SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número1Condições de trabalho de equipes de saúde da família do ParáSer travesti profissional do sexo: um olhar fenomenológico índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.10 no.1 Belém jan./abr. 2018

https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04artigo26 

Artigo

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol10(1).n04artigo26

 

A reforma psiquiátrica já deu o que tinha que dar? Reflexões da equipe de um CAPS de Belém

 

The Psychiatric reform have gave what had to give? reflections of the team of a Caps of Belém

 

¿La reforma psiquiátrica ya dio qué tenía que dar? reflexiones del equipo de un Caps de Belém

 

 

Lucivaldo da Silva Araújo

Universidade Federal do Pará

 

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que buscou compreender como se constitui um modo de cuidado psicossocial em saúde mental a partir de tensões que se organizam em torno da tentativa de consolidação da reforma psiquiátrica em um CAPS de Belém do Pará. O estudo de caráter qualitativo de orientação fenomenológica lançou mão da observação participante e da realização de entrevistas com dez profissionais da instituição como principal fonte de dados. As informações obtidas foram submetidas à análise fenomenológica do discurso proposta em Ricoeur e Pimentel. Os discursos dos informantes permitiram elencar pelo menos quatro tensões existentes no serviço - políticas, gerenciais, interpessoais e operacionais, que parecem repercutir diretamente nos modos de cuidado dispensados aos usuários do serviço. O investimento em um plano de reestruturação do serviço e a instituição de supervisões clínicas regulares são sugeridas como estratégias para superar os desafios e tensões engessantes.

Palavras-chave: CAPS; Cuidado; Atenção Psicossocial.


ABSTRACT

His article presents the results of a research that sought to understand how a form of psychosocial care in mental health is constituted from the tensions that are organized around the attempt to consolidate the psychiatric reform in a CAPS in Belém of the Pará. qualitative study of phenomenological orientation made use of participant observation and interviews with ten professionals of the institution as the main source of data. The information obtained was submitted to the phenomenological analysis of the discourse proposed in Ricoeur and Pimentel. The informants' discourses allowed to list at least four tensions existing in the service - political, managerial, interpersonal and operational, that seem to have a direct impact on the modes of care provided to service users. The investment in a service restructuring plan and the institution of regular clinical supervision are suggested as strategies to overcome challenges and tensions.

Keywords: CAPS; Caution; Psychosocial Attention.


RESUMEN

Este artículo presenta los resultados de una investigación que buscó comprender cómo se constituye un modo de cuidado psicosocial en salud mental a partir de tensiones que se organizan en torno al intento de consolidación de la reforma psiquiátrica en un CAPS de Belém do Pará. El estudio de carácter cualitativo de orientación fenomenológica ha puesto de la observación participante y de la realización de entrevistas con diez profesionales de la institución como principal fuente de datos. Las informaciones obtenidas fueron sometidas al análisis fenomenológico del discurso propuesto en Ricoeur y Pimentel. Los discursos de los informantes permitieron enumerar al menos cuatro tensiones existentes en el servicio-políticas, gerenciales, interpersonales y operativas, que parecen repercutir directamente en los modos de cuidado dispensados a los usuarios del servicio. La inversión en un plan de reestructuración del servicio y la institución de supervisión clínica regular se sugiere como estrategias para superar los desafíos y las tensiones paralizantes.

Palabras-clave: CAPS; cuidado; Atención Psicosocial.


 

 

INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas as instituições que atendiam os chamados "loucos" passaram por uma reconfiguração. O que antes era visto como um "depósito" de excluídos, agora se apresenta como uma rede estruturada composta por vários dispositivos que se inserem em um contexto social e comunitário mais amplo (Araújo & Oliveira, 2013; Silva, 1979).

Um dos principais demarcadores dessa mudança é o modus operandi atual dos dispositivos que formam a Rede de Atenção Psicossocial – RAPS, como os Centros de Atenção Psicossocial - CAPS, os Serviços Residenciais Terapêuticos - SRT, Unidades de Acolhimento - UA, os Centros de Convivência e Cultura entre outros (Brasil, 2014). Esse modelo de assistência, antes percebido como inovação e substitutivo a um modelo anterior asilar, manicomial e hospitalocêntrico, atualmente se mostra como uma forma cada vez mais consolidada de atenção à pessoa em sofrimento mental.

As diretrizes previstas para a RAPS preconizam uma ação de base comunitária e psicossocial na qual o cliente deixa o lugar de paciente e passa a assumir-se enquanto "usuário e partícipe de um serviço guiado pela livre expressão, pela estruturação do cotidiano e pelo fortalecimento de laços sociais, do qual não somente ele, mas toda a sua família e rede de suporte social são convidados a participar" (Araújo & Oliveira, 2013, p. 576).

A fertilidade desse contexto permitiu o surgimento de estratégias singulares, a exemplo daquelas presentes na Política de Saúde Mental Infanto-juvenil e de Atenção Integral aos usuários de Álcool e Drogas, entre outras. As equipes foram aperfeiçoadas, as relações de trabalho ampliaram a horizontalização do poder decisório, valorizou-se o exercício da interdisciplinaridade e foram firmados pactos de responsabilização, participação e cooperação com os usuários dos serviços e seus familiares (Carvalho, 2005). Essa forma de relação estabelecida entre serviço e comunidade refletiu no fomento ao protagonismo dos atores que transitam nas instituições – usuários, familiares, equipe psicossocial etc., e no fortalecimento dos mecanismos de controle social na RAPS.

