos e operacionalizamos a experiência. Fazer tem aqui o sentido de atravessar, sofrer, receber o que nos vem ao encontro, harmonizando-nos e sintonizandonos com ele. É esse algo que se faz, que se envia, que se articula (p.121).
Ancorada, portanto, na geografia humanista de matriz fenomenológica, usaremos aqui três procedimentos metodológicos: a redução fenomenológica ou epochè; a arqueologia fenomenológica e; o método do diário.
Uma vez entendendo a fenomenologia como um caminho de investigação, é fundamental que os pesquisadores realizem a redução fenomenológica de forma concomitante com a experiência direta de mundo. Ou seja, é igualmente fundamental que os envolvidos no projeto – pesquisadoras e bolsistas – possam se colocar em contato com a experiência das pessoas em uma postura pré-predicativa, livre de concepções a priori.
Antes de permitir que o olhar e a linguagem sobreponham e ocultem a experiência de mundo no sentido heideggeriano. A redução fenomenológica exige que o pesquisador se lance no mundo-da-vida sem explicações prévias, preconcepções ou prépredicativos. Assim, o pesquisador fará observações de campo experienciando livremente os aspectos do lugar, os deslocamentos e fluxos, o ir e vir, observando dificuldades, relações, facilidades, recursos etc. (Husserl, 2012). E tal como aconteceu inicialmente, seis meses após o desastre, as experiências iniciais em Paracatu de Baixo aconteceram em função de um fazer aberto à possibilidade do encontro que só foi possível por não terem sido pensadas no sentido de um planejamento prévio.
Seis meses após o desastre, já houve experiências iniciais em Paracatu de Baixo que aconteceram em função de um fazer aberto à possibilidade do encontro. Com base nesta experiência anterior, esta pesquisa tem início com o retorno ao distrito de Paracatu de Baixo, escolhida como nosso foco de atenção para que possa através de mais esta experiência, vivenciar a circunstância do desastre e me colocar disponível para possíveis encontros com moradores que estejam vivenciando o desastre ainda em curso. 5
A permanência em Paracatu de Baixo é de suma importância para que possa ter uma melhor compreensão do lugar e do próprio fenômeno em questão. E isso se dá pela vivência do campo. É preciso estar lá para compreender as diferentes relações ali estabelecidas e, me colocando no lugar do outro, ter uma outra experiência em relação a que tive quando fui ao distrito para fotografar o desastre. Pelas palavras de Marandola Jr. (2005) será por meio das experiências vividas que irá se abrir a possibilidade de apreender as essências através dos aspectos concretos e individuais e seus significados essenciais, universais desvelados por elas.
Passaremos então ao momento da arqueologia fenomenológica, quando os moradores serão envolvidos em uma conversa. Não há questionário ou entrevista estabelecida. As pesquisadoras apenas conversarão livremente sobre o cotidiano do sujeito, sobre suas experiências, seu mundo vivido. A conversa é conduzida pela forma como as pessoas pesquisadas escolher, sem amarras, questões ou tempo pré-estabelecido (Marandola Jr., 2008b).
É no método do diário que o pesquisador fará o registro destas conversas em seus diários de campo, dando destaque para elementos que puderem se relacionar com o tema da pesquisa. Atento àquilo que for revelado sobre sua relação com o meio (Dal Gallo; Marandola Jr., 2010), o próprio pesquisador exercita a linguagem geopoética fenomenológica, para demonstrar as diferentes e diversas relações dos sujeitos entrevistados com o mundo-da-vida, procurando, sobretudo, revelar essa geografia essencial de todo ser humano.
Durante o campo, a experiência será registrada no diário e também através de fotografias. Portanto, a fotografia será a linguagem escolhida para realizar esta pesquisa não só como integrante da travessia metodológica, mas também para apresentação dos resultados. Assim, pretende-se que seu uso possibilite a produção de leituras da experiência vivenciada pelo desastre tanto pelos moradores de Paracatu de Baixo quanto pelas pesquisadoras.
