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Revista Psicologia e Saúde

versão On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.5 no.2 Campo Grande dez. 2013

 

A metodologia qualitativa no estudo do abuso sexual intrafamiliar

 

The qualitative methodology in the study about intrafamiliar sexual abuse

 

La metodología cualitativa en el estudio del abuso sexual intrafamiliar

 

 

Silvia Renata Magalhães LordelloI; Costa Liana Fortunato Costa

ISecretaria de Saúde /DF

 

 


RESUMO

O abuso sexual desafia a ciência psicológica por sua natureza multifacetada e tem se constituído em problema de saúde pública. O abuso sexual intrafamiliar mostra-se uma área de difícil abordagem, por envolver vínculo, relação de confiança e segredo, dificultando o acesso aos sistemas envolvidos nesta dinâmica. A compreensão deste fenômeno requer um investimento metodológico adequado. O artigo propõe uma discussão sobre a metodologia qualitativa como construto sistematizado para a investigação sobre esse objeto de estudo, trazendo contribuições teóricas e metodológicas que contemplam a diversidade de instrumentos e construções interventivas possíveis. São abordados recursos metodológicos como entrevistas, narrativas, grupos focais e análise do discurso, apontando suas potencialidades e limitações. Tais recursos tencionam compor o arsenal disponível ao profissional de saúde para acesso ao universo subjetivo das vítimas e possíveis ações de prevenção neste cenário. Estudos futuros são sugeridos articulando a metodologia qualitativa à investigação sobre abuso sexual intrafamiliar.

Palavras-chave: Abuso sexual; Pesquisa qualitativa; Saúde pública; Metodologia-psicologia; Entrevista.


ABSTRACT

Sexual abuse defies psychological science because of its multifaceted nature and has been constituted as a public health problem. Intra-familiar sexual abuse shows up a difficult area to approach, because it involves bond, trust and secrecy, making difficult to the access to the systems involved in this dynamic. The comprehension of this phenomenon requires an adequate methodological investment. The article proposes a discussion about the qualitative methodology as a systematic construct for the investigation about this object of study, bringing theoretical and methodological contributions that contemplate the diversity of instruments and possible interventional constructions. Focal points are methodological resources such as interviews, reports, focal groups and discourse analysis, pointing out their potentialities and limitations. Such resources aim at offering to the health professional the available tools for the access to the subjective universe of the victims and possible actions of prevention in this scenario. Future studies are suggested connecting the qualitative methodology with the investigation about intrafamiliar sexual abuse.

Key-words: Sexual abuse; Qualitative research; Public health; Methodology - psychology; Interview.


RESUMEN

El abuso sexual desafia a la ciencia psicológica por su naturaleza y se constituye un problema de salud pública. El abuso sexual intrafamiliar se muestra un área de difícil manejo, pues envuelve vínculo, relación de confianza y secreto, lo que dificulta el acceso a los sistemas involucrados en esa dinámica. La comprensión de este fenómeno requiere una inversión metodológica adecuada. Este trabajo propone una discusión acerca de una metodología cualitativa para la investigación sistemática sobre este tema, aportando contribuciones teóricas y metodológicas que aborden la diversidad de instrumentos y construcciones de intervención posibles. Son presentados recursos metodológicos como entrevistas, narraciones, grupos focales y análisis del discurso, señalando sus fortalezas y limitaciones. Esos recursos tienen la intención de componer el arsenal a disposición del profesional de la salud para acceder al universo subjetivo de las víctimas y posibles acciones para prevenir en ese escenario. Se sugieren futuros estudios articulando la metodología cualitativa a la investigación sobre el abuso sexual intrafamiliar.

Palabras-clave: Abuso sexual; Investigacion qualitativa; Salud publica; Metodologia - psicologia; Entrevista.


 

 

Investigar cientificamente o abuso sexual é uma necessidade e um desafio na atualidade, pois sua prevalência aponta para um grave problema de saúde pública (Dahlberg & Krug, 2007; Ferreira & Azambuja, 2011). No ano de 2011, o Ministério da Saúde reportou 14 625 notificações de violência, inclusive a sexual contra crianças menores de 10 anos (Portal Brasil, 2013). A Rede Brasil Atual (2012) informa que em dez anos o número de crianças e adolescentes abusadas sexualmente encaminhadas para atendimento em São Paulo triplicou. A natureza multidimensional do abuso sexual justifica o acesso e a análise dos diferentes sistemas envolvidos e um investimento metodológico que contemple tais peculiaridades.