Merhy (2012) nos oferece importantes chaves analíticas para a compreensão desse cenário de transição que se move no sentido da transposição das práticas vinculadas a um modelo assistencial que, por muito tempo, predominou e definiu os modos de cuidado em saúde mental. Para o autor, as práticas predominantes nesse campo estiveram centradas nas tecnologias duras (instrumentais) e leve-duras (conhecimento técnico) a partir da tensão criada sobre a rede de serviços pelas corporações e mercado que atuam na saúde, gerando um processo de produção de cuidado centrado em procedimentos.

Atualmente, o debate sobre os modelos tecnoassistenciais aponta para modos de cuidado que dependem cada vez menos de normas gerais, e mais das particularidades de todos os envolvidos nesse processo, ou seja, tecnologias duras e leve-duras cedem espaço para as tecnologias leves relacionadas à qualidade das relações entre os sujeitos, conhecidas também como tecnologias do acesso, de acolhimento, de produção de vínculo, de encontros e subjetividades (Merhy, 2002; Martins & Albuquerque, 2007).

No entanto, é fato que esses modos de cuidado não podem ser tomados como absolutos em si mesmos, da mesma maneira que não esgotam as possiblidades advindas de um horizonte interventivo rico e plural. Sua contribuição se dá no campo da apreensão de um cenário clínico em franco processo de transformação no qual coabitam intervenções produtivas, guiadas por uma lógica instrumental (técnica), assim como práticas que pressupõem uma lógica relacional, que valorizam a qualidade das relações, a potencialização do encontro, a escuta, a construção de vínculo e o estabelecimento de confiança, ou seja, trocas que favorecem relações intersubjetivas (Merhy & Feuerwerker, 2009; Rossi & Lima, 2005; Martins & Albuquerque, 2007).

A existência de diferentes modos de cuidado na composição das práticas que constituem os serviços psicossociais contemporâneos traduzem-se, portanto, em ações individuais e coletivas que intentam contribuir para a minimização das repercussões ocupacionais, sociais e psíquicas do sofrimento mental, ainda que seja difícil afirmar "até que ponto as práticas de cuidado no interior dos serviços substitutivos, como o CAPS, realmente estão organizadas e funcionando pela lógica do modo psicossocial" (Rodrigues, 2013, p.160-161).

É importante assinalar, no entanto, que os avanços e conquistas acumuladas ao longo das últimas três décadas em prol da humanização do cuidado em saúde mental devem ser valorizadas e suplantar qualquer movimento que fomente retrocessos em direção à despersonalização do cuidado, à psiquiatrialização do sofrimento humano e que se oponha a ampliação da "Rede de Atenção Psicossocial territorializada, de base comunitária, transversal e construída de forma ascendente, com participação dos Movimentos Sociais da Luta Antimanicomial, e do controle social (MNLA, 2017, p.1). Nessa direção, o movimento de reforma propõe e dirige esforços para a superação de uma prática clínica centrada na doença por uma prática centrada no indivíduo e suas singularidades. Busca ainda, estabelecer um novo estatuto social para o indivíduo em sofrimento psíquico e a ampliação do debate no campo jurídico-político e sociocultural no sentido da consolidação das práticas de cuidado realizadas na comunidade (Gonçalves & Sena, 2001; Rodrigues, 2013).

Como pesquisadores interessados pela área da saúde mental já há algum tempo, nossas indagações e pesquisas desenvolvidas junto ao Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Pará (PPGP/UFPA), orientadas pelos diálogos estabelecidos na linha de pesquisa "Fenomenologia: teoria e clínica", têm se dedicado a problematizar questões de múltiplas ordens nesse campo. Deste modo, neste artigo, apresentamos os resultados de uma pesquisa realizada em um CAPS da região metropolitana do munícipio de Belém, Estado do Pará, que objetivou compreender como se constitui um modo de cuidado psicossocial em saúde mental a partir de tensões que se organizam em torno da tentativa de consolidação da reforma psiquiátrica neste CAPS.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de orientação fenomenológica pautada em uma postura que propõe abertura em relação ao objeto de estudo. Buscou descrever e compreender, sem a intenção de explicar ou estabelecer vínculos causais (Giorgi, 1985; Forghieri,1993; Carvalho & Vergara, 2002). Foi desenvolvida em um CAPS do tipo III em Belém, capital do Estado do Pará, ocorreu entre junho de 2016 a maio de 2017 e foi aprovada pela por Comitê de Ética em Pesquisa – CEP, sob o parecer de nº 1.573.185. Os colaboradores do estudo foram dez profissionais vinculados ao centro e que atuam no turno da tarde: duas enfermeiras, duas psicólogas, duas terapeutas ocupacionais, três técnicos de enfermagem e um educador físico. Todos concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido- TCLE.

As percepções dos colaboradores foram coletadas por meio de uma entrevista, e da observação participante como forma de adentrar ao campo de pesquisa e integrar-se a ele considerando que "os dados de observação contribuem muito para se entender como as organizações funcionam" (Silverman, 2009, p.80). Uma vez imersos no contextosociocultural que desejamos investigar, nos aproximamos do fenômeno em foco a fim de descrevê-lo e compreendê-lo.

Os dados oriundos da observação participante foram organizados como registros de campo e aditados por entrevistas semidirigidas que, neste texto, a fim de preservar as identidades dos colaboradores foram identificados como S1, S2, S3...e assim, sucessivamente.

A definição da quantidade de participantes obedeceu ao critério de saturação no qual o pesquisador percebe a repetição de informações e entende que os dados obtidos são suficientes para empreender suas reflexões e análises em vista do objetivo proposto (Muchielli, 1991).

