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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.11 no.2 Belém maio/ago. 2019

https://doi.org/10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.n02artigo51 

Artigo

DOI: 10.26823/RevistadoNUFEN.vol11.n02artigo51

 

Rodas de conversa com universitários: prevenção e promoção de sáude

 

Conversation circles with university students: health prevention and promotion

 

Ruedas de conversación con universitarios: prevención y promoción de la salud

 

 

Marciana Gonçalves FarinhaI; Neftali Beatriz CenturionI; Tatiana Benevides Magalhães BragaI; Jaqueline Rodrigues StefaniniII

I Universidade Federal de Uberlândia

II Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP

 

 

 


RESUMO

Este trabalho objetivou relatar as experiências com grupos de universitários sobre prevenção e promoção da saúde. Foram realizados em 2018 sete encontros com duração aproximada de uma hora e meia cada, dos quais participaram seis graduandos de diversos cursos. A análise dessa experiência está pautada na perspectiva fenomenológica, realizando uma cartografia clínica de temas de discussão que permeiam modos de sustentação do cuidado e do devir grupo. Dos temas abordados, destacam-se relações interpessoais, expectativas, estressores, habilidades, potencialidades, comunicação, preconceitos e autoestima. Entre as estratégias para promoção do cuidado, enfatizou-se autoconhecimento, aprofundamento dos próprios recursos, fortalecimento de vínculos, relacionamentos saudáveis e reflexão crítica. No decorrer das intervenções, os universitários se expressaram mais e interagiram entre si, reelaborando e transformando os modos de cuidar. A experiência do grupo favoreceu novas significações para vivências, reflexões e experimentações, desvelando-se como modo de ser-com-outros voltado ao cuidado pessoal e coletivo e promotor de saúde mental.

Palavras-chave: Estudantes Universitários, Promoção de saúde, Prevenção


ABSTRACT

This qualitative interventive research aimed to reflect on the mental health of university students. In 2918 seven meetings lasting approximately one and a half hours were held, with six undergraduates from different courses. The analysis of this experience is based on the phenomenological perspective, by conducting a clinical cartography of discussion topics that permeate ways of sustaining care and becoming a group. The addressed themes include interpersonal relations, expectations, stressors, abilities, potentialities, communication, prejudices and self-esteem. Among the strategies for promoting care, we emphasized selfknowledge, deepening of one's resources, bond strengthening, healthy relationships and critical reflection. During the interventions, the university students expressed themselves more and interacted with each other, re-elaborating and transforming the ways of caring. The group's experience has fostered new meanings for experiences, reflections and experimentations, and proved to be a way of being-with-others aimed at personal and collective care and promoting mental health.

Keywords: University Students, Health Promotion, Prevention


RESUMEN

Este trabajo objetivó relatar las experiencias con grupos de universitarios sobre prevención y promoción de la salud. Fueron realizadas en 2018 siete encuentros con una duración aproximada de una hora y media cada uno, de los cuales participaron seis graduados de diversos cursos. El análisis de esta experiencia está pautado en la perspectiva fenomenológica, realizando una cartografía clínica de temas de discusión que permean modos de sustentación del cuidado y del devenir grupo. De los temas abordados, se destacan relaciones interpersonales, expectativas, estresores, habilidades, potencialidades, comunicación, preconceptos y autoestima. Entre las estrategias para promover el cuidado, se enfatizó el autoconocimiento, profundización de los propios recursos, fortalecimiento de vínculos, relaciones saludables y reflexión crítica. En el transcurso de la investigación, los universitarios se expresaron más e interactuaron entre sí, re-elaborando y transformando sus maneras de cuidado. El grupo, como espacio de intercambio de experiencias, favoreció nuevas significaciones para vivencias, reflexiones y experimentaciones, desvelándose como modo de ser con el otros, direccionado al cuidado personal y colectivo y promotor de salud mental.

Palabras-clave: Estudiantes Universitarios; Promoción de Salud; Prevención.


 

 

INTRODUÇÃO

Diante de uma sociedade pautada pela exigência de produtividade constantes, a universidade, para além de se propor à formação profissional, apresenta-se como um espaço regido por várias demandas e desafios que atingem os estudantes de diferentes formas e nas diversas disciplinas científicas. A saída do ensino médio para o superior, para a maioria dos estudantes, dá-se concomitantemente com mudanças da adolescência para a vida adulta, podendo esse processo de grandes rupturas repercutir na saúde mental (Osse & Costa, 2011).

Além disso, atualmente há um contingente variado de pessoas que acessam as universidades brasileiras, decorrente da expansão do ensino superior, especialmente com a sua interiorização e com as políticas de ações afirmativas que ampliaram a possibilidade de acesso à universidade, sobretudo aos estudantes oriundos de famílias socialmente vulneráveis. No entanto, ainda existem muitos bloqueios para a permanência desses estudantes na universidade, com altos índices de evasão, segundo dados do Censo da Educação Superior realizado em 2015 as matriculadas trancadas (1.300.410) e as descontinuadas (1.735.546), somando (3.035.956) podem ser considerados abandonos (INEP, 2015), esses números tornam fundamental a elaboração e implementação de políticas de permanência, incluindo ações de promoção da saúde (Ferreira, 2017).

