INTRODUÇÃO
A laicidade é um fenômeno político que se deriva do Estado e não da religião. Tem caráter restritivo e implica a neutralidade do Estado em matéria religiosa. Essa neutralidade apresenta dois sentidos: um relacionado à ausência/exclusão da religião da esfera pública, e o segundo ligado ao sentido de imparcialidade do Estado com respeito às religiões, o que resulta na necessidade de ele tratar com igualdade as crenças (Ranquetat Jr., 2008).
A laicidade almeja uma construção de sociedade onde nenhum grupo de aspiração dominante possa se impor de forma autoritária, totalitária ou autocraticamente aos demais elementos que a constituem; uma sociedade onde há um espaço público que pertença, de forma efetiva, a todos os indivíduos que nela convivem; uma sociedade aberta, inclusiva e livre (Gomes & Lins Filho, 2011).
Segundo Domingos (2010), são princípios garantidos pela laicidade: a liberdade de ter crença religiosa ou não; de praticar uma religião; de trocar de religião; de não ser perseguido nem ofendido com práticas ostentatórias de outras religiões; de a educação religiosa ser oferecida, ou não, pelos pais aos seus descendentes; de a educação religiosa não se chocar com as convicções individuais, respeitando-as; e de não ser discriminado por outros indivíduos, organizações ou mesmo pelo serviço público em função de sua(s) crença(s).
Este trabalho tem como foco a laicidade. A pesquisa de campo foi realizada com universitários, pois estes comumente obtêm certo grau de desenvolvimento político devido às vivências nas atividades extracurriculares na universidade (Costa, Burity & Camino, 1994; Azevedo, 2012). Os participantes foram divididos em três grupos: católicos, protestantes e de não-adeptos de tais religiões, a fim de se conhecerem suas perspectivas sobre o fenômeno da laicidade.
A escolha desses grupos teve como base a análise de Biéler (1999), que sintetiza o trabalho de Alain Peyrefitte e Robert Beauvais (1976; 1976 citado por Biéler, 1999). Estes apontam que as sociedades europeias de raízes católicas desenvolveram suas concepções político-culturais com base em pressupostos hierarquizantes e autoritários, enquanto as sociedades protestantes tinham uma tendência liberal, de autonomia moral e individualista, evidenciando assim estruturas pressuposicionais significativamente distintas. Entende-se que tais estruturas influenciavam/influenciam o indivíduo na interpretação da sociedade e de suas estruturas. No que se refere ao terceiro grupo - de não católicos e não protestantes (pessoas de outras religiões ou não-religiosos) - foi escolhido para se observarem as diferenças e similaridades em relação aos outros dois grupos.
É importante informar que a pesquisa não realizou uma separação entre protestantes pentecostais e tradicionais, tampouco entre católicos romanos carismáticos ou não e ortodoxos, pois, do ponto de vista político, tais grupos comportam-se de maneira semelhante no que tange a suas pautas de interesse na legislação, que giram em torno de questões morais em prol da família tradicional e da valorização da vida desde a concepção (Gomes & Lins Filho, 2011; Machado, 2015; Silva, 2017).
Quanto às nações católicas e protestantes, Ranquetat Jr. (2008) apontou que os processos de secularização e laicização se apresentaram de maneiras distintas. Nas nações católicas, a emancipação foi marcada pelo conflito entre grupos religiosos e laicistas. Nos países protestantes, a oposição não se configurou entre dois campos irredutíveis, mas a emancipação da religião se desdobrou segundo o que o autor identificou como uma lógica de secularização, de maneira menos conflitual que a lógica lacizadora.
Enquanto nas nações católicas houve mobilizações do poder político para subtrair, completa ou parcialmente, os indivíduos e as diferentes esferas da atividade social da influência da Igreja; nos países protestantes, a igreja se tornou subordinada ao Estado em suas diversas ramificações. Nessas nações, o protestantismo não foi percebido como uma potência em concorrência com o Estado, como ocorreu com o catolicismo em suas nações (Champion, 1999, citado emRanquetat Jr., 2008). Esses fatos podem indicar que as respectivas posturas político-culturais nos países católicos e protestantes representaram reações à Igreja, a partir do tipo de relação que esta tinha com a população.
Ao observarmos a história do desenvolvimento das sociedades ocidentais, percebemos que o conceito de laicidade tomou contornos distintos dependendo do contexto da nação. Põem-se em destaque dois modelos: o francês e o norte-americano. No primeiro, a religião é excluída por completo do espaço público e da política. Em contrapartida, o segundo tem a religião como a priori de sua própria constituição democrática (Bissiati et al., 2019).
Segundo Ungureanu (2008), a democracia não pode excluir as perspectivas religiosas, pois elas contêm valores que mobilizam e orientam a conduta dos cidadãos. Dessa forma, mantendo-se a separação entre Igreja e Estado, a autora afirma que o Estado não pode ser surdo e cego para a religião e para os religiosos. Sob esta ótica, defende que a pressão das ideias desse grupo é legítima e correta desde que cidadãos e políticos utilizem argumentos religiosos, mas de maneira “secularizada”.
A visão de Ungureanu se aproxima da defendida pela vertente dos EUA, pois nesta a laicidade foi uma solução compromissada entre vários credos; todos desejosos de impor-se sobre a sociedade, porém incapazes de realizarem seu desejo. A diferença em relação à francesa é a justificação. A laicidade não é entendida como uma condição para a liberdade pública, mas como a impossibilidade de imposição de uma crença sobre as demais.