A análise dos dados considerou os discursos dos informantes como reveladores de sentidos. Para Ricoeur (1999), o discurso pode ser entendido enquanto evento e enquanto significação. Desta forma, o que pretendemos compreender não é o evento, "na medida que é fugidio, mas sua significação que permanece" (p, 74). Nessa direção, os dados foram organizados e submetidos à análise fenomenológica do discurso proposta em Ricoeur (1988) e Pimentel (2011, 2011b).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A observação participante e a realização de entrevistas permitiram acessar um espaço de cuidado permeado por tensões de diversas ordens. Apesar de negociações e embates fazerem parte de qualquer agrupamento humano que busca alcançar determinado objetivo a partir da união de diferentes habilidades em um grupo heterogêneo, essas forças, isoladas ou conjugadas, parecem interferir na atuação da equipe multiprofissional e na forma como o serviço é operacionalizado. Por conseguinte, também atuam na maneira como os modos de cuidado se constituem enquanto movimento que busca manter e ampliar os princípios basilares da reforma psiquiátrica que tem, na prática humanizada, sua mais importante referência.

As tensões as quais nos referimos, identificadas a partir da observação participante e do conjunto dos discursos dos informantes são: políticas, gerenciais, interpessoais e operacionais. Essas categorias constituem unidades de significação que aglutinam sentidos expressos pelos colaboradores acerca das práticas de cuidado e das tensões que se organizam em torno da tentativa de consolidação da reforma psiquiátrica na instituição.

a) Tensões Políticas Estão relacionadas às interferências externas que atuam direta e indiretamente sobre as decisões operacionais do serviço. Elas geralmente advêm do lugar de subordinação ocupado pelo CAPS na estrutura hierárquica do poder do Estado, atual ordenador institucional.

Nessa relação, o modo de funcionamento da instituição, seus gestores e a equipe que compõe o serviço encontram-se à mercê da intermitência ideológica e política que caracteriza os interstícios ocupados por diferentes formas de governança a nível estadual e federal. Esta última, de espectro mais abrangente, pode repercutir diretamente no serviço, já que mudanças de cunho político na liderança do Ministério da Saúde, por vezes, podem resultar na indicação de Coordenadores Nacionais de Saúde Mental afinados com a rede de saúde privada que majoritariamente insiste em manter clínicas com ideais e práticas manicomiais. Essas coordenações deliberam a favor de medidas que representam retrocessos à Política Nacional de Saúde Mental - PNSM (Caldeira, 2015), à exemplo da polêmica Resolução nº 32, de 14 de dezembro de 2017, provada pela Comissão Intergestores Tripartite – CIT, que para muitas entidades representativas dos profissionais que atuam na RAPS, desfigura a PNSM por determinar a manutenção de leitos em hospitais psiquiátricos, a ampliação de recursos para comunidades terapêuticas e a limitação na oferta de serviços extra-hospitalares, dentre outras coisas. "Além disso, o plano vislumbra um redirecionamento progressivo de uma rede comunitária para um modelo baseado em instituições médico centradas, privadas, promotoras de estigma e segregação e que se mostrou historicamente ineficiente" (Conselho Federal de Psicologia, 2017, p. 1).

Assim, no âmbito do serviço, mudanças de governo implicam em tensões capazes de transpor a esfera pessoal dos servidores e interferir nas práticas de cuidado ofertadas na instituição. Geralmente, as razões envolvidas giram em torno da expectativa de essas mudanças repercutirem na gestão local e interferirem nos processos de trabalho desenvolvidos no centro em função da desarticulação da RAPS como destacam S3, S6 e S10.

A gente precisa está melhorando os serviços, os próprios caps. A gente precisa aumentar o número de caps, aumentar essa participação, ter uma rede melhor, de apoio, ter um posto de saúde que funcione, por que a rede não aguenta... não suporta (S3).

A gente tem que cuidar do que o pessoal da atenção básica não cuida. A gente precisa avançar muito cara, muito, muito mesmo. Os governos que deem uma atenção maior para isso, acho que tá faltando (S6).

Às vezes elas vêm de outros serviços aonde são maltratadas. Isso é a fala deles né? São maltratados, não são bem atendidos, eles dizem, tanto é que quando eles saem daqui eles sofrem (S10).

 

Sobre as tensões políticas associada à RAPS é importante destacar que, quando um usuário é desligado do CAPS por alta melhorada, ele é referenciado para a unidade básica de saúde mais próxima de sua casa que é gerida pelo governo municipal e, estando o CAPS sob gestão do governo estadual, nem sempre os setores administrativos dessas instituições se comunicam como deveriam, principalmente quando estão sobre influência de partidos adversários políticos.

A preocupação dos profissionais em relação a essas questões não ocorre sem razão. Nos últimos dez anos a instituição contou com quatro gestores diferentes que assumiram o posto por indicação política e não tiveram, como quesito básico de suas escolhas, como era de se esperar para uma instituição com a envergadura de um CAPS do tipo III, a exigência de experiência clínica ou gerencial em saúde mental. Disto decorreram, no passado, períodos de turbulência que marcaram significativamente a relação dos profissionais com a dinâmica institucional, especialmente, a relação gestão-equipe-usuário, desgastada pelas expectativas não cumpridas de uns para com os outros em função dos limites impostos por visões políticas e/ou político-partidárias desafinadas com a PNSM que, na prática, se mostraram retrógradas em relação aos avanços conquistados ao longo dos anos.