Além da produção de artigos e do relatório final, pretende-se organizar a apresentação dos resultados na forma de uma exposição de fotografias que será realizada, num primeiro momento, em fevereiro nas dependências da Faculdade de Ciências Aplicadas/Limeira. Planejo também a organização de uma exposição itinerante para divulgação da pesquisa em outras instituições de ensino parceiras do grupo NOMEAR, como Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Universidade Federal Fluminense, Universidade do Espírito Santo, Universidade Federal de Juiz de Fora e Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais. Para a divulgação junto às comunidades atingidas e envolvidas na pesquisa, pretendo organizar um material a partir dos resultados para a divulgação junto ao Jornal A Sirene, além da exposição e oficina com as fotografias em Mariana.
Quanto à forma de divulgação dos resultados assumida nesta pesquisa, a textual, tradicional na produção do conhecimento acadêmico e a apresentação sob a forma de exposição fotográfica itinerante, faço-me valer do pensamento do etnógrafo e fotógrafo Achutti e não só em relação às pesquisas no campo da antropologia, mas certamente, ao campo das pesquisas no campo da geografia humanista de base fenomenológica.
Os aportes finais, no momento da difusão das pesquisas, são principalmente verbais e escritos. Eles são – e isso se sabe desde sempre – preponderantes no processo de construção da descrição etnográfica e, por consequência, mais facilmente aceitos. O que confere uma tal supremacia ao texto e à palavra são, evidentemente, as práticas acadêmicas de sempre cuja pertinência científica jamais é posta em questão, mas também a falta de domínio de outras técnicas. Nesse caso, não se trata de buscar uma alternativa ao texto escrito, nem de provocar um "duelo" entre o texto e a imagem, mas de salientar o fato de que, mesmo que o texto seja fundamental, sua associação a outras formas de linguagem não pode senão enriquecer os enunciados antropológicos (Achutti, 2004. p.94).
Referências
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Notas sobre as autoras
Valéria Amorim do Carmo. Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Geografia Humanista - NPGEOH, do Grupo Geografia Humanista Cultural - GHUM, do Grupo de Pesquisa Fenomenologia e Geografia - NOMEAR, e do Grupo Geografia Humanista, Arte e Psicologia Fenomenológica - GhuAPo. E-mail: vamorimbh@gmail.com.
Letícia Carolina Teixeira Pádua. Doutora em Ciências Geografia pela Universidade de São Paulo (USP). Professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Pesquisadora do GHUM - Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultura, do NOMEAR - Grupo de Pesquisa Fenomenologia e Geografia e Pesquisadora-líder do GHuAPo - Grupo de Pesquisa Geografia Humanista, Arte e Psicologia Fenomenológica. E-mail: leticia.padua@ufvjm.edu.br.
1 http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2016/03/31/interna_gerais,748712/construcao-de-diques-deixaruinas- de-bento-rodrigues-com-aparencia-de.shtml.
2 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-12/mariana-94-das-familias-atingidas-pela-lama-dasamarco- estao-em-casas-alugadas
3 http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,desabrigados-pela-lama-enfrentam-preconceito-e-desconfianca-emmariana, 10000085277
4 O objetivo deste jornal é apresentar um contraponto às narrativas oficiais da SAMARCO. Com o jornal, estabeleceu-se um elo de comunicação entre os atingidos, com a divulgação de datas e horários de reuniões e relatos de resultados de audiências e negociações. Além disso, o jornal criou meios para que essas pessoas pudessem narrar, a seu modo, as situações enfrentadas na luta por direitos. "A Sirene é um jornal feito pelos atingidos para os atingidos. Mais uma ferramenta de apoio para que a comunicação e a preservação das suas memórias se tornem seus patrimônios. Um convite a todos para não esquecer." Editorial da Edição 0 https://issuu.com/jornalasirene/docs/sirene_final_diogo_bx
5 Eventualmente, iremos visitar Mariana para conversar com outros moradores de Paracatu de Baixo adotando a mesma postura fenomenológica. Em visita à sede do município, conversar com pessoas para que a identificação dos sujeitos interessados em participar do trabalho.