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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.13 no.1 Belém jan./abr. 2021
BIBLIOGRAPHIC RESEARCH: REVIEWS
Luto antecipatório materno: uma revisão integrativa nacional
Maternal Anticipatory Grief: an integrative national review
Luto Anticipatorio Materno: una revisión integradora nacional
Luisa Bento Bisotto1; Nicolas de Oliveira Cardoso2; Irani Iracema de Lima Argimon3
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
RESUMO
O processo de elaboração do luto é de extrema complexidade, principalmente quando relacionado à perda de um filho. O presente trabalho objetivou identificar os principais sentimentos e fatores sociais que podem influenciar durante a elaboração do luto antecipatório materno. Foi realizada uma revisão integrativa da literatura nacional, por meio de consulta as bases de dados virtuais: Biblioteca Virtual em Saúde (Bvs) Scielo e Pepsic. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão pré-estabelecidos, restaram 5 artigos para análise. Os resultados indicam que os principais sentimentos despertados durante a elaboração do luto materno foram à tristeza (n = 4), culpa e frustração (n = 3). Também foi constatado que o apoio da família e da equipe multiprofissional hospitalar são os principais fatores sociais associados à elaboração do luto materno.
Palavras-chave: Maternidade; Luto; Hospital; Equipe Multidisciplinar.
ABSTRACT
The process of grief is extremely complex, especially when it is related to the loss of a child. This paper aims to identify the main feelings and social factors that may influence during the elaboration of anticipatory maternal grief. An integrative review was conducted by consulting the virtual databases: Virtual Health Library (Bvs) Scielo and Pepsic. After applying the pre-established inclusion and exclusion criteria, 5 articles remained for analysis. The results indicate that the main feelings aroused during the elaboration of maternal grief were the sadness (n = 4), guilt and frustration (n = 3). It was also found that the support of the family and the multi-professional hospital team are the main social factors associated with the elaboration of maternal grief.
Keywords: Maternity; Grief; Hospital; Multiprofessional Team.
RESUMEN
El proceso de duelo es extremadamente complejo, especialmente cuando está relacionado con la pérdida de un hijo. Este estudio tuvo como objetivo identificar los principales sentimientos y factores sociales que pueden influir durante la preparación del duelo materno anticipatorio. Se realizó una revisión integradora de la literatura nacional consultando las bases de datos virtuales: Biblioteca Virtual en Salud (Bvs) Scielo y Pepsic. Después de aplicar los criterios de inclusión y exclusión preestablecidos, quedaron 5 artículos para el análisis. Los resultados indican que los principales sentimientos suscitados durante la elaboración del duelo materno fueron la tristeza (n = 4), la culpa y la frustración (n = 3). También se encontró que el apoyo de la familia y el equipo hospitalario multidisciplinario son los principales factores sociales asociados con la elaboración del duelo materno.
Palabras clave: Maternidad; Duelo; Hospital; Equipo Multiprofissional.
INTRODUÇÃO
A gravidez é um momento acompanhado de comemoração e expectativas. É comum que os pais esperem ansiosamente a chegada da criança, tornando difícil a elaboração de qualquer eventualidade desconhecida ou não planejada. Ao tomar o conhecimento da sua gravidez, a mulher pode ter sentimentos variados acerca da sua nova condição, que vão desde mudanças em seus padrões familiares a questões que envolvem problemas interpessoais, intrapessoais e econômicos. Os impactos destas mudanças podem influenciar no desenvolvimento do bebê (Falkenbach, Drexsler & Werler, 2008).
Contudo, mesmo antes da gestação, os primeiros laços entre os pais e o bebê já são manifestados por meio do desejo de tê-lo (Bayle, 2005). Nesse sentido, alguns autores referem à existência da figura de três bebês na mente dos pais: um bebê fantasiado, um bebê imaginário e um bebê real. O primeiro é o que está na mente dos pais durante suas vidas, antes mesmo do planejamento da gravidez; o segundo é constituído durante o período gestacional, sendo ele um bebê idealizado e repleto de expectativas por seus cuidadores; já o terceiro é aquele que surge no momento do parto (Piccinini et al., 2002, 2003).
Sendo assim, observa-se que o bebê imaginário é um resultado das alusões verbais maternas, na gestação, que verbaliza o desejo da maternidade. No andar da gestação, essas representações podem ser cada vez mais intensificadas, pelos movimentos do feto, imaginação do sexo e características físicas do bebê e da própria função de mãe. Desde esse período, as genitoras começam a imaginar e atribuir traços ao seu bebê, desde sexo, aparência, personalidade, dentre outras características (Raphael-leff, 1997). Tais representações são transformadas apenas no momento do nascimento do bebê e no contato tanto com suas características reais (bebê real) e da relação real que se estabelecerá entre mãe e bebê (Lebovici, 1987).
Nesse sentido, destaca-se a existência da negação social relacionada à possibilidade de gestar uma criança deficiente. A cultura popular tende a evitar pensamentos relacionados a possíveis complicações durante a gestação, pois se acredita que tais pensamentos poderiam atrair realidades indesejáveis (Falkenbach et al., 2008). Além disso, é comum que mães verbalizem preferir não saber se seu filho possuiria alguma deficiência durante o período gestacional, devido aos seus medos de afetar o feto com algum sentimento negativo (Farias et al., 2016).
Mesmo quando alguma deficiência é diagnosticada durante a gestação, é comum a que as gestantes neguem ou diminuam a gravidade deste fato. Uma hipótese utilizada para explicar este fenômeno, tem relação com a falta de informações e preconceitos do meio social, que podem acabar contribuindo para que o processo de aceitação da condição do filho seja extremamente doloroso (Falkenbach et al., 2008; Farias et al., 2016). Observa-se assim que mesmo nos casos de prognóstico desfavorável comumente o confronto do bebê imaginário com o bebê real ocorre somente após o nascimento (Piccinini et al., 2002).
Em casos onde o bebê nasce com alguma doença grave, com possibilidade de morte, a cuidadora pode entrar em uma posição defensiva, prejudicando e até mesmo rompendo com o processo das primeiras identificações que a mãe precisaria realizar em relação ao seu bebê. Quando isso ocorre, a figura materna pode apresentar dificuldades em decodificar os comportamentos e gerar hipóteses acerca dos desejos e das necessidades do bebê (Ferrari & Donelli, 2010). Observa-se assim que a doença pode afetar negativamente a dinâmica de interação entre mães e filhos, sendo essencial que a figura materna aceite e se adapte à realidade de que seu filho possui uma enfermidade, e que padrões comportamentais e sociais rígidos, ou ainda a sua dificuldade de aceitar a realidade, podem agravar a condição e o desenvolvimento da criança (Piccinini et al., 2003). Nesse sentido, é fundamental que a equipe de saúde realize um acompanhamento das mães que foram informadas sobre um prognóstico desfavorável de seu filho durante a gestação ou logo após o seu nascimento, para que se possa iniciar o processo de luto antecipatório materno (Scoz, 2012).
O luto antecipatório pode ser definido como o luto que ocorre antes da morte do ente adoecido. Ele é caracterizado por ser vivenciado durante o período do prenúncio da morte, divergindo do luto normal que é sentido pelos indivíduos após a morte de um ente querido. No luto antecipatório é possível lidar com a perda gradualmente, principalmente em uma situação de progressão de uma determinada doença, o que pode contribuir para melhor elaboração psíquica e redução do sofrimento causado pela perda. Sendo sugerido que a falta desse tempo de preparo pode causar maior trauma na vivência das perdas (Scoz, 2012).
Contudo, a mãe não é a única afetada frente à possibilidade de óbito do bebê. A perda de um familiar é vista e sentida de forma única por cada membro do sistema familiar, podendo ser um processo transacional que acaba ocasionando em uma reorganização de todo o sistema familiar. Além disso, existem estudos que apontam que a morte de um membro da família aumenta a probabilidade de doença e morte prematura dos familiares sobreviventes, principalmente das mães que perderam o filho (Assis, Motta & Soares, 2019; Valdimarsdóttir et al., 2019; Walsh & Mcgoldrick, 1998).
Estudos apontam que as famílias disfuncionais apresentam maiores complicações durante o período de luto, o que pode levar a um processo de luto mais intenso e prolongado. Assim, o núcleo familiar necessita do reconhecimento da existência da perda, proporcionando uma flexibilização para a construção de novos papéis e padrões de funcionamento da família (Delalibera et al., 2016; Walsh e Mcgoldrick, 1998).
Uma família mais integrada pode se adaptar de maneira mais rápida, demonstrando reações mais explícitas no momento da perda. Diferentemente de uma família menos integrada, que acaba demonstrando reações menores imediatas, e acaba exibindo problemas físicos ou emocionais após o evento estressante. Além disso, fatores como: as expectativas sociais, o momento do ciclo vital no qual a criança se encontrava, e a idade cronológica influenciam o impacto nos sobreviventes, sendo que normalmente quanto mais prematura foi a perda, mais difícil é a aceitação (Delalibera et al., 2016; Walsh e Mcgoldrick, 1998).
Frente a essas situações são fundamentais as abordagens multiprofissionais, que reforcem os aspectos psicológicos e sociais tanto da mãe, quanto do restante da família. O papel do psicólogo é justamente o de fornecer suporte emocional para que os familiares possam tomar decisões frente aos acontecimentos durante a hospitalização (Antunes & Patrocínio, 2007). Desta forma, sabe-se que a intervenção psicológica pode auxiliar no processo de elaboração do luto antecipatório de uma mãe, quando se depara com uma má notícia a respeito de seu filho (Ferrari & Donelli, 2010).
Contudo, não há total consenso sobre quais sentimentos e aspectos psicológicos são mais frequentes e importantes de serem primariamente abordados durante as intervenções com mães em processo de luto antecipatório (Delalibera et al., 2016; Farias et al., 2016; Ferrari & Donelli, 2010; Piccinini et al., 2003). Levando em consideração este cenário, o presente trabalho tem como objetivo identificar os principais sentimentos e fatores sociais que podem influenciar durante a elaboração do luto antecipatório materno.
MÉTODO
Foi realizada uma revisão integrativa da literatura nacional, a qual de acordo com Mendes, Silveira e Galvão (2008) objetiva reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre uma determinada questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado. Por meio dos resultados obtidos, torna-se possível chegar a novos conhecimentos, os quais podem ser aplicados posteriormente em novas pesquisas ou práticas clínicas.
Os dados foram coletados por meio de busca online em três bases de dados: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (Pepsic). Os descritores utilizados foram: Maternidade and Luto. As buscas foram realizadas por dois juízes em Agosto de 2019.
Os critérios de inclusão utilizados para a seleção dos artigos foram: I) artigos empíricos; II) crianças com 0 anos à 5 anos; III) cuidadoras com um filho adoecido, com possibilidade de óbito, ou que já perderam um filho; IV) artigos em português brasileiro. O ano das publicações não foi delimitado com o intuito de construir uma revisão de toda a literatura nacional. Os critérios de exclusão utilizados foram: I) artigos repetidos; II) dissertações, teses, monografias, livros, capítulos de livros, anuários, relatórios e trabalhos de conclusão de curso.
Inicialmente foram analisados os títulos e resumos dos artigos encontrados nas bases de dados. Foram excluídos os artigos que não apresentavam em seu título ou resumo ao menos uma das palavras-chave utilizadas, assim como os artigos repetidos. Após estas etapas foi realizada a leitura completa dos artigos restantes.
RESULTADOS
Foram localizados sete artigos na Pepsic, quatro artigos na Scielo e 26 artigos na BVS após a aplicação do filtro de artigos no idioma português. A Figura 1 apresenta o total de artigos encontrados em todas as bases de dados, assim como as etapas de seleção dos artigos.
A Tabela 1 apresenta o resumo dos principais dados dos artigos incluídos, onde são especificadas as informações sobre: número de cada artigo, autores e ano de publicação dos artigos, método e objetivo. Os números dos artigos exibidos na Tabela 1 (1-5) serão utilizados para se referir aos artigos ao longo das sessões de resultados e discussão.
Observa-se que todos os estudos selecionados eram qualitativos e utilizaram entrevistas semiestruturadas. Embora o número total de participantes, somando todos os estudos (n = 35), seja pequeno, destaca-se que os métodos utilizados pelos estudos estão de acordo com seus respectivos objetivos, permitindo o aprofundamento sobre as experiências maternas. A Tabela 2 apresenta os principais resultados descritos pelos estudos incluídos nesta revisão.
Tendo como base os conteúdos dos artigos incluídos e visando identificar os principais sentimentos, fatores psicológicos e sociais que podem influenciar a elaboração do luto antecipatório materno, foram elaboradas duas categorias para a apresentação dos resultados: 1) os sentimentos despertados em mães no contexto hospitalar; 2) fatores psicológicos e sociais: acompanhamento com o paciente, familiares e equipe de saúde.
OS SENTIMENTOS DESPERTADOS EM MÃES NO CONTEXTO HOSPITALAR
Observou-se que os cinco artigos abordaram questões relacionadas aos sentimentos expressados pelas mães com filhos adoecidos ou que já vieram a óbito. Dentre os principais sentimentos evidenciados, quatro artigos identificaram o sentimento de tristeza (Artigos 1, 3, 4 e 5) e três apontaram o sentimento de culpa (Artigos 1, 3 e 4) e frustração (Artigos 1, 2 e 5). Outros sentimentos também foram apontados, sendo eles: impotência, insegurança, medo (Artigo 2), angústia (Artigos 1 e 5), desamparo e ansiedade (Artigo 1).
Observou-se em um dos estudos que nenhuma das mães cogitou a possibilidade de ocorrer qualquer intercorrência durante o período gestacional. Nesse sentido, as intercorrências costumam ser experienciadas com grande frustração. No ambiente hospitalar, a cuidadora sente-se impotente e pouco ativa frente ao fato de não saber o que fazer na UTI. Existe uma limitação e insegurança pelo fato da imaturidade orgânica do bebê; o que ocasiona no medo e na dificuldade da mãe de exercer sua função materna (Artigo 2).
O nascimento vivenciado por uma intercorrência, acaba contribuindo para que o primeiro contato da mãe com seu filho ocorra na UTI. Os cuidadores, ao entrarem no ambiente de uma UTI pela primeira vez, referem sentimentos de insegurança e medo associados ao fato do ambiente ser pouco acolhedor, com barulhos, ruídos, pessoas estranhas e a imagem de seu bebê hospitalizado. Há relatos de pacientes se referindo a experiência como um choque, uma estranheza e medo de que o filho não sobreviva. Além disso, as mães também costumam apresentar dificuldades para assimilar o fato de que seu bebê real não é aquele bebê sadio idealizado durante a gravidez (Artigo 2).
O sentimento de luto pelo filho idealizado e a aceitação do filho real também é verbalizado, pelas participantes dos artigos 1 e 5, na forma de choque e angústia, as quais se tornam parte da realidade, contribuindo ainda mais para que o processo do luto seja árduo e longo. Contudo, algumas das mães apresentaram dificuldades em expressar seus sentimentos, agravando o processo de elaboração do luto (Artigo 1). Além disso, as participantes de ambos os estudos consideraram a experiência traumática e relatam a presença da frustração no momento do nascimento deste filho adoecido (Artigos 1, 2 e 5).
Também foi constatado que ao reconhecer as fragilidades de seu bebê, algumas mães se distanciam, vivendo sentimentos de insegurança e medo de se relacionar com o filho. Tais sentimentos dificultam a formulação do vínculo da mãe com seu bebê e estão comumente associados ao receio de machucar o bebê devido à sua fragilidade. Outros fatores apontados como prejudiciais a formulação do vínculo são: a limitação do contato com o bebê devido ao seu contexto orgânico, a impossibilidade de realizar os cuidados considerados comuns com um filho, e a falta de reação do bebê ao ser estimulado (Artigos 1 e 5). Em casos de melhora do quadro do bebê, as cuidadoras que conseguem estabelecer um bom vínculo vão para casa, porém reportam que o sentimento mais presente é o medo de retornar ao hospital. Também relatam preocupações com hábitos de higiene das mãos e o uso constante de produtos como o álcool gel (Artigo 2).
Apesar de todo o investimento da equipe multiprofissional, sabe-se que o óbito é uma grande possibilidade, e no momento da má notícia, percebe-se que a mãe entra em uma fase de entorpecimento. As cuidadoras vivem sentimentos de vazio, desamparo e frustração, gerando angústias que necessitarão serem elaboradas. Há uma forte negação da realidade, decorrente da carga emocional, que causa a dificuldade de nomeação de sentimentos e a tentativa de evitar a dor psíquica (Artigo 1).
Outra questão observada foi a dificuldade de contato de mulheres que perderam seus bebês, com outras gestantes ou com seus próprios filhos, devido ao fato destes contatos relembrarem sua perda e gerarem tristeza (Artigos 1, 3, 4 e 5). É comum que frente ao contexto da morte, ou possível morte de um dos filhos, a figura materna questione sua capacidade de cuidar dos outros filhos. Em decorrência disso, o cuidado com os outros filhos pode tornar-se árduo e ocorrer apenas com muito esforço (Artigo 1).
Além disso, também é comum que mulheres que perderam filhos pequenos, apresentam dificuldade em expressar sentimentos. Tal fenômeno é compreendido como um mecanismo de defesa que busca escapar das vivências dolorosas. Contudo, essa evitação comumente gera sintomas de ansiedade, acarretando o agravamento da vivência da perda, como também na elaboração do luto. Dentre os sentimentos manifestados no momento da perda, destacam-se a profunda tristeza, a sensação de paralisação e a culpa (Artigos 1, 3 e 4).
FATORES SOCIAIS: FAMILIARES E EQUIPE DE SAÚDE MULTIPROFISSIONAL
Constatou-se que todos os artigos utilizados nesta revisão discorreram sobre a necessidade da realização de acompanhamento psicológico com os cuidadores e familiares que se encontram em uma situação de possibilidade de óbito do filho. Da mesma forma, todos os artigos abordaram a família e o meio social como primordiais neste contexto.
Conforme as necessidades do seu filho adoecido, os pais buscarão adaptar sua rotina de acordo com as demandas geradas pela dependência do bebê. É comum que os cuidadores busquem alguma forma de superação, como também o enfrentamento de conviver com o que é considerado diferente pela sociedade, ou seja, o que não é normal. No entanto, alguns autores destacam que as reações dos cuidadores podem variar de acordo com a influência de fatores culturais, econômicos, psicossociais e espirituais (Artigos 2 e 5).
Houve consenso sobre a necessidade de desenvolvimento de um bom vínculo entre a família e a equipe multiprofissional durante a hospitalização do filho (Artigos 1, 2, 3, 4 e 5), preferencialmente permeado pelo sentimento de confiança. Sendo sugerido ainda que seja desenvolvido um espaço que favoreça a interação e comunicação entre família e equipe, favorecendo momentos de desabafo e possível elaboração do luto antecipatório (Artigos 2, 3 e 5).
Para além do luto antecipatório, tal espaço de interação entre familiares e equipe pode auxiliar na elaboração do luto do bebê imaginário, especialmente nos casos de bebês que nascem com alguma doença grave. Visto que o diálogo com um profissional da área da saúde pode auxiliar a reestruturar a noção de realidade e a competência da função materna, com o intuito de prover um lugar simbólico para que o bebê seja reconhecido como sujeito (Artigo 2). Nesse sentido, outros autores enfatizam a necessidade da adesão das mães e dos familiares ao tratamento psicológico, normalmente ofertado pelas equipes multiprofissionais hospitalares. Sabe-se o acompanhamento psicológico propicia a redução de prejuízos psicológicos advindos de um desfecho negativo, contudo, é fundamental que todos os familiares (que residem com o paciente) estejam comprometidos com o tratamento (Artigo 3).
Este aspecto é reforçado em outros dois estudos, os quais apontam que a família, normalmente, é a principal rede de apoio da cuidadora e, portanto, necessita estar fortalecida para que seja capaz de fornecer suporte frente a um possível desfecho negativo. Nesse sentido, sugere-se a existência de um tripé (paciente, família e equipe de saúde) onde o psicólogo hospitalar deve realizar intervenções. Sendo a prevenção, de possíveis psicopatologias que possam ser desenvolvidas durante o processo de luto, o principal papel do psicólogo hospitalar (Artigos 1 e 4).
Contudo, destaca-se que não somente o psicólogo hospitalar, mas sim toda a equipe multiprofissional, deve trabalhar com a família durante a internação hospitalar, visando o bem-estar familiar. Recomenda-se ainda que os pais sejam mantidos informados sobre a condição clínica do bebê, evitando segredos que possam minar o vínculo entre a equipe de saúde hospitalar e a família (Artigo 5). Por fim, um dos artigos ressalta a importância da capacitação da equipe profissional, para manejo dos familiares de pacientes com risco de óbito. Sendo essencial que os profissionais não se paralisem por receio e medo de falar sobre o bebê adoecido ou falecido (Artigo 3).
DISCUSSÃO
Após análise dos artigos, observou-se que os principais sentimentos despertados foram tristeza (n = 4), culpa e frustração (n = 3). Em relação aos fatores psicológicos que auxiliam na elaboração do luto, evidenciou-se que a rede de apoio da família e o acompanhamento de uma equipe multiprofissional, desde o momento da comunicação de má notícia, podem auxiliar no manejo do luto. Outro fator importante é acolher as individualidades de cada mãe, visando o reconhecimento de suas demandas psicológicas para propiciar uma melhor elaboração de seu luto.
Em relação aos sentimentos de desamparo e frustração Lima e Fortim (2015) corroboram nossos achados ao evidenciarem que mães que perdem seus filhos, comumente referem sentimento de frustração e desamparo associados a incompreensão dos familiares, amigos e a falta de espaço social para que sua dor seja acolhida. Reforçando a importância dos atendimentos aos familiares.
Ademais, outros autores descrevem o processo da perda de um filho como único e individual, podendo gerar diferentes reações como: angústia, tristeza, medo de uma nova gestação, fracasso, culpa, impotência, decepção e frustração. Corroborando com os três principais sentimentos evidenciados nesta revisão (i.e. tristeza, culpa e frustração) (Assis, et al., 2019; Adendo, Lemos & Cunha, 2015)
No que diz respeito a angústia Ferrari e Donelli (2010) corroboram os achados dos artigos 1 e 5 ao sugerirem que a angústia de separação associada a possibilidade da perda de um filho faz com que a mãe se defenda psiquicamente, podendo ocasionar sequelas emocionais tanto na criança como na mãe. Contudo estes autores discordam do ponto de vista dos autores dos artigos 2 e 5 ao sugerirem que a educação para a morte não deve ser realizada quando o episódio terminal já está acontecendo. Este ponto de vista acaba reforçando a importância da capacitação dos profissionais das equipes multiprofissional para o manejo de familiares frente a desfechos negativos, proposta pelos autores do artigo 3.
Em relação às mães que possuem dificuldades de demonstrar seus sentimentos no momento do óbito, Worden (2013) corrobora a percepção dos autores do artigo 1, ao referir que o sentimento de luto deve ser sentido, pois a apatia produz um relacionamento altamente ambivalente, trazendo sofrimento ao indivíduo e a seus familiares durante o processo de enlutamento.
De acordo com Worden (2013), outro fator, relacionado a expressão de sentimentos, que complica a elaboração do luto é a perda socialmente negada, como o aborto e o natimorto. Nesses casos a mulher e as pessoas ao seu redor costumam agir como se a perda não houvesse ocorrido. Porém, o luto precisa ser vivenciado, caso contrário, poderá prejudicar outras relações interpessoais, comumente a maternagem dos outros filhos. Corroborando assim os achados dos artigos 1, 3, 4 e 5 que também destacam a dificuldade das mães em se relacionarem com seus filhos e outras gestantes.
Nesse sentido, Oishi (2014) e Filho e Lima (2017) enfatizam a necessidade da expressão dos sentimentos dos cuidadores e a vivência da dor ao passarem por uma situação de luto do filho, possibilitando a elaboração de um luto saudável. De acordo com Oishi (2014) para que ocorra essa elaboração é necessário que algumas coisas ocorram, como a morte do bebê encarada de forma real (a despedida), o velório e os rituais.
Contudo, conforme mencionado pelos autores dos artigos 1 e 4 é importante considerar as particularidades de cada família durante o processo de luto. Freitas e Michel (2014) concordam com essa afirmação, ao referirem a necessidade de se avaliar cada caso em sua especificidade, levando em consideração as vivências de cada familiar, principalmente a percepção da mãe, pois a configuração da sua ressignificação do ocorrido é sempre singular. Sendo destacado que em alguns casos a perda de um filho pode nunca ser superada.
Por fim, no que tange o papel da espiritualidade, observa-se que este tema foi pouco explorado pelos artigos incluídos nesta revisão, sendo brevemente mencionado nos artigos 2 e 5 que esta variável pode influenciar em como as cuidadoras reagirão frente ao recebimento de uma má notícia relacionada a seu filho. Este achado é incondizente com outras publicações da área as quais tem destacado a espiritualidade como uma das formas mais importantes de superação para o óbito de um filho (Schardong, Cardoso, & Mazoni, 2017; Freitas & Michel, 2014; Lopes et al., 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a tristeza, culpa, frustração, impotência, insegurança, medo, angústia, desamparo e ansiedade são comumente experienciados durante a elaboração do luto materno. Também foi possível identificar que o apoio familiar e da equipe multiprofissional são os principais fatores psicológicos e sociais associados ao processo de elaboração do luto materno. Ressalta-se que é fundamental que os sentimentos da cuidadora sejam expressos, para que ela compreenda emocionalmente e racionalmente a situação real na qual o filho se encontra. Visando propiciar a melhor elaboração psicológica dos sentimentos presentes.
No entanto, observou-se que ainda há pouco investimento no serviço de psicologia para o acompanhamento das mães durante a internação hospitalar e após a alta, demonstrando uma falha no sistema de saúde pública. Além disso, evidenciou-se a dificuldade da equipe multiprofissional em abordar o tema do luto com a família, reafirmando o tabu social desta temática.
Em relação às limitações desse estudo, destaca-se a utilização de apenas três bases de dados. Além disso, observa-se que existem poucas pesquisas recentes (a partir de 2015) acerca do impacto do luto prematuro de um filho na vida de sua mãe e familiares. Embora nosso objetivo tenha sido justamente avaliar a literatura nacional a respeito do luto antecipatório materno, destaca-se que alguns artigos com população brasileira podem ter sido redigidos em outros idiomas e não contemplados em nossas buscas.
Por fim, sugere-se a realização de atendimentos psicológicos a todos os familiares (não somente os pais) envolvidos em situações com risco de óbito infantil. Também é sugerida a formulação de treinamentos teóricos/práticos para que todos os profissionais das equipes multiprofissional hospitalares saibam como auxiliar os familiares frente a situações de óbito infantil. Recomenda-se ainda a realização de novos estudos que investiguem quais são as estratégias utilizadas pela equipe multiprofissional para o manejo de situações de óbito infantil, assim como a percepção da equipe sobre a eficácia dessas estratégias.
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Agradecimentos
Este estudo foi financiado em parte pela Coordenação de Aperfeiçõamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES).
Endereço para correspondência
Luisa Bento Bisotto
E-mail: luisa-be@hotmail.com
Nicolas de Oliveira Cardoso
E-mail: nicolas.deoliveira@hotmail.com
Irani Iracema de Lima Argimon
E-mail: argimoni@pucrs.br
Recebido em: 23/10/2019
Aprovado em: 05/12/2020
1 Luisa Bento Bisotto: Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: luisa-be@hotmail.com. https://orcid.org/0000-0002-2727-6264
2 Nicolas de Oliveira Cardoso: Mestre e atualmente doutorando em psicologia clínica pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: nicolas.deoliveira@hotmail.com https://orcid.org/0000-0002-1555-1409
3 Irani Iracema de Lima Argimon: Professora Titular dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS E-mail: argimoni@pucrs.br https://orcid.org/0000-0003-4984-0345