Esse cenário tende a produzir práticas de cuidado sufocadas pela obrigação do cumprimento da tarefa, muitas vezes inóspitas diante das demandas do outro e pouco disponíveis à escuta. Essas práticas mostram-se inclinadas a trilhar "o caminho mais curto e mais fácil" (S4) no processo do cuidado, caracterizado pela reificação do indivíduo e o seu sofrimento, uma marca que o modelo manicomial e hospitalocêntrico de assistência deixou para trás e que a reforma psiquiátrica tenta constantemente superar com a valorização de novas práticas que buscam preencher a vida das pessoas de sentido (Dominguez, 2014).

b) Tensões Gerenciais

Estão relacionadas a escolhas e encaminhamentos administrativos que se constituem como agentes estressores no ambiente de trabalho. Essas forças parecem traduzir, em certa medida, as tensões políticas no plano operacional mais estrito e refletem na maneira como o modus operandi do serviço se constitui.

Na dinâmica do CAPS, apesar da existência de abordagens individualizadas como orientações de enfermagem, psicoterapia, atendimento em terapia ocupacional, acompanhamento nutricional, dentre outros, predominam as iniciativas grupais. Cada grupo é proposto de acordo com a rotina de trabalho de cada profissional, sua formação e a demanda do serviço. Esse dinamismo é fortemente influenciado pelo modo como as questões de ordem gerencial são conduzidas na instituição.

Mudanças nas normas dos horários de entrada e saída dos servidores, a maneira como é feito o registro da frequência desses trabalhadores, a política de folgas ou liberação para participação em eventos, a instauração de processos administrativos disciplinares, as negociações necessárias para o gozo de férias, licenças saúde ou para

estudo estão entre alguns fatores vinculados diretamente às tensões gerenciais encontradas na dinâmica institucional.

Quando a relação entre servidores e gestores demonstra sinais de desgaste ou atrito, o dia a dia do serviço parece compartilhar da mesma tensão que se instala no campo relacional mais íntimo. Nessas condições, o processo de trabalho e as práticas de cuidado parecem "pesar" na composição de uma rotina fragilizada pela insatisfação ou queixas mútuas das partes mais importantes da estrutura operacional do serviço.

Sabe, às vezes a dinâmica aqui é tão estressante que eu não tenho vontade nenhuma de vir pra cá. É claro que isso interfere na minha forma e disponibilidade de estar com as pessoas que chegam aqui. Mas eu já estou revendo isso (S3).

Esses eventos criam espaços para que um modo de cuidado esvaziado de interesse pelo outro se instaure.

Um estudo realizado por Rodrigues (2013) na mesma instituição com o objetivo de analisar como as práticas de cuidado em saúde mental são percebidas pelos usuários do CAPS parece corroborar essa constatação:

Ainda é observada no âmbito desses serviços, a coexistência de práticas de cuidado que corroboram para os ideais da Reforma Psiquiátrica e outras que ainda reproduzem a lógica manicomial. [... ] o conflito de forças presentes no interior dos serviços acabam por restringir a atuação desses espaços no sentido de desenvolver movimentos de resistência e criação (p. 9).

A autora ainda destaca que ao analisar a dinâmica institucional foi possível observar um campo fértil de tensões que parecem contribuir "para a produção de um cuidado fragmentado, uma vez que o diálogo e a reflexão crítica não encontram eco, desviando-se, assim, o foco da atenção, que deveria estar na relação de cuidado, para as relações puramente institucionais" (p.186).

c) Tensões Interpessoais

Estudos anteriores, nesse contexto, já apontavam para esse tipo de tensão que parece ter relação com as dificuldades da equipe em lidar com as diferentes posturas profissionais em relação ao desenvolvimento das estratégias de cuidado (Araújo, 2015; Nascimento, 2015; Rodrigues, 2013).

As principais referências dizem respeito às divergências entre as distintas equipes profissionais dos diferentes turnos de trabalho da instituição, no que tange àavaliação que fazem uma da outra e o dissenso em torno das formas com que cada grupamento de profissionais maneja determinada situações no serviço (Araújo, 2015).

Esse processo parece ter se intensificado a partir de 2012 após a mudança da qualificação do CAPS, que passou de CAPS II para CAPS III. Essa alteração aumentou as demandas das equipes que, a partir de então, tiveram que lidar com a presença de leitos de observação, plantões e funcionamento em período integral, dentre outras coisas.

É importante refletir que, ao manter equipe de enfermagem em plantão noturno, funcionamento 24h, inclusive nos finais de semana e feriados, estabelecer rotinas de visita e avaliação médica diária aos "usuários do leito" etc., o CAPS parece ter deslocado o seu caráter comunitário e psicossocial em direção à uma prática atravessada por traços de uma dinâmica hospitalar.

A partir do ponto de vista dos profissionais que, até então, só lidavam com atividades corporais, artísticas, artesanais, musicais etc, verem-se também lidando com demandas de medicações, visitas, entrada e saída de itens de cuidados pessoais, restrições ao leito etc, é possível imaginar o potencial estressor que essa mudança pode ter gerado e ainda gera sobre as relações daqueles que compõem um serviço que procura afirmar-se cotidianamente como psicossocial e afinado com os princípios da reforma psiquiátrica.

A fusão de práticas exclusivamente psicossociais a procedimentos técnicohospitalares, também aproximou profissionais de distintas formações e com diferentes concepções sobre saúde mental e sobre os modos de cuidado nesse contexto. Assim, na rotina do centro, tensões interpessoais costumam envolver profissionais de formação estritamente psicossocial, que defendem uma atenção ao usuário e sua família no território, e profissionais de formação hospitalar que entendem seus processos de trabalho atrelados e limitados aos procedimentos de uma rotina similar ao de um hospital, como a verificação dos sinais vitais, administração e controle de medicação e se, necessário for, até contenção física. Este último, inclusive, símbolo máximo do dissenso entre as diferentes maneiras que os profissionais compreendem o "manejo adequado" em uma situação típica de crise psiquiátrica.