Lacerda (2009, p. 13) reconhece que “de fato, ao tomarem decisões, os órgãos colegiados não podem ignorar os valores socialmente compartilhados ou difundidos, seja porque devem prestar contas à sociedade, seja porque os próprios membros de tais órgãos aderem aos valores sociais”. Corroborando com tal ideia, Ranquetat Jr. (2008) fala que a neutralidade laica proposta pelo ideário liberal jamais se realizou na maior parte do mundo ocidental, porque o projeto laicizador tornou-se uma fé laica em muitos países. Historicamente, a laicidade jamais se expressou como uma mera neutralidade, pois se revela também como uma cosmovisão, um conjunto de crenças.
No Brasil, depois de séculos de influência católica sobre as instituições públicas, vê-se crescer, nas duas primeiras décadas de XX, o pentecostalismo. A partir da década de 70, esse movimento ganhou mais força na esfera religiosa e apresentou riscos à hegemonia social e política da Igreja Católica (Teixeira & Menezes, 2006; Silva, 2017). Segundo Machado (2015), na década de 1980, durante o período pré-redemocratização, houve um crescimento de grupos pentecostais voltados para o cenário político. Nesse contexto da Assembleia Constituinte, surge a bancada evangélica, composta majoritariamente por pentecostais, até os dias atuais.
Segundo Gomes e Lins Filho (2011), a expressão “Estado laico” não é encontrada na Constituição de 1988, porém seu conteúdo pode ser inferido dela. Por outro lado, o autor pontua que a sua formulação textual permite associações entre o Estado e as instituições religiosas, desde que seja, na forma da lei, uma colaboração de interesse público (Brasil, 2016). A premissa permite que igrejas tenham uma maior relevância sociocultural, pois se emaranham com a vida pública. Esse emaranhamento encontra eco nos processos de secularização e de desencantamento do mundo.
O conceito de secularização remete a uma ideia de confronto com o sagrado, com progressivo recuo desse último do espaço público, indicando os domínios do sagrado e do profano (Rivera, 2002). O fenômeno da secularização não se limita ao campo institucional, mas se desdobra em efeitos para as pessoas ao ficarem liberadas do controle da Igreja (Rivera, 2002). Para Max Weber (2004), o processo de secularização é compreendido a partir do que o autor chamou de desencantamento do mundo, pois foi este que construiu o caminho que possibilitou o desenvolvimento da secularização (Pierucci, 1998).
Segundo Weber (2004), desencantamento do mundo (ou desmagificação) refere-se à eliminação da magia como meio de salvação. Para o autor, esse processo está constantemente ao lado do desenvolvimento da civilização ocidental, racionalizando-a. De acordo com Cardoso (2014), a força desencantadora religiosa se caracteriza por um fenômeno que aconteceu como consequência das próprias ações do campo religioso, ou seja, o desencantamento foi intrarreligioso.
Weber (2004) afirma que a força religiosa desencantadora do mundo encontra, no cristianismo, e posteriormente no protestantismo, um forte caráter dessacralizador. Ao retirar a magia de seu funcionamento, a religião a substitui por práticas racionalizadas de conduta ética, e é a partir dessa maneira de lidar com o mundo que ela se inserirá nas democracias atuais. Esse caráter eticizador da religião cristã a torna altamente adaptativa frente ao contexto secular e laico, possibilitando sua inserção no ambiente político a partir da via discursiva, transformando as concepções da relação entre política e religião (Burity, 2008).
A presente pesquisa se insere nesse contexto atual e se propôs a conhecer perspectivas de universitários sobre a relação entre política e religião a partir do marcador “laicidade”. Espera-se, com este trabalho, verificar se a religiosidade cristã impacta, de alguma forma, nas concepções dos entrevistados e se estas se diferenciam entre os grupos abordados.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
De natureza qualitativa exploratória, a pesquisa foi realizada com universitários brasileiros matriculados em qualquer curso de graduação, sendo estes divididos em três grupos (protestantes, católicos e de demais crenças [incluindo as não religiosas]), com 10 participantes cada, uma vez que foram obtidas 30 respostas de estudantes entre 18 e 36 anos de idade. A pesquisa foi aprovada eticamente pelo comitê responsável, sob o nº 23083.032188/2020-30, e foi realizada via internet. Para alcançar os sujeitos da pesquisa, foi disponibilizado, no Instagram, Facebook e em grupos de estudantes no Whatsapp, o link do questionário seguido de uma pequena mensagem pedindo que repassassem o questionário para conhecidos e outros grupos. Os critérios de exclusão foram não ser estudante de graduação e morar fora do país.
Foi elaborado um questionário estruturado no Google Formulários, composto de 5 questões sociodemográficas simples, apenas para registro do local de moradia, idade, crença, curso e instituição em que estudava e para exclusão dos que não atendiam aos critérios; e 8 perguntas. As questões de 2 até 8 possuíam duas perguntas em cada, sendo a primeira fechada e a segunda, aberta. Após a elaboração do questionário, aplicou-se um teste piloto a 9 voluntários (3 por grupo), para avaliar os parâmetros e a clareza das perguntas. Essa etapa foi exitosa e, somente então, o questionário foi divulgado oficialmente.
