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TransFormações em Psicologia (Online)

versão On-line ISSN 2176-106X

TransForm. Psicol. (Online) vol.2 no.2 São Paulo  2009

 

Artigos originais

 

O Núcleo de Apoio à Saúde Da Família (NASF) como porta de entrada oficial do psicólogo na atenção básica

 

 

Daiana de Jesus Moreira1; Marden Gomes de Castro2

 

 


Resumo

Este presente artigo apresenta uma discussão das possibilidades de atuação do psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Para isso, trazemos a portaria de criação do NASF, um percurso histórico das ações que permitiram a inserção do psicólogo nesse espaço e alguns temas pertinentes a essa discussão como o Sistema Único de Saúde, Promoção de Saúde e Atenção Básica. Junto com as possibilidades vêm também os desafios enfrentados, lançando-nos na busca de respostas e construção de mais possibilidades e efetivação do trabalho do psicólogo nesse novo campo de cuidado à saúde.

Palavras chave: atenção básica; promoção da saúde; Psicologia.


Abstracts

This paper brings a discussion of the possibilities of action of the psychologist in the Center for Support of Family Health (NASF in portuguese). Therefore, we show the ordinance to create the NASF, a historical path of the actions which enable the entering of psychologist in that place and some issues relevant to this discussion, like Unified Health System, Health Promotion, Primary Care. Together with the possibilities also come the challenges already confronted, bringing us to search for answers and construction of more possibilities and actualization of the work of the phsycologist in this new field of health care.

Keywords: basic attention care; health promotion; Psychology


 

 

A construção do Sistema Único de Saúde avançou de forma substancial nos últimos anos, e a cada dia se fortalecem as evidências da importância da Atenção Primária à Saúde (APS) nesse processo. Como parte desse movimento, o Ministério da Saúde publicou a Política Nacional de Promoção da Saúde e a Política Nacional de Atenção Básica, duas das políticas consideradas na criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), fundamentais para embasar a atuação do psicólogo nesse espaço e por isso trazidas neste artigo.

A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), aprovada em 30 de março de 2006, estabelece diretrizes e aponta estratégias de organização das ações de promoção da saúde nos três níveis de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS)- municipal, estadual e federal. Foi criada com o intuito de garantir a integralidade do cuidado, promover a qualidade de vida e reduzir vulnerabilidade e riscos à saúde relacionados aos seus determinantes e condicionantes – modos de viver, condições de trabalho, habitação, ambiente, educação, lazer, cultura, acesso a bens e serviços essenciais – e incorporar e implementar ações de promoção da saúde, com ênfase na atenção básica (Portaria GM nº 687, 2006).

Segundo Castro & Malo (2006), nos últimos vinte e cinco anos, o conceito de promoção de saúde vem sendo reelaborado, podendo ser assim definida:

Promover a saúde significa então recuperá-la como valor de uso e resgatá-la como instrumento de preservação e de desenvolvimento da vida. [...] A Promoção de Saúde propõe uma agenda para o campo da saúde baseada em uma discursividade que sugere a necessidade de se construir políticas públicas saudáveis, que por sua vez propiciaram a criação de ambientes favoráveis à saúde. Reforça a necessidade de ações e empowerment comunitário (retomando um dos princípios de Alma-Atá), de se orientar os serviços de saúde e de se desenvolver habilidades individuais direcionadas à educação e ao autocuidado (p. 27).

A Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) caracteriza este nível de atenção como porta de entrada preferencial do sistema de saúde e a define como um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde. É desenvolvida por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem essas populações (Portaria GM nº 648, 2006, p. 2)

Uma das expressões utilizadas para nomear a atenção primária é "atenção básica", escolhida pelo Ministério da Saúde para diferenciar a proposta da saúde da família dos "cuidados primários de saúde", criando com isso uma terminologia própria. Essa diferenciação ocorreu em virtude do termo cuidados primários de saúde ter assumido um caráter de programa de medicina simplificada para os pobres, o que não condiz com a proposta da saúde da família e as características da Atenção Primária à Saúde. (Conselho Nacional de Secretários de Saúde [CONASS], 2007).

A Estratégia de Saúde da Família visa à operacionalização dessa política no Brasil, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde. Esse tem como valores a universalidade, a equidade, a integralidade, a participação e o controle social; e como princípios a territorialização, a intersetorialidade, o trabalho com equipes, baseados nas necessidades e expectativas da população e voltados para a qualidade de vida multiprofissionais (CONASS, 2007).

Assim define-se a Estratégia de Saúde da Família como um modelo de atenção primária, operacionalizado mediante estratégias/ações preventivas, promocionais, de recuperação, reabilitação e cuidados paliativos das equipes de saúde da família, comprometidas com a integralidade da assistência à saúde, focado na unidade familiar e consistente com o contexto socioeconômico, cultural e epidemiológico da comunidade em que está inserido.

As equipes de saúde da família são compostas essencialmente de um médico generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem, um odontólogo e quatro a seis agentes comunitários de saúde que são responsáveis pela cobertura de aproximadamente oitocentas famílias moradoras de uma área geográfica definida (Andrade et al, 2006).

Devido sua grande complexidade, as ações dessas equipes acabaram por exigir a interferência de outros profissionais da saúde, organizando uma estrutura de apoio matricial, hoje referendada e ampliada pela portaria nº 154/08 do Ministério da Saúde que criaos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF).

Diante desses apontamentos, buscaremos refletir e construir as possibilidades de atuação e contribuições do psicólogo no Núcleo de Apoio à Saúde da Família baseados nos valores, princípios, objetivos e definições discutidas acima.

Como citado acima, por meio da Portaria Nº. 154, de 24 de janeiro de 2008, republicada em 04 de março de 2008, o Ministério da Saúde do Brasil criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF, para os quais o objetivo principal é de ampliar a abrangência e o escopo das ações na atenção básica, bem como sua resolubilidade, apoiando a inserção da estratégia de Saúde da Família na rede de serviços e o processo de territorialização e regionalização a partir da atenção básica (p. 2).

O artigo 2º desse documento determina que as equipes dos NASF devam ser compostas por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, e que atuem em parceria às Equipes de Saúde da Família.

No conceito ampliado de saúde, estão envolvidos fatores sociais, culturais, psicológicos e médicos. Assim, torna-se necessário ter uma visão global do sistema para melhor avaliar e compreender o interjogo dos vários fatores envolvidos. Tanto a formação acadêmica dos profissionais ligados a esta área, como a pouca experiência sistematizada ligada a nossa realidade de Fortaleza, fornecem poucos subsídios para um trabalho de equipe interdisciplinar, o qual traz novos desafios, exigindo competências e habilidades para o trabalho em grupo e para a justificação clara e objetiva de procedimentos técnicos pertencentes à dada especialidade.

As equipes que podem vir a compor o NASF são: equipe de atividade física (profissionais de Educação Física), de alimentação (nutricionistas), de reabilitação (fisioterapeutas e fonoaudiólogos), de serviço social (assistentes sociais), de saúde mental (psicólogos, psiquiatras e terapeutas ocupacionais), de saúde da mulher (ginecologistas/obstetras), de saúde da criança (pediatras), de homeopatia (médico homeopata), de acupuntura (médico acupunturista, fisioterapeuta acupunturista e psicólogo acupunturista), de assistência farmacêutica (farmacêuticos) entre outras áreas de apoio.

Essa experiência não pode ser entendida como a somatória de ações isoladas de profissionais com as mais variadas formações, mas sim como fruto de um trabalho integrado e interdependente, que busca uma compreensão global da saúde.

A Portaria que cria os NASF traz um conjunto de atribuições que os profissionais do Núcleo deverão desenvolver juntamente às Equipes de Saúde da Família. Entre essas atribuições temos: identificar, em conjunto com as ESF e a comunidade, as atividades, as ações, as práticas e o público prioritário de cada uma das ações a serem adotadas em cada uma das áreas cobertas; acolher os usuários e humanizar a atenção; desenvolver coletivamente, com vistas à intersetorialidade, ações que se integrem a outras políticas sociais como: educação, esporte, cultura, trabalho, lazer, entre outras; promover a gestão integrada e a participação dos usuários nas decisões e avaliação do desenvolvimento e da implementação das ações e a medida de seu impacto sobre a situação de saúde, por meio de indicadores previamente estabelecidos, com a participação nos Conselhos Locais e/ou Municipais de Saúde; atuar, de forma integrada e planejada, nas atividades desenvolvidas pelas ESF e de Internação Domiciliar, quando estas existirem, acompanhando e atendendo os casos, de acordo com os critérios previamente estabelecidos, permitindo a apropriação coletiva pelas ESF e os NASF do acompanhamento dos usuários; elaborar estratégias de comunicação para divulgação e sensibilização das atividades dos NASF e produção de material educativo e informativo nas áreas de atenção dos NASF.

A Portaria Nº 154, de 24 de janeiro de 2008 determina, no Artigo 3º, que os NASF estejam classificados em duas modalidades: o NASF 1 e o NASF 2. O NASF 1 deve ser composto por, no mínimo, cinco profissionais de nível superior de ocupações não-coincidentes – Médico Acupunturista, Assistente Social, Profissional de Educação Física, Farmacêutico, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Médico Ginecologista, Médico Homeopata, Nutricionista, Médico Pediatra, Psicólogo, Médico Psiquiatra ou Terapeuta Ocupacional.

O NASF 2 deve ser composto por, no mínimo, três profissionais de nível superior de ocupações não- coincidentes - Assistente Social, Profissional de Educação Física, Farmacêutico, Fisioterapeuta, Fonoaudiólogo, Nutricionista, Psicólogo ou Terapeuta Ocupacional.

Os Artigos 5º e 6º do supracitado documento fazem referência ao número mínimo e máximo de Equipes de Saúde da Família que cada modalidade de NASF deve atender; o NASF tipo 1 deve atender, no mínimo, 8 (oito) Equipes de Saúde da Família e, no máximo, 20 (vinte) Equipes de Saúde da Família, enquanto que o NASF tipo 2 deve atender, no mínimo, um número de 3 (três) Equipes de Saúde da Família.

As ações dos profissionais do NASF são orientadas por atribuições gerais, ou seja, atribuições cujas ações são de responsabilidade de todos os profissionais que compõem o Núcleo – essas atribuições já foram trazidas anteriormente nesse trabalho.

Desse modo, a proposta da Portaria que cria os NASF, tem como objetivo ampliar a abrangência e o escopo das ações de atenção básica, melhorar a qualidade e a resolutividade da atenção à saúde na medida em que prevê uma revisão da prática do encaminhamento com base nos processos de referência e contra-referência, ampliando-a para um processo de acompanhamento longitudinal de responsabilidade da equipe de Atenção Básica/Saúde da Família, atuando no fortalecimento dos seus atributos e papel de coordenação do cuidado no SUS.

Além disso, a Portaria apresenta ações temáticas para cada profissional, dependendo da especificidade de sua formação. Estas são: ações de atividade física/práticas corporais, ações das práticas integrativas e complementares, ações de reabilitação, ações de alimentação e nutrição, ações de serviço social, ações de saúde da criança, ações de saúde da mulher, ações de assistência farmacêutica e ações de saúde mental.

As ações em saúde mental devem atender aos usuários e familiares em situação de risco psicossocial ou doença mental visando propiciar o acesso ao sistema de saúde e à inserção social por meio do apoio às ESF na abordagem e no processo de trabalho referente aos casos de transtornos mentais severos e persistentes.

As equipes que compõem esse eixo devem desenvolver ações de combate ao sofrimento subjetivo associado a toda e qualquer doença e a questões subjetivas de entrave à adesão a práticas preventivas ou incorporação de hábitos mais saudáveis, desenvolvendo ações de mobilização de recursos comunitários, buscando construir espaços de reabilitação psicossocial na comunidade.

Devem ainda realizar atividades clínicas pertinentes a sua responsabilidade profissional, priorizando as abordagens coletivas, identificando os grupos estratégicos para que a atenção em saúde mental se desenvolva nas unidades de saúde e em outros espaços da comunidade, além de ações de enfrentamento de agravos vinculados ao uso abusivo de álcool e outras drogas e as ações de redução de danos e combate à discriminação.

Para que essas ações em saúde mental se tornem viáveis, a Portaria de criação dos NASF (2008), diz que a atenção em saúde mental precisa ser feita dentro de uma rede de cuidado. Essa rede inclui a Atenção Básica/ Saúde da Família e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), as residências terapêuticas e os ambulatórios, os centros de convivência, os clubes de lazer, entre outros espaços.

De acordo com o parágrafo 2º do Artigo 4º da Portaria de criação dos NASF (2008), em virtude da magnitude epidemiológica dos transtornos mentais, recomenda-se que cada Núcleo de Apoio à Saúde da Família conte com pelo menos um profissional da área de saúde mental, seja ele um psicólogo, um médico psiquiatra ou um terapeuta ocupacional. Veremos adiante na discussão de alguns autores que o trabalho do psicólogo faz-se necessário em várias outras questões, para além do biológico. Podemos já citar ampliar o olhar, escuta e atuação das equipes de Saúde da Família junto às dimensões subjetiva e social dos sujeitos estendendo a sua atuação e dinâmica da atenção básica.

A partir de então, inscrevem-se possibilidades de atuação desses profissionais não apenas determinadas pelas ações de saúde mental e pelas ações de práticas integrativas e complementares (psicólogo acupunturista), mas também por outras atividades que surgem no campo, nas comunidades. Cabe, então, pensar as possibilidades de atuação do profissional de Psicologia nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), bem como os desafios dessa categoria profissional nesses espaços.

Spink (2007) diz que os aspectos psicológicos da saúde/doença vêm sendo discutidos desde longa data e os psicólogos já há muito tempo vêm marcando presença na área de saúde mental. Segundo a autora, embora a Psicologia esteja relacionada com o conceito de saúde estabelecido pela OMS como bem-estar bio-psico-social e espiritual, como disciplina, ela chega tardiamente à área da saúde; apenas no ano de 1998 a Psicologia entrou para o rol das profissões ditas da área da saúde pelo Ministério da Saúde a Psicologia chega tarde nesse cenário e chega "miúda", tateando, buscando ainda definir seu campo de atuação, [...] procurando abandonar os enfoques centrados em um indivíduo abstrato e a-histórico tão freqüentes na psicologia clínica tradicional (p. 30).

De acordo com Spink (2007), até recentemente o campo de atuação da psicologia na área da saúde se resumia a duas dimensões: as atividades realizadas nas clínicas particulares e as atividades exercidas em hospitais e ambulatórios de saúde mental. No entanto, a autora pontua que havia também formas alternativas de inserção dos profissionais de psicologia na área da saúde, como os trabalhos desenvolvidos pelas clínicas-escola junto às comunidades que, por sua vez, possibilitou uma reflexão sobre o conceito de saúde e a contribuição potencial da Psicologia (p. 30).

Para a mesma, a virada, no que diz respeito à entrada dos psicólogos nos serviços de saúde se deu em São Paulo a partir de 1982, com a adoção de uma política explícita, por parte da Secretaria de Saúde, de desospitalização e a extensão dos serviços de saúde mental à rede básica.

O Sistema Único de Saúde assenta-se em três princípios doutrinários: universalidade, integralidade e equidade. Benevides (2005) faz um paralelo e estabelece três princípios éticos para a contribuição da Psicologia no SUS, cuja prática se encontra no entrecruzamento do exercício destes. De acordo com a autora, os processos de subjetivação se dão num plano coletivo, plano de multiplicidades, na esfera pública. O SUS, que foi uma conquista do povo brasileiro, constitui-se como política pública de saúde. A primeira interface entre a Psicologia e o SUS dá-se por este ponto conector, constituindo o princípio da inseparabilidade.

O segundo princípio que confere mais uma interface da Psicologia com o SUS, o da autonomia e da co-responsabilidade, acredita que a prática dos psicólogos deve estar comprometida com a realidade em que vivemos, garantindo espaços de engajamento da população na produção de saúde, gerando, por sua vez, sujeitos autônomos, protagonistas, co-partícipes e co-responsáveis por suas vidas.

O terceiro princípio que possibilita interfaces entre a Psicologia e o SUS, é o da transversalidade. De acordo com este, a Psicologia, assim como qualquer outro campo de saber, isoladamente não pode explicar nada; ela necessita estabelecer intercessões com outros saberes; é no entre os saberes que a saúde se efetiva.

Camargo-Borges e Cardoso (2005) procuraram estabelecer um debate sobre possíveis articulações entre a Psicologia e a Estratégia de Saúde da Família (ESF). Na ESF, a psicologia despontou por meio da promoção de algumas intervenções, como o trabalho com grupos e junto às equipes de saúde mental. No começo, os psicólogos desenvolviam atividades nas Unidades Básicas juntamente aos chamados grupos programáticos para o cuidado de questões prevalentes na saúde como, por exemplo, grupo de gestantes e de hipertensão e diabetes.

Já o trabalho de saúde mental na ESF começou com profissionais dessa área (psicólogos e psiquiatras) que assessoravam uma equipe mínima através de estudos de casos, interconsultas, supervisão continuada, orientação e capacitação no cuidado e acolhimento dos casos de saúde mental (Lancetti, 2003, citado por Camargo-Borges & Cardoso, 2005).

Segundo as autoras, a ESF tem como objetivo reorientar o sistema de saúde, auxiliando a operacionalização dos princípios e diretrizes do SUS, na medida em que organiza o sistema numa rede articulada com os outros níveis de atenção à saúde.

Para Ciampone e Peduzzi (2000, citado por Camargo-Borges & Cardoso, 2005), um dos pontos centrais do trabalho da ESF seria "o estabelecimento de vínculos e a criação de laços de compromisso e de co-responsabilidade entre os profissionais da saúde e a população" (p. 28).

De acordo com as mesmas, tanto o discurso da Psicologia Social da Saúde quanto o discurso da ESF se organizam em torno de eixos que apostam na construção coletiva e na valorização da localidade e das interações decorrentes do modo de viver coletivo. A ESF está organizada e localizada dentro de um território, trabalha em equipe, focaliza o sistema familiar, a cultura local e lida diretamente com o cotidiano das pessoas, o que faz com que os profissionais que compõem essa estratégia se deparem com questões que demandam acolhimento, vínculo e interação.

A Psicologia se interessa pela criação de práticas dialógicas, favorecendo o vínculo entre elas. O estabelecimento dessas práticas permite a construção de espaços mais democráticos de convivência, propiciando integração entre profissionais – usuários, com isso, contribuindo para a eficácia do sistema idealizado pelo SUS (Camargo-Borges & Cardoso, 2005).

Como podemos ver, a inserção dos psicólogos na atenção básica é algo novo, mas contextualizado. Discutir esse trabalho é pensar a produção social e histórica desse profissional. A Portaria de criação dos NASF apenas veio legitimar essa categoria que até então não compunha oficialmente as equipes de Saúde da Família, embora já desenvolvesse trabalhos juntamente às mesmas. Contudo, Dimenstein (1998) afirma que não é uma tarefa fácil pensar a atuação do psicólogo nas Unidades Básicas de Saúde, ou seja, nas instituições públicas de saúde destinadas à Atenção Primária à Saúde (APS), dentre elas, incluímos os NASF.

Para a autora, o tempo de inserção dos profissionais de Psicologia nesses espaços é relativamente pequeno e não há uma quantidade considerável de profissionais atuando nessa área. A mesma acredita que os Cursos de Psicologia ainda não estão preparando seus alunos para trabalharem nesses espaços. Portanto, inscreve-se mais um desafio para a atuação dos psicólogos na Atenção Básica: a formação dos psicólogos ainda encontra-se incipiente em temáticas concernentes à saúde coletiva e à prática dos psicólogos nos serviços de saúde – e isso também diz respeito aos NASF, por sua vez.

Somente no ano de 2006, a Associação Brasileira de Ensino da Psicologia (ABEP) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP), com o objetivo de caracterizar a prática profissional do Psicólogo no âmbito da saúde, bem como buscar estratégias para sua investigação, realizaram o Seminário de Pesquisa: Prática Profissional, Psicologia e Saúde Pública (http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/noticias/noticia_060213_513.html). Nesse contexto, foram inseridas no novo Projeto Político Pedagógico dos cursos de graduação em Psicologia as disciplinas de saúde pública.

O trabalho na APS demanda um profissional generalista, que saiba de psicologia clínica, para lidar com os transtornos mentais de acordo com uma clínica ampliada; psicologia social/comunitária, atuando junto aos modos de vida, no mapeamento e diagnóstico da comunidade; psicologia escolar/ educacional, psicologia ambiental, para a construção de ambientes saudáveis; psicologia do trabalho para facilitar o fluxo, estrutura e a compreensão do processo de trabalho das equipes de Saúde da Família; além de psicologia do desenvolvimento para conhecer todos os ciclos de vida (criança, adolescente, gestantes, idosos), para citar algumas possibilidades, necessárias para uma boa prática, visto que atuará com esse público nos diversos âmbitos.

O psicólogo também pode contribuir criando e facilitando estratégias para incentivar a participação e controle social, na melhoria da qualidade do vínculo entre a equipe e a comunidade, no fortalecimento das relações locais, no resgate dos atores sociais envolvidos, no reconhecimento das necessidades bio-psico-sociais, culturais e subjetivas necessárias à integralidade. Além disso, a Psicologia articulada à ESF pode construir um modelo de atenção à saúde pertinente à realidade local.

Participação, controle social e integralidade fazem parte dos princípios orientadores do SUS, que por sua vez orientam a Atenção Básica (Portaria GM nº 648, 2006). Como visto no início do texto, esta considera o sujeito em sua singularidade, complexidade, integralidade e inserção sócio-cultural pela busca de promoção à saúde, prevenção e tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver de modo saudável. Assim, a atuação do psicólogo efetiva a Política Nacional de Atenção Básica ao trabalhar esses princípios.

O psicólogo pode colaborar igualmente para ampliar a autonomia e a co-responsabilidade de sujeitos e coletividades, inclusive no poder público, no cuidado integral à saúde, um dos objetivos da Política Nacional de Promoção de Saúde (Portaria GM nº 687, 2006).

Diante das discussões trazidas sobre as possibilidades de atuação do psicólogo no NASF, surgem novos questionamentos, reflexões, e muitos ainda virão ao longo desse percurso, pois estamos iniciando o caminho, mas passos já foram dados na construção do conhecimento. Somos participantes ativos desse processo de aprendizagem.

Não esgotamos as possibilidades de atuação do psicólogo, pois ainda estamos aprendendo a trilhar esse caminho. Muitas serão construídas no fazer profissional, a partir das demandas, especificidades, desejos da comunidade na qual o NASF atuará, enriquecendo, desse modo, os diversos fazeres.

Junto com as possibilidades vêm também os desafios, cabendo a nós, ainda na graduação, buscarmos formas de superá-los, por meio de uma formação crítica, contextualizada, continuada, pautada pelo compromisso social através de ampliação de disciplinas que contemplem essa temática, estágios em atenção primária, discussões em eventos e encontros. Cabe aos profissionais que lá já estão ou desejam ingressar criar, quebrar paradigmas, reinventar nossas formas de saber/fazer saúde contribuindo para uma melhor qualidade de vida da população e mostrar que o psicólogo também é um profissional da saúde.

 

 

Referências

Andrade, L.O.M.B., Barreto, I.C.H.C. e Bezerra, R.C (2006). Atenção Primária à Saúde e Estratégia de Saúde da Família. In Cruz, I.B.M., Pasche, D.F (org). A saúde coletiva: diálogos contemporâneos. Ijuí. Editora Unijuí         [ Links ].

Benevides, R. (2005). A Psicologia e o Sistema Único de Saúde: quais interfaces? Revista Psicologia & Sociedade, 17 (2), 21-25.         [ Links ]

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Castro, A., & Malo, M (2006). SUS ressignificando a promoção da saúde. São Paulo. Editora Hucitec.         [ Links ]

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POL Psicologia on line. Seminário de Pesquisa: Prática Profissional, Psicologia e Saúde Pública. Acesso em 24 novembro 2008, em: http://www.pol.org.br/pol/cms/pol/noticias/noticia_060213_513.html.         [ Links ]

Spink, M. J. P. (2007) Psicologia Social e Saúde: práticas, saberes e sentidos. Petrópolis, RJ: Editora Vozes.         [ Links ]

 

 

1 Estudante de Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará - daianadjm@hotmail.com
2 Estudante de Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará - marden_gomes@yahoo.com.br