Eu acho também, que o pensamento manicomial, ele é ... como vou poder te dizer...ele é muito traiçoeiro. Às vezes a gente sabe que isso aqui é uma oposição a uma ideia manicomial, mas muitas vezes se deixa contaminar, por coisas muito burocráticas, às vezes por falta de afeto mesmo (S9).

Disto resulta um serviço psicossocial e comunitário no qual ainda é possível encontrar "cenas que delineiam impasses que dificultam o avanço da reforma, que apontam para uma certa reprodução de práticas aprisionantes e manicomiais em um dispositivo que deveria funcionar em uma perspectiva libertária, inclusiva e de reconhecimento do diferente"

(Rodrigues, 2013, p. 186). Muitas vezes essas cenas podem ocorrer logo no primeiro contato do possível usuário com o serviço, durante o processo de acolhimento, como destaca S3.

A lógica do acolhimento eu acho um pouco..., por que o cara não pode vir sozinho, sempre tem que vir alguém com ele se não, não faz acolhimento, não é acolhido. A voz dele não tem importância? [... ] Aí pra mim já é uma lógica manicomial, que ainda existe, no serviço (S3).

É importante ressaltar, contudo, que apesar das dificuldades para que as práticas da atenção psicossociais aconteçam efetiva e concretamente (Yasui & Costa-Rosa, 2008) os avanços e conquistas acumuladas pelo movimento da reforma psiquiátrica convergem para o fortalecimento de serviços em saúde mental que se sustentam, dentre outras coisas, pela inventividade e valorização das dimensões subjetivas e coletivas da vida (Lima, 2012).

d) Tensões Operacionais:

Estão relacionadas às condições de trabalho, insuficiência de recursos humanos e materiais necessários à realização das ações de base comunitária e em rede.

Como manter-se ativo e estimulado para ouvir e acolher o sofrimento do outro em um espaço esguio, com pouca, ou às vezes nenhuma refrigeração, onde faltam insumos básicos para a manutenção dos grupos e oficinas? (S7)

No turno da tarde, especialmente, a realização de alguns grupos é prejudicada pela infraestrutura inadequada que, somada ao clima amazônico de alta humidade e calor, torna esses processos "quase uma obrigação, porque precisam acontecer" (S5).

A precarização do trabalho foi objeto de estudo de um profissional da própria instituição que em sua pesquisa de mestrado dedicou-se a compreender a visão que os profissionais do CAPS possuíam da relação trabalho e sofrimento mental, mais especificamente sobre os impactos das mudanças no mundo do trabalho na saúde mental de trabalhadores que fazem tratamento no CAPS, e que referem seus transtornos mentais como resultantes das condições precárias de trabalho.

Os resultados da pesquisa indicaram que os fatores relacionados ao trabalho que poderiam ser associados ao sofrimento psíquico dos usuários mantinham íntima relação com as condições que os próprios profissionais, sujeitos da pesquisa, vivam no CAPS e que haviam identificado em seus clientes (Nascimento, 2015).

Nas palavras de Nascimento (2015):

Os elementos do universo do trabalho que impactaram a saúde mental foram: a falta de identificação com o trabalho, relações de trabalho competitivas, instalações precárias, intensificação do ritmo e da jornada de trabalho, ausência de tempo livre e aumento da vulnerabilidade social. Associados a estes elementos, a violência social desempenhou papel importante na produção dos transtornos mentais. A pesquisa revelou também que os efeitos deletérios da nova organização do trabalho sobre a saúde mental estenderam-se aos próprios profissionais do serviço, cujo elemento central é a extensão da jornada de trabalho (p.9).

A ocorrência de tensões operacionais, isto é, aquelas que atravessam cotidianamente os processos de trabalho e que interferem diretamente nas ações desenvolvidas pelo CAPS, é usada por um dos participantes da pesquisa para justificar sua incredulidade no processo da Reforma e na desinstitucionalização.

Não sei não. A gente trabalha aqui nesse calor horrível. Nada tem. Nada funciona. Se fosse para trabalhar assim era melhor deixar todo mundo no Hospital de Clínicas. Pelo menos a estrutura de lá é melhor (S8).

Desviat (2015) analisa quatro fatores relacionados aos problemas atribuídos à desinstitucionalização e que parecem compor o fundo das tensões operacionais do CAPS: a) a insuficiência de recursos econômicos no desenvolvimento de programas comunitários, agravada pela subutilização dos recursos e pela dificuldade de comunicação e trabalho em rede das instituições dos diferentes governos que trabalham em uma mesma área e com uma mesma população; b) o fato de os programas de saúde mental comunitária destinados a substituir os serviços hospitalares não terem sido projetados de acordo com os usuários habituais desses centros; c) a questão da comunidade não estar preparada para receber os pacientes desinstitucionalizados; e em última instância, condicionando todas as anteriores, d) a falta de planejamento e alocação eficiente dos recursos.

A análise dessas tensões prediz que elas não podem ser identificadas de maneira isoladas, já que se influenciam mutuamente. Constituem-se como forças que atuam no sentido de demonstrar as fragilidades e ao mesmo tempo a insuficiência dos processos envolvidos na reforma e a necessidade de novas formas de atendimento que consigam suplantar a realidade prática e política dos serviços.

A análise dos discursos dos informantes nos permite afirmar que, apesar das diretrizes apontadas pela atual PNSM sobre a assistência psicossocial voltada à pessoa em sofrimento mental, os modos de cuidado existentes na RAPS afinados com a atual legislação dividem espaço com práticas que ainda perpetuam o modelo psiquiátrico tradicional asilar.