Quanto à interpretação dos resultados, recorreu-se à Análise de Conteúdo, de Laurence Bardin (2011), que consiste num conjunto de técnicas de pesquisa que trabalha com a palavra, permitindo, de forma prática e objetiva, a produção de inferências do conteúdo da comunicação de um texto, que são replicáveis ao seu contexto social (Caregnato & Mutti, 2006).
A técnica utilizada para a Análise do Conteúdo foi a análise temática ou categorial, que corresponde ao desmembramento do texto em categorias e seu reagrupamento análogo a fim de condensar os dados brutos, criando uma representação simplificada do que se pretende analisar. Essas operações visam conhecer os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, preocupando-se com a frequência deles, sob a forma de dados segmentáveis e comparáveis, e não com sua dinâmica e organização. Os núcleos de sentido são os significados (temas) que podem compor um material analisado, possibilitando que um mesmo material tenha mais de um núcleo (Cappelle et al., 2003; Bardin, 2011). Sendo assim, algumas questões evocaram um número de categorias maior que a quantidade de respostas dos respondentes por grupo.
Para a construção das categorias, seguiram-se os critérios de exclusão mútua, homogeneidade, pertinência, objetividade, fidelidade e produtividade. A exclusão mútua estipula que cada elemento semântico somente deve existir em apenas uma divisão categorial; a homogeneidade diz que se deve ter apenas um princípio classificatório, somente uma dimensão de análise; a pertinência significa que as categorias devem estar adaptadas ao material de análise escolhido; a objetividade e a fidelidade dizem respeito à boa definição das categorias, para que sejam evitadas distorções devido à subjetividade e à variação dos juízos do pesquisador; a produtividade se refere ao caráter rico que as categorias podem oferecer para resultados férteis, como índices de inferência, hipóteses novas e dados exatos (Bardin, 2011).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com relação à primeira pergunta, foram obtidos os dados da Tabela 1.
Tabela 1 O que você entende como Estado Laico?
Protestantes | Frequência | % |
---|---|---|
Estado Neutro | 6 | 30 |
Liberdade de Crença | 5 | 25 |
Liberdade de Expressão | 4 | 20 |
Religião na Esfera Pública | 3 | 15 |
Adaptação do Estado | 1 | 5 |
Separação Igreja x Estado | 1 | 5 |
Total | 20 | 100 |
Estado Neutro | 8 | 57,14 |
Liberdade de Crença | 2 | 14,29 |
Liberdade de Expressão | 1 | 7,14 |
Religião na Esfera Pública | 1 | 7,14 |
Reflexo Pós-moderno | 1 | 7,14 |
Estado Supostamente Neutro | 1 | 7,14 |
Total | 14 | 100 |
Estado Neutro | 5 | 38,46 |
Separação Igreja x Estado | 3 | 23,08 |
Liberdade de Crença | 1 | 7,69 |
Fundamentado em Estudos | 1 | 7,69 |
Democrático | 1 | 7,69 |
Pouca Influência Religiosa | 1 | 7,69 |
Organização Política administrativa | 1 | 7,69 |
Total | 13 | 100 |
A categoria que mais se destacou nos grupos protestante, católico e demais crenças foi Estado Neutro, com a frequência (f) de 6 (30%), 8 (57,14%) e 5 (38,46%) respectivamente. As respostas encontradas nessa categoria, nos três grupos, refletem a concepção de Estado Neutro de acordo com a segunda definição de laicidade oferecida por Ranquetat Jr. (2008). Esse autor a caracteriza como uma imparcialidade do Estado em relação às religiões, o que traz a necessidade de tratamento igualitário a todas elas. Essa categoria se afasta da primeira definição oferecida pelo autor, que compreende a exclusão ou ausência da religião da esfera pública.
Já a segunda categoria mais evocada entre protestantes e católicos é diferente daquela das demais crenças, pois a ideia apresentada pelos primeiros é a Liberdade de Crença, com f=5 (25%) e f=2 (14,29%) respectivamente. Em ambos os casos, esse núcleo de sentido foi evocado em conjunto com outros nas respostas, a saber: Liberdade de Expressão, Religião na Esfera Pública e Estado Neutro. O tema Separação Igreja x Estado, com f=3 (23,08%), foi a segunda categoria mais evocada nas demais crenças. Observa-se, portanto, que os grupos de protestantes e católicos focaram na não-interferência estatal e nas liberdades civis de crença e expressão na esfera pública, enquanto o das demais crenças não focou apenas na não-interferência estatal às religiões, mas enfatizou a não-interferência religiosa nas questões estatais.
Essas respostas dos três grupos podem revelar parte do cenário brasileiro apontado por Burity (2008) e Gomes e Lins Filho (2011). Eles percebem o contexto brasileiro dividido entre camadas representativas de religiosos que vão desde organizações da sociedade civil a representantes políticos nos mais diversos cargos, demandando e lutando pelas mais variadas questões e, por outro lado, camadas sociais dos mais variados grupos organizados (ou não) que se preocupam com o gradativo crescimento religioso na esfera pública sob a ideia de que este fenômeno põe em xeque o republicanismo. Dito isto, cabe compreender a posição dos entrevistados em relação à laicidade de Estado, conforme a tabela 2 abaixo.
Tabela 2a Você é a favor do Estado Laico?
Protestantes | Frequência | % |
---|---|---|
Sim | 10 | 100 |
Católicos | Frequência | % |
Não | 10 | 100 |
Demais Crenças | Frequência | % |
Sim | 10 | 100 |
Tabela 2b Por que?
Liberdade de Crença | 4 | 23.53 |
Liberdade de Expressão | 4 | 23,53 |
Pluralidade de Crença | 3 | 17,65 |
Melhor Sistema | 3 | 17,65 |
Justificativa Religiosa | 1 | 5,88 |
Liberdade Individual | 1 | 5,88 |
Igualdade de Direitos | 1 | 5,88 |
Total | 17 | 100 |
Justificativa Religiosa | 4 | 36,36 |
Raiz Católica Brasileira | 3 | 27,27 |
Proto-Estado Ateu | 1 | 9,09 |
Precedente para Críticas ao Catolicismo | 1 | 9,09 |
Negação de Realidade | 1 | 9,09 |
Não responde | 1 | 9.09 |
Total | 11 | 100 |
Liberdade de Crença | 3 | 27,27 |
Pluralidade de Crenças | 3 | 27,27 |
Melhor Sistema | 3 | 27,27 |
Liberdade Individual | 1 | 9,09 |
Fundamento em Estudos | 1 | 9,09 |
Total | 11 | 100 |
Segundo a tabela 2a, todos do grupo protestante e das demais crenças responderam “Sim”, e todo o grupo de católicos falou “Não”.
Na segunda tabela, as categorias que mais se destacaram entre protestantes foi Liberdade de Crença e Liberdade de Expressão, com f=4 (23,53%) em ambas. O grupo das demais crenças compuseram três categoriais sobressalentes igualmente evocadas, sendo a Liberdade de Crença, Pluralidade de Crenças e Melhor Sistema, com f=3 (27,27%).
No grupo católico, a Justificativa Religiosa foi a mais evocada, com f=4 (36,36%). Destaca-se a resposta “Como católico, tenho como doutrina que a Igreja Católica é uma criação divina e nela subsiste a Verdade. Se só há uma religião correta, não se pode a igualar com falsas religiões”.
As respostas positivas e as categorias mais evocadas pelos protestantes e pelos das demais crenças, em contraste com as respostas negativas do grupo católico e a sua categoria sobressalente, podem apontar para o mesmo comportamento político-cultural em constante mudança observado na Europa dos séculos XVII a XIX (Biéler, 1999). Nesse período, as nações de raízes católicas desenvolveram suas concepções político-culturais com base em pressupostos hierarquizantes e autoritários, enquanto as sociedades protestantes tinham uma tendência político-cultural liberal, de autonomia moral e individualista, evidenciando pressuposições distintas que influenciaram na interpretação da sociedade e nas suas estruturas pelo indivíduo.
Esse perfil liberal também configura o ocidente como um todo, apontando para os indivíduos independentemente de suas crenças. Os conceitos de desencantamento e secularização revelam como o protestantismo foi um grande motor para a germinação de valores liberais no mundo ocidental.
Segundo Rivera (2002), talvez a mais importante das características da secularização é o ganho de autonomia a respeito da interpretação religiosa do mundo e, principalmente, a respeito da própria instituição religiosa. Com esse fenômeno, não apenas a variabilidade de crenças surge, mas consequentemente a noção de diversidade para a esfera social, cultural e da vida é instaurada, contribuindo para a caracterização da noção de liberdade individual comum na maioria das sociedades contemporâneas.
Partindo dessa definição, pode-se interpretar a contrastante postura favorável ao estado laico do grupo protestante em oposição à postura desfavorável do grupo católico como um reflexo análogo a esse supracitado ponto de vista histórico, mas no campo das crenças. Observa-se esse contraste de opiniões também nas categorias de justificativas de cada grupo, em que os núcleos de sentido dos protestantes giram em torno de liberdades e diversidade, enquanto as respostas católicas recorrem às justificativas religiosas e à raiz histórica brasileira. Vale pontuar que, da mesma forma que católicos justificaram religiosamente contra a ideia de Estado laico, um do grupo de protestantes utilizou uma justificativa religiosa, entretanto, de maneira favorável à laicidade do Estado. Esse fator pode indicar que essa diferença liberal x organicista tem implicações do próprio fazer teológico de ambas as religiões, da interpretação que cada uma tem das escrituras sagradas.
A tabela 3a põe em evidência posições divergentes ao tema da questão no grupo protestante e das demais crenças. No grupo protestante, f=7 (70%) responderam “Não” e f=3 (30%) “Sim”; católicos f=9 (90%) responderam “Não” e f=1 (10%) Não Respondeu. No grupo das demais crenças, f=7 (70%) responderam “Não” e f=3 (30%), “Sim”.
Tabela 3a Para você é possível ter um pensamento político axiologicamente neutro?
Protestantes | Frequência | % |
---|---|---|
Não | 7 | 70 |
Sim | 3 | 30 |
Total | 10 | 100 |
Não | 9 | 90 |
Não respondeu | 1 | 10 |
Total | 10 | 100 |
Não | 7 | 70 |
Sim | 3 | 30 |
Total | 10 | 100 |
Na tabela 3b, a categoria que mais se destacou nos três grupos foi Impossibilidade de Imparcialidade, com f=9 (90%) no grupo católico e f=7 (70%) no protestante e das demais crenças. Destaca-se, no grupo de protestantes, uma resposta que representa bem o posicionamento preponderante em todos os grupos: “pois todos nós temos uma cosmovisão cheia de pressuposições que nos faz pensar, sentir e agir sempre de uma forma ‘enviesada’, ainda que inconscientemente”.