A transição para o ensino superior configura-se um período de intensas mudanças, tais como escolha do curso, novos colegas, diferentes exigências das que conhecia no ensino médio, muitas vezes distanciamento dos amigos antigos e familiares devido aos novos compromissos acadêmicos, fatores que pode potencializar o estresse, desequilíbrios e gerar dificuldades de ajustamento, com impacto a nível pessoal e acadêmico (Almeida, Pinto, & Lima, 2018). Estudo realizado com universitários de uma cidade do interior de Minas Gerais evidenciou que 47% apresentaram significativos sentimentos de solidão e sintomas depressivos, 59,2%, manifestaram sintomas de ansiedade, o estresse variou de 70,4% a 78,1%, sendo que 37,2% encontrava-se em nível de exaustão. A autora destaca, ainda, o preconceito, estresse acadêmico, questões socioeconômicas e distância da família como fatores que desencadearam intenso sofrimento psíquico entre os estudantes, levando ao desenvolvimento e ou agravamento de transtornos mentais, incluindo ansiedade e depressão (Souza, 2017).

A literatura mostra diferentes estratégias para promoção da saúde no contexto universitário, com ênfase na atividade física, na saúde sexual e na melhoria do ambiente de apoio à saúde dentro da comunidade universitária. Mas nem sempre resultam da convergência entre ações educativas, políticas ou organizacionais que sustentem estilos de vida e condições favoráveis à saúde dos estudantes (Ferreira, Brito, & Santos, 2018). Dentre as estratégias possíveis para promoção da saúde, as técnicas com grupos têm se mostrado efetivas, pois possibilitam a construção de novos percursos existenciais por meio de trocas vivenciais entre os estudantes (Branco & Pan, 2016; Castro, 2017).

As experiências grupais articulam a promoção da saúde e cidadania a partir de um espaço de legitimação das vivências e aparição diante de outros. A participação em grupos terapêuticos resgata a dignidade de quem fala, de modo que, ao perceber-se coautor de sua história, pode voltar-se ao autocuidado, percebendo os modos próprios de responder ao mundo e à autonomia. Dessa forma, os grupos permitem trabalhar a capacidade de construção das próprias significações para a experiência pessoal e coletiva (Braga, 2018).

Realizar intervenções com grupos sobre promoção da saúde no contexto universitário é relevante, pois, as dificuldades enfrentadas pelos estudantes, independente da intensidade e gravidade, podem resultar em prejuízos tanto para saúde como para a vida acadêmica, incluindo trancamentos de matrícula por períodos longos, abandono da vaga, desligamento da instituição, afetando ainda diversas dimensões psicossociais. Assim, esse artigo tem como objetivo relatar as experiências de um grupo com universitários, com foco na prevenção e promoção da saúde sendo conduzidos por estudantes de psicologia.

 

MÉTODO

Este é um relato de experiência de uma intervenção grupal, realizada a partir de uma disciplina de estágio básico oferecido pelo curso de Psicologia de uma universidade do interior de Minas Gerais, em 2018. A disciplina tem como objetivo inserir os alunos na prática profissional, promovendo ações interventivas. Para tanto, foi utilizada a roda de conversa, como um instrumento de cuidado em saúde, que possibilita a articulação entre o relato das experiências e a exploração de seus múltiplos sentidos para os indivíduos. Dessa forma, ocorre a construção do conhecimento individual e coletivo, promovendo uma ação de educação em saúde (Oliveira & Bueno, 2016).

Enquanto método interventivo, as rodas de conversa são pertinentes tanto para reflexão sobre as práticas educativas em saúde (Moura & Lima, 2014) como para trabalhar as demandas dos universitários (Branco & Pan, 2016; Pan & Zugman, 2015), favorecendo a emancipação no campo cognitivo e também nos campos social e político (Freire, 2016).

Para composição da amostra foi realizada divulgação da intervenção pelo site da universidade, nas coordenações dos cursos de diferentes instituições de ensino superior da cidade pelos e-mails institucionais. A partir do contato, feito pelos estudantes através do email e do número de Whattsap divulgado, foi explicado a proposta, tirado dúvidas e feita a inscrição do interessado. Foi definido pelos estagiários que o grupo seria fechado, uma vez que formado o grupo não entraria mais participantes. Apesar da ampla divulgação, houve baixo número de inscritos, com 10 estudantes, sendo que seis participaram efetivamente das intervenções.

No primeiro dia do grupo foi explicado a proposta de intervenção, definido os temas com os participantes presentes a serem trabalhados durante as intervenções, explicado os aspectos éticos e assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para futura publicação, garantido também que nenhum dos participantes seriam expostos com seus nomes ou informações pessoais que pudessem ser identificados. Todos os nomes dos participantes foram trocados para garantir o anonimato. A faixa etária desses participantes variou entre 18 e 25 anos. Em relação ao sexo, 4 eram do sexo feminino e 2 do sexo masculino. Os participantes cursavam ciências exatas, biológicas e humanas, sendo que dois graduandos estavam no primeiro ano do curso, três no segundo e o último no quinto ano.

Os facilitadores das rodas de conversa foram uma psicóloga e 4 estagiários do 5º período do curso de psicologia, que possibilitaram a construção de um espaço de diálogo e reflexão entre os universitários sobre temas concernentes à promoção da saúde. As rodas de conversa foram realizadas a partir do cumprimento das seguintes fases: 1) dinâmica de sensibilização e descontração, 2) problematização de um tema previamente elaborado, 3) fundamentação teórica, 4) reflexão crítica, 5) elaboração coletiva das falas do grupo sobre os temas abordados 6) síntese do que foi vivenciado, e 7) avaliação. Após a finalização de cada encontro os pesquisadores realizaram discussão e reflexão acerca da vivência para o planejamento do próximo grupo.

Foram realizados sete encontros em uma sala da Clínica-Escola de Psicologia, que tinham espaço e acústica apropriada para a intervenção em grupo. Os encontros aconteceram entre os meses de maio e junho de 2018, com duração de uma hora e meia cada. Foi realizado registro das intervenções para posterior análise e avaliação da ação, para isso foram utilizadas as seguintes técnicas: observação participante com anotações sistematizadas, roteiro para descrição das ocorrências do grupo e diário de campo dos pesquisadores (Braga, 2014).