Sobre essa questão, e referindo-se ao CAPS estudado, Rodrigues (2013) acrescenta que "é provável que em suas entranhas ainda exista um ranço do modo asilar, misturado ao processo de resistência por parte dos profissionais militantes da Luta antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica (p.161).

Nesse sentido, os pontos de vista dos colaboradores indicam que a reforma psiquiátrica, além de ser percebida como um projeto inacabado, encontra resistência entre aqueles responsáveis por sua própria implementação.

Alguns defendem formas de manejo que contradizem as propostas da reforma como o apoio e recomendação à contenção mecânica em situações que podem ser manejadas de outra forma, a valorização do papel central das medicações no processo terapêutico, o uso da "intimidação" e "ameaça" para "se fazer terapeuta no serviço" (S3), dentre outras coisas.

Existe a contenção que é a contenção verbal, que você vai conversar, você tenta, né? A física que você se aproxima, você tenta limitar aquele espaço, dando atividade, dando escuta, e eu acho que a contenção mecânica é o último caso e eu ainda vejo pessoas aqui dentro que acreditam que seria o primeiro passo desse processo como primeira opção (S8).

A gente percebe que existem profissionais que ainda tem atitudes manicomiais. A gente ouve pelos corredores ainda algumas situações tipo: "a se você, se você não se comportar bem, não for dormir logo vou te mandar para o Hospital de Clínicas". Então isso são atitudes, o que? ameaçadoras, no qual você diz pro paciente que se ele não cumprir uma tarefa você vai puní-lo, entendeu? (S10).

Esse cenário anuncia a existência de movimentos que atuam em sentidos opostos ao da implementação da reforma. Os embates advindos das resistências que cada uma dessas tensões impõe à equipe multidisciplinar, no entanto, parece reverberar na elaboração crítica que os profissionais manifestam sobre o processo no qual encontram-se inseridos.

Em síntese, parece haver o consenso de que "a reforma já deu o que tinha que dar" (S5), indicando-nos a existência de uma exaustão, um esgotamento que parece conduzir o trabalhador da saúde mental ao engessamento de suas práticas, como se as engrenagens que movem as ações responsáveis por potencializar os modos de cuidado em saúde mental estivessem comprometidas.

Eu acho que está um pouco estagnada essa questão da reforma. A gente chegou no limite. A gente não está sabendo ultrapassar esse limite, parece que deu uma estagnada (S3).

Eu acho que a gente até tem conversado. Há um tempo atrás... em julho, quando tinha um fluxo menor aqui, a gente conversou muito sobre... a gente usou um termo, deixa eu lembrar... "desmanicomialização do Caps" (S1).

Como resultado tem-se um horizonte que aponta para a manicomialização dos serviços psicossociais que, apesar das poucas iniciativas extramuros, ainda limitam-se à institucionalizar pessoas que passam décadas vinculadas ao serviço sem que consigam se reintegrar à vida cotidiana. Muitas vezes tornam-se dependentes do CAPS e têm nele sua única rede de apoio social e comunitário, comprometendo o exercício da autonomia e independência. Além disso, recorrentemente retornam à instituição após internações por curtos períodos, caracterizando o que Desviant (2015, p. 79) chama de fenômeno da porta giratória.

A gente encaminha e eles sofrem um pouco. Então eles resistem a essa alta, entendeu? Às vezes, eles não querem sair daqui. Tanto é que muita das vezes eles simulam não estarem bem, na tentativa de ficar mais tempo aqui (S4).

Eu acho que isso dá uma engessada. Acho que a gente está caminhando pra um momento bem disso, sabe? Acho que ta na hora de começar a repensar a estruturação do espaço, e talvez seja um outro momento pra Reforma que ta aparecendo (S10).

O modo psicossocial de atenção segue, portanto, comprometido pelas condições de trabalho insatisfatórias, pela ineficaz articulação da Rede de Atenção Psicossocial, pelas interferências políticas na gestão institucional e pela dificuldade de manter vivo o controle social previsto na PNSM vigente.

Nesse processo é possível que já não se toque com a sutileza que o Outro anseia, ou que a supervalorização da técnica tenha tornado o toque dispensável, ou o Outro tenha ressignificado a relação a tal ponto que o processo interventivo esteja "caminhando sozinho", guiado por um automatismo travestido de técnica, supostamente eficiente, que dificulta os laços relacionais (Maroni, 2008).

Tenho visto autoritarismo, de você ser o centralizador de um... você centralizar muito em você um grupo... de você querer direcionar muito, né? (S1).

Há uma exigência nos grupos e nas oficinas que não condiz com a ideia da luta antimanicomial. Então ainda tem muito engessamento, muita contaminação (S10).

O reconhecimento dos profissionais acerca de tal estagnação, ao mesmo tempo que se constitui em importante diagnóstico situacional, esquadrinha possibilidades de mudança com vias para a consolidação dos princípios da reforma, apontando o CAPS como "um lugar de possibilidades" (S2) mas que "necessita ser desmanicomializado" (S5).

É o prenúncio da potência transformadora que, nas palavras de Agambem (Agamben, 2015) "se fosse sempre e somente potência de fazer ou ser algo, então, nós não poderíamos jamais experimentá-la como tal" (p.21).

Os modos de cuidado existentes, portanto, mantém-se firmes na tentativa de transgredir o status quo de um serviço que vive o dilema de resistir à estagnação e ampliar sua inserção comunitária, de modo que possa cumprir com o papel de dispositivo de reabilitação psicossocial que lhe foi incumbido como "um lugar de cuidar" (S5).