Tabela 3b Por que?
Imposibilidade de imparcialidade | 7 | 70 |
Justificativa Religiosa | 1 | 10 |
Bem Comum | 1 | 10 |
Não Respondeu | 1 | 10 |
Total | 10 | 100 |
Imposibilidade de imparcialidade | 9 | 90 |
Não Respondeu | 1 | 10 |
Total | 1 | 100 |
Imposibilidade de imparcialidade | 7 | 70 |
Necessidade de imparcialidade | 3 | 30 |
Total | 10 | 100 |
A resposta dos respondentes de todos os grupos que discordaram da existência de uma neutralidade política teve como base a ideia de que é impossível manter-se imparcial, pois toda a opinião política implica uma raiz ideológica, é valorada de alguma forma. Bittencourt (2017) fala que, assim como não existe o saber desinteressado, a ação política também não é desinteressada. A própria defesa incondicional da neutralidade axiológica já se configura como uma tomada de postura, uma escolha singular. Nesse contexto, exigir neutralidade de alguém denota tendenciosidade.
A tabela 4a mostra pouca divergência entre protestantes e católicos internamente, em que apenas um (1), em ambos os grupos, deu resposta positiva à questão. O grupo protestante disse ser possível por conta do Bem Comum, e o de católicos disse ser possível “Somente com a Descrença”. O grupo das demais crenças deu um uníssono “Sim” à questão.
Tabela 4a É possível haver ausência de viés religioso nas opiniões políticas?
Protestantes | Frequência | % |
---|---|---|
Não | 9 | 90 |
Total | 10 | 100 |
Não | 9 | 90 |
Total | 10 | 100 |
Sim | 10 | 100 |
Total | 10 | 100 |
A tabela 4b mostra que o grupo das demais crenças direcionou as respostas à possibilidade de neutralidade religiosa na política. As categorias que se destacaram igualmente (f=2 - 20%) foram Necessidade de Imparcialidade, Pautar-se em Valores Universais, Bem Comum e Respeito à Liberdade Religiosa.
Tabela 4b Por que?
Imposibilidade de imparcialidade | 9 | 90 |
Bem Comum | 1 | 10 |
Total | 10 | 100 |
Imposibilidade de imparcialidade | 9 | 90 |
Somente com a Descrença | 1 | 10 |
Total | 10 | 100 |
Imposibilidade de imparcialidade | 2 | 20 |
Pauta-se em Valores Universais | 2 | 20 |
Bem Comum | 2 | 20 |
Respeito a Liberdade Religiosa | 2 | 20 |
Religião Não Atende Todas as Necessidades Sociais | 1 | 10 |
Religiosos Sem Viés Religioso | 1 | 100 |
Total | 10 | 100 |
A categoria em destaque, no grupo protestante e no católico, foi Impossibilidade de Imparcialidade, com f=9 (90%) em ambas. Põe-se em evidência esta resposta de um protestante que exemplifica esse posicionamento:
Na minha opinião não, mas na minha opinião é injusto pedir esta neutralidade a qualquer pessoa. Uma pessoa de esquerda por exemplo, tem arraigada em si uma série de valores que condizem com o que ela acredita, e não é pedido a ela que abandone suas crenças no que acha certo por uma suposta neutralidade, o mesmo acontece com as pessoas com viés de direita, anarquistas, etc. Mas aos cristãos, é pedido que eles neguem o que eles acreditam ser certo por esta neutralidade, imposição religiosa é obrigar as pessoas a prestarem culto a certa divindade, agora quando falamos de valores morais e defesa de direitos civis como o direito à vida, pedir que alguém abandone suas crenças sejam elas religiosas, políticas ou ideológicas é exigir algo que não só não é possível, como e exigir desta pessoa mais do que se exige de todas as outras.
Diferentemente da questão anterior, o grupo das demais crenças apontou para a possibilidade de neutralidade religiosa nas questões políticas, justificando a importância de pautar-se em valores universais, pois assim se evitarão imposições de valores e crenças aos demais. O grupo protestante e o católico demonstraram que suas crenças são crucias para a leitura de mundo e criticaram a pretensa autonomia do pensamento.
Segundo Burity (2008), Gomes e Lins Filho (2011) e Silva (2017), as religiões, com ênfase no protestantismo pentecostal no caso brasileiro, estão cada vez mais ganhando lugar no espaço público, não apenas na representação política, mas através da implementação de programas sociais e constantes diálogos com instituições públicas e setores da sociedade civil, utilizando principalmente a via do discurso de respeito à diversidade, assim como outros tipos de movimentos identitários (movimento LGBTQIA+, feminista, negro etc.). Para Burity, negar esse fenômeno em constante crescimento desde a redemocratização é um erro.
Outra questão levantada, diante dos dados da tabela 3 e 4, é sobre a possibilidade de neutralidade em opiniões políticas. Fica evidente que, para uma parte significativa da amostra de católicos e protestantes, a religião é importantíssima para se tomar uma posição seja ela qual for. Para uma parcela do grupo das demais crenças, toda opinião política é enviesada, não há espaço para a neutralidade, entretanto, a religião não é reconhecida como uma raiz axiológica legítima nesse campo. Esse posicionamento evidencia claros efeitos da secularização e laicização que ocorreram no ocidente e o esforço desse grupo, preocupado em manter a sobriedade do Estado.
A tabela 5a demonstra que tanto o grupo protestante quanto o católico reconhecem impasses a respeito da relação de religião e política, contudo, ainda há posições a favor dessa relação, pelo menos em algum nível. Já a maioria das demais crenças demonstrou preocupação sobre a relação da religião com a política.
Tabela 5a Você vê algum aspecto positivo ou negativo na união entre política e religião?
Protestantes | Frequência | % |
Negativo | 8 | 57,14 |
Positivo | 5 | 35,71 |
Não Respondeu | 1 | 7,14 |
Total | 14 | 100 |
Positivo | 8 | 66,67 |
Negativo | 3 | 25 |
Não Respondeu | 1 | 8,33 |
Total | 11 | 100 |
Negativo | 9 | 90 |
Positivo | 1 | 10 |
Total | 10 | 100 |
As categorias que se destacaram na tabela 5b foram duas positivas (grupo protestante e católico) e uma negativa (grupo das demais crenças). No grupo protestante, a categoria que se destacou foi Suporte à Sociedade, com f=5 (35,71%); entre católicos, foi Estado Católico, com f=4 (33,33%). No grupo das demais crenças, destacou-se Imposição de Crenças, com f=6 (60%). Nesse grupo, salienta-se a resposta: “segregação da religião não dominante e imposição de dogmas/verdades religiosas aos demais membros da sociedade que não professam a mesma religião”.
Tabela 5b Qual(ais)?
Aspecto | |||
Positivo | Suporte à Sociedade | 5 | 35,71 |
Negativo | Simbiose Igreja x Estado | 4 | 28,57 |
Imposição de Crenças | 4 | 28,57 | |
Não Respondeu | 1 | 7,14 |
Aspecto | |||
Positivo | Estado Catlólico | 4 | 33,33 |
Norte Moral | 2 | 16,67 | |
Não há Conflitos | 1 | 8,33 | |
Representação Política da Religião | 1 | 8,33 |
Aspecto | |||
Positivo | Suporte à Sociedade | 1 | 10 |
Negativo | Imposição de Crenças | 6 | 60 |
Exclusão das Demais Crenças | 1 | 10 | |
Beneficia uma Religião | 1 | 10 | |
Desinformação | 1 | 10 | |
Total | 10 | 100 |
Aqui temos uma compreensão ampliada das respostas dos grupos às questões anteriores, e estas trazem consigo algumas interrogações. No grupo protestante, embora a categoria mais evocada individualmente seja uma positiva, a maioria das evocações convergem numa perspectiva negativa da relação entre religião e política. Entretanto, nas questões anteriores, a grande maioria do grupo falou sobre a impossibilidade de neutralidade nas questões políticas (f=7 na tabela 3a, e f=9 na tabela 4a). Sendo assim, como interpretar essas respostas? Uma possibilidade é que, nas questões 3 e 4, os pesquisados responderam de um ponto de vista individualizado, enquanto na questão 5, interpretaram da perspectiva da relação das instituições Igreja x Estado.
Outro ponto importante sobre a categoria Suporte à Sociedade somada à postura negativa da união institucional da Igreja ao Estado é que o resultado desse cálculo pode representar um avanço (ou o próprio quadro) do desencantamento do mundo por parte do protestantismo, pois tal postura evidencia a influência da lógica secularizante no processo de racionalização da religião. Em outros termos, retirou-se a magia da política - coisa mundana ou do diabo (Machado, 2015) - e entrou a ética na forma de fazer a vontade de Deus através do bem comum. Essa postura se aproxima daquela comentada por Ungureanu (2008), ao falar sobre a inserção dos religiosos nos debates políticos utilizando argumentos religiosos secularizados.
O grupo católico permaneceu em consonância com suas respostas às questões anteriores. Reforçou a ideia que tem a respeito da relação entre religião e política – um estado católico. Observa-se que a categoria positiva Norte Moral tem alguma ligação com a do Estado Católico, onde uma seria apenas um desdobramento da outra. É importante apontar que até uma das categorias negativas tem alguma relação com as categorias positivas supracitadas. A categoria Imposição de Valores à Religião é perspectivada como um aspecto negativo, pois o pesquisado entende que este modelo político atual produz uma submissão da voz e da visão das religiões de tal maneira que cerceia a liberdade religiosa.
Já o grupo das demais crenças segue a mesma linha de raciocínio da questão anterior, demonstrando certa preocupação com a relação entre religião e política por conta do risco de imposições religiosas a toda a população. As outras categorias negativas também se relacionam com este temor, pois falam sobre exclusão de outras religiões, privilégio da religião que estiver no poder e desinformação.
A tabela 6a mostra que os três grupos veem influência religiosa na política brasileira. Na tabela 6b, eles indicam com maior frequência o Protestantismo. Vale ressaltar que as categorias que se sucederam, em frequência, foram Catolicismo e Cristã.
Tabela 6a No contexto brasileiro você vê influência religiosa na política?
Protestantes | Frequência | % |
---|---|---|
Sim | 10 | 100 |
Sim | 10 | 100 |
Sim | 10 | 100 |
Tabela 6b Se a resposta for afirmativa, você vê influência de qual(ais) religião(ões)?
Protestantismo | 6 | 40 |
Catolicismo | 4 | 26,67 |
Cristã | 3 | 20 |
Religiões Afrobrasileiras | 1 | 6,67 |
Não responde | 1 | 6,67 |
Total | 15 | 100 |
Protestantismo | 9 | 60 |
Catolicismo | 2 | 13,33 |
Cristã | 1 | 6,67 |
Religiões Afrobrasileiras | 1 | 6,67 |
Espírita | 1 | 6,67 |
Não Respondeu | 1 | 6,67 |
Total | 15 | 100 |
Protestantismo | 6 | 60 |
Cristã | 4 | 40 |
Total | 10 | 100 |
Esse destaque para as religiões cristãs nos três grupos é entendido de maneiras diferentes. Ao observar as respostas de protestantes às perguntas anteriores, verifica-se que tendem a compreender a presença cristã na arena pública como positiva, desde que se cumpram requisitos que entendem como importantes (respeito a outras liberdades, não imposição de crença a todos, etc.). O grupo católico percebe a presença protestante, porém se infere que preferiria o protagonismo católico. O grupo das demais crenças indica temor oriundo desta presença cristã.
Essas informações e interpretações ressoam o que autores já citados neste trabalho dizem sobre o crescimento exponencial do protestantismo após a redemocratização e o pequeno declínio da influência católica na cultura e política parlamentar (Burity, 2008; Gomes & Lins Filho, 2011; Silva, 2017).
Nota-se que uma das respostas do grupo de protestantes e de católicos apontou influência de religiões de matriz afro-brasileira na política. De acordo com Oro (2003), de fato, lideranças dessas religiões já buscaram uma incursão no universo político, mas com diferenças em relação a evangélicos: foi quase que exclusivamente como forma de proteção ante a perseguição de muitas denominações neopentecostais aos templos e cultos de matriz africana.
A tabela 7a mostra que a resposta negativa foi maioria em todos os grupos, sendo 100% de concordância no grupo protestante e maior parte no grupo católico e das demais crenças. Com uma abordagem reductio ad absurdum1, essa questão aborda algo improvável e se ancora na representação de que os conteúdos semânticos religiosos não podem ter um valor intrínseco para o discurso democrático (Ungureanu, 2008). Ela traz os entrevistados do campo das ideias e tenta os envolver, em possíveis situações da realidade, para observar quanto dos discursos permanece e quanto se adapta ao cenário proposto. Também auxilia na resolução e interpretação das posturas grupais ao longo do questionário, porque, dependendo de como os integrantes de cada grupo respondem essa questão, torna-se mais satisfatória a interpretação das questões anteriores.
Tabela 7a É possível haver posicionamento concordante entre católicos, protestantes/evangélicos e não-cristãos em todas as questões?
Protestantes | Frequência | % |
---|---|---|
Não | 10 | 100 |
Não | 8 | 80 |
Sim | 2 | 20 |
Total | 10 | 100 |
Não | 6 | 60 |
Sim | 4 | 40 |
Total | 10 | 100 |
Na tabela 7b, a categoria Divergência de Pressupostos teve destaque nos três grupos, com f=9 (90%) no grupo protestante; f=7 (70%) no católico; e f=5 (50%) no das demais crenças. Observa-se que a maioria do grupo protestante apontou a impossibilidade por conta dos pressupostos. Essa resposta está de acordo com suas anteriores, as quais apontavam para a impossibilidade da ausência do viés religioso nas opiniões políticas. Tal apontamento também reforça a interpretação de que as respostas negativas à questão 5 tinham foco nas instituições Igreja x Estado.
Tabela 7b Por que?
Divergência de Pressupostos | 9 | 90 |
Não Respondeu | 1 | 10 |
Total | 10 | 100 |
Divergência de Pressupostos | 7 | 70 |
Não Respondeu | 2 | 20 |
Difícil | 1 | 10 |
Total | 10 | 100 |
Divergência de Pressupostos | 5 | 50 |
Difícil | 4 | 40 |
Não respondeu | 1 | 10 |
Total | 10 | 100 |
Assim como o grupo protestante, o grupo católico manteve, majoritariamente, a postura de impossibilidade da ausência axiológica religiosa no debate político. Vale pontuar que um dos que responderam “sim” à questão, apesar de ter respondido positivamente, disse que “Considerando as divergências ideológicas e semânticas de cada indivíduo, é possível, porém difícil”.
O grupo daqueles das demais crenças, em sua maioria, afirmou que não é possível uma conciliação total. Os que responderam positivamente reconheceram que isso é algo muito difícil. A comparação das respostas dessa questão com as da 4 mostra que, embora esse grupo seja a favor da ausência do viés religioso nas opiniões políticas, reconhece que tal feito é impossível ou muito difícil de ocorrer na realidade. Isso evidencia que, à sua maneira, esse grupo também compreende que a religião é um fator determinante na vida dos seus adeptos. Esse fator indica a percepção do cristianismo com conotação globalizadora para as leituras de mundo, o que torna as separações temáticas da vida quase que inviável caso alguém deseje seguir os dogmas de sua crença fielmente.
A tabela 8a mostra que mais da metade do grupo de protestantes conhece as origens do conceito de laicidade, metade do grupo católico conhece e a maioria dos respondentes das demais crenças desconhece. É importante pontuar que, nessa questão, somente as respostas positivas eram passíveis de justificativa. A categoria em destaque, nos três grupos, foi Pesquisas Independentes, com f=3 (50%) no grupo protestante, f=3 (42,86%) no grupo católico, e f=1 (50%) no das demais crenças.
Tabela 8a Você conhece a(s) origem(ens) do conceito de laicidade?
Protestantes | Frequência | % |
---|---|---|
Sim | 6 | 60 |
Não | 4 | 40 |
Total | 10 | 100 |
Sim | 5 | 50 |
Não | 5 | 50 |
Total | 10 | 100 |
Não | 8 | 80 |
Sim | 2 | 20 |
Total | 10 | 100 |
Tabela 8b Se a resposta for afirmativa, como você aprendeu sobre este conceito?
Pesquisas Independentes | 3 | 50 |
Não Respondeu | 3 | 50 |
Total | 6 | 100 |
Pesquisas Independentes | 3 | 60 |
Escola | 1 | 20 |
Não Respondeu | 1 | 20 |
Total | 5 | 100 |
Pesquisas Independentes | 1 | 50 |
Não Responde | 1 | 50 |
Total | 2 | 100 |
O aprendizado dos protestantes que responderam sobre o tema foi adquirido por pesquisas independentes que, de alguma forma, se relacionavam com canais informativos religiosos/teológicos. Esse fator corrobora com o que alguns autores falam a respeito da constante ascensão da mentalidade política protestante após a redemocratização, quando não apenas os mais variados meios de comunicação começaram a falar sobre política aplicada às mais diversas áreas (eleitoral, movimentos sociais etc.), mas também as próprias instituições discutiam sobre o tema em alguma programação a nível local (Burity, 2008; Gomes & Lins Filho, 2011; Silva, 2017). Há um estudo interessante feito no Brasil que evidenciou, de forma expressiva, o grande poder das instituições religiosas brasileiras para fomentar a mentalidade e a atividade política do cidadão (Ribeiro & Walter, 2017).
Poucos foram os respondentes desta pesquisa que relataram ter aprendido sobre o tema através de fontes bibliográficas, e apenas um revelou ter aprendido na escola. Esse contexto da amostra evidencia uma nebulosidade sobre interpretar a laicidade a partir de modelos, restando apenas como alternativa a ótica de definição única que é competida entre os grupos. Este cenário demonstra como o senso comum é a base de conhecimento principal sobre o objeto estudado.
Em relação às respostas negativas, denotam que o senso comum é o principal orientador de opiniões e atitudes frente ao objeto estudado. Nesse contexto, infere-se que exista uma representação social sobre o que é laicidade. Representação social (RS) é o processo de construção de conhecimentos sociais e o seu resultado, onde os grupos compartilham os seus significados de fenômenos da vida social (Moscovici, 2007).
CONCLUSÃO
O presente trabalho ilustrou as percepções sobre as relações entre política e religião no contexto brasileiro, onde católicos e evangélicos podem participar ativamente da arena política e partidária. Esta pesquisa sobre essas relações e a laicidade encontram ecos no que alguns autores outrora comentaram do cenário social brasileiro (Burity, 2008; Gomes & Lins Filho, 2011; Silva, 2017).
Nesse sentido, Mariano (2011) fala que a laicidade brasileira não dispõe de força normativa e ascendência cultural para ampliar a secularização do campo político, a ponto de excluir a religião da esfera de debate público, e para assegurar sua própria reprodução. Tal realidade deve-se à presença e ao avanço de grupos católicos e evangélicos politicamente organizados e mobilizados que intervêm na esfera pública através dos próprios mecanismos de funcionamento da República.
Os participantes evidenciaram interpretações de laicidade ancoradas em axiomas variados, os quais estão vinculados às perspectivas sócio-históricas e crenças religiosas. Isso desafia a noção de uma autonomia do pensamento presumida e de uma neutralidade alegada como requisitos para a reflexão política, apoiando a literatura que discute neutralidade e abordagens de laicidade. O grupo católico e o protestante utilizaram uma lógica que se aproximou do modelo laico norte-americano para fundamentarem suas posições, enquanto o grupo das demais crenças utilizou uma lógica próxima do modelo francês.
Poucos foram os que relataram conhecer a(s) gênese(s) da(s) ideia(s) de laicidade, que tem sua importância para o processo de compreensão ampliada do fenômeno em termos de modelos. Essa lacuna de conhecimento contribui para a percepção de um modelo único de laicidade e reprovação de diferentes como não laico. O estudo do objeto laicidade demanda mais investigações, pois tem possibilidade de se encontrar correspondência dos resultados dessa amostra no quadro maior do pensamento social.
É importante novas pesquisas sobre o tema para haver uma compreensão maior do objeto. Quanto às limitações da pesquisa, pontua-se a pouca quantidade de respondentes para conferir uma consistência maior em termos de análises sociais e o cruzamento com outras variáveis sociodemográficas além da religião/crença. Ressalta-se que, apesar das limitações, o pequeno recorte amostral deste trabalho alcançou seu objetivo de exploração, pois evidenciou nuances para o debate e pôs em evidência realidades religiosas e não religiosas que são pouco exploradas pelas pesquisas brasileiras.
Por fim, destaca-se a ausência de estudos no campo da Psicologia Social abordando a laicidade e a participação política de religiosos. Dessa forma, novas investigações nesse campo pouco explorado se mostram essenciais. Nesse contexto, a Psicologia Social possui um vasto arcabouço teórico-metodológico para lidar com todos os aspectos desse objeto.