O material coletado foi analisado a partir da cartografia clínica de perspectiva fenomenológica (Braga, 2014), procurando descrever a paisagem social, vivencial e relacional desvelada no processo do grupo, em que as experiências pessoais entrelaçam-se ao estar com outros e ao horizonte mais amplo das dimensões econômicas, culturais, políticas, institucionais e discursivas que compõem o cenário social. Nesse sentido, buscou-se construir na análise uma narrativa abrangente da dinâmica do grupo, articulando-a ao diálogo com autores que discutem, no contexto social mais amplo, temas atinentes às experiências trazidas pelo grupo, na perspectiva da fusão de horizontes (Gadamer, 2011).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Houve pouca procura dos universitários para participar dessa intervenção, ao final do processo de seleção tinham inscritos 10 universitários. Uma possível compreensão para esse fato foi a coincidência entre o horário da intervenção e horário de aulas, inviabilizando a participação de um número maior de universitários. Nessa perspectiva, a agenda de atividades das universidades pode se tornar um elemento de obstrução do autocuidado, sendo que dos inscritos, apenas 6 universitários participaram efetivamente da intervenção. Os desistentes alegaram dificuldades pessoais como horário incompatível ou outros compromissos já assumidos.

Nas rodas de conversa, verificou-se diferentes experiências e demandas dos estudantes, como sobrecarga acadêmica, auto cobrança, pressão da família para corresponder às expectativas acadêmicas, dificuldades de comunicação sobre incômodos e discordâncias e incertezas em relação ao curso e à carreira profissional. Essas dificuldades enfrentadas pelos estudantes foram relacionadas à interferência na autoestima e provocaram mudanças no percurso acadêmico, sendo associadas à ausência de espaços de escuta e promoção de saúde.

Também foram abordados nas rodas de conversas diversos elementos psicossociais potencializadores do abuso de drogas, embora esses temas não tenham emergido diretamente no grupo, bem como outros problemas que podem causar prejuízos para a saúde no meio universitário, tais como experiências de crise, dificuldades nas relações familiares e com parceiros íntimos, intenso sofrimento associado à ausência de espaços de apoio e à sobrecarga de tarefas acadêmicas e cobranças, ausência de valorização e de convívio social e individualismo no ambiente profissional.

No primeiro e segundo encontros, foram propostas dinâmicas de integração e, posteriormente, apresentado um vídeo do Youtube, de 15 minutos, que tratou de expectativas e estressores da vida acadêmica, trazendo cenas cotidianas da universidade de maneira criativa e divertida, mas também desconstruindo idealizações sobre o tema. Verificou-se que os estudantes relataram apresentar dificuldades em assumir e gerenciar os compromissos referentes à vida adulta na universidade, tais como: administração do dinheiro e das finanças pessoais, gerenciamento do tempo e execução das tarefas acordadas, disciplina para o desenvolvimento das atividades e cumprimento das regras institucionais, organização e dificuldades em lidar com problemas interpessoais, institucionais e de trabalho. Essas experiências convergem para elementos como dúvidas e inseguranças, gerando ansiedade, que estão associadas à falta de familiaridade dos estudantes com o seu passado escolar e ao futuro profissional incerto (Coulon, 2017).

No primeiro encontro, também foi identificado que a ausência de momentos e espaços de escuta, reflexão e desenvolvimento pessoal frente às situações de crise das mais diversas ordens: existencial, afetivo-relacional, financeira, dúvidas sobre a carreira e experiências de luto, podem operar um intensificador dessa complexidade na vida acadêmica. Nesse sentido, é importante repensar uma reestruturação do currículo para atualizar as grades dos cursos de graduação, visando às necessidades informacionais, mas também considerando os fatores que interferem no processo de ensino-aprendizagem, tais como os problemas nas relações interpessoais estabelecidas na instituição e as questões relacionadas à condição socioeconômica do estudante. Dessa forma, disponibilizar a opção de transitar em outras áreas interdisciplinares e promover espaços de conversas pode proporcionar aos estudantes novos possibilidades de desenvolvimento na universidade (Soares et al., 2015; Ferreira, 2017).

Foi possível identificar que as múltiplas exigências por produtividade e a adaptação à vida universitária provocam sofrimento psíquico nos estudantes desse estudo, que relataram experiências de crise e sofrimento significativo no período de início da graduação. Entende-se que a crise não foi gerada pelas vivências na universidade em si, mas por problemas cotidianos que, ao serem vividos num contexto de exigências e poucas possibilidades de troca e espaço pessoal, levaram a vivências de sofrimento. Houve relatos de estudantes que passaram a perceber a importância de buscar autocuidado após o ingresso na universidade e tiveram dificuldades de acesso a espaços de assistência à saúde mental.

As rodas de conversa configuram-se como espaços de promoção da saúde, sendo essas intervenções mencionadas pelos estudantes com impacto positivo em suas vidas, por exemplo, houve relatos de que eles passaram a olhar de forma mais reflexiva para as exigências impostas pelo grupo, podendo redefinir a maneira de enfrentar e responder às pressões e desafios presentes na vida universitária. Considera-se as rodas de conversa uma prática auxiliar no acolhimento de estudantes universitários, que abarcam ações a nível institucional e coletivo, de modo a promover o engajamento dos estudantes (Branco & Pan, 2016). Isto foi evidenciado no relato dos participantes que referiram ter iniciado o processo psicoterapêutico, mas interromperam devido a problemas econômicos e à sobrecarga de tarefas, fatores que denunciam a necessidade de um espaço de acolhimento. Essa situação reafirma que elementos importantes na vida universitária, tais como a sobrecarga na vida acadêmica e a dificuldade de acesso a serviços de saúde mental podem ser fatores estressantes que contribuem para o sofrimento existencial dos universitários.