Nas oficinas terapêuticas a gente faz as orientações aqui no caps. Muitas das vezes eles já saem com um norte daqui. A oficina terapêutica quando sai daqui se torna, é, geradora de renda pra eles lá fora, entendeu? Então isso já é um ganho a mais, exatamente, pra vida deles. Então eu acho que isso é o CAPS (S8).

É um local de oportunidades para quem faz o tratamento. Com certeza ele merece ser respeitado (S7).

Nessa tarefa, o acolhimento e a escuta devem anteceder a técnica e fomentar a potência inventiva que compõe a singularidade das múltiplas práticas que insistem na promoção de mudanças positivas, em oposição a uma nova forma de cronicidade demarcada por questões que surgem como desdobramento das práticas de desinstitucionalização e atenção psicossocial de nosso tempo. Essas demandas necessitam ser reconhecidas e enfrentadas por todos aqueles que atuam nesses dispositivos (Desviant, 2015).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desenhada no final dos anos 70 e iniciada na segunda metade dos anos 80, a reforma psiquiátrica representa um conjunto de mudanças nos modos de cuidado voltados à pessoa em sofrimento mental. Sua implementação, ainda em andamento, questiona o modelo hospitalocêntrico, centrado na figura do médico, e as práticas de violência e exclusão dirigidas aos "pacientes", possibilitando o surgimento de novas estruturas e formas de relacionamento capazes de potencializar as ações multiprofissionais nesse campo. A amplitude da reforma pauta-se na tentativa de produção de vida e engajamento social a partir da implementação de uma clínica ampliada que se ocupa da singularidade nos processos de subjetivação.

No entanto, observa-se que nos dispositivos que compõem a RAPS, especialmente os CAPS, enquanto principais dispositivos articuladores e importantes portasde entrada desta rede para a pessoa em sofrimento mental, tencionam-se forças operantes que nem sempre coadunam com o movimento proposto pela reforma psiquiátrica.

Há marcas constantes e indeléveis de uma herança hospitalar e manicomial que constantemente emulam com o movimento de expansão das fronteiras do serviço, daqueles que se propõem ao cuidado dos usuários.

Diante desta configuração tem-se um território onde coabitam tanto inciativas que valorizam a construção coletiva de Projetos Terapêuticos Singulares (PTS), o exercício da autonomia, a garantia e o exercício de direitos e cidadania, quanto ações baseadas na coerção, medo, medicalização da vida e em visões obtusas que limitam o potencial e a capacidade das pessoas em sofrimento mental de se colocaram no mundo de acordo com o fluxo de vida que lhes atravessa, constituindo, muitas vezes, práticas reificantes e esvaziadas de potencial transformador.

Diante disto perguntamos: Como reduzir tensões e gerar mudança de fluxo? Como proceder a desmanicomialização do CAPS de modo que as tensões existentes possam interferir cada vez menos nos modos de cuidado prestados aos usuários do serviço? O que fazer com as tensões? Como canalizá-las para serem fluxo e não estagnação?

Sem a pretensão de sermos preditivos, não poderíamos concluir este artigo sem apresentar algumas possibilidades, cientes de que, algumas dessas tensões ultrapassam o âmbito da possibilidade de uma intervenção direta, a exemplo das tensões políticas.

Em primeiro lugar vislumbramos o investimento em um plano de reestruturação do serviço como um caminho factível, se construído por todos os atores que compõem o serviço. Por em diálogo ideais divergentes e convergentes na construção desse projeto pode favorecer a emersão de movimentos coletivos unificadores e potentes, forças motrizes que podem impulsionar o estatuto atual do centro para um lugar onde as boas práticas prevaleçam.

Em segundo lugar, apontamos a instituição de supervisões clínicas regulares como iniciativa que pode agregar positivamente nesse processo ao fomentar reflexões e propor saídas para tensões a partir da escuta dos todos es envolvidos. Poder contar com a experiência de um mediador que encaminhe questões polêmicas e oriente um trabalho com vias à harmonização dos procedimentos divergentes, tende a contribuir para a construção de um ambiente relacional dialógico e construtivo. Nesse cenário desafiador não há o que retroceder. Viemos do manicômio, sabemos que as limitações que ele impõe são maiores e mais implacáveis que as atuais dificuldades que circundam a tentativa de consolidação do movimento de reforma psiquiátrica na RAPS. Que o futuro nos convoque ao aprimoramento de nossas práticas, ao estudo e ampliação das experiências exitosas, à melhoria dos serviços, da gestão e do controle social.

A reforma se faz na prática cotidiana, experimentando, somando forças, debatendo, estudando etc. Que a era pós-reforma nos traga maturidade para crescer e aprimorar nossas ações. Que elas possam estar alinhadas ao horizonte de uma efetiva clínica ampliada que provoque reflexões transformadoras sobre os modos de cuidado voltados às pessoas em sofrimento mental e contribua para o desenvolvimento de estratégias de superação dos desafios e tensões engessantes.

 

 

Referências

Agamben, G. (2015). Bartleby ou da Contigência, o escrevente: Uma história de Wall Street. Tradução: Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora.         [ Links ]

Araújo, L. S. A; Oliveira, I. B. S. (2013). Paisagens acolhedoras em um tempo de sutilezas: Ressonâncias da dança em uma clínica corporal em saúde mental. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v. 21, n. 3, p. 575-582.         [ Links ]

Atkinson, P. & Hammersley, M. (1994). Ethnography and participant observation. In Dezin, N. & LINCOLN, Y. (eds.). Handbook of Qualitative Research. (pp. 48-61). Thousand Oaks, CA: Sage.         [ Links ]

Brasil (2014). Ministério da saúde – Portal da Saúde. RAPS-Rede de Atenção psicossocial. Recuperado em 05 de janeiro de 2017, de: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/o-ministerio/principal/secretarias/803-sasraiz/ daet-raiz/saude-mental/l2-saude-mental/12588-raps-rede-de-atencao-psicossocial.