O abuso sexual intrafamiliar, traz outras variáveis que redimensionam o ato abusivo, incluindo fatores multifacetados como a dinâmica familiar, vínculos, segredos, relações de poder e outros aspectos que merecem um tratamento metodológico sensível a esta configuração complexa do fenômeno. Há, na abordagem complexa do abuso sexual intrafamiliar, uma nítida articulação entre saúde e desenvolvimento humano. A Psicologia conta com um conjunto teórico metodológico sistematizado e diversificado que serve de base para esta construção. A experiência da autora pesquisadora em serviços de atendimento às vítimas de violência propicia sua familiaridade com instrumentos de natureza qualitativa, que vem se mostrando eficientes no acesso à subjetividade das pessoas atendidas. Devido a multiplicidade de fatores que circunda o fenômeno da violência sexual, as vítimas procuram o serviço, porém não se sentem à vontade para expor sua vivência traumática. A possibilidade do estabelecimento do vínculo de confiança somente é alcançado após se certificarem de que estão sendo escutadas por profissionais que conseguem dispor de um acolhimento humanizado e que abordem a questão sem sua revitimização.

No presente artigo, defende-se a adoção da perspectiva da metodologia qualitativa como construto adequado para investigações sobre o tema, tendo por objetivo sistematizar opções metodológicas que viabilizem o estudo deste fenômeno contemplando a complexidade que o envolve. Para isso, serão abordados aspectos presentes na literatura que remetem às questões teóricas e epistemológicas da metodologia qualitativa, analisando-as criticamente com vistas a sua adequação no tratamento do abuso sexual intrafamiliar como objeto de estudo.

 

O abuso sexual intrafamiliar e suas peculiaridades

O abuso sexual é considerado uma forma ativa de maltratar crianças e adolescentes, expondo-os à estimulação sexual inapropriada a sua idade. De acordo com Furniss (1993), quando o abuso ocorre de forma intrafamiliar, a violência se manifesta de forma silenciosa, sem violência física, tendendo a ser contínua por longos períodos de tempo e progressiva, iniciando por carícias até chegar ao coito. Essa caracterização corresponde às relações incestuosas, que na visão de Cohen e Gobetti (1998), se refere ao relacionamento sexual entre pessoas que são membros de uma mesma família (exceto os cônjuges), sendo que a família não é definida apenas pela consanguinidade ou mesmo afinidade, mas, principalmente, pela função social de parentesco exercida pelas pessoas dentro do grupo.

Habigzang, Koller, Azevedo e Machado (2005) descrevem que o abuso sexual intrafamiliar é desencadeado e mantido por uma dinâmica complexa que sustenta aspectos da "Síndrome de Segredo" e da "Síndrome de Adição". A síndrome do segredo gera uma proteção da figura do agressor, pela criança, em uma teia de segredos, e a síndrome da adição proporciona que o abusador, por não se controlar, use a criança para obter excitação sexual e alívio de tensão, e a criança "se adapta" a essa violência. Ambas as situações trazem dependência psicológica e a negação desta dependência.

Do ponto de vista da vítima, o incesto promove uma intensa opressão. A criança ou adolescente teme o autor da violência, e nutre medo de vingança, de retaliação e teme ser o responsável por uma desintegração da família, caso o segredo seja revelado. Como os papéis estão indefinidos, as vítimas acham natural o comportamento do abusador, se culpam e se sentem responsáveis pelo abuso. Assim, protelam o pedido de ajuda, pensando que ninguém irá acreditar em seu relato, o que de fato pode ocorrer em função da negação e de outras circunstâncias que envolvem a dinâmica familiar (Habigzang, Azevedo, Koller, & Machado, 2006; Habigzang, & Caminha, 2004; Koller, & De Antoni, 2004).

Diante desta dinâmica tão peculiar, é oportuno dar espaço à reflexão de e Johnson (2007) com relação aos aspectos epistemológicos e metodológicos que devem nortear os paradigmas em pesquisa. O desafio de romper com uma posição tradicional, na qual a realidade é ordenada, singular, fixa e que independe do observador é fundamental para a compreensão do abuso sexual que traz em si a complexidade como marca. McGrath e Johnson (2007) argumentam que a adoção de metodologias qualitativas privilegia a identificação e incorporação de influências contextuais, o que é essencial para o entendimento do abuso sexual. A questão de pesquisa é que define a escolha metodológica. Portanto, para compreender o abuso sexual intrafamiliar, com toda a tecitura de segredos e ações ocultas, é necessário investir em processos que fundamentam esta dinâmica, e abordar com profundidade interpretativa as experiências de quem o vivencia. A tendência atual é que o design da pesquisa que envolve interrelações intensamente moldadas pela cultura, como é o caso do abuso sexual, possa alcançar um status quali quanti, valorizando o tamanho e a dinâmica do fenômeno (Denzin, Lincoln et al., 2006; Flick, 2009; Frow & Morris, 2006; Gergen & Gergen, 2006).

O objetivo da pesquisa qualitativa é descobrir padrões que emergem após a observação atenta, cuidadosa documentação e análise cuidadosa do tema de pesquisa. O que pode ser descoberto por uma pesquisa qualitativa não são generalizações, mas descobertas contextuais. Este processo de descoberta é fundamental para a base filosófica da abordagem qualitativa.

Vivências de abuso sexual intrafamiliar à luz da construção de sentidos subjetivos

González Rey (1993) traz uma proposta interessante à compreensão de fenômenos complexos, que pode beneficiar a investigação sobre condições adversas ao desenvolvimento como o abuso sexual intrafamiliar. Esta metodologia se apóia em três princípios básicos: a) O conhecimento como uma produção construtiva-interpretativa; b) A produção de conhecimento como um processo que tem um caráter interativo; e c) A significação da singularidade como nível legítimo da produção do conhecimento. O principal desafio de desvendar a dinâmica da relação abusiva reside na necessidade de se analisar a vivência da pessoa a partir do sentido que é produzido por ela sobre esta experiência, sem deixar de considerar os aspectos sistêmicos que potencializam ou fragilizam os ambientes nos quais se insere.

Como metodologia, reconhece-se a unicidade e a complexidade do pesquisado e o caráter interpretativo do conhecimento, entendido como processo que se configura pela busca de sentido da expressão do sujeito e se desenvolve por meio da atribuição de significados. O autor propõe uma crítica ao conceito de "dado" como algo estático que é apenas colhido e não é construído na interação com o pesquisador. O conceito de "indicador" designa os elementos que adquirem significação graças à interpretação do próprio pesquisador. O indicador só se constrói sobre a base de informação implícita e indireta, pois não determina nenhuma conclusão do pesquisador em relação ao estudado, mas sim a representação de um momento hipotético no processo de produção de informação.

De acordo com González Rey (1993), o trabalho de campo assume natureza interativa e a subjetividade emerge gradativamente por meio da dinâmica complexa entre sujeitos e pesquisador que participam ativamente do processo e são considerados inseridos em um contexto. Ao considerar o ser humano como um sujeito interativo, motivado e intencional, que adota diferentes posições frente às tarefas propostas, esse método de investigação baseia-se na interação entre pesquisador-pesquisado e as relações, o vínculo e a comunicação são condições fundamentais para o processo de conhecimento e essenciais para sua boa qualidade. Os imprevistos, os momentos informais e o envolvimento emocional característicos da comunicação humana, são considerados significativos para o conhecimento e suas reflexões produzem informações relevantes para a produção teórica do estudo.

González Rey (1993) destaca que trabalhar com o sujeito como singularidade é considerá-lo como um ser único e possuidor de uma subjetividade que aparece como individualidade em condição de sujeito. A partir desse pressuposto, o conhecimento científico não se legitima pela quantidade de sujeitos a serem estudados, mas pela qualidade de sua expressão, sendo que o grande desafio do estudo da subjetividade é a impossibilidade de acesso direto a ela. No geral, os indicadores relevantes da constituição subjetiva surgem de forma indireta, muito além da consciência do sujeito, o qual é tido como interativo, motivado e intencional e adota posições diferenciadas diante das tarefas propostas. A investigação sobre esse sujeito não deve ignorar essas características gerais, configurando-se, entre outras coisas, um processo de comunicação entre pesquisador e pesquisado sob um diálogo permanente que assume formas diferenciadas.

A criatividade e a independência do pesquisador para "liberar" o pensamento são condições essenciais dessa construção teórica. A epistemologia qualitativa não se orienta para produção de resultados finais que possam ser tomados como referências universais e invariáveis sobre o estudado, mas à produção de novos momentos teóricos que se integrem ao processo geral de construção de conhecimentos. O estudo não busca uma verdade absoluta até mesmo por considerar as multi causalidades presentes no campo de pesquisa, mas propicia uma produção reflexiva sobre os fenômenos evidenciados em dado momento estudado.

O pesquisador e suas relações com o sujeito pesquisado são os principais protagonistas da pesquisa, na qual o participante é reconhecido em sua singularidade como responsável pela qualidade de sua expressão que, por sua vez, está relacionada com a qualidade de seu vínculo com o pesquisador. Nesse sentido, uma relação compreensiva e acolhedora é potencial para aproximar o pesquisador do pesquisado, tornando-o parte integrante do conteúdo estudado. Essa metodologia reconhece que a história de vida e de aprendizado do pesquisador, a sua trajetória pessoal e coletiva, os valores e as crenças estão intimamente relacionadas às suas interpretações e presentes no discurso científico.

Para González Rey (1993), a produção de indicadores e de categorias são processos interrelacionais e não seguem normas padronizadas, é um processo articulado, sistemático e gradativo de construção teórica que ganha forma e se estrutura a partir de um estudo sobre a subjetividade do participante. O resultado é um conjunto de alternativas que se expressam na pesquisa científica e que seguem diferentes "zonas de sentido" sobre a realidade estudada. O conceito de "zonas de sentido" corresponde à reunião dos indicadores da dimensão psíquica do indivíduo, e tem por objetivo dar sentido à sua experiência subjetiva que adquire significação por intermédio do pesquisador com sua linguagem própria que contribui para a garantia da subjetividade da pesquisa. Por essa perspectiva, nenhuma teoria pode ser considerada resultado final capaz de dar conta em termos absolutos do estudado, uma vez que se apresenta como um desenvolvimento constante, onde o pesquisador produz as idéias sobre as quais se desenvolve a teoria. Sob esse aspecto, a pesquisa representa um processo de tensão intelectual permanente e as ideias surgem em qualquer momento da vida do pesquisador, não só quando ele está no campo da pesquisa, sendo este o responsável por produzir as ideias sob as quais se desenvolve a teoria da pesquisa.

Verifica-se, portanto, que a interpretação, a construção de indicadores, hipóteses e zonas de sentido dependem de um exercício constante por parte do pesquisador para se desprender de um conhecimento único e absoluto e assumir a postura reflexiva para lidar com as diferenças, incertezas e questionamentos. O reconhecimento de estarmos implicados no processo e a certeza do nosso envolvimento com os participantes evidencia a responsabilidade das nossas ações e interpretações que não devem abandonar o compromisso ético da pesquisa e das relações estabelecidas. Nesse sentido, sujeito e objeto de estudo são considerados em igual importância e responsabilidade para o sucesso do processo de conhecimento. A tentativa de acessar a subjetividade exigirá atenção às relações estabelecidas, nas quais o movimento dialético e o respeito ao conteúdo exposto, à história de vida, aos limites e ao sofrimento relacionado à vivência do abuso sexual intrafamiliar deverão ser priorizados no percurso do estudo.

Resultados de estudos nos quais essa metodologia é empregada apontam um direcionamento ao serviço de atendimento às vitimas de violência. Por terem seus sentidos subjetivos considerados a partir da contextualização de suas histórias, as pessoas que passam por essa experiência retratam, de forma muito particular, seus mundos e o pesquisador, assumidamente envolvido com essa construção, gera novos conceitos que podem ser considerados na atuação com esse mesmo público.

A compreensão dos aspectos subjetivos envolvidos nas interações das vítimas com seus agressores, com membros da família nuclear ou da família extensa, está diretamente vinculada à adoção de instrumentos e/ou criação de modos de acessar os sujeitos. Este acesso representa poder criar vínculos e organizar intervenções de modo que as idiossincrasias das ações com a temática do abuso sexual possam ser focalizadas.

A intervenção na temática de violência sexual está afeita a situações muito veladas, que dificultam a compreensão do que de fato ocorreu. Por outro lado, a responsabilização da agressão é tomada como aspecto fundamental para a interrupção da violência. Sendo assim, a diversidade de modos de acesso às informações, bem como de transformação da situação abusiva, deve ser ampliada para o bem do restabelecimento da situação de proteção da vítima já conhecida, e de outras possíveis vítimas (Faleiros, 2008; Habigzang & Koller, 2011).

Potencialidades teórico metodológicas da pesquisa qualitativa no estudo do abuso sexual

Antes de traçar argumentos defensáveis para a metodologia qualitativa, é preciso evidenciar conceitos básicos. Branco e Rocha (1998) apontam que metodologia é um processo cíclico, que envolve todas as etapas da produção de conhecimento, etapas estas que se definem na medida em que o processo avança. Com isso, o principal desafio do pesquisador é ter clareza de que a investigação de cada problema vai lhe exigir a criatividade de construir uma metodologia adequada aos objetivos do projeto. Por isso, trataremos aqui de alguns temas que podem alargar a visão metodológica de pesquisadores do desenvolvimento humano, sobretudo os que enfatizam o desenvolvimento em condições adversas como o abuso sexual intrafamiliar.

Embora ainda se observe nos estudos sobre abuso sexual intrafamiliar uma tendência qualitativa, este fato ainda não remete à diversidade metodológica. É possível ampliar o olhar sobre as metodologias qualitativas para se fazer uso de uma maior diversidade instrumental que lhe é característica. Gaskins, Miller e Corsaro (1992) argumentam sobre as vantagens de um estudo interpretativo relacionado às crianças, por entenderem que a criança não simplesmente imita o mundo adulto ou se apropria passivamente dos recursos culturais. A criança tem um papel que também é o de produtora de cultura e por isso, o uso do termo produção-reprodução alarga a noção de estágio de desenvolvimento, reconhecendo que sucessivas reorganizações no conhecimento da criança refletem mudanças qualitativas não só nas habilidades cognitivas e lingüísticas, mas no seu mundo social.

As premissas chave das abordagens interpretativas, apontadas por Gaskins, Miller e Corsaro (1992) remetem a: a) à contextualização do significado e do desenvolvimento, na qual vêem a criança de forma sistêmica, rejeitando a adoção de uma unidade de análise que privilegie o indivíduo isolado, b) a criação do significado pela participação nas rotinas culturais coletivas envolvem a participação ativa da criança e c) a chave de entendimento do significado é a linguagem, por ser a primeira ferramenta para negociação de pontos de vista como de construção de uma realidade compartilhada.

O abuso sexual intrafamiliar traz peculiaridades que mostram a adequação desta escolha metodológica, por se tratar de um investimento na contextualização e produção de sentido, levando-se em conta os inúmeros significados presentes. Nos serviços que atendem crianças que são vítimas de violência, observa-se o temor infantil em romper segredos, perante ameaças tácitas ou explícitas. O atendimento à mulher adulta ou à jovem adulta vítima de violência sexual inclui a consideração de perseguição ou ameaças concretas à pessoa vitimizada. Daí a necessidade dar credibilidade ao relato infantil, além de intensificar o conhecimento sobre o discurso infantil e a observação dos sistemas nos quais a criança se encontra inserida. Aplicada a situações com este cenário, a análise interpretativa leva em consideração três aspectos básicos: a contextualização, o papel ativo da criança na construção de significados e a linguagem, que jamais poderia ser desprezada neste processo.

A contextualização é defendida por diferentes autores nos estudos sobre desenvolvimento humano (Branco & Rocha, 1998; Madureira & Branco, 2001). Madureira e Branco (2001) apontam que a pesquisa qualitativa em psicologia do desenvolvimento se caracteriza pela compreensão do desenvolvimento como um fenômeno complexo e dinâmico, que deve ser estudado de forma contextualizada, a partir de uma perspectiva de causalidade sistêmica. Adotando um referencial sociocultural construtivista, as autoras defendem o uso da entrevista como um espaço dialógico que envolve a co construção de significados como processo que se estabelece entre pesquisador e pesquisado. A entrevista, nesta perspectiva, constitui-se de recurso metodológico flexível e de grande valor, que congrega o entrevistador a assumir um papel que vai além da tarefa de perguntar. Para esta vertente, a entrevista representa uma valorização do singular como campo produtivo de investigação e desenvolvimento.

Conhecer o contexto no qual a vítima e o agressor se inserem é fator primordial para o restabelecimento da proteção devida. Por contexto, pensam-se as interações do grupo imediato da vítima (por exemplo, a família), as características da comunidade, as condições socioeconômicas do ambiente no qual a violência ocorre, isto porque é importante conhecer a proximidade do agressor e das vítimas ou possíveis vítimas. Nas situações de abuso sexual envolvendo famílias com carências materiais extremas esse é um ponto fundamental, muitos são os aspectos condicionantes da violência, desde a organização da casa e da forma de acomodação dos membros da família para dormirem (Faleiros, 2008). Pesquisas qualitativas têm permitido revelar uma condição de vulnerabilidade de crianças que são cuidadas por irmãos adolescentes, que executam todas as tarefas domésticas. O abuso sexual intrafamiliar praticado contra meninas e meninos ocorre, muitas vezes nessas condições, e traz como indicação a intervenção visando todo o grupo familiar (Costa, Junqueira, Meneses, & Stroher, 2013).

Jovchelovitch e Bauer (2002) também atribuem importante lugar à entrevista como método de excelência na geração de dados, detalhando as questões epistemológicas que circundam a modalidade de entrevista narrativa que defendem. As narrativas produzidas são ricas colocações com possibilidades de agrupamentos porque se referem a acontecimentos e ações e remetem às experiências pessoais. As entrevistas narrativas têm como objetivo encorajar o informante a contar a história sobre algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social. O fluxo narrativo segue um esquema autogerador contemplando três aspectos principais: a textura detalhada, que se refere aos detalhes que permitem a compreensão da narrativa; a fixação da relevância, que são os centros temáticos eleitos por quem conta; e o fechamento da gestalt, o desfecho e a conclusão do acontecimento central relatado.

De acordo com Jovchelovitch e Bauer (2002), o posicionamento do entrevistador deverá ser o mais neutro possível, evitando superar a condução pergunta-resposta. Antes de proceder a entrevista é necessário prepará-la no sentido de ter clareza sobre o objeto de estudo. A neutralidade aqui se refere ao respeito da posição e direção da resposta dada pelo entrevistado. Para isso o entrevistador deve criar familiaridade com o campo de estudo para alcançar uma formulação convincente do tópico inicial central. Além disso, deve compor questões que permitam ampliações das respostas e que reflitam seus interesses, às questões imanentes, que repercutem os tópicos e temas explorados pelo informante. Do ponto de vista operacional, as principais fases da entrevista narrativa são: a) iniciação, na qual são esclarecidos ao informante os procedimentos gerais deste tipo de entrevista; b) narração central, que não deve ser interrompida até que o informante dê sinais claros de que a história terminou; c) fase de questionamento, quando o entrevistador passa a fazer perguntas que tenham sido despertadas pela própria narração, sugerindo questões imanentes, empregando as próprias palavras do informante e d) fase conclusiva, que se dá após o desligamento do gravador e que suscita, não raro, discussões interessantes.

O abuso sexual intrafamiliar é um tópico sempre de relevância para a aplicação da entrevista narrativa como recurso metodológico. Dentro das especificidades de preparação é muito importante que o entrevistador conheça com propriedade o campo, para que cometa conduções iatrogênicas. Analisando as limitações possíveis deste recurso, Jovchelovitch e Bauer (2002) apontam os perigos das expectativas incontroláveis numa entrevista, na qual tanto o informante pode hipotetizar sobre o que o entrevistador gostaria de ouvir, como desconfiar de uma agenda oculta. Outro aspecto apontado pelas autoras são as regras da entrevista narrativa, que parecem ideais demais frente a sua aplicação e que podem comprometer e enviesar os resultados, por serem difíceis de serem levadas à risca pelo entrevistador.

Na área de avaliação / inquirição de crianças visando subsidiar informações para a continuidade da denúncia sobre a violência sexual sofrida, é da maior importância tanto a atitude do entrevistador / pesquisador, quanto seu modo de acessar o conteúdo. Por isso mesmo existem autores que defendem uma abordagem menos inquisitiva e mais geral no sentido de se dispor a escutar sobre o que a criança quer falar. O que está em jogo é o cuidado com a possibilidade de "se colocar palavras na boca da criança", ou se permitir que sua ansiedade para dizer o que está acontecendo, concorre para que a vítima expresse seu sofrimento. Temas como implantação de falsas memórias, aproveitamento de alegações de abuso sexual nas circunstâncias de disputa de guarda de filhos toma, cada vez mais, espaço na pesquisa e compreensão das consequências no âmbito clínico e da justiça (Barbosa & Castro, 2013; Ferreira & Azambuja, 2011; Wilson & Powell, 2001).

Outra variação dentro da pesquisa qualitativa, que tem ganhado legitimidade entre os processos qualitativos são os estudos microgenéticos. De acordo com Branco e Rocha (1998), esta metodologia revela-se adequada para os estudos de mudança e transição, com a vantagem de oferecer ao investigador o acesso às análises das sequências típicas dos processos de desenvolvimento. Além disso, esta abordagem permite tanto a análise dos aspectos qualitativos quanto quantitativos do processo, indicando as condições sobre as quais as mudanças ocorrem e produzindo informações sobre os estágios de transição, que em de outra forma, talvez não pudessem ser analisados.

Há três características básicas dos estudos microgenéticos que merecem ser descritos: a) as observações cobrem todo o período da mudança até a estabilidade do novo estado, b) alta densidade de observações relativa à taxa de mudança do fenômeno, c) há uma intensiva análise à qual o comportamento do sujeito é submetido.

De forma operacional, o pesquisador cria uma situação estruturada que favoreça a ocorrência de determinado fenômeno, minuciosamente registrado em vídeo, tendo o significado de cada momento da sequência observada analisado com ou sem a participação dos sujeitos do estudo. Atualmente, reconhece-se que o uso desta abordagem para o estudo dos processos de comunicação, metacomunicação e negociação de orientação para objetivos tem permitido identificar estratégias comunicativas específicas e a emergência de momentos de co construção de significados entre os indivíduos no contexto das interações sociais. Os estudos de Branco e Rocha (1998) mostram o quanto esta metodologia permite revelar a forma dinâmica com que vão se delineando movimentos de convergência e divergência nos padrões interativos apresentados pelas crianças.

Um recurso que vem crescendo no que tange ao conjunto metodológico é a análise do discurso. De acordo com Rosalind Gill(2002) a análise do discurso remonta às tradições da linguística crítica, semiótica social, teoria do ato da fala, etnometodologia e análise da conversação e o pós-estruturalismo. Segundo a autora, a análise do discurso pode ser descrita em quatro dimensões: a) uma preocupação com o discurso em si mesmo, b) uma visão da linguagem como construtiva e construída, c) uma ênfase no discurso como forma de ação e d) uma convicção na organização retórica do discurso. A análise do discurso é recomendada quando se quer mostrar a forma como se diz alguma coisa. Quando se quer apenas mostrar o que se fala a análise do conteúdo é o método recomendado.

A análise do discurso envolve algo mais do que saber o que se fala, envolve saber quem fala, para quem fala, como falam e para quem falam, pois o discurso pode ter inúmeras funções e significados. Gill (2002) apresenta de forma esquemática os passos para a análise do discurso, a saber: a) formular questões iniciais de pesquisa, b) escolher os textos a serem analisados, c) transcrever os textos em detalhe, d) fazer uma leitura cética e interrogar o texto, e) codificar, f) proceder a análise examinando regularidade e variabilidade nos dados e criando hipóteses tentativas, g) testar a fidedignidade e validade através da análise de casos desviantes, compreensão dos participantes e análise de coerência e h) descrever minuciosamente.

É importante acrescentar que as entrelinhas são muito importantes de serem verificadas na análise do discurso. As intenções não verbalizadas, mas inseridas na prática discursiva devem ser levadas em conta. Por isso, os textos analisados devem ser completos, incluindo a situação em que ele foi realizado, os objetivos para o qual prestou o texto e como foi recebido o texto.

A Psicologia Narrativa, descrita por Murray (2008), apresenta-se presente em nossa vida diária. Nascemos num mundo narrativo, vivemos nossa vida através das narrações e somos descritos em termos de narração, é por meio dela que ordenamos o real na desorganização do mundo e que obtemos a continuidade temporal e nos distinguimos uns dos outros. O autor traça um histórico da conquista de espaço da narrativa, especialmente na década de 1990, quando há especial atenção ao estudo da narrativa relacionando-a às construções teóricas dos modelos em desenvolvimento humano.

A narrativa é definida como uma interpretação organizada de uma sequência de eventos e a função narrativa primeira é ordenar a desordem. Como em nossas rotinas há problemas diários de saúde, financeiros, familiares e pessoais, a narrativa tem como primeiro sentido a restauração da ordem. As narrativas também provêem estrutura para o self identitário: os sujeitos se reconhecem nas histórias que contam sobre si mesmos aos demais, dando espaço aos estudos sobre self dialógico. Este processo de formação da identidade narrativa é dinâmico e ocorre em um contexto de mudança pessoal e social. Como operacionalização é válido ressaltar que a coleta de narrativas se dá pela entrevista, sendo este processo muito bem planejado e documentado. As descrições integrais permitem ao leitor fazer uma avaliação e extrair sentido. As entrevistas são analisadas a partir de duas fases: a descritiva e a interpretativa.

O estudo do abuso sexual intrafamiliar tem se beneficiado dos recursos narrativos, por permitir que o entrevistado sinta-se acolhido no relato de sua história. Apesar do difícil acesso ao conteúdo, ao narrar sua história, sente-se acolhido e não raro, apresenta reflexividade notável na fala, quando verbaliza insights não revelados anteriormente para si. Este fenômeno, percebido pelos entrevistadores ao longo do processo, corrobora a visão de Murray (2008), que defende a narrativa como uma ordenação da desordem. Para muitos informantes, este é o primeiro momento de tratar do assunto de forma a realizar uma organização de idéias a respeito do fato, que é muito desconfortável e para o qual tem condutas evitativas, defesas egóicas claras e compreensíveis, mas que mascaram a elaboração emocional do fenômeno e para a qual a narrativa pode ter o efeito de intervenção.

Grupos focais também são recursos da metodologia qualitativa que se mostram adequados ao estudo do abuso sexual, embora pouco explorados. Na maior parte, os grupos são delineados em termos de intervenção na forma de grupoterapia, mas ainda se mostram pouco expressivos como estratégias para a obtenção de dados em pesquisa. De acordo com Wilkinson (2008) o grupo focal é uma técnica qualitativa, não diretiva, cujo resultado visa o controle da discussão de um grupo de pessoas. Os participantes não se conhecem, mas possuem características comuns. O valor instrumental do grupo focal está na interação que se estabelece entre os participantes. Por isso, são apontados dois critérios básicos para o sucesso na obtenção dos dados: um efetivo moderador de grupo e uma boa preparação da sessão. O moderador deve mesclar habilidades de entrevista, de condução de dinâmica de grupos e execução de grupos focais. O desenho da sessão também precisa ser cuidadosamente planejado, definindo-se parâmetros necessários como número, tipo de participantes e formas de recrutamento e como serão registradas, transcritas e analisadas as sessões.

Como aponta Wilkinson (2008), o grupo focal merece muita atenção quanto aos cuidados éticos. Em se tratando do abuso sexual intrafamiliar, este item é condição fundamental para a sua realização. Aspectos como o a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, autorização institucional perante o trabalho a ser realizado: proteção à confidencialidade e não maleficência são princípios que precisam ser contemplados pelo pesquisador. O abuso sexual intrafamiliar traz uma dificuldade inicial que é o recrutamento das vítimas, que nem sempre permitem a discussão em grupo de suas histórias sofridas. Entretanto, esta modalidade tem sido utilizada em serviços de referência em saúde pública, no que tange aos programas voltados para o atendimento às vítimas de violência sexual, e tem mostrado eficiência, a depender da condução do moderador.

Faz-se necessário apontar os limites do grupo focal para a pesquisa com vítimas e agressores de violência sexual. Para esses sujeitos a exposição pública de seu sofrimento ou de sua conduta delitiva constitui-se em uma situação bastante evitada. As vítimas ainda são alvo de preconceito social que as faz temer como serão vistas em sociedade. Os agressores têm bastante dificuldade de admitir a responsabilidade por seu ato em virtude da possibilidade de responsabilização pela justiça. Em um grupo focal com egressos do sistema de internação e em cumprimento de penas alternativas, Costa, Jacobina, Castilho e Barreto (2011) encontraram muitas dificuldades de acessar as opiniões desses egressos, em função do receio deles de que as respostas os implicassem ainda mais perante o sistema judicial. Acrescente-se que essa pesquisa não tratava de agressores sexuais, mas sim de crimes contra o patrimônio.

As limitações da metodologia qualitativa

De acordo com Smedslund (2004), há várias impropriedades metodológicas cometidas comumente nos estudos de desenvolvimento. Os principais viéses encontrados referem-se ao fato de que há estudos pseudoempíricos, ou seja, há estudos cujas questões investigadas já se mostravam respondidas em sua própria formulação. Não se trata aqui de fazer apologia à metodologia qualitativa como se ela fosse uma panacéia para ciência. Ao contrário, estudos mostraram o quanto uma escolha metodológica apriorística não é garantia de alcance de relevância científica. Isso porque quem define o delineamento metodológico é a natureza do fenômeno a ser investigado e a questão específica a que se quer investigar.

De acordo com Valsiner (2007) os dois maiores problemas metodológicos da psicologia residem em tratar a metodologia como se esta fosse restrita a um tipo particular de método e a inabilidade para estudar o complexo processo dinâmico das vidas humanas. Com esta crítica, percebemos que no que tange aos estudos do desenvolvimento humano, há uma preocupação excessiva na obtenção de dados que podem ser quantificados que a análise dos processos de transformação, que podem ser ricamente significados, não são analisados em sua plenitude. No caso dos estudos sobre abuso sexual intrafamiliar, ainda em nível exploratório, este fenômeno das constatações já começa a despontar e estes alertas da literatura são bastante significativos para a tomada de decisão do pesquisador.

O pesquisador também é um limitador ou alargador das possibilidades da investigação. Segundo Branco e Rocha (1998), é preciso que o pesquisador esteja sempre ciente de que existem diferentes fatores que influenciam a sua pesquisa, de que ela não é neutra e que ele estará analisando parte dos aspectos que podem influenciar os resultados obtidos, questionando as relações entre método e dados obtidos, compreendendo que os dados talvez fossem outros dependendo da escolha metodológica.

Ainda sobre o pesquisador, há um elemento a ser considerado quando se pensa na pesquisa como um processo (Martínez, 2005), que é a criatividade do pesquisador. Para acesso às informações, mormente aquelas que emanam de contextos complexos, o processo de investigação deve contar com essa qualidade da criatividade para propor, suplementar os impasses das características do problema ou do sujeito pesquisado, oferecendo vias e modos alternativos para a minimização das dificuldades de acesso. O pesquisador inexperiente pode não se sentir confiante de usar variedade de instrumentos a fim de se aproximar das informações.

Outra dificuldade é a tradicional exclusão da cultura, que acaba se tornando o desafio do pesquisador do desenvolvimento atualmente. Isso porque quando se inclui a cultura nas pesquisas se desfaz a idéia de pretensa neutralidade científica uma vez que se considera o contexto sociocultural do investigador, do investigado e do processo de construção do conhecimento. Particularmente na compreensão do abuso sexual intrafamiliar, a adoção de metodologia interpretativa que leve em conta os significados culturais e permita a construção de quadros de referências interpretativos compartilhados coletivamente são propostas que podem dar maior visibilidade à pesquisa e, sobretudo, a relevância social tão desejável neste cenário.

É necessário "ver" e compreender o fenômeno da violência. Por "ver" refere-se à visualização do fenômeno em sua face numérica que aponta as tendências de crescimento, ou de territorialização, por exemplo. As políticas públicas se beneficiam desta face (Faleiros & Faleiros, 2001; Faleiros, 2010; Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil, 2002; Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes - Revisão, 2013). O compreender implica em uma ampliação das possibilidades de intervenção à medida que se conhece melhor as interações abusivas no universo intrafamiliar, por exemplo. A dimensão qualitativa da pesquisa também permite uma descrição do modo de atuar que implica em tipificação de serviço, como é o caso dos atendimentos executados pelo Centro de Referência especializada de Assistência Social (CREAS) (Costa et al., 2013; Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, 2009).

 

Considerações Finais

Compreendendo a complexidade que envolve a investigação do abuso sexual intrafamiliar e as questões éticas que se sobrepõem, os recursos para o acesso à subjetividade das vitimas precisam ser cuidadosamente desenvolvidos, sob pena de se tornarem revitimizadores e iatrogênicos, expressando uma conduta profissional que promova danos a quem já traz grandes sequelas da violência sofrida. Estes fatores apontam para a adoção de uma postura de responsabilização pelo investigador, com um compromisso ético de auxílio à vitima, com foco na prevenção de agravos e interrupção da cena de abuso. A utilização dos instrumentos disponibilizados pela metodologia qualitativa pode ser muito eficiente nessa tarefa, uma vez que tais recursos, em sua idealização, nunca se submetem à mera curiosidade sobre os fatos, mas remetem sim, a uma investigação que respeite a complexidade da revelação, buscando a compreensão dos sentidos subjetivos construídos pela vitima, que se apresentam como indicadores para a interpretação e intervenção. Dessa forma, acredita-se que os profissionais de pesquisa e também os que atuam na saúde pública possam se beneficiar com os construtos sistematizados apresentados, para que sirvam de arsenal instrumental para suas práticas, alertando-os para o cuidado que merece uma atuação nessa realidade.

 

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Recebido: 03/06/2013
Última revisão: 14/10/2013
Aceite final: 21/10/2013