Observou-se que muitos estudantes se sentem frustrados com o curso e, muitas vezes, esse sentimento está relacionado ao processo de formação. Apresentam-se em algumas matérias exigências para as quais os estudantes não se sentem aptos, bem como dificuldades no relacionamento com colegas e professores, conflitos em atividades de grupo e dificuldades de adaptação aos trâmites institucionais da universidade. Todavia, para além destas questões, também foi relatada frustração com a universidade relativa à emergência da produtividade enquanto relevante mecanismo regulador. Notas e certificados tornam-se diretrizes das ações, incluindo a própria realização grupo, já que alguns participantes destacaram só se permitirem participar desse espaço de cuidado porque seria ofertado certificado, permitindo a validação das horas dentro da lógica burocrática que os alunos devem seguir para concluir o curso.

No segundo encontro, inicialmente, os participantes tiveram dificuldades para identificar os elementos estressores da vida universitária, reconhecendo-os paulatinamente conforme narraram suas experiências. Tais fatores estavam relacionados a estressores externos, oriundos das cobranças da universidade, como prazos, trabalhos, excesso de tarefas, bem como estressores internos, principalmente a auto exigência cada vez maior de assertividade nos processos produtivos propostos pela universidade, dificuldades de organização e de divisão do tempo entre atividades referentes à universidade e atividades fora do âmbito acadêmico. Estudos mostram que ao longo do curso de graduação, sobretudo na área de saúde, há um aumento do nível de estresse entre os estudantes. Assim como nesta pesquisa, os fatores relacionados ao estresse universitário são os processos avaliativos e a sobrecarga acadêmica, sendo que os estudantes que fazem uso de álcool, tabaco ou trabalham são mais suscetíveis ao estresse (Nascimento, Silva, & Colares, 2017; Almeida, Silva, Rocha, Batista, & Sales, 2017).

Observou-se, ainda, dificuldades dos estudantes em identificarem estressores associada ao caráter indireto de alguns processos. Por exemplo, a dificuldade de relacionar a vida pessoal com a faculdade, percebida inicialmente como problema de ordem pessoal, foi reorientada a partir das discussões do grupo, como elemento ligado ao mundo social, em que vários participantes relataram as mesmas dificuldades. Nesse contexto, cabe destacar uma importante dimensão do grupo enquanto espaço de reconhecimento do atravessamento social de muitas experiências tomadas de maneira individual numa sociedade atomizada (Braga, 2018).

As múltiplas exigências de atividades, dificuldades em definir as prioridades ou encontrar equilíbrio entre atividades estressoras e não estressoras, também foram relatadas nessa roda de conversa. Entende-se que nem sempre os sujeitos manejam essas circunstâncias com autonomia, pois estas envolvem aspectos sociais, econômicos e institucionais que levam a experiências de auto cobrança, cobrança externa de professores e de familiares. Essas demandas do grupo estão relacionadas com exigências de produtividade que compõem uma cultura exploratória do trabalho num contexto neoliberal, agindo cotidianamente no contexto universitário (Oliveira & Fernandes 2016a), fomentando o individualismo e a competição (Oliveira & Fernandes, 2016b).

As tarefas acadêmicas ocupam grande parte do tempo dos estudantes, com implicações na vida pessoal. Esses universitários mencionaram que enfrentavam impasses: corresponder às exigências impostas pelas tarefas ou sacrificar parte do desempenho acadêmico e as possíveis consequências dessa escolha em prol da maior preservação de espaço para a vida pessoal. Isto foi evidenciado no relato de um dos participantes, que escolheu preservar a vida pessoal e satisfazer-se com um desempenho acadêmico um pouco menor, enquanto dois outros membros do grupo relataram não perceberem esse dilema como questão a ser resolvida por eles, já que se sentiam pressionados pela família. Estudos científicos corroboram as demandas trazidas pelos universitários, afirmando que as relações familiares e pessoais expectativas dos pais e responsáveis quanto ao desempenho dos filhos na faculdade, o gerenciamento do tempo entre compromissos acadêmicos, trabalho ou atividades de pesquisa e extensão, a pressão por alto desempenho acadêmico e, ainda, a falta de tempo para atividades de lazer, são fatores estressores (Beiter et al, 2015; Fiori, 2018; Khan, Altaf, & Kausar 2013).

Compreende-se que os elementos estressores estão relacionados ao contexto social, no seu sentido amplo, considerando o cenário de ascensão do neoliberalismo das últimas décadas, junto a concepção de produtividade acadêmica, simuladas como política de Estado e como cultura ideológica. Nesta perspectiva, a produção de conhecimento tornou-se pragmática, visando a mercantilização desse “produto” , na forma de inovações tecnológicas vendáveis, constituindo-se o eixo de transformação institucional do próprio papel da universidade (Oliveira & Fernandes, 2016a). Ao ingressar na universidade, o estudante passa a incorporar uma lógica produtiva que exige grande volume de resultados pragmáticos imediatos, em detrimento de experiências de socialização e processos de formação política e cultural.

Observou-se essa lógica de produtividade, de subjetiva, nas falas dos participantes dessa roda de conversa. Isto foi evidenciado nos relatos que descreveram a rotina acadêmica como “normalizando algo que é patogênico”, o imperativo produtivo e ausência de espaços de convívio como “relacionados à geração em que estamos”. O espaço grupal, ao construir um microcosmo social, que permite desvelar os elementos contextuais expressados nas experiências individuais, constitui um importante espaço de retomada da dimensão ético-política das experiências vividas (Braga, 2018). Além disso, os participantes criticaram a própria essência do pragmatismo em detrimento do pensamento crítico, pois provoca “muita carga de informação para pouca profundidade”.

Nessa roda de conversa também foram abordadas estratégias para lidar com o estresse. Os participantes descreveram as seguintes atividades: massagem relaxante, exercício físico, jogos virtuais, assistir filme ou série, ler livros, conversar com os amigos, além da duração do sono de boa qualidade. É significativo que os elementos apontados pelo grupo se refiram, principalmente, a práticas de promoção da saúde, das relações afetivas e da cultura, apontando para os elementos que vêm se mostrando deficitários nas análises sobre a transformação institucional da universidade (Oliveira & Fernandes, 2016a).

Os alunos têm melhor desempenho acadêmico quando conseguem gerenciar o estresse (Khan et al., 2013), e instrumentalizá-los para lidarem com eventos estressores pode favorecer o desempenho acadêmico e profissional, bem como melhorar a qualidade de vida (Edvy, 2015; Fiori, 2018). Nesse sentido, estudos mostram ações exitosas, tais como: atividades terapêuticas com música (Fiori, 2018); curso ou treinamento para consciência de saúde (Edvy, 2015), atividades físicas (Vries, Van Hooff, Geurts, & Kompier, 2016), treinamento e desenvolvimento de habilidades sociais (Lopes, Descanio, Ferreira, Del Prette, & Del Prette, 2017).

Assim, considera-se importante oportunizar ações em espaços que favoreçam a elaboração das experiências, a partir do diálogo e reflexão, bem como distração e alívio de tensão, como um recurso para promoção da saúde, visando a qualidade de vida. Essas ações podem impactar favoravelmente a vida dos universitários, reduzindo o adoecimento, que são responsáveis pelas faltas aos compromissos acadêmicos, falta de comprometimento do aprendizado e mais busca por atendimentos nos serviços de atenção à saúde (Langame et al., 2016).

No terceiro encontro, o tema abordado foram as relações interpessoais, com a criação do mapa relacional, adaptado de (Oliveira, Sartes, Ribeiro, Ismael, Cazassa, 2017). Esse mapa proporcionou ampla discussão e foi construído pelos participantes a partir de critérios, tais como apontar as pessoas próximas e distantes, julgando os sentimentos de consideração e estima e não a frequência de convívio, destacando a proximidade afetiva e existencial como critério significativo para a construção de redes de apoio psicossocial do que a proximidade física. Essa construção do mapa relacional apontou para a experiência de espacialidade discutida por Heidegger, para quem as coisas se localizam no mundo no espaço pautado pela mensuração das distâncias, mas na existência humana, que o autor denomina Dasein, o que se apresenta é a habitação no mundo: não nos localizamos no mundo como a mesa em uma sala ou estamos dentro ou fora de algum lugar como um sapato numa caixa. Contrariamente às coisas, estabelecemos uma relação de ser e nos situamos frente ao que nos rodeia, de tal modo que contribuímos na configuração de lugares - especializamos nossa experiência e o próprio mundo (Heidegger, 2009).

A espacialização que experimentamos nos coloca numa disposição afetiva em que nos sentimos próximos ou distantes dos outros e das coisas, independentemente de sua localização geográfica (Heidegger, 2009). Nesse sentido, a possibilidade de construção do mapa relacional serve à promoção de saúde, que permite a elaboração e reconhecimento de critérios interpretativos pelos quais os participantes se situam na relação com o outro. Construir um recurso imagético de visualização dos laços existenciais foi referido por alguns participantes como possibilidade de dimensionar as relações, apropriando-se no modo de sercom- outros. Cabe destacar, ainda, que alguns participantes tiveram dificuldades em elaborar um mapa, principalmente uma participante que afirmou “não saber quem colocar”. Tal dificuldade aponta para as possibilidades de ruptura e distanciamento da rede de apoio social devido à inserção na rotina universitária, mas também para a necessidade de construção de estratégias de fortalecimento de vínculos no contexto social mais amplo.

A família foi referida pelos participantes como importante apoio psicossocial. Houve, no entanto, participantes que relataram conflitos relacionados à estrutura familiar autoritária ou sofrimento decorrente do distanciamento e da falta de apoio. Estudos mostram que a relação familiar tem influência no processo de construção da profissão, que se inicia desde a escolha da carreira, passa pelo processo de formação e vai até o início da inserção no mercado de trabalho (Blustein et al., 1991; Guerra & Braungart-Rieker, 1999), ainda que com o passar do tempo modificações nas relações parentais possam acontecer. Contudo, entende-se que trabalhar as relações familiares se apresenta como importante elemento de promoção da saúde.

O modo como a universidade cerceia a possibilidade de cultivo das relações pessoais foi criticado pelos universitários. Estudo de Andrade et al. (2014), com estudantes do curso de medicina, evidenciou influência direta de problemas pessoais ou familiares no sofrimento existencial desses estudantes, apontando para a importância da rede de apoio na promoção da saúde mental.

Apontar a relação entre as dificuldades de experienciar as relações e o universo competitivo, ditado pela realização de tarefas e pelo desempenho, parece significativo para auxiliar os estudantes a se situarem frente às dificuldades enfrentadas (Andrade et al., 2014). Em contrapartida, a situações de ruptura do vínculo familiar vividas por alguns estudantes em eventuais mudanças de casa e cidade, foram reveladas por eles como importantes, pois se sentiram pertencentes não somente à família, mas também aos colegas da faculdade e grupos que possam se identificar e partilhar vivências da universidade, contribuindo para construção da independência e a autonomia dos mesmos.

Pesquisas apontam que a entrada na universidade é acompanhada pela saída da casa dos pais, gerando a partir disto uma nova lógica de relação deste estudante com o mundo, visto que novas responsabilidades são assumidas como o cuidado pessoal, gerenciamento de compromissos sem a tutela dos pais, o que pode ocasionar diferentes estressores potenciais (Beiter et al, 2015; Fiori, 2018; Jones & Willians, 2014; Khan et al., 2013).

O quarto encontro teve como tema a autoestima, compreendida na perspectiva de Lysaker et al. (2008) como um complexo conjunto de sentimentos e pensamentos do indivíduo a respeito de si mesmo, de sua competência e valor, podendo ser positiva ou negativa e tendo impacto no enfrentamento dos desafios e da busca por interesses, desejos e necessidades. Essa roda de conversa foi trabalhada, a partir da leitura de uma estória sobre uma tribo africana toda vez que uma pessoa erra as pessoas da tribo se reúnem em torno dela por dois dias e enaltecem as coisas boas que fez. Eles acreditam que assim ajudam a pessoa que errou a se reerguer, porque seu erro na verdade era um pedido de ajuda. A leitura da estória africana promoveu discussões sobre as possibilidades de acolhimento, estímulos, repressão e cobranças frente à realização de si. Os participantes relataram algumas dificuldades ao lidarem com autoimagem, relacionando-as à cobrança que fazem a si mesmos, ao medo do fracasso e às pressões sociais ligadas ao desempenho acadêmico.

Além disso, houve relatos de participantes com mudanças na autoestima ligadas a experiências vividas na universidade, contexto em que passaram a se sentir mais inseguros quanto ao próprio desempenho. Estudos mostram que as relações interpessoais estabelecidas entre membros da comunidade acadêmica são percebidas como insatisfatórias, sobretudo no que diz respeito às relações entre estudante/estudante, estudante/professor e estudante/funcionários (Soares et al., 2015; Almeida et al., 2017).

Com o objetivo de elencar situações ou coisas que nos fazem bem e ou nos fazem mal, por meio dos relatos dos participantes, foi conduzida uma dinâmica com bexiga. O resultado dessa atividade possibilitou reflexões sobre autoestima dos participantes. A bexiga foi relacionada com o estado de saúde mental, favorecendo a compreensão de que tudo que é acumulado ao longo do tempo pode nos fazer “explodir”, ou seja, se é dado maior valor aos aspectos negativos isso pode causar prejuízos à saúde.

Refletiu-se, ainda, sobre o que faz bem para a autoestima e o quanto carregar elementos que a depreciam pode implicar em sofrimento ao longo do tempo. Nesse contexto, foi feito uma analogia ao abordar a necessidade de buscar a sensação significativa do esvaziar para que a bexiga não exploda. Dentre as sugestões referidas pelos participantes, está a possibilidade desligar-se de situações nas quais não terão resultados, compreender o próprio corpo e aumentar a consciência de si. Assim, pode-se estabelecer uma articulação entre os elementos ligados à autoestima, o modo de ser-com-outros (Heidegger, 2009) e a apropriação das interpretações e percepções de mundo que se apresentam na experiência. Ao retomar a tarefa de ser, a questão de quem sou eu ou, em outras palavras, o modo como cuida-se de ser (Heidegger, 2009), os elementos desvelados no contato com o mundo podem ser apropriados, questionados e reorientados no existir, auxiliando a lidar com o autocuidado, a relação com outros e com o mundo a partir da serenidade (Heidegger, 2000).

Nessa roda de conversa, assim como nos encontros anteriores, os participantes relataram trajetórias acadêmicas com percalços, como mudança de curso, dúvidas em relação à escolha profissional, dificuldades de adaptação à rotina acadêmica, trancamentos e transferências de cursos. Esses elementos são importantes, pois podem intervir na autoestima dos estudantes, sendo relacionados à insegurança tanto pela possibilidade de não contemplar os resultados esperados, quanto pela turbulência decorrente das mudanças no percurso acadêmico. Estudos apontam que as cobranças provocam insegurança e dificultam o rendimento nas atividades acadêmicas, sendo que a autoestima pode influenciar os êxitos e fracassos no processo ensino-aprendizagem, nas atividades laborais e nas relações interpessoais (Lima, Trajano, & Chaves Neto, 2017), interferindo nos resultados e avaliações.

Entende-se que rupturas e dificuldades para além da trajetória acadêmica podem gerar um ciclo entre baixa autoestima e baixo desempenho acadêmico, ambos potencialmente prejudiciais. Esse fenômeno é agravado no contexto de competitividade e de exigências de produtividade acadêmica constituídas no modelo neoliberal de exploração do trabalho e mercantilização da educação e do conhecimento científico (Oliveira & Fernandes, 2016a). Nessa perspectiva, foi retomado na discussão com o grupo um horizonte macrossocial das experiências singularmente colocadas na roda de conversa. A compreensão de condicionantes psicossociais mais amplos torna-se importante recurso no processo de situarse frente ao mundo e aos outros, retomando o próprio modo de estar e lidar com as tarefas exigidas. As rodas de conversa promovem articulação das experiências de indivíduos diversos, permitem percebê-las na esfera coletiva, facilitando uma reflexão aprofundada sobre as condições do desempenho individual, revelando-se como auxílio potencial para o rompimento de um ciclo negativo em relação à autoestima.

No quinto encontro a temática abordada foi comunicação e os fatores que facilitam ou atrapalham esse processo, bem como suas implicações na vida universitária. Verificou-se que os estudantes apresentavam dificuldades para negar solicitações, colocar limites para o outro, expressar sentimentos e opiniões de maneira assertiva, sobretudo associado ao medo do julgamento do outro. Estudos mostram que a falta de comunicação no ambiente universitário está associada ao sofrimento psíquico, com desenvolvimento de estresse e ansiedade entre os estudantes (Cardozo, Gomes, Fan & Soratto, 2016; Almeida et al., 2017). Além disso, a dificuldade de comunicação prejudica o desenvolvimento de habilidades sociais dos estudantes e pode promover conflitos interacionais que vão além do ambiente universitário, impedindo que eles se aproximem de seus colegas com mais liberdade de conversas para explorar as necessidades de seus pares (Soares, Gomes, Maia, Gomes, & Monteiro, 2016).

Foi aplicada uma dinâmica cujo objetivo era experimentar a comunicação por mímica. Essa atividade permitiu trazer à tona a necessidade de comunicar-se com recursos não habituais, sendo significativo que os participantes relataram constrangimento inicial e dificuldades em procurar recursos expressivos mesmo em situações em que houve acerto. Tal situação levou à discussão sobre o temor do julgamento de outrem como entrave à expressão clara e assertiva, dificultando a comunicação. Desse modo, no âmbito da auto expressão que compõe a linguagem, encontramos o atravessamento significativo da dimensão social composta pelas pressões sociais, olhares e exigências de terceiros, desvelando os elementos dificultadores da autoestima, bem como da auto expressão e do processo comunicacional. Conforme Merleau-Ponty (2006), a linguagem não diz respeito apenas à realidade objetiva, mas é simultaneamente referência ao mundo, expressão de si e chamamento a outrem. Nessa perspectiva, a comunicação envolve um ouvinte, um falante e os elementos referidos no que está sendo dito, sendo que as dificuldades ou falhas de comunicação ocorrem no entrelaçamento entre comunicador, receptor e mensagem.

Assim, mostra-se necessário viabilizar espaços reflexivos sobre a relação com o outro, permitindo a construção de novos modos de lidar com problemas e dificuldades. O âmbito profissional também é afetado pelas dificuldades de comunicação. Um estudo evidenciou que profissionais com boa capacidade de comunicação prestam melhores serviços a seus clientes (Oliveira, et al., 2008). Assim, é possível considerar a própria formação universitária como espaço para abordar essa realidade de maneira a sanar as dificuldades, com treinamentos de habilidades comunicacionais, espaços para os universitários poderem exercitar a fala e escuta do outro, bem como refletirem sobre suas dificuldades e se instrumentalizarem para a vida pessoal e profissional. Por outro lado, considerando que uma boa comunicação envolve aspectos intrínsecos como uma escuta acolhedora (Oliveira, et al., 2008), encontramos uma conexão entre o processo comunicacional e a condição afetiva e vivencial dos interlocutores, o que pode tornar a esfera comunicacional mais um dos âmbitos em que se observam os impactos das crises, rupturas e sofrimentos vividos pelos universitários.

No sexto encontro, o tema abordado foi identidade profissional, trabalhada a partir dos gostos e valores pessoais, dos campos de atuação e da relação entre preferência pessoal e campo de atuação. Nessa roda de conversa, os estudantes revelaram dificuldades na escolha da carreira que deveriam seguir, pautando insatisfação com o curso, dúvidas em relação ao percurso a tomar após a formação e escolhas norteadas pela conveniência socioeconômica. A insatisfação com o curso foi evidenciada no relato dos estudantes, em que a escolha do curso estava relacionada a possibilidade de garantir emprego com o auxílio dos familiares, a falta de identificação com o conteúdo estudado percebido após o ingresso na universidade e, ainda o nível de exigência do curso aliado ao pouco acolhimento pedagógico de seu ambiente acadêmico, que levou a uma experiência de frustração e ausência de expectativas quanto a tornar-se bom profissional.

Houve também relatos de participantes satisfeitos com o curso, inclusive cursando a segunda graduação. No entanto, a escolha do curso por conveniência socioeconômica permaneceu nesses relatos. As dúvidas sobre a área a seguir após o curso, também foi descrita pelos estudantes, que apresentam dificuldades de dimensionar as informações referentes à especialização profissional em sua área e eleger aquelas que se identifica e percebe oportunidades. Esses percalços na escolha profissional foram referidos pelos estudantes relativos à insegurança quanto à inserção no mercado de trabalho, influenciando as decisões tomadas, muitas das quais se arrependeram sob a influência desse fator. Considera-se a importância do apoio psicológico nessas situações que poderia favorecer uma escolha profissional mais acertada, outro aspecto percebido pelas falas desses participantes foi o pragmatismo e o medo do fracasso profissional em suas escolhas.

Para Almeida e Pinho (2008) a escolha por uma profissão, para além da busca pela inserção no mercado de trabalho, diz do modo como jovem vê o mundo e a si mesmo. Nesse processo de definição de uma “identidade” socialmente aceita, o estudante enfrenta dificuldades no autoconhecimento. Dessa forma, a escolha de que lugar ocupar no mundo por meio do trabalho é um desafio, porque para além dos percalços do próprio processo de formação (provas, carga horária, turma, etc.) estão os dilemas da prática, que em muitos cursos são apresentados superficialmente, deixando o estudante e futuro profissional repleto de expectativas de um campo laboral que parece tão distante e, ao mesmo tempo, tão próximo. A escolha do curso de graduação carrega consigo o desejo de realização, assim como de estabilidade emocional e financeira, visto que a formação e prática profissionais não pode ser considerada somente como um processo de constituição de conhecimentos e habilidades, mas implica, também, um conjunto de aspectos psíquicos e sociais que contribuem para a construção do sujeito (Nicolielo & Bastos, 2002).

A possibilidade de construção da identidade encontra-se no campo descrito pelos participantes, com percalços em três esferas que se entrecruzam: a) a transição do ensino médio para um método não paternalista acarreta diversos processos de sofrimento existencial e angústia (Coulon, 2017); b) as recentes transformações da universidade reorientaram o conceito de excelência que rege a vida acadêmica, alinhando-o à lógica da produtividade do terceiro período do capitalismo - o neoliberal; e c) a perda de garantias sociais pela reestruturação produtiva e reordenação do Estado advindas com o neoliberalismo geraram uma constante insegurança socioeconômica, em que o desemprego e possíveis dificuldades econômicas já despontam como preocupações dos graduandos (Oliveira & Fernandes, 2016a)

Para compreender essas vivencias é importante olhar para além de seu sentido meramente individual, articulando-as no contexto micropolítico, bem como na condição macropolítica contemporânea. Nessa perspectiva, destaca-se o avanço tecnológico que levou à proliferação de profissões inexistentes há poucas décadas atrás, muitas vezes, desconhecidas dos estudantes, que enfrentam exigências de ingresso numa carreira bem sucedida (Oliveira & Fernandes, 2016a). Por outro lado, o aumento do desemprego estrutural e a perda da segurança socioeconômica dada por medidas estatais, como direitos trabalhistas e previdenciários criam um pano de fundo de insegurança social. Esse cenário intensifica cobranças por desempenho e fragilizações da autoestima relacionadas à falta de informações sobre o cotidiano profissional e às oportunidades de trabalho de cada carreira. Além disso, os estudantes são pressionados pelos concursos vestibulares, que não garantem vagas a todos em universidades de qualidade, e também se mostram hesitantes quanto às possibilidades de estabilidade financeira futura numa carreira com alguma identificação pessoal, sendo que esses fatores dificultam a escolha do curso e carreira profissional.

No último e sétimo encontro, foi proposta uma reflexão sobre o desenvolvimento dos grupos anteriores e foi feito o encerramento dessa roda de conversa. Os participantes trouxeram palavras que marcaram os encontros, como: mudança, acolhimento, reflexão, aprendizado, potência e trocas de experiências. Elencaram, ainda, o desenvolvimento pessoal que os encontros e o convívio com os outros participantes lhes proporcionaram, ressaltando que se permitiram pensar mais sobre a importância do cuidado para consigo perante os afazeres do cotidiano. Nesse contexto, os participantes revelaram o encorajamento para mudanças de comportamento à medida que os grupos se desenvolviam como, o retorno à prática de exercícios físicos, a melhora no sono, relaxamento, a realização de leituras de livros não acadêmicos e o engajamento em encontros com amigos, cinema e passeios.

Verificou-se que os resultados das rodas de conversa foram positivos, pois, possibilitou aos estudantes, reflexões sobre os próprios comportamentos, as relações interpessoais estabelecidas no ambiente universitário, assim como auxiliou esses estudantes na redefinição dos problemas e dificuldades, gerando mudanças na rotina desses participantes. Esses resultados corroboram estudos que mostraram a efetividade das rodas conversa como técnica de intervenção para promoção da saúde (Branco & Pan, 2016; Castro, 2017). A construção de espaços grupais de cuidado proporciona, portanto, a reconstrução de uma identidade, a qual colabora para o acolhimento e cuidado de seus membros, como foi ressaltado pelo grupo apresentado nesse estudo. Isto foi evidenciado na finalização dos encontros de rodas de conversa, em que os participantes relataram a importância desse espaço por legitimar as práticas de cuidado e respeito consigo mesmo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As rodas de conversa constituíram-se como um espaço de troca de experiências, a partir do diálogo reflexivo entre os universitários, oportunizando acolhimento e conscientização de dificuldades que puderam ser partilhadas, favorecendo novas significações para as vivências. Esses encontros possibilitaram consciência dos problemas enfrentados, clarificação dos temas trabalhados, reflexão sobre possibilidades de resolução de problemas.

Entende-se que a saúde mental dos estudantes universitários é afetada por diversos fatores, inclusive processo acadêmico. Esse sofrimento tem início no processo de ingresso na universidade e se estende ao longo da vida adulta. Nesse contexto, as práticas grupais, enquanto espaços capazes de articular sentidos de trajetórias existenciais diversas e trazer elementos macrossociais e experiências relacionais, possibilitam a construção coletiva de um mundo comum, sendo potencializadoras da promoção de saúde, articulando-a à própria promoção da cidadania enquanto dignidade e legitimação diante de outros. A experiência aponta a importância de criação de espaços como esse nas universidades que possibilitem prevenção e promoção da saúde.

 

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NOTA SOBRE As AUTORAs:

Marciana Gonçalves Farinha – Psicóloga, Mestrado pela Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP e Doutorado pela Escola de Enfermagem deRibeirão Preto - USP, docente do Núcleo de práticas Clínicas do Instituto de Psicologia daUniversidade Federal de Uberlândia (IPUFU). E-mail: marciana@ufu.br.

Neftali Beatriz Centurion – Psicóloga pela Universidade Federal do Triangulo Mineiro(2014). Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Uberlândia (2017). Atualmenteé professora substituta no Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia(IPUFU). E-mail: neftalicenturion@gmail.com

Tatiana Benevides Magalhães Braga – Psicóloga com Mestrado e Doutorado pelaInstituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - USP, docente do Núcleo de práticasClínicas do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia (IPUFU), E-mail:tatiana.braga@ufu.br

Jaqueline Rodrigues Stefanini – Enfermeira, Mestre e Doutoranda pela Escola deEnfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP). E-mail:jaquelinestefanini@hotmail.com.

 

 

Recebido: 10/11/2018
Aprovado: 21/04//2019

 

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