Caldeira, J. P. (2015). Ministro nomeia ex-diretor de manicômio para coordenação da Saúde Mental. GGN. Caderno Cidadania. Recuperado em 10 de janeiro de 2017, de: http://jornalggn.com.br/noticia/ministro-nomeia-ex-diretor-de-manicomio-paracoordenacao- da-saude-mental.         [ Links ]

Carvalho, F. B. (2005). Estudo de caso: dez anos se passaram, uma releitura. In Pádua, E. M. M. & Magalhães, L. V. (orgs.). Terapia Ocupacional: casos, memórias e vivências. (pp. 11-25). Campinas, Sp: Papirus.         [ Links ]

Conselho Federal de Psicologia (2017). Notícias: CFP repudia mudanças na política de saúde mental. Recuperado em 10 de janeiro de 2018, de: https://site.cfp.org.br/repudio-mudancas-politica-saude-mental.         [ Links ]

Desviant, M. (2015). A Reforma Psiquiátrica. 2.ed. Rio de Janeiro: Fiocruz.         [ Links ]

Dominguez, B. (2014). Novas formas de prisão. RADIS, Fiocruz, n. 146, p. 10-13.         [ Links ]

Forghieri, Y. C. (1993) Psicologia Fenomenológica: fundamentos, método e pesquisas. São Paulo: Pioneira        [ Links ]

Giorgi, A. (1985). Phenomenology and Psychological Research. Pittsburgh: Duquesne University Press.         [ Links ]

Gonçalves, A. M. & Sena, R. R. (2001). A reforma psiquiátrica no Brasil: contextualização e reflexos sobre o cuidado com o doente mental na família. Rev Latino-am Enfermagem, 9(2): 48-55.         [ Links ]

Lima, E. A. Artes menores: criação de si e de mundos nas ações em saúde mental. In Amarante, P. & Nocam, F (Orgs.). Saúde mental e arte: Práticas, saberes e debates. (pp.39-52). São Paulo: Zagodoni, 2012.         [ Links ]

Maroni, A. A. (2008). E por que não? Tecendo outras possibilidades interpretativas. Aparecida, SP: Idéias & Letras.         [ Links ]

MNLA. Movimento nacional de Luta Antimanicomial. Nota de repúdio contra o desmonte da política de saúde mental. Recuperado em 11 de dezembro de 2017, de: http://www.cressrj.org.br/site/wpcontent/ uploads/2017/12/NOTA_DE_REPUDIO_CONTRA_O_DESMONTE_DA_SAÚ DE_MENTAL_MNLA.pdf        [ Links ]

Martins, J. J. & Albuquerque, G. L. A. (2007). A Utilização de Tecnologias relacionais como Estratégia para Humanização do Processo de Trabalho. Cienc. Cuid Saúde, 6(3), 351- 356.         [ Links ]

Merhy, E. E. (2002). Saúde: cartografia do trabalho vivo em ato. São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Merhy, E. E. & Feuerwerker, L. C. M .(2009). Novo olhar sobre as tecnologias de saúde: uma necessidade contemporânea. In Mandarino, A.C.S & Gomberg, E. (org) Novas tecnologias e saúde. Salvador: EdUFBa, 2009.         [ Links ]

Muchielli, A. (1991). Les Methodes Qualitatives: que je sais? Paris: Presses universitaires de France.         [ Links ]

Nascimento, R. V. C. (2015).Trabalho precarizado e transtorno mental: a visão dos profissionais de um CAPS. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém.         [ Links ]

Pimentel, A. (2011). Interrogar masculinidades em Belém do Pará. Contextos clínicos, 1(4), 18-27.         [ Links ]

____________. (2011b) Análise do discurso: uma ferramenta metodológica para análise da violência psicológica. In Abreu, W. F. & Oliveira, D. B. (Orgs.) Entre Educação e Filosofia: Conhecimento, Linguagem e Pensamento. Belém: GEPEIF.         [ Links ]

Ricoeur, P. (1999). Teoria das interpretações. Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

___________. (1988). Interpretação e Ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves.         [ Links ]

Rodrigues, M. R. O. (2013). Com a voz, os usuários: discursos sobre as práticas de cuidado em saúde mental em um CAPS do Estado do Pará. (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Pará, Belém.         [ Links ]

Rossi, F.R. & Lima, M.A.D.S. Fundamentos para Processos Gerenciais na Prática do Cuidado. Rev. Esc. Enferm, 39(4), 460-468.         [ Links ]

Silva, V. A. A história da Loucura: em busca da saúde mental. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1979.         [ Links ]

Silverman, D. (2009). Interpretação de dados qualitativos: métodos para análises de entrevistas, textos e interações. 3. ed. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Yasui, S. & Costa-Rosa, A. (2008). A estratégia atenção psicossocial: desafio na prática dos novos dispositivos de saúde mental. Saúde em debate, Rio de Janeiro, 32(78/80), 27- 37.         [ Links ]

 

 

Notas sobre o autor

Lucivaldo da Silva Araújo. Doutor em Psicologia Clínica (PUC/SP). Terapeuta Ocupacional docente do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade do Estado do Pará – DETO. E-mail: lucivaldoaraujo@uepa.br.

 

Recebido:10/11/2017
Aprovado: 22/03/2018

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons